UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL – FADIR 1º SEMESTRE – NOTURNO
Resumo de Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda
Campo Grande, Outubro de 2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL – FADIR 1º SEMESTRE – NOTURNO
Resumo de Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda Rafael Rodigheri Alves da Silva
Trabalho
apresentado
para
avaliação na disciplina Ciência Política e Teoria Geral do Estado, cursada no 1º Semestre do curso de Direito noturno da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – FADIR, ministrada pelo professor Márcio Canedo.
Campo Grande, Outubro de 2011
“La libertad, Sancho, es uno de los más preciosos dones que a los hombres dieron los cielos” (Miguel
de Cervantes Saavedra em Don Quijote)
SUMÁRIO Introdução
05
Fronteiras da Europa
06
Trabalho & Aventura
07
Herança Rural
07
O Semeador e o Ladrilhador
08
O Homem Cordial
09
Novos Tempos
10
Nossa Revolução
10
5
Introdução Raízes do Brasil ,
publicado em 1936, faz parte de uma trilogia despropositada de
livros chave sobre o passado do Brasil que exprimem a mentalidade ligada ao sopro de radicalismo intelectual e análise social após a década de 1930. O livro de Sergio Buarque de Holanda está cronologicamente no meio da trilogia três anos depois de Casa Grande & Senzala
de Gilberto Freyre e seis antes de Formação do Brasil Contemporâneo de Caio Prado
Júnior. As três obras foram inovadoras, cada qual por sua particularidade. Sergio Buarque adotou um estilo discreto, de poucas citações. Raízes do Brasil é um livro relativamente curto que ao contrário de Casa Grande & Senzala não explora a imaginação dos jovens. Mesmo assim, forneceu a estes informações suficientes para a compreensão das posições políticas e sociais do momento. Este parece ser o intento de Sergio Buarque desde o primeiro momento: transcrever a essência do brasileiro, compreender a sociedade a partir de sua formação para antever seu futuro.
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Fronteiras da Europa O capítulo 1 trata exatamente das contradições entre o novo mundo e a velha cultura, da incompatibilidade entre as condições naturais e a tradição milenar européia. Passa por uma análise da Península Ibérica para compreender a colonização da América. O tradicional personalismo, pouco desenvolvido em outros locais da Europa, é o traço comum e particular dos hispânicos. O espanhol e o português se vêem independentes de outros, filhos de seu próprio esforço, dependentes de si mesmos. O valor da pessoa humana determina sua autonomia em relação aos seus semelhantes. É deste personalismo que surge a tibieza da sociedade. Uma vez que o hispânico se vê com certa arrogância, dá pouco valor às instituições e as formas de organização. Faltalhes coesão social. Em Portugal havia o pensamento de que todos eram fidalgos, que viviam em terra onde todos eram barões. É resultado disto alguns episódios singulares das histórias de Portugal e do Brasil, além da frutificação de pensamentos anárquicos com mais facilidade. A desunião do povo não se trata de fenômeno moderno, mas histórico. O princípio da hierarquia não é forte entre os ibéricos, pois se funda em privilégios que os portugueses e espanhóis desde cedo perceberam ser injustos. Nem mesmo a comida do povo se distinguia da que era servida aos nobres lusitanos. O prestígio pessoal é que tem relação com esses privilégios e é independente da hereditariedade. Devido a esse culto ao merecimento, surgiu a repulsa pelo trabalho mecânico e atividades utilitárias, de que decorre por sua vez a falta de organização, porque o ibérico não renuncia às veleidades em benefício da sociedade. Essa mentalidade sempre fez os hispânicos terem menor apreço pelas teorias deterministas e negadoras do livre-arbítrio, preferindo as que exaltam o mérito, como a doutrina calvinista. Há uma invencível repulsa ao labor e ao culto ao trabalho. Não há depreciação pela falta do esforço como acontecia com a filosofia do artesanato medieval que condenava o "lucro torpe". Os ibéricos consideravam, e ainda hoje consideram embora com menos ênfase, que a atividade produtora é menos valiosa que a contemplação e o amor. Tal ideia vem desde a Grécia com a sofocracia. A carência dessa moral do trabalho se ajusta a pouca capacidade de organização social. Não há o esforço humilde e dedicado ao próximo que fortalece as interações sociais. A solidariedade só existe quando o sentimento é maior que o interesse, como na família ou entre amigos.
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Trabalho & Aventura Há dois princípios que regulam as atividades do homem: o do trabalhador e o do aventureiro. Este está entregue a ambição e a busca de novas experiências, preferindo o momentâneo, enquanto aquele prefere a segurança e vê o obstáculo antes da glória. Desses princípios surgem duas éticas e é justamente a ética do trabalho que não há em Portugal. Coube a esse espírito aventureiro do povo lusitano, o desbravamento dos mares e a descoberta da América. A conquista do trópico foi sua maior missão e a assumiram com naturalidade. Nessa conquista, ao trabalhador restou papel muito limitado. A colonização pelos holandeses, apesar de sua moral trabalhadora, não seria tão boa quanto defendem alguns. A falta de descontentamento com a Holanda não permitiu uma migração em massa, logo aqueles que de lá saíam para colonizar apenas buscavam riquezas e não queriam formar uma nova sociedade. Atrelado a isso, estava a inaptidão dos locais com a língua estrangeira e a incapacidade destes de adaptar suas distinções às condições naturais. Foi a falta de capacidade dos portugueses de estabelecerem aqui sua forma de vida que os levou a se adaptarem. A agricultura não possuía o mesmo desenvolvimento que a européia, mas apenas pela incompatibilidade do solo as práticas milenares. O arado teve de ser repensado, o cultivo também teve de ser adaptado. O gosto pelo ócio os fez adotar a mão de obra escrava. A princípio, tentaram com os índios, mas estes também cultuavam a indolência. Para desenvolverem a economia, trouxeram da África os escravos que serviram de engrenagem para o desenvolvimento brasileiro. Por séculos os negros foram utilizados para propulsionar a colônia. Não havia, entre eles, qualquer orgulho racial que discrimine outros povos, típico dos europeus continentais e nórdicos. O povo português já era mestiço antes da chegada ao Brasil. O trabalho escravo na metrópole, antes de 1500, com pretos vindos das possessões portuguesas de além-mar, possibilitou não só o desenvolvimento de Portugal como a mistura das raças. Os grêmios de trabalhadores e corporações de ofício seguindo os moldes europeus não vingaram em solo brasileiro.
Herança Rural O terceiro capítulo continua uma análise iniciada no capítulo anterior sobre a agricultura e a formação de uma cultura agrária no país. A escravidão negra foi a forma de adequação dos aventureiros as condições naturais do local a que chegaram e constitui a base da economia e da sociedade brasileiras.
8 Com essa base escravocrata, a sociedade brasileira entra em crise em 1888 com a abolição. Os valores e práticas até mesmo da cidade estavam estritamente ligados com o campo, uma vez que os intelectuais e políticos tinham suas economias graças, muitas vezes, aos pais agricultores. Junto aos libertos, veio uma grave instabilidade da economia que estava pautada a escravidão. O crédito e status, além de boa parte do capital, dos fazendeiros estavam nos negros, sendo eles a medida de referência para o voto censitário da Constituição da Mandioca. Até mesmo os que se aventuraram a mudar os investimentos antes da Áurea não obtiveram sucesso. Têm-se na figura de Mauá o exemplo da incompatibilidade da sociedade escravocrata, patriarcal e personalista com os avanços da forma de vida européia. A importância dos ruralistas estava embasada na economia e na tradição familiar e se manifestava na forma da supervalorização do talento e das atividades intelectuais. Ao contrário da Grécia e Roma Antigas, onde a terra era apenas fonte de renda, no Brasil tanto o escravo quanto seu senhor vivia na mesma terra e não muito distantes. Só em festas e solenidades os senhores costumavam sair de seus domínios para ir à cidade. A área urbana era tosca e concentrava apenas alguns funcionários da administração pública, mecânicos e mercadores. A estrutura da sociedade remetia ao Feudalismo, à Florença à época do Renascimento. O predomínio do ruralismo foi um fenômeno do esforço dos colonos e não imposição natural. Não foi nenhuma misteriosa "força centrífuga" que fez o Brasil ser rural, mas a vontade dos que fizeram o país.
O Semeador e o Ladrilhador O interesse português não estava na dominação absoluta da colônia. Fazia-se necessário apenas manter um domínio seguro contra outras nações para que não houvesse tentativas de invasão. Tal falta de interesse está explicitada no ruralismo. A fundação de cidades serve apenas para a criação de órgãos locais de poder. As cidades são a maior forma de dominação política, enquanto o ruralismo traz apenas uma dominação econômica. Era esta a procurada pelos portugueses. Uma riqueza fácil, ao alcance das mãos. A preocupação espanhola era ter um domínio completo das colônias: militar, econômico e político. Para isso criavam povoados e cidades com preferência das regiões mais continentais, por orientação da Coroa procuravam a interiorização, evitando a ocupação de rios e litoral.
9 Os lusitanos, por sua vez, preferiam a povoação mais fácil às margens de rios e do mar. Além da fácil manutenção das necessidades básicas, tinham também melhor capacidade de transporte e exportação dos produtos agrícolas. A povoação dos portugueses foi favorável aos seus objetivos, ao “lucro torpe”. Também encontraram a sorte pelas tribos indígenas
litorâneas serem predominantemente tupi, com uma língua comum. A Coroa Portuguesa só se preocupou em orientar a ocupação após décadas de descoberta devido ao ouro e diamante descobertos no interior do país, nas Minas Gerais. Ainda assim, a presença do rei se fez apenas para garantir o monopólio da extração pelos portugueses e assegurar que a parte devida a Coroa fosse paga. A interiorização do Brasil fezse pelas minas e pelos rios. Não havia interesse na estada permanente na colônia, mas sim no enriquecimento e retorno à “terrinha”. A medida que o lucro aumentava, os colonos adquiriram o comportamento de uma “Nova Nobreza” preocupada com as aparências. Surge neste capítulo a comparação do português com o “Semeador” preocupado apenas com a economia, enquanto o espanhol é tratado como o “Ladrilhador” que constrói as
cidades a fim de domínio.
O Homem Cordial O quinto capítulo aborda características que não são próprias dos brasileiros como consequência dos traços apontados anteriormente. Tem ele certa influência das "relações de simpatia" que dificulta a inserção em outros grupos que não a família. O brasileiro sente dificuldades com as relações impessoais do Estado, dos entes públicos e da personalidade pública, por isso procura transformá-las em relações pessoais e afetivas. Esta se trata de uma atitude extremamente nociva ao Estado que difere da família exatamente na origem, pois esta é regida pela afetividade enquanto aquele tem sua base no cidadão e em seus direitos, obrigações e responsabilidades. O homem cordial não deve ser bom, mas superficial. Pressupõe o predomínio dos comportamentos de aparência afetiva, não necessariamente sinceros. O conceito do homem cordial atualmente assume a máscara do "politicamente correto". O brasileiro tende a ser este homem cordial publicamente, acariciando egos. É exatamente o comportamento repreensível e inadequado nas relações impessoais que não devem se preocupar com a pessoa do outro, mas simplesmente com as relações mantidas.
10 É exatamente o comportamento impessoal que ele assume ao tratar das relações empregatícias. O empregado e o empregador mantêm um comportamento adequado ao Estado enquanto este mantém comportamento adequado àquele. Nos dois âmbitos esse erro é prejudicial, pois num aproxima aqueles detentores de poder (algo nocivo à democracia) e noutro afasta os que devem manter-se próximos em relação quase íntima.
Novos Tempos O desenvolvimento da mentalidade cordial e o personalismo fazem com que o brasileiro tenha uma aptidão natural para o social, mas afirme-se diante dos outros como independente, indiferente a lei onde esta o contrarie. O trabalho representa um acidente na vida da pessoa. O brasileiro procura no trabalho a satisfação pessoal normalmente investida na alta remuneração. Não há uma dedicação ao ofício pelo ofício, mas pelo seu retorno ao indivíduo. Ao contrário de outras culturas, não há um culto quase religioso ao trabalho, é difícil a figura do workaholic . O sucesso do positivismo tanto no Brasil como no Chile e no México se dá pela capacidade de resistência as mudanças da sociedade. Em sua construção há a ideia de manutenção do estado preexistente. Os positivistas brasileiros eram, em verdade, negadores. Não eram positivos em nenhum sentido da palavra. Ostentavam virtudes como a probidade e a sinceridade, mas de fato sua essência negadora nunca lhes deixou inspirar nenhum sentido positivo aos negócios públicos. A democracia brasileira não passa de um "lamentável mal-entendido". É construída por ideias vagas de um povo no poder. O conceito original foi adaptado pelos aristocratas no que não lhes era favorável e mantido o nome, um fantasma esquizofrênico.
Nossa Revolução O cafeeiro é a "planta da democracia" se comparado com a cana. As alterações na sociedade, o começo da urbanização, coincide com a mudança da lavoura. É o café uma cultura que exige menor extensão territorial, menor investimento de capital. A abolição também contribuiu enormemente para as mudanças, já que injetou população livre na sociedade e compeliu a importação de mão de obra européia. O fazendeiro mudou-se para a cidade passando a ver o campo como fonte de renda e não mais como moradia. O Estado precisava acompanhar a evolução da economia e consequentemente da sociedade. Os barões do açúcar já estavam enfraquecidos, golpeados fatalmente pelas medidas contra a escravidão e não tinham força político-econômica para se oporem às inovações.
11 Diante disto, restou ao Estado duas opções: substituir os poderosos ou criar novas leis para interferir na vida do povo. A República, portanto, não criou um patriciado. Mudou as diretrizes do poder, tirando-as do campo e trazendo-as para a cidade. Há uma confusão dos princípios democráticos com o personalismo em razão da esquizofrenia existente na nossa democracia. É inegável que em nossa vida política o personalismo pode ser em muitos casos uma força positiva e que ao seu lado os lemas da democracia liberal parecem conceitos puramente ornamentais ou declaratórios, sem raízes na realidade. Contudo, não se pode afirmar nossa incompatibilidade absoluta com a democracia. Os povos americanos conservam uma repulsa a qualquer hierarquia racional que cause obstáculo grave à autonomia do indivíduo. Também há uma impossibilidade de resistir a influências, como a vida urbana, que são aliadas naturais da democracia liberal. Além da inexistência dos preconceitos de raça e cor.