MODRIS EKSTEINS
A SAGRAÇÃO DA PRIMAVERA ^ A GRANDE GUERRA E O NASCIMENTO DA ERA MODERNA
Tradução de ROSAURA EICHENBERG
/
Rio de Janeiro Janeir o — 19 1992 92
Título original RITES OF SPRING Copyright ©
19 1989 89 by Modris Eksteins
Direitos para a língua portuguesa reservados, com exclusividade para o Brasil, à EDITORA ROCCO LTDA. Rua da Assemblé Asse mbléia, ia, 10 Gr. 3101 Tel.: 224-5859 Telex: 38462 e d r c b r Prin Pr inted ted in Braz///Impresso
no Brasil
preparação de originais Jo s é La u r e n i o
de
Me l o
revisão Qc
ba l Sa n d r a Pá s s a r o / We n d e l l Se t ú ba po l s k y H e n r i q u e Ta r n a po
— LÍX íV ' r sldade sldade de Bras Brasil ilia ia \
• ]V[AIRA#pa r u l l a < 340.3 -
é e o 2*
CÍP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
E39s
Eksteins, Modris, 1943A sagração da primavera: a grande guerra e o nascimento nasci mento da era moderna / Modris Eksteins; tradução de Rosaura Rosaura Eichenberg. Eichenber g. — Rio de Janei Janeiro: ro: Rocco, Roc co, 1991. 1991. Tradução de: Rites of spring. 1. Guerra Mundial, 1914-1918. 1914-1918. 2. História Histór ia moderna — Século Sécu lo XX. XX . I. ^Títu ^Título. lo.
91-0045
CDD — 940.3 940.31 CDU — 940.3
Título original RITES OF SPRING Copyright ©
19 1989 89 by Modris Eksteins
Direitos para a língua portuguesa reservados, com exclusividade para o Brasil, à EDITORA ROCCO LTDA. Rua da Assemblé Asse mbléia, ia, 10 Gr. 3101 Tel.: 224-5859 Telex: 38462 e d r c b r Prin Pr inted ted in Braz///Impresso
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Eksteins, Modris, 1943A sagração da primavera: a grande guerra e o nascimento nasci mento da era moderna / Modris Eksteins; tradução de Rosaura Rosaura Eichenberg. Eichenber g. — Rio de Janei Janeiro: ro: Rocco, Roc co, 1991. 1991. Tradução de: Rites of spring. 1. Guerra Mundial, 1914-1918. 1914-1918. 2. História Histór ia moderna — Século Sécu lo XX. XX . I. ^Títu ^Título. lo.
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Para Jayne
SUMÁRIO
Prefá Prefáci cioo . . ............ Prólogo: Prólogo: Veneza ................................................................ ................................. ...............................
11 17
PRIMEIRO ATO
I. PARIS .......................................................................... Visão .................................................................................. 29 de maio de 191 19133 Le Théâtre des Champs-Élysées ..................................... Diaghilev e os Ballets Ballets Russes ............ ...... ........... ........... ........ ................ Rebelião .............................................................................. Confronto e liberação ...................................................... O público .......................................................................... O escândalo como sucesso .............................................
25 25 26 34 39 54 61 67 75
II. II . BERLIM BERLIM
.................................. 81 ........................................................................ 81 Ver sacrum Abertura Abe rtura ........................ 92 Técnica .............................................................................. 99 A capital ............................ 103 ................................................................................ 106 106 Kultur Cultura e revolta ...................... .................................. v... 111 A guerra como cultura ................................................. 123 .
I II. II . NOS CAMP CAMPOS OS DEFLANDRES DEFLANDRES ............................. Um recanto de um campo estrangeiro ........................... Canhões Canhões de ago agosto sto ............................................................ Paz na terra ter ra ...................................................................... O porquê porqu ê .........................................................................
130 130 1300 13 1344 13 147 154
Síntese Síntese vitoriana vitorian a .............................................................. Ainda há mel mel para par a o chá? .............................................
171 1755 17
SEGUNDO ATO
IV. RITOS DE GUERRA ............................................. 18 1822 O balé da batalha bata lha ............................................................ 18 1822 Temas .............................................. 1866 18 Para Par a além dos valores estabelecidos es tabelecidos ............................. 203 V. A RAZÃO NA LOUCURA ..................................... Não lhes cabia saber a razão .............................. ............................. . .......... .......... Dever ...................................................
220 220 228
VI. DANÇA SAGRADA ................................................ O deus da guerra .......................................................... Congregação ..........
247 247 260
VII. VIAGEM VIAGEM INTERIOR INTERIO R A guerra como arte .................................... A arte co como mo forma .............. .................... ............. .............. ............. ............. ............... ...........• ...• Arte e moralidade ........ ............... .................... ............. ............... ............ ........: ...: . Vanguarda ...........
267 267 267 276 286
2911 29
TERCEIRO ATO
VIII. DANÇARINO NOTURNO .................................. O novo Cristo Cristo .................................................................. Estrela ................. Para que não esqueçamos .............. Itinerário Itine rário e símbolo símbolo ................................................... Novos Novos mundos e o antigo antigo ............................................... Associações ........ .
IX. MEMÓRIA ............................................................... A valorização da guerra .................... Vida da morte ................................................................. Fama ................................................. O malabarista das nuvens ........................................... .
.
309 309 317 3233 32 3333 33 3411 34 346 350
350 353 362 378
X. PRIMAVERA SEM SEM FIM .......................... 3811 38 Alemanha, desperta! ............................ 3811 38 Herói vítima .................................................. 386 A arte como como vida .............................................................. 394 ............................................. O mito como realidade 398 “Es ist ein Frühling ohneEnde!” ohneEnde!” ...................... 410 AGRADECIMENTOS AGRADECIMEN TOS NOTAS
.......................................
419
................................................................................... 42 4211
FONTES SELECIONADAS
453
ÍNDICE REMISSIVO ............................
455
D U A Z A H C 1
PREFACIO
Quando nos aproximamos dos arredores de Verdun na Route Nationale 3, vindo de Metz, Metz, tendo já contemplado com prazer praze r a serenidade das colinas e prados ondulantes do campo dos Vosges e a disciplinada guarda de honra de robustos carva lhos, somos de repente surpreendidos, a alguns quilômetros da cidade, por uma vista lúgubre. Um borrão na paisagem. Um cemitério. Empilhados à beira da estrada estão cadáveres esmagados, corpos amassados, esqueletos cintilantes. Mas é um cemitério sem cruzes, sem lápides, sem flores. Poucos são os visitantes. Em geral os viajantes nem notam o lugar. Mas é um memorial ilustre do século XX é de nossas referências culturais. Muitos diriam que é um símbolo de valores e obje tivos modernos, de nossa luta e de nossos remorsos, a inter pretação pretaç ão contemporânea do conjuro de Goethe, stirb und werde, “morre e transmuda-te”. É um cemitério de auto móveis. Se você continua até Verdun, atravessa a cidade e depois toma o rumo de nordeste por estradas secundárias, pode achar o caminho que leva a um cemitério maior. Este tem cruzes. Milhares delas. Fileiras e fileiras. Simétricas. Brancas. Todas iguais. Mais gente passa hoje pelo cemitério de automóveis do que por este. Mais gente se identifica com os carros esma gados do que com o horror agora impessoal que este cemitério evoca. Este é o cemitério em memória dos que morreram du rante a batalha de Verdun na Primeira Guerra Mundial. Este livro fala de morte e destruição. É um discurso sobre cemitérios. Mas, como tal, é também um íivro sobre o “transmudar-se”. Um livro sobre o aparecimento, na primeira me tade deste século, de nossa consciência moderna, especifica11
mente de nossa obsessão com emancipação, e sobre o signifi cado da Grande Guerra, como era chamada antes da defla gração da Segunda Guerra Mundial, no desenvolvimento dessa consciência. E embora pareça, ao menos superficialmente, que um cemitério de automóveis, com todas as suas implicações — “Acho que os carros são hoje o equivalente cultural das grandes catedrais góticas”, escreveu Roland Barthes —, tenha um significado bem maior para a mentalidade contemporânea do que um cemitério da Primeira Guerra Mundial, este livro ten tará mostrar que os dois cemitérios estão relacionados. Para que vingasse a nossa preocupação com a velocidade, o novo, o transitório e a interioridade — com a vida vivida, como se diz na gíria, “na pista de alta velocidade” —, toda uma escala de valores e crenças teve de ceder o lugar de honra, e a Grande Guerra foi, como veremos, o acontecimento mais significativo nessa evolução. Nosso título, adaptado de um balé que é um marco de modernismo, sugere nosso motivo principal: o movimento. Um dos símbolos supremos de nosso século centrífugo e parado xal, quando na luta pela liberdade adquirimos o poder da destruição final, é a dança da morte, com sua ironia niilistaorgiástica. A sagração da primavera, que foi apresentada pela primeira vez em Paris em maio de 1913, um ano antes da de flagração da guerra, talvez seja, com sua energia rebelde e sua celebração da vida através da morte sacrificial, a oeuvre emblemática do mundo do século XX que, em sua busca de vida, matou milhares de seus melhores seres humanos. Ini cialmente, Stravinsky pretendia dar à sua partitura o título de A vítima . Para demonstrar o significado da Grande Guerra devese, é claro, lidar com os interesses e as emoções nela envol vidos. Este livro aborda esses interesses e emoções nos termos amplos da história^ cultural. Este gênero de história deve se preocupar com algo mais do que a música, o balé e ás outras artes, com algo mais até do que automóveis e cemitérios; deve afinal desenterrar hábitos e princípios, costumes e valores, tanto enunciados quanto pressupostos. Por mais difícil que seja a tarefa, a história cultural deve, pelo menos, tentar captar o espírito de uma era. 12
Esse espírito deve ser localizado no senso de prioridades de úma sociedade. Balé, filmes e literatura, carros e cruzes podem fornecer indícios importantes dessas prioridades, mas estas últimas serão encontradas mais abundantemente na res posta social a estes símbolos. Na sociedade moderna, como este livro irá demonstrar, o público das artes, como o dos hobbits* e heróis, é, do ponto de vista do historiador, uma fonte de testemunhos até mais importante para a identidade cultural do que os documentos literários, artefatos artísticos ou os próprios heróis. A história da cultura moderna deve ser, portanto, uma história não só de respostas mas também de desafios, uma descrição tanto do leitor quanto do romance, tanto do espectador quanto do filme, tanto da platéia quanto do ator. Se esta idéia é apropriada ao estudo da cultura moderna, então também é pertinente ao estudo da guerra moderna. Qua se toda a história de guerra é escrita com um foco estreito sobre estratégia, armas e organização, sobre generais, tanques e políticos. Relativamente pouca atenção é dada ao moral e à motivação dos soldados comuns numa tentativa de avaliar, em termos amplos e comparativos, a relação entre a guerra e a cultura. O soldado desconhecido se encontra à frente e no centro de nossa história. Ele é a vítima de Stravinsky. Como todas as guerras, a de 1914 foi considerada, ao irromper, uma oportunidade não só de mudança, mas tam bém de confirmação. A Alemanha, cuja unificação só ocorreu em 1871 e que no espaço de uma geração se tornara uma temível potência militar e industrial, era, às vésperas da guer ra, a representante mais avançada da inovação e da renovação. Apresentava-se, entre as nações, como a própria encarnação do vitalismo e do brilho técnico. Para ela, a guerra devia ser uma guerra de libertação, uma Befreiungskrieg, da hipo crisia das formas e conveniências burguesas, e a Grã-Bretanha lhe parecia a principal representante da ordem contra a qual se rebelava. A Grã-Bretanha constituía, de fato, a principal potência conservadora do mundo do fin-de-siècle. Primeira
*
Personagens do ficcionista inglês J. R. R. Tolkien.
13
nação industrial, agente da Pax Britannica, símbolo de uma ética da iniciativa e do progresso baseada no parlamento e na lei, a Grã-Bretanha sentia que não apenas a sua primazia no mundo mas todo o seu modo de vida estava ameaçado pela avassaladora energia e instabilidade que a Alemanha pa recia tipificar. O envolvimento britânico na guerra de 1914 iria converter uma luta pelo poder continental em verdadeira guerra de culturas. Ao mesmo tempo que as tensões se desenvolviam entre as nações neste mundo da virada do século, conflitos funda mentais vinham à tona em quase todas as áreas da atividade e do comportamento humano: nas artes, na moda, nos costu mes sexuais, nas relações entre as gerações, na política. Todo o motivo da libertação, que se. tomou tão predominante no nosso século — seja a emancipação das mulheres, dos homos sexuais, do proletariado, da juventude, dos desejos, dos povos —, aparece na virada do século. O termo avant-garde tem sido em geral aplicado apenas a artistas e escritores que de senvolveram técnicas experimentais no seu trabalho e inci taram a rebelião contra as academias estabelecidas. A noção de modernismo tem sido empregada para abarcar tanto esta vanguarda quanto os impttlsos intelectuais que estavam por trás da busca de libertação 't do ato de rebeldia. Poucos crí ticos se arriscaram a estender estas noções de vanguarda e de modernismo aos agentes não só artísticos mas também sociais e políticos da revolta, e ao ato de rebelião em geral, com o intuito de identificar uma ampla onda de emoção e empenho. É o que este livro tenta fazer. A cultura é consi derada um fenômeno social, e o modernismo, o principal im pulso de nosso tempo. O livro sustenta que a Alemanha foi a nação modernista par excellence de nosso século. Como a vanguarda nas artes, a Alemanha foi varrida por um zelo reformista no fin-de-siècle e, por volta de 1914, pas sara a representar, tanto para si mesma quantò para a comu nidade internacional, a idéia do espírito em guerra. Depois do trauma da derrota militar em 1918, o radicalismo na Ale manha, ao invés de se atenuar, se acentuou. O período de Weimar, de 1918 a 1933, e o Terceiro Reich, de 1933 a 1945, foram estágios de um processo. A vanguarda tem para nós 14
um eco positivo, as tropas de assalto, uma conotação assusta dora. Este livro sugere que talvez haja entre esses dois termos uma relação fraterna que vai além de suas origens militares. Introspecção, primitivismo, abstração e construção de mitos nas artes, bem como introspecção, primitivismo, abstração e construção de mitos na política, talvez sejam manifestações afins. O kitsch nazista pode ter uma relação de sangue com a religião intelectualizada da arte, proclamada por muitos modernos. O nosso século é um período no qual a vida e a arte se misturaram, no qual a existência tornou-se estetizada. A his tória, como um dos temas deste estudo. tentará mostrar, cedeu grande parte de sua autoridade passada à ficção. Em nossa era pós-modernista, entretanto, uma solução conciliatória talvez seja possível e necessária. Em busca dessa solução nosso re lato histórico segue a forma de um drama, com atos e cenas, na acepção plena e diversificada dessas palavras. No princí pio era o acontecimento. Só mais tarde veio a conseqüência.
BIBLIOTEr.A
15
PRÓLOGO: VENEZA ‘Stava em Veneza, Ponte dos Suspiros; Um cárcere e um palácio em cada mão. L o f d By r o n 1818
Veneza, cidade dos doges, cidade do esplendor da Renascença, cidade de lagunas, reflexos e sombras, é a cidade da imagi nação. É uma cidade de espíritos para além do tempo men surável. É uma cidade de sensações e, acima de tudo, de inte rioridade. Veneza, com seus espelhos e miragens, é o lugar onde Richard Wagner encontrou inspiração para sua ópera Tristão e Isolda, torturada celebração da vida, do amor e da morte, e onde morreu em 1883, no Palazzo Vendramin Calerghi, num quarto com vista para o Canal Grande. Veneza também era a cidade favorita de Sergei Pavlovitch Diaghilev, que mor reu no Grand Hotel des Bains de Mer no Lido, em agosto de 1929. Wagner tentou unir todas as artes em sua grandiosa ópera; Diaghilev tentou unir todas as artes em seu;grandioso balé. Um criou; o outro foi artífice. Ambos foram símbolos de suas épocas. Ambos encontraram inspiração em Veneza. Ambos vieram a Veneza para morrer. Diaghilev nasceu na província de Novgorod na Rússia, em março de 1872, numa caserna. Seu pai era oficial da guar da imperial, um leal e dedicado servidor do czar. O filho visi tou Veneza pela primeira vez em 1890, aos dezoito anos, na companhia de seu primo e amante Dmitri Filosofov. Foi tam bém a Veneza que ele levou Vaslav Nijinsky, o jovem baila rino polonês, depois da primeira grande temporada de ambos em Paris, em 1909. Diaghilev tinha trinta e sete anos, Nijinsky vinte e um. Hospedaram-se no Grand Hotel des Bains, o em presário e seu novo e jovem amante. Vaslav ia freqüentemente 17
banhar-se e tomar sol. Diaghilev ficava observando. Ele nunca se banhava em público. Passados dois anos, em 1911, Thomas Mann, que era três anos mais moço do que Diaghilev e atribuía a Wagner a maior influência sobre sua sensibilidade juvenil, e que em 1902 dedicara uma narrativa ao tema de Tristão, hospedou-se no Grand Hotel des Bains e pouco depois concluiu Morte em Veneza, sua novela sobre um famoso artista de Munique, Gustav Aschenbach, que também não se banhava em público mas amava Veneza, “esta mais improvável das cidades”,1 e um outro jovem polonês, Tadzio. Aschenbach sentava-se na praia, admirando o garoto polonês, para ele o símbolo da beleza perfeita. Quando a admiração se transformou em pai xão, Veneza foi invadida pela cólera asiática. Como Diaghilev, Aschenbach nasceu na província, numa pequena cidade da Silésia. Como Diaghilev, era filho de um servidor do Estado, neste caso um alto funcionário da justiça, e sua família também era cheia de oficiais, juízes e funcio nários. Aschenbach, como Diaghilev, hospedou-se no Grand Hotel des Bains no Lido. Nas longas manhãs, na praia, seu olhar pesado descansa va, imprudente e fixo, sobre o garoto; ao cair da tarde o seguia, sem qualquer sentimento de vergonha, pelas ruas estreitas da cidade, onde a morte horrenda também « circulava furtivamente; nessas horas, tinha a impressão de que a lei moral se anulara e só o monstruoso e per verso oferecia uma esperança. Na manhã do dia em que Tadzio devia partir, Aschenbach viu-o lutar na praia com outro rapaz estrangeiro, um sujeito forte, Jaschiu. Tadzio foi rapidamente dominado. “Fazia es forços espasmódicos para se livrar do outro, parava de moverse e depois começava fracamente a se contorcer.” Momen tos depois Aschenbach morreu. Passaram-se alguns minutos antes que viessem socorrer o velho prostrado na cadeira. Levaram-no para o seu quarto. E antes do anoitecer um mundo comovido e res peitoso recebeu a notícia de sua morte. 18
Diaghilev conhecia bem a novela de Mann. Presenteou amigos íntimos com exemplares dó livro. Anton Dolin rece beu um exemplar no dia do seu aniversário em julho de 1924. Em agosto de 1929, Diaghilev, então com cinqüenta e sete anos, deixou seu mais recente protegido, o jovem Igor Markevitch de dezesseis anos, em Munique, onde os dois ha viam assistido a uma representação de Tristão, e retornou ao Grand Hôtel des Bains em Veneza. Os bailarinos Boris Kochno e Serge Lifar, dois dos novos amantes de Diaghilev, vieram juntar-se a ele alguns dias mais tarde. Diaghilev, que era diabético, morreu em 19 de agosto. Misia Sert estava presente, junto com Kochno e Lifar. Depois que a enfermeira anun ciou a morte, Kochno.jsohando um berro terrível, lançou-se de repente sobre Lifárí q sejmiu-se uma luta feroz, com mor didas, arranhões e pcjínt^bé^A^Dois cachorros doidos lutavam pelo corpo de seu^^tójno7, comentou Misia.2 Dois dias depois, uma gôndola transportou o iorpo de Diaghilev para o cemi tério da ilha de San Michele, onde ele está enterrado. A ins crição na sua lápide diz:
Venise, Inspiratrice Éternelle de nos Apaisements* Se r g e d e D i a g h i l e v 1872-1929
Serge Diaghilev e Thomas Mann nunca se conheceram, ao que parece. Mas a vida de um e a imaginação do outro se sobrepuseram num grau evidentemente extraordinário. Coin cidência é o nosso termo para a concomitância que não é fruto de uma vontade consciente e que não podemos explicar em nenhum sentido definitivo. Entretanto, se nos afastamos do mundo restritivo da causalidade linear e pensamos em ter mos não de causa mas de contexto e confluência, é inegável que havia muitas influências — para começar, as de Veneza e de Wagner — operando na imaginação de Mann e de Dia ghilev, dois gigantes do senso estético do século XX, influên
*
Veneza, inspiradora eterna de nossos apaziguamentos.
19
cias que levaram o primeiro a criar uma certa ficção e o outro a levar uma vida extraordinariamente próxima dessa ficção. Além disso, cabe perguntar se a novela de Mann foi menos real do que a vida de Diaghilev. Heinrich Mann, numa resenha sobre o livro de seu irmão, percebeu que a questão central de Morte em Veneza era saber “o que veio em pri meiro lugar: a realidade ou a poesia?”3 Em seu Esboço de vida de 1930 Thomas Mann falou do "simbolismo inato” e da "honestidade de composição” de Morte em .Veneza , um enredo, afirmava ele, "tirado simplesmente da realidade”. Nada foi inventado, garantia, nenhum dos cenários, nenhuma das personagens, nenhum dos acontecimentos. Tadzio, como ficou estabelecido desde então, foi de fato um certo Wladyslaw Moes, um jovem polonês de férias em Veneza. Jaschiu era um tal Janek Fudakowski. Aschenbach tinha uma clara semelhança com Gustav Mahler, que morreu em 1911. Thomas Mann, cuja arte é em geral notável por sua fusão de expe riências autobiográficas e imaginárias, chamava sua novela de ."uma cristalização”.4 Portanto, onde termina a ficção e onde começa a reali dade? Talvez mesmo formular essa pergunta seja pressupor uma falsa antítese. Para Mann, o mundo exterior só tinha inte resse como fonte de arte; a vida estava subordinada à arte. E Diaghilev tentou levar a vida de uma personagem de fic ção, um Rastignac moderno com a aparência de um Des Esseintes ou de um Charlus. Na virada do século Theodor Herzl escrevia que "o sonho não é tão diferente da realidade como muitos acreditam. Toda a atividade dos homens começa como sonho e, mais tarde, torna-se sonho outra vez”. Aproximada mente nessa mesma época Oscar Wilde podia tomar .uma po sição- caracteristicamente provocadora sobre a questão: "Uma pessoa deveria viver de modo a se tornar uma forma de fic ção. Ser um fato é ser um fracasso.”5 Apesar de anunciar a intenção oposta, Marcei Duchamp tornaria indistintos os limi tes entre a arte e a vida, ao inserir objetos reais na sua obra. Justapondo uma face européia e uma máscara africana em sua fotografia, Man Ray misturaria tempo, cultura e história. Truman Capote e Norman Mailer escreveriam "romances não 20
ficcionais” e Tom Wolfe, com seu "novo jornalismo”, apre sentaria a seus leitores o que um crítico chamou de "fábulas de fatos reais”.6 Se há um único tema central na estética de nosso século, é o de que a vida da imaginação e a vida da ação são uma coisa só. Serão? Não será tal fusão apenas a postulação autojustificadora do artista do século XX? Um plágio moderno do poeta-legislador de Shelley? Entretanto, talvez haja alguma verdade na afirmação. Talvez em grande parte do século XVIII e durante todo o século XIX o reino das idéias tenha sido mais distinto do mundo da ação e da realidade social. As duas esferas se achavam separadas por um senso moral, um código social. Era muito mais provável que as idéias sur gissem de um conjunto prescrito de princípios morais, deri vado essencialmente do cristianismo e, parenteticamente, do humanismo. A ação e o comportamento deviam ser interpre tados em função dos mesmos princípios. Esse amortecedor, entre pensamento e ação, um código moral positivo, desin tegrou-se no século XX, e desse modo, no colossal roííiantismo e irracionalismo de nossa era, a imaginação e a ação caminharam juntas e até se fundiram. A sensação é tudo. O fantasma tornou-se realidade e a realidade um fantasma. De fato, John Ruskin descreveu Ve neza como um "fantasma” sobre as areias do mar, tão fraca — tão quieta — tão destituída de tudo, menos de seu encanto, que bem po deríamos ficar em dúvida, ao observar seu pálido refle xo na miragem da laguna, sem saber qual era a Cidade e qual a Sombra.7 Todos nos tornaremos venezianos, predisse Friedrich Nietzsche: "Uma centena de profundas solidões forma a cidade de Veneza — esta é a sua magia. Um símbolo para a humanida de futura.”8 Em 1986, enquanto Veneza continuava a deslizar para o mar com uma rapidez perturbadora, uma exuberante exposi ção, no valor de três milhões de dólares, intitulada "Futuris mo e Futuristas”, ocorria no Palácio Grassi no Canal Grande. 21
PRIMEIRO ATO
I
PARIS
Novas meditações me provaram que as coisas devem avançar com os artistas à frente, seguidos pelos cientis tas, e que cs industriais devem vir depois dessas duas classes. He n r i
de
Sa i n t -Si mo n
1820
Sou tremendamente sensível a certas belezas físicas — dançarinas etc. — e com elas crio uma espécie de pa raíso artificial na terra. Preciso estar perto da dança para viver. Acho que foi Nietzsche quem' escreveu: “Só terei fé cm Deus se ele dançar/’ Lo u i s -Fe r d i n a n d
Cé l i n e
Quem concebeu esse perverso Rito da Primavera? Qual foi o maldito que achou de malferir nossos ouvidos com rangidos e roncos e estampidos? Carta ao Boston Herald 1924
VISÃO
O libreto, do próprio punho de Igor Stravinsky, diz, traduzido: A sagração da primavera é uma obra musical coreográfica. Representa a Rússia pagã e é unificada por uma só idéia: o mistério e o jorro de poder criativo da Pri mavera. A peça não tem enredo. . . 25
Primeira Parte: O Beijo da* Terra. A celebração da primavera. . . Os flautistas tocam e os rapazes lêem a sorte. Entra a velha.. Ela conhece o mistério da natu reza e sabe predizer o futuro. Entram, vindas do rio, em fila indiana, moças de rostos pintados. Elas executam a dança da primavera. Os jogos começam. .. As pessoas dividem-se em dois grupos, um oposto ao outro. A pro cissão sagrada dos velhos sábios. O mais velho e mais sá bio interrompe os jogos da primavera, que ficam parali sados. Todos param, trêmulos... Os velhos abençoam a terra primaveril... Todos dançam apaixonadamente sobre a terra, santificando-a e unindo-se com ela. Segunda Parte: O Grande Sacrifício. Durante toda a noite as virgens praticam jogos misteriosos, caminhando em círculos. Uma das virgens é consagrada como vítima e é duas vezes designada pelo destino, sendo apanhada duas vezes na dança perpétua. As virgens homenageiam a escolhida com uma dança conjugal. Invocam os ances trais e entregam a escolhida aos cuidados dos velhos sá bios. Ela se sacrifica em presença dos velhos na grande dança sagrada, o grande sacrifício.1
29 DE MAIO DE 1913
Muitos pretenderam descrevê-la — aquela noite de estréia de Le Sacre du printemps em 29 de maio de 1913, uma quinta-feira, no Théâtre des Champs-Élysées: Gabriel Astruc, Romola Nijinsky, Igor Stravinsky, Misia Sert, Marie Rambert, Bronislava Nijinska, Jean Cocteau, Carl Van Vechten, Valen tine Gross. Seus relatos entram em conflito a respeito de detalhes significativos. Mas num ponto todos concordam: o acontecimento provocou uma reação sísmica. Muitos na platéia estavam èxcepcionalmente elegantes na quela noite, quando chegaram para a abertura do pano às 8:45h. Todos se mostravam excitados. Durante semanas ha viam circulado rumores sobre as delícias artísticas que a com 26
panhia de balé russo tinha preparado para a nova temporada em Paris. Publicidade antecipada falava da “arte real”, da “verdadeira arte” que Paris experimentaria, uma arte não confinada no tempo e no espaço. Os preços dos ingressos tinham dobrado. Havia certamente uma atmosfera de expec tativa. A première dos Jeux de Debussy, coreografados e dan çados por Nijinsky, acontecera duas semanas antes — pri meiro balé já apresentado com trajes modernos, neste caso as roupas esportivas da época — e tivera uma recepção fria até por parte daqueles que simpatizavam com a arte moderna. Grande virtuosismo fora esperado do novo Vestris, Nijinsky; apenas movimentos infantis, pensavam muitos, tinham sido executados. Um “exercício despropositado de afetação”, es creveu Henri Quittard sobre o espetáculo em Le Figaro, su gerindo que o público teria ficado mais feliz escutando só a música.1 Muitos então previam que Le Sacre compensaria aquela decepção e reviveria o encantamento e a sensação de anteriores “temporadas russas”, quando a alta sociedade pari siense, junto com a comunidade intelectual e artística, se em briagara de bacanais orientais e outros exotismos. Nesta noite o beau monde estava bem representado. Con tra o fundo preto e branco das casacas e o vermelho-púrpura luxuoso da decoração do teatro, tiaras cintilavam e sedas fluíam. Além dos esnobes sociais ricamente vestidos, havia esnobes estéticos que tinham vindo em roupas comuns, alguns com bandeaux, outros com chapéus de feltro, que eram con siderados um sinal de revolta contra as cartolas e os chapéusde-coco rígidos das classes altas. Gabriel Astruc afirmou que estavam presentes uns cinqüenta fãs apaixonados dos russos, incluindo aqueles que ele chamou de “stravinskianos radicais com seus chapéus de feltro”.2 Cabelos compridos, barbas e bigodes também eram abundantes. Da multidão de estetas, enchapelados ou hirsutos, presentes neste e em outros acon tecimentos semelhantes, Cocteau dizia que “aplaudiam as no vidades ao acaso, apenas para demonstrar desprezo pelo pes soal dos camarotes”.3 Em suma, estava presente uma claque pronta a lutar contra a esterilidade. A vestimenta, entretanto, não era um meio seguro de identificar inclinação artística ou qualquer outra em 1913.
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i o t e c a
A imprevisibilidade era a moda mais elegante. Numa subseqüente representação de Le Sacre, Gertrude Stein observaria o poeta Guillaume Apollinaire — que se proclamava o “juiz desta longa briga entre a tradição e a inovação” — nas ca deiras da platéia. Ele estava com um traje a rigor e muito ocupado em beijar as mãos de várias damas de ar importante. Foi o primeiro de seu grupo a aparecer no mundo da alta socie dade, de traje a rigor e beijando mãos. Nós nos diverti mos muito e ficamos muito satisfeitas ao vê-lo comportando-se desse modo.4 Em outras palavras, choque e surpresa eram o máximo da elegância. Independentemente das vestimentas, o público naquela noite de estréia representou, como Cocteau observou, “o pa pel escrito para ele”. E qual era esse papel? Escandalizar-se, é claro, mas, ao mesmo tempo, escandalizar. O bruaá em torno de Le Sacre estava tanto nas reações de membros do público a seus pares quanto na própria obra. Em certos mo mentos os bailarinos no palco devem ter se perguntado quem fazia o espetáculo e quem era público. Pouco depois dos primeiros compassos da melancólica melodia do fagote começaram os protestos, primeiro com asso bios. Quando a cortina subiu e os dançarinos apareceram, dando pulos e, contra todas as convenções, os pés virados mais para dentro do que para fora, os gritos e as vaias se fizeram ou vir. “Já tendo caçoado do público uma vez”, escreveu Henri Quittard em Le Figaro, referindo-se aos Jeux, “a repetição da mesma piada, de modo tão desajeitado, não foi de muito bom gosto”.5 Transformar o balé, a mais efervescente e fluida das formas de arte, em caricatura grotesca era insultar o bom gosto e a integridade do público. Tal era a atitude da oposi ção. Sentia-se ofendida. Zombava. O aplauso era a resposta dos defensores. E assim travou-se a batalha. Trocaram-se certamente insultos pessoais; é provável que também alguns socos; talvez cartões, para arranjar uma forma de satisfação mais tarde. Se houve duelo ou não na manhã seguinte como resultado dos insultos, como assegura a melo28
dramática Romola Nijinsky; se uma dama da sociedade real mente cuspiu no rosto de um homem; se a Comtesse de Pourtalès, como relata Cocteau, de fato se levantou com o diadema torto, sacudindo o leque e exclamando: “Tenho sessenta anos e esta é a primeira vez que alguém ousou caçoar de mim”; todos esses detalhes são frivolidades sobre o significado da agitação. Ultraje e excitação houve em grande quantidade. Realmente, o alarido foi tanto que, em certos momentos, a música talvez tenha sido quase abafada. Mas abafada còmpletamente? Alguns relatos dão a im pressão de que ninguém, com exceção dos músicos da or questra e do maestro Pierre Monteux, ouviu a música depois dos compassos iniciais — nem mesmo os dançarinos. Primei ro Cocteau e depois Stravinsky nos transmitiram uma imagem de Nijinsky nos bastidores, de pé sobre uma cadeira, gritando números para os dançarinos.6 Mas ele assim fazia por causa da dificuldade da coreografia e da falta de ritmos convencio nais na partitura musical — Nijinsky havia sistematicamente adotado essa atitude nos ensaios — , e não, como Cocteau e Stravinsky desejariam que acreditássemos, por causa de quais quer problemas que os dançarinos estavam tendo para escutar a orquestra. Valentine Gross, cujos desenhos sobre os Ballets Russes estavam em exposição no foyer naquela noite, nos dei xou uma descrição deliciosamente viva, mas um pouco absurda: Não perdi nenhum lance do espetáculo que acontecia tanto na platéia quanto no palco. De pé entre dois cama rotes centrais, sentia-me muito à vontade no meio do tur bilhão, aplaudindo com meus amigos. Achei que havia algo de maravilhoso na luta titânica que devia estar ocor rendo para manter unidos esses músicos inaudíveis e esses dançarinos surdos, em obediência às leis de seu in visível coreógrafo. O balé era assombrosamente belo? O quadro que ela pinta — músicos que não podem ser ouvi dos, dançarinos que não conseguem ouvir — não tem um caráter abstrato e absurdo? E no entanto, embora, como deixa implícito, não pudesse ouvir a música, nem soubesse em que ritmos os dançarinos estavam dançando, Valentine Gross diz 29
que achou o balé "assortibrosamente belo” ! Estaria ela rea gindo ao que ouviu e viu na obra de arte apresentada, ou estaria respondendo retrospectivamente a todo aquele delicio so affaire? Um toque do moderno dramaturgo também está presente nos relatos de Cari Van Vechten. Ele tinha sido crítico de música e dança — o primeiro desses seres nos Estados Uni dos — do New York Times antes de ir à Europa em 1913 como crítico teatral do New York Press. Alguns meses antes ajudara Mabel Dodge a lançar seu famoso salão em Nova York. "Apupos e vaias se sucederam à execução dos primei ros compassos”, escreveu ele sobre a première de Le Sacre, e depois seguiu-se uma explosão de gritos, contra-atacada por aplausos. Guerreávamos em torno da arte (alguns achavam que era arte, outros achavam que não era) . . . Uns quarenta dos que protestavam foram expulsos do tea tro, mas isso não pôs fim aos distúrbios. As luzes da platéia estavam totalmente acesas, mas o barulho conti nuava, e eu me lembro da Srta. Piltz [a virgem esco lhida] executando a sua estranha dança de histeria reli giosa num palco obscurecido pela luz ofuscante da sala, aparentemente acompanhada pelos delírios desconexos de uma multidão de homens e mulheres encolerizados.8 A imagem dos bailarinos dançando ao compasso da zoeira do público é maravilhosa e reveladora. O público participou desse famoso espetáculo tanto quanto o corpo de baile. E a que lado pertenciam os contestadores expulsos? Quarenta? Para remo ver um número desses teria sido certamente necessário todo um destacamento de seguranças. E ninguém, nem mesmo o gerente do teatro, Gabriel Astruc, faz qualquer menção à existência de tal pessoal eventualmente de plantão, nem a uma expulsão em tão grande escala. Além do mais, Bronislava Ni jinska afirma, ao contrário de Van Vechten, que a "dança da virgem escolhida” de Maria Piltz foi recebida com relativa calma.9 Outra versão da excitação dessa noite de estréia, dada por Van Vechten em outro lugar, revela que ele dificilmente 30
é uma fonte confiável quanto aos detalhes. É de supor que tenha assistido à primeira e à segunda apresentação de Le Sacre, e, para sermos bondosos, parece ter confundido inci dentes de ambos os espetáculos. Eu estava num camarote em que havia alugado uma cadeira. Três damas sentavam-se à minha frente, e um jovem ocupava o lugar atrás de mim. Ele ficou de pé durante todo o balé para poder ver melhor. A intensa excitação de que estava possuído, graças à poderosa for ça da música, revelou-se daí a pòuco quando ele come çou a bater ritmicamente no alto da minha cabeça com seus punhos. Minha emoção era tão grande que durante algum tempo não senti os golpes, que estavam perfeita mente sincronizados com o ritmo da música. Quando percebi, me virei. Suas desculpas foram sinceras. Ambos tínhamos sido arrebatados pela música.10 Neste relato a música evidentemente podia ser ouvida! Van Vechten gostaria que acreditássemos que esta é uma des crição da barulhenta noite de estréia, mas sabemos por Ger trude Stein, que era uma das “três damas” sentadas à frente de Van Vechten, que ela assistiu apenas à segunda represen tação, na segunda-feira! E segundo Valentine Gross, que este ve presente em todas as quatro apresentações de • Le Sacre em Paris naqueles meses de maio e junho, a batalha da pri meira noite não se repetiu. O que simplesmente sugere que a versão de Gertrude Stein não merece mais crédito do que as outras: “Não podíamos ouvir nada. . . durante toda a apresentação, não se podia, literalmente, ouvir o som da mú sica.”11 Literalmente? Uma partitura para mais de cem ins trumentos não podia ser ouvida? Gertrude Stein foi para casa com Alice B. Toklas e escreveu não um artigo sobre o balé, mas um poema, “The One”, inspirado no estranho em seu camarote, Cari Van Vechten. Talvez simplesmente não esti vesse prestando atenção à música. A quem devemos dar crédito? Gabriel Astruc afirma em suas memórias que gritou de seu camarote pouco depois de iniciado o espetáculo, na noite de estréia, “Écoutez d'abord! 31
Vous sifflerez après!* e que imediatamente, como se em res posta ao tridente de Netuno, a tempestade amainou: “O final da obra foi ouvido em completo silêncio.” Apesar de todas as contradições evidentes nos relatos de memória, estas têm sido citadas indiscriminadamente em toda a literatura secun dária que descreve aquela noite de estréia de 29 de maio de 1913.
Mas e as matérias da imprensa? Não são mais confiáveis que as memórias como auxílio para determinar exatamente o que aconteceu. Foram escritas mais por críticos de plantão do que por repórteres em sentido restrito, e conseqüentemente todos manifestaram atitudes de parti pris semelhantes às das divisões do público. Os comentários çríticos dirigiram-se mais detalhadamente à partitura de Stravinsky do que à coreogra fia de Nijinsky — reflexo do treinamento dos críticos —, mas isso de qualquer modo sugeria que grande parte da mú sica tinha sido de fato ouvida. Onde nos deixa toda essa confusão? Não haverá provas suficientes para sugerir que o distúrbio foi causado mais pelas facções em guerra no público, por suas expectativas, seus pre conceitos, suas idéias preconcebidas sobre arte, do que pela própria obra? Esta, como veremos, certamente explorava ten sões, mas dificilmente as terá causado. As descrições dos memorialistas e até os relatos dos críticos estão mais volta dos para o scandale do que para a música e o balé, mais para o acontecimento do que para a arte. Nenhuma das testemu nhas jamais se refere ao resto do programa daquela noite, à recepção dada às Sílfides, ao Espectro da rosa e ao Príncipe Igor. Algumas pessoas, como Gertrude Stein, tão fascinadas, mesmo que em retrospecto, por este happening do começo do século XX, insinuaram que estavam presentes quando cla ramente não estavam. Pode-se censurá-las? Ter feito parte do público naquela noite era ter participado não apenas de outra exposição mas da própria criação da arte moderna, porque a reação do público era e é tão importante para o significado desta arte quanto as intenções daqueles que a introduziram.
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Escutem primeiro. Depois podem assobiar!
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A arte transcendeu a razão, o didatismo e um propósito mo ral: a arte tornou-se provocação e acontecimento. Assim, Jean Cocteau, que com sua prosa em staccato — tão adequada à dicção percussiva de Le Sacre — nos deu muitas de nossas duradouras imagens daquela noite de es tréia, não hesitou em admitir que estava mais preocupado com a verdade "subjetiva” que "objetiva”; em outras pa lavras, com o que ele sentiu, com o que imaginou, e não com o que realmente ocorreu. Seu relato do que aconteceu depois da apresentação de Le Sacre — a versão de que, junto com Stràvinsky, Nijinsky e Diaghilev, teria saído de carro às duas horas da madrugada para o Bois de Boulogne, e de que Diaghilev, com as lágrimas correndo pelo rosto, teria começado a recitar Pushkin — foi contestado por Stràvinsky e é um texto que é uma combinação de peça de teatro, poesia e prosa. Mas a maioria de nossas outras testemünhas não é diferente. As imagens de Valentine Gross são igualmente literá rias: os compositores Maurice Delage, "vermelho de indigna ção como uma beterraba” e Maurice Ravel, "truculento como um galo de briga”, e o poeta Léon-Paul Fargue "expelindo comentários arrasadores na direção dos camarotes que vaia vam”. O compositor Florent Schmitt teria chamado de "pros titutas” as damas de sociedade do Décimo Sexto Arrondissement e de "velho vadio” o embaixador do Império AustroHúngaro. Alguns afirmaram que Saint-Saéns, enfurecido, saiu do teatro cedo; Stràvinsky disse que ele nem estava pre sente. Tudo isso é matéria de literatura, ou fato fermentado pelo ego e pela memória e transformado em ficção. Mas o que dizer do outro campo, o dos pompiers, ou filisteus, como eram chamados pelos estetas? Seu testemunho é naturalmente mais limitado. A maior parte da crítica saiu na imprensa quase imediatamente, más também ela estava to talmente absorvida no acontecimento, nas implicações sociais da arte, mais do que na própria arte. Onde termina a ficção e onde começa o fato? Aquela noite tempestuosa se destaca, com razão, como um símbolo de sua época e um ponto de referência deste século. Do ce nário no recém-construído e ultramoderno Théâtre des Champs33
Elysées, em Paris, passando pelas idéias e intenções dos prota gonistas principais, até a reação tumultuosa do público, aquela noite de estréia de Le Sacre representa um marco no desen volvimento do “modernismo”, modernismo como, acima de tudo, uma cultura do acontecimento sensacional, através do qual a arte e a vida se tornam ambas; uma questão de energia e se fundem numa coisa só. Dada a significação tcrucial do público nesta cultura, devemos olhar para o contexto mais amplo de Le Sacre.
LE THÉÂTRE DES CHAMPS-ÉLYSÉES
A avenida Montaigne passa entre os Champs-Elysées e a praça d’Alma no Oitavo Arrondissement . Situado numa área de Paris que experimentou nova expansão perto do fim do último século, o bairro fora ocupado, mesmo antes de 1914, pela haute bourgeoisie, que ocupava também Parc Monceau, Chaillot, Neuilly e Passy. No número 13 da avenida arbo rizada fica o Théâtre des Champs-Elysées. Hoje em dia ali se apresentam os maiores artistas do mundo. O teatro é um dos exemplos mais belos do trabalho de Auguste Perret, que alguns consideram “o pai da moderna arquitetura francesa”.1 Construído entre 1911 e 1913, per tence à primeira geração de edifícios erigidos em concreto armado. Mas, ' além do uso de novos materiais, aço e con creto no lugar de tijolo ou pedra, uma preocupação impor tante de Perret foi incorporar e projetar em seu trabalho o que ele considerava uma nova honestidade e simplicidade de estilo. Junto com seu contemporâneo Tony Garnier, reagia contra os predominantes estilos compósitos e pesados do pas sado ou a moda maneirista em voga do art nouveau, com sua ornamentação e ostentação. Linhas claras e uma nova liber dade no uso do material eram essenciais. "Como toda a arqui tetura baseada em falsos princípios”, escreveu Garnier, "a ar quitetura antiga é um erro. Só a verdade é bela. Na arqui34
tetura, a verdade é o resultado de cálculos feitos para satis fazer necessidades conhecidas conr materiais conhecidos”.2 Para sua época ostentosa, esta era uma formulação ou sada e agressiva que ecoava afirmações semelhantes de arqui tetos e urbanistas de outros lugares, especialmente Alemanha e Áustria. “Ornamento é crime”, insistia Adolf Loos. CharlesÉdouard Jeanneret, um suíço de vinte e um anos, era um jo vem colega que, em 1908, estudava à tarde e de manhã tra balhava no escritório de Perret. Certo dia, Perret perguntou ao jovem, que devia mais tarde tomar o nome de Le Cor busier, se já tinha ido ver o palácio de Versalhes. “Não, nunca irei!” foi a resposta. “E por que não?” “Porque Ver salhes e a época clássica não são senão decadência!”3 Em 1902-1903 Perret tinha construído um bloco de apar tamentos de oito andares na rua Franklin 25bis que era revo lucionário em seu emprego de materiais e seus efeitos espa ciais. Duas colunas de impressivas janelas salientes pareciam estar suspensas sem apoio e atraíam a atenção para a ra dical aplicação de vidro e concreto em padrões retangulares. Havia algum relief na fachada, mas, ao contrário do estilo art nouveau, não se impunha ao olhar. Os diplomados da tradicional École des Beaux-Arts consideravam a nova com posição, à luz de sua surpreendente simplicidade, mais como uma questão de engenharia que de arte. O Théâtre des ChampsÉlysées provocou reação semelhante. A maior parte da construção dispendiosa da época era imitação direta de um estilo dos séculos XVII ou XVIII, com pouca imaginação. Esse mesmo estilo baseava-se em padrões clássicos revividos primeiro na Itália e depois exportados para o norte. O modo sincrético do Grand e do Petit Palais, am bos a um passo da avenida Montaigne e construídos para a exposição internacional de 1900 — quando Paris festejou a si mesma — exemplificava esta tendência imitadora. Em comparação, o Théâtre des Champs-Élysées parecia despido. Suas linhas eram claras, até frias. A construção em cimento armado, com superfícies lisas e arestas agudas, transpirava força. Os espaços para os cartazes estavam em perfeita rela ção geométrica com os outros padrões retangulares da fa chada, com as janelas, as entradas e os painéis de hauts35
reliefs
esculpidos por Antoine Bourdelle, que constituíam a única decoração do exterior. No vestíbulo, uma abundância de mármore intensificava a impressão de fria reserva. Esta era uma arquitetura voltada, como afirmavam os seus projetistas, para as necessidades sociais e não para os caprichos individuais, preocupada com a autenticidade e a sinceridade, em oposição à ostentação e à hipocrisia. Mas a austeridade absoluta, comparada com o estilo de outros edifí cios públicos, particularmente a Opéra, construída apenas qua renta anos antes, surpreendia e ofendia muitas pessoas. Até o auditório principal, ainda que rico de cores, vermelho-púr pura e dourado, com afrescos pintados por Maurice Denis, dei xava uma sensação de espaço desimpedido. Denis, um dos teóricos do pós-impressionismo, exigia que a arte se afastasse da mimese, a interpretação da realidade através da imitação. "Devemos fechar as venezianas”, dizia ele.4 Muitos se mostravam dispostos a denunciar o novo tea tro como um produto de influência estrangeira. Afinal, Auguste Perret nascera na Bélgica, em Ixelles, perto de Bruxelas, para onde fugira seu pai, um pedreiro condenado à morte porque atirara no Louvre durante a Comuna de 1871. Eviden temente, a família era por definição hostil à tradição fran cesa. O arquiteto flamengo Henry Van de Velde, que se en volvera no planejamento inicial do edifício, também era um reformador pioneiro que, impregnado das idéias do movi mento britânico das artes e ofícios, passara das belas-artes para as artes aplicadas, desenvolvendo noções do que cha mava de "estética livre”. Seus clientes eram quase todos ale mães, e ele lecionava na Alemanha. Por causa de todas estas associações estrangeiras, }. L. Forain, o artista, zombava do novo teatro, chamando-o de "o zepelim da avenida Montaigne”. A Émile Bayard, o prolífico crítico de arte, o edifício lem brava 'um "monumento fúnebre”, e Alphonse Gosset, o ar quiteto, escarnecia da construção, aludindo igualmente a uma influência alemã: Que os alemães, altamente suscetíveis ao canto altisso nante e à música hipnótica, aceitem esta espécie de re clusão, talvez seja compreensível, mas os parisienses, ávi dos de luzes brilhantes e de elegância, não! 36
A tendência era considerar o edifício como uma afronta ar quitetônica ao bom gosto, à sociabilidade e à cortesia paririenses.5 A referência aos alemães não deve ser explicada apenas em termos de ódio a um inimigo numa época de nacionalismo ressurgente. A Alemanha liderava de fato o desenvolvimento de um novo estilo arquitetônico baseado numa aceitação da indústria e da inevitabilidade do crescimento urbano. Embora enfrentando ainda ampla oposição, na Alemanha a nova es tética arquitetônica tinha ultrapassado os limites de um estilo de vanguarda aceito por um pequeno número de indivíduos. No final da primeira década deste século muitas das princi pais escolas e academias de arte estavam sob a direção de pessoas de idéias progressistas como Peter Behrens em Düssel dorf, Hans Poelzig em Breslau e Henry Van de Velde em Weimar. A influente Werkbund alemã, com sua agressiva preo cupação com qualidade, utilidade e beleza em todas as obras industriais, foi fundada em 1907 e influenciou profundamente toda uma geração de estudantes, entre eles Walter Gropius e Ludwig Mies van der Rohe. Nesse mesmo ano, 1907, a poderosa companhia de eletricidade alemã, Allgemeine Elektri zitäts-Gesellschaft, nomeou Peter Behrens seu cohselheiro ar quitetônico, o que indicava quanto as novas idéias haviam se espalhado. Na Áustria ocorriam fatos semelhantes. Pode-se compreender, portanto, que Auguste Perret fosse, na mente de muitos franceses, um agent provocateur a serviço espiri tual, senão francamente remunerado, dos alemães. Acusações semelhantes a essas dirigidas contra Perret também foram feitas a Gabriel Astruc, o empresário parisiense que abertamente confessava ser, ao contrário da maioria dos franceses nos anos anteriores a 1914, um xenófilo, um simpa tizante dos estrangeiros.6 Dono de uma personalidade emo cionalmente descomedida, cuja grande paixão sempre foi o circo e que, em suas memórias, contou com igual prazer e animação, de um lado, o fato de ter assistido à execução de quatro criminosos na guilhotina e, de outro, suas realizações administrativas, Astruc descendia de sefarditas espanhóis e era filho de um grande rabino. Pelo casamento veio a participar da editora de música Enoch e, com ajuda financeira do melô37
mano e benfeitor cultural Conde Isaac de Camondo e de sua família turca de banqueiros, estabeleceu em abril de 1904 uma agência de promoções artísticas, a Société Musicale. Astruc promovia a vinda constante a Paris de ilustres artistas estrangeiros, como Wanda Landowska e Arthur Ru binstein da Polônia; Enrico Caruso, Lina Cavalieri e Titta Ruffo para apresentar em 1905 uma “temporada italiana”; e toda a Metropolitan Opera de Nova York, com Arturo Toscanini, èm 1910. Astruc também reclamou para si o crédito de trazer a Paris um grupo itinerante de negros americanos que apresentou aos parisienses os Negro spirituals e o cakewaUc. Sobre esta base Astruc fundou um “comitê internacional de patrocínio artístico”, que assegurava notável apoio moral a visitas e intercâmbios de artistas internacionais. A seção francesa era dirigida pela bela e ativa Comtesse Greffuhle, que Proust usou parcialmente como modelo tanto da sua Du quesa como da sua Princesa de Guermantes, e que um outro admirador considerava uma “deusa” que teria inspirado Veronese e Tiepolo.7 A representação americana incluía William K. Vanderbilt, John J. Astor, Clarence Mackay, James Stillman e Pierpont Morgan. Em Londres, Lady de Grey recrutou as duquesas de Portland e Rutland e Sir Ernest Cassei, finan cista e amigo do rei. Foi em 1906 que Astruc começou a desenvolver q s seus planos para um novo teatro, e, nos sete anos que a idéia le vou para se tomar realidade, ele enfrentou uma barragem de oposição: a direção da Opéra e da Opéra Comique temia a competição, pois o sistema de estrelas que Astruc promovia elevaria os preços e reduziria o público; além disso, sua ên fase na novidade encorajaria o frívolo e o efêmero. As auto ridades do município e do estado questionavam a sensatez e o objetivo do teatro. Os anti-semitas ò atacavam, chamando-o de judeu cavador de dinheiro, interessado em destruir os va lores estabelecidos. “Precisaria de todo um volume”, escreveu Astruc com um fraseado típico nas suas memórias, “para con tar a verdadeira história, miraculosa e desanimadora, da cons trução do 'meu teatro’. Não posso dizer que conheço cada pedra, porque ele é feito de cimento, mas conheço cada fibra de metal”.8 Entretanto, o teatro foi construído e teve brilhante 38
apoio financeiro — Vanderbilt, Morgan, Stillman, Rothschild, Cassei —, além do suporte, tanto moral como financeiro, de Otto H. Kahn, presidente da New York Opera. O teatro foi inaugurado em 30 de março de 1913. Luzes projetadas na fachada enfatizavam a alvura do prédio, sua simplicidade, e realçavam os relevos do friso de Bourdelle, Apoio e as Musas. Astruc observou o público da primeira noite chegar para ouvir o concerto inaugural dedicado a Benvenuto Gellini de Berlioz e a O franco-atirador de Weber. Ao entrar no saguão-, as pessoas pareciam ficar a prin cípio ofuscadas. Depois paravam para olhar. Algumas fi cavam alvoroçadas. Outras davam risadinhas. A maioria, antes de emitir uma opinião, esperava para ouvir a do vizinho. As palavras "Munique”, "alemão neoclássico” se mesclavam aqui e ali. Jacques-Émile Blanche escutou reações semelhantes — "tem plo teosófico”, "belga” —, mas foi bastante astuto para no tar que certos motivos artísticos do teatro e seus programas tinham uma visível inclinação para a tradição. Todo o em preendimento era uma tentativa simbólica de sintetizar im pulsos modernos e tradicionais.9 Paris, entretanto, ainda não estava preparada para essa solução.
DIAGHILEV E OS BALLETS RUSSES
"Em primeiro lugar, sou um grande charlatão”, escreveu Serge Diaghilev à sua madrasta em 1895, declaração que se tornou merecidamente famosa por sua exuberância e sua acuidade como auto-avaliação, mas con brio; em segundo lugar, um grande charmeur; em terceiro lugar, tenho alguma dose de atrevimento; em quarto lugar, sou um homem com uma grande quanti dade de lógica, mas de pouquíssimos princípios; em quinto 39
lugar, acho que não tenho nenhum talento real. Apesar de tudo, penso ter descoberto minha verdadeira vocação: ser um mecenas. Tenho tudo o que é necessário, exceto dinheiro — mais ça viendra} A formação de Diaghilev era uma fusão de contrastes, reais e imaginados. Talvez o mais profundo desses contras tes tenha sido o fato de seu nascimento ter causado a morte de sua mãe. Misia Sert, personalidade igualmente extravagante que viria a se tornar sua amiga íntima, teve um destino seme lhante. Ambos pareceram passar a vida atormentados por uma sensação de culpa pelo simples fato de existirem. O pai de Diaghilev, um aristocrata provinciano, era, no entanto, dado a negócios; possuía algumas grandes destilarias. Apesar de mi litar, tinha um sério e profundo amor pela música. No con texto russo, nenhuma dessas combinações era considerada incomum, mas o filho, à medida que se tornava cada vez mais ocidentalizado, começou a viver sob o peso do que sentia serem contradições em seu passado e na sua educação. Ainda que tentasse adotar um ar cosmopolita com o passar dos anos, Diaghilev nunca renunciou às suas raízes provincianas. Desse modo, sempre persistiu nele uma tensão entre a experiência formativa de sua juventude e as aspirações de sua vida adulta. Diaghilev começou seus estudos universitários em São Petersburgo com a intenção de se tornar advogado; conti nuou-os no conservatório, estudando composição. Escreveu algumas canções e até uma cena para uma ópera sobre o tema de Boris Godunov. Tocava piano com desenvoltura e tinha uma bela voz de barítono, tendo cantado em público árias de Parsifal e Lohengrin em pelo menos uma ocasião. Dedicava-se amadoristicamente à pintura. Não se tornou advo gado, compositor ou artista. Romola Nijinsky relata que os mú sicos diziam que Diaghilev não era músico e que os pintores o chamavam de diletante, mas uns e outros faziam comentá rios generosos sobre as suas habilidades na outra arte, da mesma forma que os estadistas afirmavam que Disraeli era um excelente escritor, enquanto os escritores reconheciam nele um grande estadista. Entretanto, o estudo do direito e o inte40
resse de Diaghilev por todas as artes deveriam se combinar de um modo espantosamente produtivo.2 Através de sua família, de sua educação e de suas rela ções sociais — ele tinha um tio que foi Ministro do Interior do czar na década de 1890 e o apresentou à sociedade da corte —, Diaghilev tinha fortes raízes numa tradição impe rial conservadora. Entretanto, também era claramente movido por instintos que se contrapunham a essa tradição: o senti mento de ter destruído sua mãe e, daí, certa simpatia pelo matriarcado; sua homossexualidade, que ele aceitou relativa mente cedo na vida e que parece ter gostado de alardear; e sua sensibilidade estética em geral, que o levou, aos vinte anos, a cultivar uma aparência de dândi: uma mecha gri salha no cabelo preto-azeviche, um bigode elegante, monóculo e corrente. Ele também fomentou a lenda de que sua família descendia, por uma linhagem ilegítima, de Pedro o Grande. Há nisso displicência e ansiedade, pose e culpa. Durante al gum tempo ele tentou combinar as tendências divergentes, trabalhando, por exemplo, como conselheiro dó administra dor dos teatros imperiais, mas Diaghilev não estava disposto a reprimir seus impulsos, nem a classe dirigente russa era bastante flexível para absorver esses sentimentos contra a or dem estabelecida e outras condutas extravagantes, interpreta das como intolerável desrespeito para com as autoridades im periais, de modo que ele foi demitido em 1901. Sua partida era provavelmente inevitável, já que ele estava muito envol vido em suas atividades empresariais. Começou a falar, como Pedro o Grande, em abrir uma janela para a Europa. Tendo viajado por grande parte da Europa no começo da década de 1890 e tendo herdado o dinheiro de sua mãe em 1893, quando completou vinte e um anos, Diaghilev co meçou suas atividades numa escala modesta, inicialmente como empresário artístico, organizando exposições, primeiro de aqua relas alemãs e britânicas para São Petersburgo, depois de arte escandinava, e finalmente de pinturas russas que apresentou na Rússia e iria mais tarde levar para o resto da Europa. Em 1898, com um grupo de amigos, fundou uma revista cara e luxuosa, chamada Mir iskusstva (O Mundo da Arte), que durou seis anos e, apesar da vida relativamente curta e da 41
pequena circulação, que nunca foi além de quatro mil exem plares, provocou intenso debate nos círculos de arte da Rússia por atacar tanto o academicismo conservador quanto o utilita rismo social radical e promover as novas tendências da arte ocidental, do impressionismo ao futurismo. Em 1899, ele le vou a Sao Petersburgo uma exposição de impressionistas fran ceses e de outros modernos, que despertou grande interesse. O reconhecimento internacional de Diaghilev começou em 1905 com outro dos paradoxos que màrcaram seus pri meiros tempos. Naquele ano de guerra e revolução para a Rússia, quando os japoneses devastaram os exércitos e a es quadra do czar, quando os trabalhadores que protestavam em São Petersburgo foram massacrados no “Domingo Sangrento” pela cavalaria cossaca, quando os camponeses queimaram e saquearam solares no campo e quando os operários convoca ram uma greve geral que Trotsky mais tarde denominaria de “ensaio geral da revolução” bolchevista, naquele ano no tável Diaghilev, o dândi e esteta, inaugurou no Palácio Tauride, em São Petersburgo — que Catarina a Grande havia mandado construir para seu amante Potemkin —, uma espan tosa exposição de retratos históricos russos que diligentemente recolhera nas províncias e pedira emprestado em outras partes da Europa. A exposição, que recebeu generosa subvenção do czar, foi aberta em fevereiro e continha quatro mil telas, in clusive trinta e cinco retratos de Pedro o Grande, quarenta e quatro de Catarina a Grande e trinta e dois de Alexandre I. Até o encerramento em maio, tinha sido visitada por quarenta e cinco mil pessoas.3 Mesmo a exposição inaugural do Museu de Arte Moderna de Nova York em 1929, com toda a sua publicidade, só atrairia cinco mil visitantes a mais. A Rússia nunca tinha visto uma exposição pública tão grandiosa sobre sua história oficial. Ressalte-se que Diaghilev, o incipiente ex perimentalista que deveria se tornar administrador extraordi nário do “espírito moderno”, se lançou apoiado nos alicer ces do passado russo. No ano seguinte organizou uma exposição russa para o Salon dJAutomne do Petit Palais em Paris. O material da mos tra abrangia desde ícones e retratos do século XVIII a obras do círculo do Mundo da Arte, formado por Mikhail Vrubel, 42
Valentine Serov, Alexandre Benois, Léon Bakst, Mstislav Dobu jinsky, Nicholas Roerich e Mikhail Larionov. O comitê de patrocinadores da exposição era dirigido pelo Grão-Duque Vladimir e incluía a Comtesse Greffuhle, que tinha provavel mente o salão mais elegante de Paris e a quem Diaghilev co nheceu, impressionou e recrutou para apoiar o seu projeto do ano seguinte, um festival de música russa. A partir de então, um sucesso seguiu-se a outro. Em 1907, entre 16 e 30 de maio, foram dados cinco concertos na Opéra, cobrindo uma ampla gama de música russa, com RimskyKorsakov, Rachmaninov e Glazunov regendo suas próprias composições. Entre os cantores estavam Chaliapin e Cherkasskaya. O sonoro baixo dramático, em especial, foi um enorme sucesso. No ano seguinte, 1908, Boris Godunov de Mussorgsky, numa versão revisada por Rimsky-Korsakov, foi levado a Pa ris. A ópera sobre o czar que reinou de 1598 a 1605 e sobre o embusteiro Dmitri não era popular em São Petersburgo. A sociedade da corte achava ofensivas as partes da história que questionavam a legitimidade, a justiça e a autoridade. Paris, entretanto, pareceu amar a obra, acima de tudo o Boris de Chaliapin. Misia Sert ficou enfeitiçada: “Deixei o teatro co movida a ponto de compreender que algo tinha mudado na minha vida. A música estava sempre comigo.”4 Foi através da Comtesse de Greffuhle que Diaghilev co nheceu Gabriel Astruc. Diaghilev já apresentara a Paris a pintura russa, a música russa, a ópera russa, e, como devia afirmar mais tarde, “da ópera ao balé foi apenas um passo”. A existência de extraordinários bailarinos russos que eram completamente desconhecidos fora da Rússia foi uma razão importante para que passasse ao balé. Mas havia um lado teórico que talvez fosse até mais importante. Numa busca wagneriana da arte máxima, Diaghilev afir mava que o balé continha em si mesmo todas as outras for mas de arte. Wagner tinha concebido a ópera como uma forma mais elevada de drama e uma evolução posterior da síntese grega de música e palavra. Na ópera, entretanto, dizia Dia ghilev, havia obstáculos visuais, como cantores imóveis, e bar reiras auditivas, como a necessidade de se concentrar nas pa lavras, elementos que interferiam na necessária fluidez da arte. 43
“No balé”, escreveu Alexandre Benois, que exerceu grande influência sobre Diaghilev, “eu salientaria a mistura elemen tar de impressões visuais e auditivas; no balé atinge-se o ideal da gesamtkunstwerk* com que Wagner sonhava e com a qual toda pessoa artisticamente dotada sonha”.5 Em junho de 1911, Stravinsky, sob o fascínio de Dia ghilev, citaria o novo evangelho a Vladimir Rimsky-Korsakov, filho do compositor; Sinto interesse e amor pelo balé mais do que por qual quer outra coisa. . . Se algum Miguel Ângelo fosse vivo hoje em dia — assim pensei ao ver seus afrescos na Ca pela Sistina — , a única coisa que seu gênio admitiria e reconheceria é a coreografia... O balé é a única forma de arte teatral que tem como pedra fundamental os pro blemas da beleza e nada mais.6 A busca da Gesamtkunstwerk — do Santo Graal que é a “forma de arte total” — foi realmente universal no fim do século XIX. Em parte por causa da enorme influência de Wagner, as artes haviam se aproximado constantemente umas das outras. Para dar aqui um exemplo ao qual voltaremos mais tarde, Debussy tomaria um poema simbolista de Mallarmé e o usaria como base para uma pintura tonal de efeito seme lhante ao do impressionismo na arte pictórica. Diaghilev e Astruc chegaram a um acordo, e, em 19 de maio de 1909, os Ballets Russes — que contavam com cinqüenta e cinco bailarinos formados exclusivamente na escola imperial de balé e temporariamente licenciados dos teatros imperiais de São Petersburgo e Moscou — estrearam em Paris no Théâtre du Châtelet. Aquela noite de estréia, quando fa ziam parte do programa Le Pavillon d’Armide, o ato da ópera Príncipe Igor que inclui as danças polovtsianas e Le Festin, ocupa lugar especial nos anais do balé, e toda a tem porada russa de 1909 foi uma sensação. Perto do fim do sé culo XIX o balé em Paris, bem como na maior parte da
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Obra de arte total.
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Europa, tinha sido rebaixado a uma simples exibição de boni teza; passos graciosos, controlados, e figurinos encantadores; “um pouco de virtuosismo italiano ”, nas palavras de Richard Buckle, “ataviado com uma grande dose de coquetismo fran cês”.7 A decoração do palco não era uma arte, apenas um ofício deixado a cargo de artesãos. Os russos mudaram tudo isso. Os cenários de Bakst, Benois e Roerich, com suas cores brilhantes e^ provocadoras e prodigalidades como o uso de autêntica seda da Geórgia, eram estonteantes, não mais um simples pano de fundo, mas uma parte integrante do espetá culo. A coreografia de Fokine exigia uma nova energia e habilidade física, captada empolgantemente nos saltos de Ni jinsky e na graça de Pavlova e Karsavina. Em sua autobio grafia, Karsavina conta uma historinha sobre Nijinsky que é tão reveladora da mentalidade dele quanto do efeito de sua agilidade. Alguém perguntou a Nijinsky se era difícil permanecer no ar como ele fazia quando saltava; a princípio ele não entendeu bem, mas depois respondeu muito compenetrado: “Não! Não! Não é difícil. Basta subir e fazer uma pe quena pausa lá no alto.”8 Os temas eram exóticos, usualmente russos ou orientais. A música era diferente. E a dança não era apenas uma tentativa de relacionar movimento e som, mas de expressar o som em movimento. Assim, em 1909, quinze anos depois que uma aliança diplomática fora ratificada entre o Quai d’Orsay e São Peters burgo em resposta à ameaça alemã, Paris finalmente se en controu com os russos. Proust comentou: Esta encantadora invasão, contra cujas seduções só os crí ticos mais vulgares protestaram, trouxe a Paris, como sa bemos, uma febre de curiosidade menos aguda, mais pura mente estética, mas talvez tão iqtensa quanto a desper tada pelo caso Dreyfus.9 Em 1910 os russos voltaram a Paris e depois se apresen taram no Theater des Westens em Berlim. Em 1911, para 45
fugir ao perpétuo problema de tomar bailarinos emprestados de suas companhias regulares e conseguir alguma independên cia, Diaghilev formou sua própria companhia, os Ballets Russes de Diaghilev, e durante os anos seguintes, de 1911 a 1913, a companhia percorreu a Europa — Monte Cario, Roma, Ber lim, Londres, Viena, Budapeste —, deixando atrás de si um rastro de excitação, incredulidade e êxtase. Muitos jovens es tetas registraram a exuberância dos dançarinos. Sobre a pri meira apresentação de Schéhérazade, Proust disse a Reynaldo Hahn que nunca tinha visto nada tão belo.10 Harold Acton descreveu aquela produção: . . . a pesada calma antes da tempestade no harém: o trovão e o relâmpago dos negros vestidos de rosa e âm bar; a selvagem orgia de carícias clamorosas; o pânico final e as punições sangrentas: a morte em espasmos prolongados ao som de agudos violinos. Rimsky-Korsakov pintou a tragédia; Bakst enfeitou-a com cortinas cor-deesmeralda, lâmpadas prateadas, tapetes de Bucara e al mofadas de seda; Nijinsky e Karsavina lhe deram vida. Para muitos jovens artistas, Schéhérazade foi uma inspi ração equivalente à arquitetura gótica para os românticos ou aos afrescos quatrocentistas para os pré-rafaelitas.11 Rupert Brooke, o belo e talentoso jovem poeta que se tornou um símbolo da confusão espiritual e dos anseios de sua ge ração, ficou em êxtase depois de ver pela primeira vez os russos em 1912: “Eles podem até resgatar a nossa civilização. Daria tudo para ser coreógrafo.”12 Em 1911 Londres veio a conhecer a companhia russa. Em 26 de junho a trupe de Diaghilev se apresentou no Covent Garden, na festa da coroação do Rei Jorge V, no meio de 100 mil rosas usadas como decoração e diante de um pú blico que incluía embaixadores e ministros, reis africanos, che fes indígenas, marajás e mandarins, e a nata da sociedade britânica. “Assim, em uma noite”, gracejava Diaghilev, “o balé russo conquistou o mundo inteiro”. The Illustrated Londün News ficou tão encantado com o feito russo que pediu a criaçãcr de uma companhia permanente de dança no Covent 46
Garden; e o Times demonstrou tanto entusiasmo que come çou a publicar artigos regulares sobre dança. Em seu nú mero de 5 de julho, Punch estampou três desenhos relacio nados com a dança, indicação do tremendo impacto causado pelos russos. O Kaiser Guilherme da Alemanha e o Rei Afonso da Espanha tornaram-se finalmente patrocinadores dos Bal lets Russes. A cada temporada Diaghilev se tornava mais ousado. O erotismo ficava mais explícito. Estava presente desde o início, em Cleópatra na temporada de 1909 — a história de uma rainha que procura um amante disposto a morrer ao ama nhecer depois de uma noite de amor —, com sua selvagem cena báquica de tempi acelerados, grandes saltos dos etíopes, carne à mostra e ondas de seda e ouro. Mas tornou-se mais audacioso. Isso fez com que, em alguns grupos, a excitação se transformasse em inquietude. O scandale da temporada de 1912 foi a première em Paris, em 29 de maio, de UAprès-midi dfun jaune de Debussy, inspirado no poema de Mallarmé, coreografado e dançado por Nijinsky, com cenários e figurinos art nouveau de Bakst. É a história de uma divindade grega, um fauno, de chifres e rabo, que se apaixona por uma jovem ninfa dos bosques. Nijinsky, vestido com uma malha numa época em que rou pas coladas à pele ainda eram consideradas impróprias, fez todo o público salivar e engolir em seco ao descer, ondu lando os quadris, sobre a mantilha da ninfa e estremecer num orgasmo simulado. Isso foi simplesmente o ponto culmi nante de um balé que quebrou todas as regras do gosto tradi cional. Toda a obra foi encenada de perfil na tentativa de reproduzir as imagens de bas-reliefs e pinturas de vasos clás sicos. Os movimentos, de caminhar e correr, eram quase in teiramente laterais, sempre com o pé virado para o lado, se guidos por uma rotação dos dois pés e uma mudança de posição dos braços e da cabeça. Gaston Calmette, editor de Le Figaro, recusou-se a publicar a crítica preparada pelo corres pondente regular de dança, Robert Brussel, redigindo ele pró prio, em vez disso, um artigo de primeira página em que acusava o Faune de não ser “nem uma bela pastoral, nem uma obra de significado profundo. Mostram-nos um fauno 47
lascivo, cujos movimentos são obscenos e bestiais em seu ero tismo, e cujos gestos são tão grosseiros quanto indecentes”.13 Calmette iria passar de uma investida a outra em 19121913. Quando Auguste Rodin saiu em defesa de Nijinsky, Calmette classificou-o de diletante imoral que desperdiçava o dinheiro público. Em dezembro de 1913 Calmette iniciaria sua última campanha, desta vez um ataque a Joseph Caillaux, ex-Primeiro-Ministro e então Ministro das Finanças do novo governo Doumergue. Em 16 de março de 1914 Henriette Cail laux, a mulher do ministro, foi de táxi até a redação do Figaro na rua Drouot, esperou pacientemente durante uma hora para poder falar com o editor-chefe, depois acompa nhou-o até seu escritório particular e descarregou nele a pis tola automática que trouxera consigo. Atingido por quatro dos seis tiros, Calmette morreu naquela noite. Evidentemente outros membros do público também fica ram ofendidos com o Faune, e a cena final foi ligeiramente modificada nas apresentações posteriores. Mas os estetas se entusiasmaram com a beleza desta “ofensa ao bom gosto” Léon Bakst achou a coreografia obra de gênio, e o próprio Diaghilev, a princípio hesitante até em aceitar esta extraor dinária manifestação de independência de Nijinsky, reconhe ceu, apesar de tudo, o seu brilho. O artista e projetista Char les Ricketts chegou a festejar o assassinato de Calmette.14 Os espirituosos, é claro, trabalharam dobrado. Um jogo de pa lavras que se fez ouvir: “Faune y soit qui mal y pense.”* A deliberada provocação de Nijinsky no Faune era um sintoma da ousadia cada vez maior da coreografia e lin guagem musical dos russos. Fokine havia liderado o aban dono das convenções do balé clássico ao cortar passos bri lhantes e virtuosismos e enfatizar a interpretação da música. Desprezava as demonstrações inexpressivas de força. “A dan ça”, insistia ele, “não precisa ser um divertissement. Não deve degenerar em simples ginástica. Deve de fato ser o mundo plástico. A dança deve expressar. . . toda a época a que o tema do balé pertence”.15
* Trocadilho com Honni soit qui mal y pense. 48
Nijinsky acrescentou então uma nova dimensão à re volta e atingiu uma nova fase na busca de uma “plasticidade” de movimento e imagem. Além do Faune e do Le Sacre, fez a coreografia dos Jeux, que abriram a temporada de 1913. Era uma mistura de passos clássicos e poses “anticlássicas”. No começo Nijinsky fazia sua entrada no palco com um grand jeté tradicional, perseguindo uma bola de tênis de tamanho um pouco maior do que o normal, mas depois apareciam algumas das posturas inusitadas que deveriam dominar Le Sacre, poses, por exemplo, com os braços arredondados e os pés virados para dentro. O público não se mostrou entusias mado pelo que tinha a intenção de ser uma nova verossimilitude na dança. Onde estava a honestidade? perguntava. Tal vez na mente de Nijinsky; certamente não no palco. Embora o balé devesse girar em torno de um jogo de tênis, a coreo grafia tinha pouca semelhança com qualquer jogo. Até De bussy, ele próprio um reformador musical, ficou estarre cido com a audácia. Chamou Nijinsky de um gênio perverso. . . um jovem selvagem. . . Este su jeito faz crochês triplos com os pés, confere-os nos bra ços, e depois, de repente, meio paralisado, pára irritado observando a música passar. É terrível.16 Quando os Jeux foram a Londres, Punch deu uma de suas alfinetadas tanto no público desencantado quanto em Nijinsky. Nijinsky, almas há, você sabe, Que para a beleza são ceguetas. Dizer mais delas aqui não cabe, Salvo que, ignaras em piruetas, Acharam seu “Tênis” pura peta.11
A música escolhida por Diaghilev para a sua companhia de balé também se tornou mais abstrata. Os compositores russos que utilizou no início eram relativamente ortodoxos, embora a linha melódica consistisse geralmente em temas exó ticos a que os ouvidos ocidentais não estavam acostumados. As composições impressionistas de Debussy marcaram um mo vimento numa direção mais experimental, com suas novas 49
estruturas harmônicas e seu interesse pelos sons em si, sem referência à melodia. A preocupação de Debussy era mais com “sentimentos delicados”, com “momentos fugidios” do que com as esmagadoras estruturas harmônicas da escola alemã da época. Emoções fugazes, fragmentos de sensações, as bo lhas do champanhe; eram estes os atributos dos impressio nistas, que marcaram uma fase importante no colapso da música romântica e no movimento em direção à música inte riorizada do expressionismo. No final da primeira década do novo século, com a ajuda dos impressionistas, a maneira de compor estava mudando radicalmente. De Mozart até o fim do século XIX, a música era composta com blocos de construção relativamente grandes: escalas, arpejos, longas cadências. Entretanto, no final do sé culo estas unidades eram abandonadas. A música fora redu zida a notas individuais ou, quando muito, a motivos curtos. Como na arquitetura, no movimento de artes e ofícios e na pintura, havia uma nova ênfase em materiais básicos, cores primárias e substância elementar. Não havia nada de acidental a respeito dos escândalos causados por Diaghilev e seus Ballets Russes. Este “charlatão con brio” exa um mestre da provocação. “É o sucesso e ape nas o sucesso, meu amigo”, ele escreveu a Benois em 1897, “que salva e redime tu d o ... Tenho realmente uma insolência um tanto vulgar e estou acostumado a mandar as pessoas para o inferno”.18 Ele era uma criação nietzschiana, um su premo egotista à procura de conquistas, e conseguiu tornarse o déspota de um império cultural que influenciou, prin cipalmente através do balé, todas as artes de seu tempo, in clusive a moda, a literatura, o teatro, a pintura, a decoração de interiores e até o cinema. Jacques-Émile Blanche chamou-o de “professor de energia, a vontade que dá corpo a concep ções de outros”.19 Benois iria dizer: “Diaghilev tinha em si tudo o que é necessário para ser um duce.”20 Sua importância pública residia em suas realizações de empresário, de pro pagandista, de um duce, e menos em ser uma pessoa criativa. Como teórico, saqueou as idéias de outras pessoas; como em presário, saqueou, com dragonnades napoleônicas' o mundo da arte. Sua criação era a capacidade de administrar, a mode50
lagem de formas, e neste papel foi um brilhante condottiere artístico. Como tal, tornou-se fundamental para o senso esté tico do século XX, para o culto mais de atitudes e estilos que de conteúdo. Foi uma figura de proa da estética da técnica. As pessoas lhe escreviam longas cartas; ele respondia com telegramas. Isto não significa, entretanto, que Diaghilev não tivesse uma visão positiva da arte. Tinha, mas sua abordagem era intuitiva, não analítica. Muitos notaram o modo como ele agarrava uma idéia ou um projeto imediatamente, antes de ter tido oportunidade de examiná-los. Embora a revista O Mundo da Arte o forçasse constantemente a formular idéias estéticas e tomar decisões com base nestas idéias, ele nunca conseguiu armar uma clara e consistente filosofia da arte. Entretanto, baseou-se certamente em algumas premissas. Concebia a arte como um meio de libertação e regene ração. Libertação em face das restrições sociais da morali dade e das convenções, e das prioridades de uma civilização ocidental — da qual a Rússia se tornava cada vez mais parte integrante — dominada por uma ética da competição e da abnegação. A regeneração implicaria a recuperação de uma vida emocional espontânea, não apenas por parte da elite intelectual, embora fosse este o primeiro passo, mas, em úl tima análise, pela sociedade em geral. A arte, nesta perspectiva, é uma força de vida; tem o poder revigorador da religião; age através do indivíduo, mas no final torna-se maior que o indivíduo; é de fato um substituto da religião. A consciência social não motivou este pensamento. Como Nietzsche, Diaghilev acreditava que a autonomia do artista e a moralidade eram mutuamente exclusivas. Um homem obse dado pela moralidade, por um comportamento socialmente aceitável, nunca seria livre, e como Gide, Rivière e Proust, ele julgava que o artista, para alcançar a liberdade de visão, não devia respeitar a moralidade. Devia ser amoral. A mora lidade, como a vanguarda gostava de dizer, era uma invention des laids, a vingança dos feios. A libertação para a conquista da beleza não viria através de um esforço coletivo, mas atra vés do egotismo, através de uma salvação pessoal e não de obras sociais. 51
Embora reverenciasse a história e as realizações da cul tura ocidental, Diaghilev considerava-se essencialmente um pioneiro e um libertador. A vitalidade, a espontaneidade e a mudança eram festejadas. Qualquer coisa era preferível ao conformismo embrutecedor, até a desordem e confusão moí ral. O dito espirituoso de Oscar Wilde, de que “não existe pecado exceto a estupidez”, também expressava os sentimen tos de Diaghilev. Os absolutos morais e sociais foram aban donados, e a arte, ou o senso estético, tornou-se o tema de suprema importância porque conduziría à liberdade. Diaghilev, é claro, era apenas uma parte, ainda que extre mamente significativa, de uma tendência intelectual e cultural muito mais ampla, uma revolta contra o racionalismo e uma correspondente afirmação da vida e da experiência, que ga nhou força desde a década de 1890 em diante. A rebelião romântica, que, com sua desconfiança de sistemas mecanicistas, estendeu-se no passado por mais de um século, coin cidiu no jin-de-siècle com a demolição científica, rapidamente progressiva, do universo newtoniano. Através das descobertas de Planck, Einstein e Freud, o homem racional solapou seu próprio mundo. A ciência parecia assim confirmar tendências importantes da filosofia e da arte. Henri Bergson desenvolveu sua idéia de “evolução criativa”, que rejeitava a noção de conhecimento “objetivo”: a única realidade é o élan vital, a força da vida. Bergson se tornou uma verdadeira estrela nos círculos elegantes de Paris. E o futurista italiano Umberto Boccioni, refletindo a difundida preocupação com máquinas e mudança, declarou: “Um objeto imóvel: não existe tal coisa em nossa percepção moderna da vida.” Diaghilev estava afi nado com essas manifestações, que saudavam uma vontade de constante metamorfose e louvavam a beleza da transitoriedade. Ele se agarrou à nova onda com entusiasmo. “Qui n'avance pas recule”, decidiu.* Neste contexto, onde noções racionalistas de causa e efeito eram rejeitadas e a importância do momento intuitivo acentuada, o choque e a provocação tornaram-se instrumen
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Quem não avança recua.
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tos importantes da arte. Para Diaghilev, a arte não tinha a intenção de ensinar ou imitar a realidade; acima de tudo, devia provocar experiência autêntica. Por meio do elemento do choque, ele esperava produzir em seu público o que Gide tentou obter de seu protagonista Lafcadio em Os subterrâ neos do Vaticano, publicado em 1914: um acte gratuit, com portamento isento de motivação, objetivo, significado; pura ação; sublime experiência livre das restrições de tempo ou espaço. (iÊtonne-moi, Jean!”* — disse Diaghilev a Cocteau em certa ocasião, e este veio a considerar esse momento e essas palavras como uma revelação na estrada de Damasco. Surpresa é liberdade. O público, na visão de Diaghilev, po dia ser tão importante para a experiência da arte quanto os artistas. A arte não ensinava — isso a tornaria servil; exci tava, provocava, inspirava. Destravava a experiência. Ao acreditar que o conteúdo da arte precisava impregnarse mais das tradições folclóricas populares e que só desta maneira podia ser transposto o abismo entre a cultura popu lar e a das elites, Diaghilev seguia os passos de Rousseau, Herder e dos românticos. Era no campo russo, primitivo e não afetado pela mecanização, que Diaghilev e seu círculo encontravam grande parte de sua inspiração, nos desenhos e cores das roupas dos camponeses, nas pinturas em carroças e trenós, nos entalhes em torno de janelas e portas, e nos mitos e fábulas de uma cultura rural despretensiosa. Segundo Diaghilev, era desta alma russa que viria a salvação para a Europa ocidental. “A arte russa”, escreveu em março de 1906 antes de sua primeira exposição no Ocidente, “não vai apenas começar a desempenhar um papel; também se tornará, de fato e no mais amplo sentido da palavra, uma das principais condutoras de nosso iminente movimento de esclarecimento”.21 Diaghilev reconhecia suas dívidas intelectuais: para com uma cultura russa conservadora, enraizada numa tradição aris tocrática; para com uma onda de pensamento moderno que abarcava todo o século passado e que tinha um forte compo nente alemão, em E. T. A. Hoffmann, Nietzsche e Wagner, entre outros; e para com uma crescente valorização, sobre
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Surpreenda-me, Jean.
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tudo na Rússia, na Alemanha e na Europa Oriental, do que os alemães chamavam, de cultura Volk. Mas, se possuía um forte senso da história, sua visão voltava-se para o fu turo. Acompanhava os manifestos e as façanhas dos futu ristas com interesse e demonstrava afeição especial pela arte dos futuristas russos Larionov e Goncharova. Não menospre zava a tecnologia como alguns estetas faziam, mas conside rava a máquina um componente fundamental do futuro. No dia de Ano-Novo de 1912, Nijinsky e Karsavina dançaram 'O espectro da rosa na Opéra de Paris, numa festa em honra da aviação francesa. Como empresário, Diaghilev tinha uma consciência aguda da importância. dos métodos modernos de publicidade e propaganda, e não tinha escrúpulos de recorrer ao exagero, à ambigüidade e à insolência em sua busca do sucesso. A meta de seu grandioso balé era produzir uma síntese — de todas as artes, de um legadta da história e uma visão do futuro, de orientalismo e ocidentalismo, do moderno e do feudal, de aristocratas e camponeses, de decadência e barbá rie, do homem e da mulher, e assim por diante. Desejava fun dir a dupla imagem da vida contemporânea — uma época de transição — numa visão de totalidade, com ênfase, porém, mais na visão do que na totalidade, mais na busca, no empe nho, na perseguição da totalidade, por mais que isso tivesse de ser persistente e mutável. Pretendia, com disposição fáustica, dominar e integrar. A decisão disjuntiva reclamada pela ética ele rejeitava em favor de um imperialismo estético que, como Don Giovanni, ansiava por todas as coisas. Tratava-se aqui de uma fome de totalidade que, no entanto, por causa de sua ênfase na experiência, festejava mais a fome do que a totalidade.
REBELIÃO
A empresa de balé de Diaghilev foi não só uma busca de totalidade mas também um instrumento de liberação. Talvez o nervo mais sensível que ela tocou — e isto foi feito delibe54
radamente — tenha sido o da moralidade sexual, que era um símbolo tão fundamental da ordem estabelecida, especialmen te no coração do poder imperial, econômico e político, a Eu ropa ocidental. Por outro lado, Diaghilev era apenas herdeiro de uma tradição prestigiosa e acumuladora. Para muitos in telectuais do século XIX, de Saint-Simon a Feuerbach e Freud, a origem real da “alienação”, afastamento de si mes mo, da sociedade e do mundo material, era sexual. "O pra zer, a alegria, expande o homem”, escreveu Feuerbach; "a dificuldade sofrida o contrai e concentra; no sofrimento o homem nega a realidade do mundo”.1 Na era vitoriana, as classes médias, em particular, inter pretavam o prazer em termos primordialmente espirituais e morais, mais do que físicos ou sensuais. A gratificação dos sentidos era suspeita, na verdade pecaminosa. A vontade, ba seada em fervor moral, constituía a essência do esforço hu mano bem-sucedido; a pura paixão, o seu oposto. Era inevi tável que o tema da moralidade sexual se tornasse para o movimento moderno um veículo de rebelião contra os valores burgueses. Na arte de Gustav Klimt, nas primeiras óperas de Richard Strauss,. nas peças de Frank Wedekind, nas excen tricidades pessoais de Verlaine, Tchaikovsky e Wilde, e até na moralidade descontraída do movimento da juventude ale mã, um motivo de erotismo dominava a busca do novo e da mudança. "Melhor uma prostituta do que um chato”, ponde rava Wedekind, enquanto nos Estados Unidos Max Eastman gritava: "A luxúria é sagrada!”2 O rebelde sexual, particular mente o homossexual, tornou-se uma figura fundamental na imagética da revolta, especialmente depois do tratamento igno minioso que Oscar Wilde recebeu nas mãos do poder cons tituído. Do seu círculo de rebeldes gentis em Bloomsbury, disse Virginia Woolf: "A palavra sodomita nunca andava longe de nossos lábios.”3 Depois de uma longa luta consigo mesmo, André Gide denunciou publicamente te mensonge des moeurs, a mentira moral, e admitiu suas próprias predileções. Paixão e amor, tinha concluído, eram mutuamente exclusivas. E a paixão era muito mais pura que o amor.4 As inclinações sexuais de Diaghilev eram bem conheci das, e ele não fazia nenhum esforço para mascará-las; muito 55
pelo contrário. Stravinsky disse mais tarde que o séquito de Diaghilev era “uma espécie de guarda suíça homossexual”.5 Não é de admirar que uma tensão sexual impregnasse toda a experiência dos Ballets Russes, entre artistas, administradores, seguidores e o público. Alguns dos temas de balé eram abertamente eróticos, até sadomasoquistas, como em Cleópatra e Schéhérazade ; em ambos, jovens escravos pagam com a vida seus prazeres sexuais. Em outros, a sexualidade era velada. Em Petrushka, o boneco morre frustrado em seu amor por uma boneca cruel. Nijinsky afirmaria mais tarde em seu diário, escrito seis anos depois da primeira apresentação, que os Jeuxt com seu elenco de um homem e duas mulheres, era o modo de Diaghilev apresentar, sem perigo de censura manifesta, sua própria fantasia, claramente confessada muitas vezes a Nijinsky, de fazer amor com dois homens.6 Fosse ou não invenção da demência de Nijinsky — o diário foi escrito no final da Grande Guerra, quando Nijinsky já resvalava para a loucura —, não é inconsistente com o comportamento de Diaghilev. Em todos os balés, as cores dos cenários, a audácia dos figurinos e a energia ininterrupta da dança acentuavam a paixão. Os poetas escreviam odes a Anna Pavlova; cantavam louvores à beleza de Karsavina e Rubinstein; mas todo esteta da Europa parecia estar apaixonado pela “graça e brutalidade”, para usar as palavras de Cocteau,7 de Nijinsky. Como era de esperar foi ele proibido de dançar no Teatro Imperial de Moscou, depois de uma apresentação de Giselle diante da imperatriz viúva em 1911, na qual não usou nada por cima da malha e exibiu, nas palavras de Peter Lieven, suas “rotundités complètement impudiques ”.8 De sua extraordinária levitação em O espectro da rosa ao escandaloso final de UAprés-midi d’un faune e à provocante coreografia dos Jeux, Nijinsky, com suas proezas físicas e sua audácia mental, com sua combinação de inocência e ousadia, seduziu a imaginação de toda uma geração. O frêmito erótico que os parisienses experimentavam foi sublinhado pelo retrato dele, de página inteira, em U Illustration , com a legenda: “Bailarino Ni jinsky mais comentado do que os debates na Câmara”.9 “Um idiota de gênio”, foi como a sexômana Misia Sert o chamou 56
numa frase reveladora. Diaghilev, sempre estimulado pelo aplauso público, tomou Nijinsky como amante depois do ex traordinário sucesso da temporada de 1909. Os dois viveram juntos por algum tempo e, quando se casou de repente em' 1913, Nijinsky pareceu sinceramente não compreender a razão do ressentimento de Diaghilev. "Se é verdade que Serge não quer trabalhar comigo — então perdi tudo”, Nijinsky escre veu a Stravinsky em dezembro de 1913. "Não consigo ima ginar o que aconteceu, qual a razão do seu comportamento. Por favor, pergunte a Serge qual é o problema, e escreva-me a respeito.”10 Foi esta ingenuidade assombrosa — a insinua ção de que ele não era oprimido pela bagagem moral dos séculos, o que Gide chamava de mentira moral —, combi nada com a ousadia de sua imaginação artística, que desper tou em Proust, Cocteau, Lytton Strachey e outros uma exci tação febril. Nijinsky era o fauno, criatura selvagem tempo rariamente capturada pela sociedade. Imaginem, diziam a si mesmos, este incrível espécime físico, entregue aos instintos e à paixão, livre de restrições morais. . . e deliravam em suas fantasias. Strachey enviou “uma grande cesta de flores magníficas” e foi para a cama, como ele próprio declarou, "sonhar com Nijinsky”.11 Desde os tempos da cavalaria andante, mas particular mente desde o romantismo, a mulher — das ewig Weibliche* — tinha sido a fonte de inspiração poética e o objeto de culto lírico. Nas artes cênicas, a diva, a prima dorma, a ballerina é que eram aplaudidas e cortejadas com flores. Mas agora um homem, cheio de graça e beleza, ocupava o centro das atenções. Isto era verdadeiramente revolucionário. Para alguns, era escandaloso. Uma aura de decadência cercava os Ballets Russes em conjunto. Robert de Flers e Gaston de Cavaillet fizeram uma personagem de sua peça, Le Bois sacré, dizer: "Estamos começando a nos tornar cavalheiros muito ele gantes, conhecendo pessoas muito chiques, muito decadentes, muito Ballets Russes.”
*
O eterno feminino.
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Era natural que a dança — a tentativa de reunir a mente e o corpo no mesmo ritmo — se tornasse um meio impor tante para o movimento moderno. Embora os egípcios e os gregos tivessem dançado, a civilização cristã não tinha espaço para a dança, e foi só depois da Renascença e da Reforma, com sua conseqüerite secularização, que a dança ressurgiu como expressão da imaginação. Entretanto, ainda estava asso ciada quase exclusivamente à cultura aristocrática da corte ou, é claro, a atividades pagãs. A ética protestante continuava a rejeitar a dança como expressão da sensualidade e da pai xão. A dança clássica surgiu na França e na Itália, mas com variações nacionais'* distintas: os italianos acentuavam o vir tuosismo e os franceses enfatizavam a criação de uma atmos fera romântica; mas até nesses países o balé afundara no final do século XIX em um rígido formalismo que deixava pouco espaço para a expressão individual. Na Grã-Bretanha e na Alemanha a dança fora praticamente esquecida. Foi da Rússia que veio a revitalização. Ali, entre a antiga aristocracia e a sociedade da corte, o “estilo francês”, com bailarinos e coreógrafos importados, experimentou crescente popularidade durante o século XIX. O principal teatro era o Mariinsky de São Petersburgo. Na segunda metade do sé culo, através do marselhês Marius Petipa e do sueco Christian Johannsen, iniciou-se em São Petersburgo uma importante ten tativa de combinar os estilos francês e italiano, elegância com virtuosismo, enfatizando uma nova ondulação das linhas, uma “dança dos braços”, como veio a ser chamada. Era o começo da escola russa, e foi sobre esses fundamentos que Diaghilev construiu, vendo no balé uma forma superior de arte apta a exprimir, através da ação e do movimento, em lugar da per suasão e dos argumentos, a totalidade da personalidade hu mana, espiritual e física, e a essência do mundo não-verbal, não-racional. Um crítico notou inteligentemente que o balé russo era o “cinématograph du riche”}2 Diaghilev não foi o primeiro a introduzir uma nota aber tamente erótica na dança. Havia um forte teor de fantasia sexual na dança de Isadora Duncan e, certamente, em seu sucesso. Tendo lido Nietzsche, esta americana de São Fran cisco decidiu que sua arte era a arte dionisíaca original, antes 58
que Apoio intelectualizasse a emoção e transformasse a dança, de paixão em estilo, ésvaziando-a de pureza e vitalidade. Ela dizia representar a espontaneidade e a expressão natural, cap tar a forma de improviso. Queria "libertar” de restrições o corpo e as emoções e lhes dar a possibilidade de se fundirem "organicamente”. Entretanto, foi menos inovadora do que gos tava de pensar: apesar de suas pretensões, não pôde escapar da Grécia clássica, nem da linha curva sinuosa que tinha do minado o balé desde os românticos. Tanto quanto a sua dança, a personalidade sensual e fecunda de Duncan era uma força criativa, e ela teve grande sucesso por toda a Europa nos anos que se seguiram à virada do século. Na Alemanha nasceu o mito da “die heilige, göttliche Isadora” * Foi Nijinsky quem realizou, como disse o Times de Lon dres, a "real revolução na dança”.13 Em 1828, Cario Blasis escrevera, em The Code of Terpsichore: "Cuidem de tornar os braços tão arredondados que a ponta dos cotovelos fique imperceptível.” E a curva venceu a linha reta. No balé clássi co a graça e o encanto tornaram-se invariavelmente mais im portantes que a personalidade e a interpretação. Enquanto Fokine se voltava para a interpretação, Nijinsky insistia na expressividade de modo vingativo, rebelando-se deUberadamente contra "a linha de beleza”, o prazer a que o olhar estava acostumado. Em sua coreografia tomava cuidados especiais para tornar as pontas de seus cotovelos não apenas perceptí veis mas inevitáveis. Duncan foi o instrumento através do qual se populari zaram as idéias de euritmia, o estudo do ritmo, e â "ginástica estética”. Émile Jacques-Dalcroze fundou uma influente esco la para Ndifundir a primeira modalidade — em Genebra ini cialmente e depois em Hellerau perto de Dresden —, escola que Diaghilev e Nijinsky visitaram em 1912 em busca de ajuda para Le Sacre. Esses acontecimentos se harmonizavam com uma nova Leibeskultur, ou "cultura do corpo”, que en controu sua maior ressonância social na Alemanha e na Rús sia, mas se manifestou por toda parte em fenômenos como
*
A santa, divina Isadora.
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o “cristianismo muscular”, o movimento dos escoteiros, as origens das olimpíadas modernas e, não menos importante, a revolução da moda de Poiret, que libertou as mulheres dos espartilhos e lhes deu uma nova sensualidade resplandecente e descontraída. Pela primeira vez em um século, corpos ele gantes tornaram-se moda, particularmente em Paris. A dança, tanto a séria quanto a popular, parecia fundamental para toda a tendência. Em 1911, todo music-hall importante de Londres contratava a apresentação de uma bailarina, e as im plicações deste fato forneciam rico material para Punch. No Crematorium a principal atração é Frl. Rollmops, cuja dança é impregnada da mais singular sugestividade. Num de seus números, apropriadamente intitulado Liebelei„ ela faz coisas incríveis com as panturrilhas, que são induzi das a expressar uma ampla variedade de emoções — ora de ternura lisonjeadora, ora de ardente paixão e por fim de rejeição desdenhosa... M. Djujitsovitch, que deve ser visto no Pandemonium, introduziu uma dança que todas as noites mantém â casa superlotada numa concentração sem paralelo. A atenção primeiro se fixa numa contração espasmódica da rótula; depois o movimento se espalha gradativamente para outras partes do corpo, terminando a dança num tremendo tour de force sob a forma de uma sacudidela simultânea do pomo-de-adão e do tendão de Aquiles. A nova dançarina sarda no Empyrean, Signora Rigli, provocou imenso furore na sua primeira apresen tação uma noite dessas. No número principal de seu re pertório ela causa surpreendente sensação através de uma hábil manipulação da clavícula, que, aos olhos de todos, se move sinuosamente, culminando num estremecimento que faz o espectador suar frio com um terror indizível. Coube a Miss Truly Allright, que aqui chega com uma grande reputação adquirida nos Estados Unidos, demons trar para um público inglês o efeito sutil, mas descon certante, que se pode produzir numa dança envolvendo ós músculos das orelhas. Num maravilhoso número de “Wag-time” ela emprega aqueles órgãos com encanto irresistível, e o último adejo invariavelmente faz o tea 60
tro vir abaixo. A pedido informamos que, devido a um leve deslocamento sofrido no ensaio, Mlle. Cuibono, a "Vénus Venezuelana”, não poderá executar sua famosa dança da medula espinhal no Capitolium esta semana.14 A dança popular também mudava rapidamente. O turkey trot* e o tango tornaram-se a sensação de 1912 e 1913, para o pesar de estabelecimentos de índole conservadora da Europa e da América. Clérigos, políticos e administradores denuncia vam o que consideravam demonstrações públicas lascivas. As seções de cartas de jornais e revistas estavam cheias de co mentários sobre o assunto. Salões de baile de Boston pros creveram o tango; certos hotéis suíços proibiram os novos passos "americanos”; um oficial prussiano foi assassinado por um general quando discutiam sobre o decoro do turkey trot; e o kaiser tentou impedir que seus oficiais do exército e da marinha praticassem as novas danças, pelo menos quando esti vessem de uniforme. Mas a voga se espalhou, e Jean Richepin sentiu-se motivado a fazer uma conferência sobre o tango para a Academia Francesa em outubro de 1913. O mundo de 1893, quando um manual de etiqueta francês declarava que um jovem respeitável nunca se sentaria no mesmo sofá com uma moça, parecia, vinte anos mais tarde, decididamente medieval.
CONFRONTO E LIBERAÇÃO Se Diaghilev se mostrava cada vez mais inclinado ao confron to e a causar sensação, o mesmo ocorria com seus colabora dores. Em retrospecto, os preparativos para Le Sacre têm um ar quase de conspiração. Por volta de 1913 Stravinsky estava seguro de sua própria importância, e através de Le Sacre tinha a intenção de exasperar o mundo da música e do balé.
* Dança em ritmo de ragtime do início do século.
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Sua reputação internacional havia desabrochado em 1910 e 1911 com o repentino sucesso de Pássaro de fogo e Petrushka. Em novembro de 1912 ele completou a partitura para piano de Le Sacre, e a orquestração finalmente em março de 1913. "A idéia da Sagração da primavera me veio”, disse Stravinsky mais tarde, "enquanto ainda estava compondo O pás saro de fogo. Tinha imaginado uma cena de ritual pagão em que uma virgem escolhida para o sacrifício dança até morrer”. Perguntado em outra ocasião sobre o que mais lhe agradava na Rússia, respondeu: "A violenta primavera russa que pare cia começar no espaço de uma hora, e era como se toda a terra estivesse se rachando. Era o acontecimento mais mara vilhoso íie todos os anos de minha infância.”1 Assim, o tema de Le Sacre era nascimento e morte, Eros e'Tanatos, primi tivos e violentos, as experiências fundamentais de toda a exis tência, para além do contexto cultural. Embora a ênfase finalmente recaísse sobre os aspectos positivos do tema — a primavera, seus ritos correspondentes, e a vida —, o título inicial que Stravinsky deu à partitura era revelador e nada afirmativo: A vítima. No libreto, o últi mo quadro diz respeito, é claro, ao sacrifício da virgem esco lhida. O balé termina com a representação de uma cena de morte no meio da vida. A interpretação usual do balé é que se trata de uma celebração da vida através da morte, e que uma virgem é escolhida para ser sacrificada a fim de home nagear as próprias qualidades de fertilidade e vida que ela exemplifica. Entretanto, por causa da importância dada à morte no balé, à violência associada com a regeneração, ao papel da "vítima”, Le Sacre pode afinal ser considerado uma tragédia. Não se sabe se o título definitivo era original ou foi to mado de empréstimo. A noção de regeneração e renascimento podia ser encontrada em muitas atividades vanguardistas na virada do século. O título do jornal dos secessionistas austría cos era Ver Sacrum, ou Primavera Sagrada. A peça de Frank Wedekind sobre os problemas sexuais de adolescentes chama va-se Frühlingserwachen, ou O despertar da primavera . Ex certos da obra de Proust foram publicados em Le Figaro em 62
março de 1912 com o título “Au Seuil du printemps” ("No limiar da primavera”). Stravinsky inicialmente discutiu o fruto de sua imagi nação com Nicholas Roerich, o pintor que por fim projetou os cenários para o balé; só depois é que apresentou a idéia de seu “balé primitivo” a Diaghilev. Este ficou imediatamente fascinado. O que também se deu com Nijinsky, quando come çou a participar do pròjeto. Na verdade, todos estavam tão excitados e tão interessados pelo potencial de inovação básica que consideraram Fokine conservador demais para ser o co reógrafo da partitura. No final de 1912 Stravinsky, com a impressão de que Fokine iria ser, apesar de tudo, o coreó grafo, escreveu de Monte Cario à sua mãe: Diaghilev e Nijinsky estão loucos por meu novo rebento, Le Sacre du printemps. O desagradável é que terá de ser feito por Fokine, que considero um artista exaurido, al guém que percorreu sua estrada rapidamente e que se esgota a cada nova obra. Schéhérazade foi o ponto alto de suas realizações e, conseqüentemente, o começo de seu declínio... Novas formas devem ser criadas, e o perverso, o voraz e talentoso Fokine sequer sonhou com elas. No início de sua carreira parecia ser extraordina riamente progressista, mas quanto mais eu conhecia a sua obra, mais compreendia que, em essência, ele não era novo coisíssima nenhuma.2 A novidade, portanto, era um sine qua non para Stravinsky. “Não po sso... compor o que desejam de mim”, queixou-se mais tarde a Benois, “o que seria me repetir”. Este era o erro de Fokine como coreógrafo; este era o erro de outros com positores: “É por isso que as pessoas se esgotam.”3 E Stravins ky não tinha nenhuma intenção de perder sua capacidade de chocar. Fokine já estava aborrecido com Diaghilev por ele ter permitido que Nijinsky fizesse a coreografia para o Faune, e, no final de 1912, a ruptura se consumou. Nijinsky foi esco lhido para fazer Le Sacre. Não havia dúvida de que ele agora estava* decidido a romper com as convenções de um modo 63
muito mais dramático do que no Faune. Havia até um tom apocalíptico em seu temperamento. Em dezembro de 1912, por exemplo, Nijinsky transmitiu a Richard Strauss, via Hugo von Hofmannsthal, um pedido para que Strauss compusesse para ele “a música mais livre, menos dançável do mundo "Ser levado por você”, Hofmannsthal escreveu a Strauss, "para além de todos os limites da convenção é exatamente o que ele almeja; é, afinal, um verdadeiro gênio, e justamente ali onde a trilha não está traçada é que ele deseja mostrar o que pode fazer, numa região como a que você desbravou em Electra”.A Os preparativos para Le Sacre ocorreram enquanto os Ballets Russes excursionavam pela Europa durante o inverno de 1912-1913, de Berlim, a Budapeste e Viena, a Leipzig e Dresden, a Londres, e finalmente a Monte Cario para des canso e ensaios. De Leipzig, Nijinsky escreveu a Stravinsky em 25 de janeiro de 1913: Agora sei o que Le Sacre du printemps será quando tudo estiver como ambos desejamos: novo, belo e totalmente diferente, mas para o espectador comum uma experiên cia surpreendente e emocional.5 À medida que os ensaios se multiplicavam, Nijinsky começou a ter problemas com seus dançarinos, que achavam suas idéias incompreensíveis e seu estilo destituído de beleza identificável. Ainda assim, embora houvesse alguns desentendimentos ini ciais sobre tempi, Stravinsky estava cheio de admiração pela realização de Nijinsky. "A coreografia de Nijinsky é incom parável”, afirmou pouco depois da estréia. Tudo saiu como eu queria, com pouquíssimas exceções. Mas devemos esperar muito tempo até o público se acos tumar com a nossa linguagem. Estou convencido do valor do que já realizamos, e isso me dá força para novos tra balhos.6 Pierre Monteux, o maestro da première, chamava a maior parte da música tradicional que tinha de reger de la sale mu 64
Nijinsky, fotografado por Stravinsky em Monte Carlo, 1911. (Robert Craft)
Stravinsky e Nijinsky vestido para o papel de Petrushka. (Bibliothèque Nationale, Paris) Diaghilev e Cocteau. (Bettman/BBC Hulton)
Berlim, palácio imperial, l.° de agosto de 1914. A multidão saúda o kaiser. (Bettman/BBC Hulton)
Petrogrado, Perspectiva Nevsky, 3 de agosto de 1914. A foto foi retpcada de maneira laboriosa mas tosca. Por quê? A cabeça do menino menor, na primeira fila, não combina com o corpo.
Paris, Gare de l’Est, 2 de agosto de 1914. (Bettman/BBC Hulton)
Londres, Trafalgar Square, 4 de agosto de 1914. (Bettman/BBC Huîton)
Natal alemão, 1914. Esta foto foi tirada na Frente Oriental, perto de Darkehmen. Parece posada, mas realmente ocorreram comemorações nas frentes ocidental e oriental. (Ullstein) Paz na terra: dia de Natal de 1914. Britânicos e alemães se encontram na terra de ninguém perto de Armenthières. Não se permitia a entrada de máquinas fotográficas na linha de frente; por isso as fotos eram quase sempre tiradas sub-repticiamente.' O resultado é evidente nesta foto. (Imperial War Muséum)
Balé da batalha. Os censores franceses não permitiram que esta foto fosse publicada durante a guerra. (ECPA) Natal de 1916. Tropas britânicas comem sua ceia de Natal num buraco aberto por uma bomba perto de Beaumont Hamel. Desta vez não houve confraternização depois da ceia. (Imperial War Museum)
Estrada de Menin. (Imperial War Museum) Menin Roa d ,
de Paul Nash. (Imperial War Museum)
Sentinela blindado. (Times Newspapers, Ltd.) Dançarinos dadaístas. (Fundação Arp)
sique* e conseqüentemente estava muito excitado com a obra de Stravinsky. Numa carta de 30 de março, informou ao compositor:
Ontem finalmente ensaiei todas as três obras [ Pássaro de fogo, Petrushka e Le Sacre']. Que pena que você não estivesse aqui, e principalmente que não possa estar pre sente para a explosão de Le Sacre.7 Assim, das intenções de Diaghilev à concepção de Stra vinsky, aos objetivos e profecias de Nijinsky e à impressão de Monteux de que Le Sacre seria uma experiência explosiva, uma atmosfera de expectativa, provocação e tensão cercou a criação do balé. Não há dúvida de que algum tipo de scandale foi não só premeditado como esperado. No final do ano Stra vinsky escreveu à sua mãe antes que ela fosse ouvir, pela primeira vez, a última composição do filho em São Peters burgo: “Não se assuste se receberem Le Sacre com assobios. Isso faz parte da ordem das coisas.”3 Não era um reconheci mento que lhe vinha do fato consumado; era uma intenção embutida dentro da música. Alguns argumentam que o balé russo e o esteticismo como um todo eram basicamente apolíticos. Afirmar tal coisa é igno rar as origens sociais da arte j í interpretar mal as implicações sociais da revolta moderna. jO esteticismo era antipolítico na medida em que procurava na arte, e não em partidos e par lamentos, um meio de fortalecer a vida. Entretanto, exatamen te ao formular estas prioridades, comportava-se de modo emi nentemente político. Além disso, apesar de ser quase sempre reticente ou ambíguo em sua reação aos movimentos e acon tecimentos políticos, demonstrava, por definição, uma sim patia básica para com as tendências progressistas e até revo lucionárias, porque o esteticismo fundava-se claramente na rejeição dos códigos e valores sociais existentes. Numa entre vista ao New York Times em 1916, Diaghilev proclamou:
*
Música suja.
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Éramos todos revolucionários. . . quando lutávamos pela causa da arte russa, e. . . foi só por mero acaso que dei xei de me tornar um revolucionário em outras coisas que não fossem cor ou música.9 Os distúrbios de 1905, na Rússia, tinham provocado mui tas manifestações de simpatia no círculo do Mundo da Arte. Em suas primeiras reações aos acontecimentos, Diaghilev foi da aprovação ao temor, mas em outubro estava encantado com o manifesto do czar prometendo uma constituição para a Rús sia. “Estamos exultantes”, observou sua tia na época. “On tem tomamos até champanhe. Você nunca adivinharia quem trouxe o manifesto... Seroja [o pequeno Serge, isto é, Dia ghilev], dentre todas as pessoas. Maravilhoso.” Diaghilev até escreveu uma carta ao secretário de Estado, propondo um mi nistério das belas-artes.10 Em outras palavras, arte e libera ção deviam andar de mãos dadas. Mas quais eram as implicações morais e sociais desta busca de liberdade? Apesar da fascinação da vanguarda pelas classes mais baixas, pelos párias sociais, prostitutas, crimino sos e loucos, o interesse usualmente não se originava de uma preocupação prática com o bem-estar social ou com uma rees truturação da sociedade, mas provinha de um simples desejo de eliminar as restrições à personalidade humana. O interesse pelas camadas sociais mais baixas era assim mais simbólico do que prático. A busca era a de uma “moralidade sem san ções e obrigações”. A ordem nietzschiana “Du sollst werden, wer du bist”* era a suprema lei moral. “Sinto grande prazer a cada nova vitória da revolução...”, escreveu Konstantin Somov a Benois em 1905, “sabendo que não nos levará a um abismo, mas à vida. Odeio demais o nosso passado. . . Sou um individualista; o mundo todo gira ao meu redor, e essen cialmente não me interessa sair dos limites deste ‘eu’.”11 Como em Das Einzige und sein Eigentum** (1845) de Max Stirner, que alcançou uma nova popularidade no fim do século, o mundo estava aqui condensado no elemento indi-
* **
Você deve se tornar quem você é. O ego e o próprio dele.
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vidualista: “Para mim nada é mais elevado do que eu pró prio ”^, dizia Stirner. O impulso libertário e anarquista, emi nentemente político, é fundamental para a revolta moderna. D. H. Lawrence só devia escrever seu romance aberta mente político, Kangaroo, depois da guerra, mas sua arte já tinha conotações políticas, se compreendermos a política como algo mais do que as estruturas formais do discurso social e a considerarmos como toda mediação entre os interesses do indi víduo e do grupo. Quando Anna dançou, grávida e nua, diante do marido em The Rainbow, que Lawrence escreveu nos anos anteriores à guerra e publicou em 1915, “ela se balançava para trás e para a frente como uma espiga de milho madura, lívida no crepúsculo da tarde, ziguezagueando diante da luz do fogo, dançando sua inexistência. . . Ele esperava oblite rado”. Apesar da estranha beleza de seus movimentos, ele não podia compreender por que ela estava dançando nua. “ ‘O que está fazendo?’ disse asperamente. 'Vai pegar um res friado.’ ”12 A dança era a arte de Anna. Era a arte de uma Isadora Duncan que claramente inspirou esta passagem. Era a arte de Nijinsky. Pertencia a eles e não a qualquer marido, amante ou público. A arte como ato apagava maridos, amantes e pú blicos. Arte era liberdade. Mas a liberdade só tinha significado em relação ao pú blico. A dança de Anna nada significaria sem o seu marido. E assim, paradoxalmente, o público negado era fundamental para a arte. O acte gratuit transformou-se em um fogo-fátuo, e o elemento individualista também se tornou um elemento ex tremamente social e, portanto, político.
O PÜBLICO
Ao lado de Veneza, Paris é a cidade mais impregnada de significado metafórico para o mundo ocidental. É uma cidade de juventude e romance, mas também de experiência e pesar; 67
de exuberância e melancolia; de idéias audazes e sonhos es maecidos; de estilo grandioso e frivolidade. Muitos encon traram na cidade uma combinação de disparidades, uma com pletitude sem rival, e partilharam da lembrança que William Shirer guardava dela: “tão perto do paraíso nesta terra como ninguém jamais esteve”.1 Quem nunca imaginou ou recordou “aquele verão em Paris”, mesmo que ele ou ela nunca tenha posto nem jamais venha a pôr os pés num quai ao longo do Sena? Harold Rosenberg, em 1940, depois da queda da cidade nas mãos dos alemães, descreveu Paris como “o Lugar Sagrado de nossos tempos. O único”. Repetia as palavras e sentimentos de Heinrich Heine, que um século antes tinha chamado Paris de “a nova Jerusalém”, e de Thomas Appleton, cuja idéia era que Paris é o lugar para onde vão os bons americanos quando mor rem. O que sugerem estes elogios é que Paris de alguma forma conseguiu aproveitar suas discordantes energias urbanas — seu aglomerado de humanidade, seus conflitos de classe, suas concentrações de cobiça e desespero — e tratar de seus pro blemas físicos de modo a produzir um rico e estimulante efeito espiritual. A partir de meados do século passado, a cidade havia real mente contribuído muito para encorajar essa imagem: desde os consideráveis melhoramentos introduzidos na cidade sob a dire ção do prefeito do Sena na época de Louis Napoleon, o Barão Haussmann, à repetida organização de pródigas e dispendiosas exposições mundiais, aos acréscimos e aperfeiçoamentos arqui tetônicos feitos por pessoas como Violet-le-Duc, à construção da Torre Eiffel e do Sacré Coeur, às leis de censura relativa mente frouxas que permitiam diversões e publicações que teriam pouca chance de sobrevivência em qualquer outra parte da Eu ropa, e, finalmente, à moralidade intencionalmente ambígua, moralidade não encontrada em nenhuma outra parte da Eu ropa, que tolerava uma vida de rua cheia de absinto, cafés e garotas. Havia, entretanto, um outro lado do retrato, um lado que se tornou mais visível à medida que o século se aproximava de seu fim. Era o lado passivo, letárgico e duvidoso de Paris, Paris como objeto, como vítima; Paris como o lugar de crise, 68
como o Iccus de uma cultura de crise; Paris como o sítio de um tédio esmagador, a que Barrés se referiu em 1885: “Uma profunda indiferença nos devora.”3 Paris tornara-se um símbolo cultural, como Harold Rosenberg notou inteligente mente em seu artigo de 1940, “não apenas por causa de seu gênio afirmativo, mas talvez, ao contrário, por sua passividade, que lhe permitia ser possuída pelos exploradores de todas as nações”. Em 1886, o velho Oliver Wendell Holmes achou a cidade “monótona e melancólica. . . ociosa e apática*.4 Três quartos de século mais tarde, um garçom disse a Jack Kerouac: “Paris est pourri .”*5 Politicamente, Paris, depois da grande Revolução de 1789, foi um centro de radicalismo messiânico por mais de um século, até este papel ser usurpado por Moscou em 1917. O símbolo, entretanto, era mais importante que a realidade. Naquele século foram poucos na França os períodos de ge nuína tolerância política em que elementos radicais podiam fazer proselitismo livremente, e o destino dos ideais da Re volução — liberdade, igualdade e fraternidade — evocava muito sarcasmo e desprezo. Duas semanas antes da première de Le Sacre, Georges Clemenceau por duas vezes se feferiu, em discursos, ao mal na vida francesa “que nos corrói”: a incapacidade dos franceses para se organizarem num sistema político aceitável.6 No curso de seu desenvolvimento, Paris tornou-se não apenas a ville des lumières , mas também um símbolo da peste urbana. A população tornou-se mais concentrada e densa na área central. Embora o centro da cidade fosse o mais belo do mundo, os banlieux ou subúrbios podiam reivindicar um lugar entre os mais feios. Aubervilliers, Les Lilas e Issy-lesMoulineaux, construídos nos últimos vinte e cinco anos do século XIX numa tentativa de contra-atacar o congestionamen to, são nomes líricos para sombrios subúrbios industriais. Eram numerosos os bairros miseráveis sem saneamento ade quado; em 1850 apenas uma em cinco casas tinha água. Paris era incontestavelmente a capital ocidental dos vagabundos e mendigos.
*
Paris está podre.
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Todas as principais cidades européias se viram diante de problemas semelhantes na expansão industrial do século passado, mas em Paris o exemplo da ação política radical tinha deixado sua marca, e as tensões sociais vieram à tona duas vezes de forma particularmente perversa. Nos dias de junho de 1848 e durante a Comuna de 1871 o ódio de classes ex plodiu e destruiu imensos setores da cidade. Mais pessoas foram mortas em uma semana de luta de rua em maio de 1871 do que em todo o período do terror jacobino, e a cidade foi danificada em muito maior escala do que em qualquer guerra anterior ou posterior. Dizia-se que os grandes buleva res que o Barão Haussmann abriu no atravancado centro da cidade nas décadas de 1850 e 1860, a fim de dar a Paris sua peculiar elegância urbana e leveza cultivada, teriam sido pro jetados, pelo menos em parte, com o intuito de reduzir a pos sibilidade de barricadas e de proporcionar às tropas não só trânsito rápido dos quartéis ao centro mas também galerias de tiro desobstruídas para o confronto com as classes dangereu$es em caso de luta civil. A tensão política era, portanto, uma constante na vida de Paris e refletia a luta geral pela supre macia entre passado e futuro. Na década de 1880 o cavalo ainda dominava Paris. A Étoile e os Champs-Elysées, rodeados de estábulos e escolas de equitação, eram o centro dos vendedores de cavalos. O cavalheiro elegante, monóculo preso na aba da cartola, cravo na lapela, brilhantes botas de montaria, falava constantemente do Jockey Clube e do concurso hípico. Palafreneiros descan savam nos cafés da rua de Pouthieu e da rua Marbeuf. O cheiro de estrume de cavalo impregnava o ar, e os pedestres achavam natural caminhar no meio da rua. Entretanto, em poucos anos, o automóvel tinha invadido Paris. Em 1896, Hugues le Roux, um jovem jornalista, avisou ao prefeito de polícia que andaria com uma pistola para enfrentar os moto ristas de automóveis que ameaçavam a sua segurança e a de sua família nas ruas. A polícia, ele acusava, parecia total mente despreparada para tomar qualquer medida contra os motoristas lunáticos que haviam tornado as ruas de Paris mor talmente perigosas.7 Setenta anos depois de ter chegado a Paris pela primeira vez no outono de 1904, quando se sentou com 70
Gabriel Astruc no Café de la Paix, Arthur Rubinstein recor dou os odores da ocasião, perfume e cheiro de cavalo.8 Ex pressou-se com delicadeza em suas memórias. Se quisesse ser franco, poderia ter dito que se lembrava de uma mistura de perfume fino, descarga de motores e estrume. Isso teria ex pressado um pouco mais claramente os opostos que haviam se tornado tão marcantes em Paris, à medida que a cidade cres cia no século passado, opostos que nunca foram mais eviden tes do que na atmosfera brilhante mas crepuscular da belle époque. Paris e toda a França se viam cada vez mais absorvidas nestas contradições, enquanto o século se aproximava de seu fim. Depois da estarrecedora derrota do Segundo Império de Louis Napoleon em 1870-1871 frente aos prussianos e da de sastrosa guerra civil travada em Paris, o tradicional senso de grandeza e preeminência francesa na Europa deparou-se com a memória recente do desastre. Uma consciência paralisante de declínio, junto com uma controvertida busca das raí zes do mal, impregnou a vida francesa na Terceira República. Procuravam-se inimigos dentro e fora: as cicatrizes de guerra eram freqíientes; os escândalos públicos pareciam multiplicarse, acompanhados por uma grande quantidade de atentados anarquistas, sendo o mais divulgado, embora fosse o que ti vesse custado menor número de vidas humanas, o que ocorreu na Câmara dos Deputados em 9 de dezembro de 1893; e o caso Dreyfus, que rachou todo o país na última década do século, foi simplesmente o símbolo mais sensacional da fra queza e do turbilhão. Numa era de imperialismo a França perdeu terreno na busca de colônias. Seu comércio externo declinou. Enquanto partes do mundo passavam para uma segunda fase de indus trialização depois de 1890, a França não acompanhou o ritmo, e os franceses, exemplificando a dúvida que tinham a respeito de si próprios, demonstravam mais disposição a investir di nheiro no exterior do que em casa. E enquanto a taxa de na talidade de seus vizinhos, particularmente a da Alemanha, crescia de modo significativo, a da França diminuía. Até Paris parecia ter parado de se desenvolver depois de 1880. A população da cidade aumentava apenas porque as 71
áreas da periferia eram incorporadas aos limites metropolita nos. Foram necessários mais de vinte anos, até 1907, para que se concluíssem os planos de Haussmann para o Boulevard Raspail, e a própria avenida que recebeu o seu nome, em homenagem às suas realizações, ficou inacabada durante cinqüenta anos, até a década de 1920. Letargia e uma incô moda consciência de degeneração defrontavam-se assim com um legado de grandeur e gloire. O embaixador alemão em Paris percebeu isso em 1886; em outubro o Conde Münster passou um cabograma para Berlim: “O desejo de que haja algum dia uma guerra santa é comum a todos os franceses; mas a exigência de que se cumpra logo esse desejo é recebida com ceticismo."9 Até como árbitro cultural do mundo, papel que a maio ria dos franceses considerava um legado internacional per manente e, portanto, um direito inato, o país se sentia inde ciso. Na segunda década deste século Paris parecia estar muito mais enlevada com a cultura estrangeira do que com a sua: em junho de 1911, por exemplo, houve uma saison belge em Les Bouffes, uma saison italienne no Châtelet, uma saison russe do outro lado da praça, no Sarah Bernhardt, e uma sai son viennoise no Vaudeville. Embora importantes composições de Charpentier, Fauré, Ravel, Schmitt e Debussy fossem exe cutadas pela primeira vez na primavera e no verão de 1913, toda a recènte excitação e comoção parecia ser gerada por compositores e artistas estrangeiros: Strauss, Mussorgsky, Kuznetsova, Chaliapin e os Ballets Russes. Além do mais, os es trangeiros, principalmente os russos, mostravam-se freqüentemente inclinados a considerar suas contribuições com um ar de superioridade e até com arrogantes pretensões à arte su prema. “Mostramos aos parisienses”, afirmou Alexandre Benois depois da temporada russa de 1909, “o que o teatro de veria s e r ... Esta viagem foi, sem dúvida, uma necessidade histórica. Somos na civilização contemporânea o ingrediente sem o qual ela seria inteiramente corroída”.10 Entretanto, se a arte inovadora dos estrangeiros desper tava fascinação, rebeldes nativos como os fauvistas eram denun ciados como agentes da anarqiua e decomposição. Por exem plo, o influente crítico Samuel RocheblaVe lamentava na época 72
que a pintura na França desde Courbet tivesse perdido o auto controle, tornando-se polêmica, política e nada mais do que espetáculo. O fin-de-siècle, em sua opinião, era um sinônimo de anarquia manifesta, importada do exterior. O impressionis mo, que decompôs a cor e a luz, e o cubismo, que decompôs a forma sólida, não eram estilos franceses, mas algo que se aproximava da “barbárie”. “Plus d’école”, dizia ele com um suspiro, “mais une poussière de talents; plus de corps, mas des individus ”.*n Se um importante impulso por trás da experimentação artística na virada do século era a busca de liberação, o rom pimento, em termos morais e estéticos, com a autoridade cen tral, o patriarcado, o conformismo burguês, em suma, a tra dição européia que tinha sido ditada em grande parte por Paris, não constituía surpresa que uma fração considerável do impulso psicológico e espiritual para esse rompimento viesse das periferias geográficas, sociais, geracionais e sexuais. A ênfase na juventude, na sensualidade, na homossexualidade, no inconsciente, no primitivo e nos socialmente destituídos provinha, na maioria dos casos, não de Paris, mas dos confins da hegemonia tradicional. O movimento moderno estava cheio de exilados, e a condição de exilado, ou a “batalha nas fron teiras”, como o francês polaco-italiano Apollinaire denominava a atividade de seu grupo, tornou-se um tema predominante da mentalidade moderna. A primeira peça do jovem Henry de Montherlant, escrita em 1914 quando o dramaturgo tinha dezoito anos, chamava-se L ’Exil. No mesmo ano, James Joyce compunha o primeiro esboço de sua peça Exiles. Paris, em virtude de suas associações míticas com os ideais revolucioná rios, tornou-se o refúgio de muitos desses exilados, inclusive Joyce, e assim o principal cenário da revolta moderna. Quan do lhe perguntaram quais eram os grandes artistas franceses de seu tempo, Cocteau respondeu: Picasso, Stravinsky e Modiglia ni.12 Por volta de 1913, Paris havia se tornado, como Jacques-
* Não há mais escolas, apenas indícios de talento; não há mais grupos, só indivíduos.
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Émile Blanche escreveu em novembro daquele ano, a gare centrale da Europa;13 um centro de desenvolvimentos, mas não inovador. A condição econômica e política geral da França na belle êpoque fornecia, é claro, o pano de fundo para a teatralida de, e as preocupações culturais estavam ligadas a interesses políticos e estratégicos. Em ambos, a vulnerabilidade era a ca racterística predominante. Quando um tratado franco-russo se materializou em 1893, pondo fim a um quarto de século de isolamento diplomático maquinado em grande parte por Otto von Bismarck, Paris irrompeu num júbilo que beirava a his teria. Caixas de fósforos com retratos do czar, cachimbos de Kronstadt e carteiras de Neva faziam furor. Retratos do czar e da czarina eram dependurados nos quartos das crian ças. Tolstoi e Dostoievski tornaram-se a leitura favorita. Ao interesse pela Rússia deve ser acrescentada uma ob sessão pela Alemanha. Depois da derrota de 1870-1871, depois da perda das províncias de Alsácia e Lorena para os alemães, e de pois da humilhação adicional de ver o Reich Alemão procla mado no Salão dos Espelhos em Versailles, a Prússia-Alemanha tornou-se não apenas o inimigo desprezado, mas a en carnação do mal e, portanto, a antítese da França. A botte ferrée de Bismarck, assentada sobre a nuca da França, tor nou-se a imagem inevitável da relação de Hermann com Marianne. Entretanto, neste papel mefistofélico sádico, a PrússiaAlemanha também se transformou, é claro, em fonte de inte resse absorvente, interesse expresso a princípio cautelosamente mas depois de forma mais aberta. O tratamento dispensado a Wagner é ilustrativo. Antes de meados da década de 1880, qualquer manifestação de apreço pelo compositor alemão tinha de ser quase sub-reptícia, e propostas de executar suas obras em Paris eram recebidas com franca oposição. Na década de 1890, entretanto, uma onda wagneriana estava em curso, e a peregrinação a Bayreuth tornara-se moda. Wagner claramente influenciou Mallarmé, Proust e Debussy. Em 1913 o cente nário de Wagner foi festejado em Paris com representações de Tristão e todó o ciclo do Anel dos Nibelungos, extrava gância que. teria sido impensável uma geração antes. 74
Taine sugerira, em 1867, que “os alemães são os pionei ros e talvez os mestres do espírito moderno". Se essa idéia teve então poucos adeptos entre os franceses, perto do final do século a Alemanha tinha se imposto à consciência francesa de forma impressionante, nos círculos intelectuais e políticos, no comércio e na indústria, e entre os militares. Por volta de 1913, a França, como árbitro seguro do bom gosto, era coisa do passado. Nesse ano, enquanto os alemães e os russos celebravam o centenário da primeira derrota de Napoleão, os franceses foram lembrados de seu declínio. “Em Paris do mina a incerteza", escreveu Jacques-Émile Blanche.14 A noite memorável de 29 de maio de 1913, no Théâtre des ChampsÉlysées, expressaria vividamente essa incerteza.
O ESCÂNDALO COMO SUCESSO
Afinal, o que havia de tão escandaloso, provocador e sur preendente em Le Sacre? O tema não tinha um objetivo moral prontamente iden tificável. O homem primitivo, pré-ético, pré-individual era re tratado na natureza. Renascimento, vida e morte eram des critos sem qualquer comentário ético evidente, sem “molho" moral, para tomar emprestada a analogia tipicamente francesa de Jacques Rivière.1 Nessa representação da continuidade da vida, fundamental, brutal e trágica, indo além do destino indi vidual, não havia sugestão de sentimento. Havia apenas ener gia, júbilo e necessidade. A vítima não era lamentada mas glorificada. A^virgcm escolhida participava do rito automa ticamente, sem sinal de compreensão ou interpretação. Sub metia-se. a um destino que a transcendia. O tema era básico e, ao mesmo tempo, brutal. Se havia esperança, ela estava na energia e fertilidade da vida, não na moralidade. Para um público afeito a seus requintes civilizados, a mensagem se re velava chocante. A música era igualmente chocante. Desprovida de orna mentos, sugestão moral e, em sua maior parte, de melodia. 75
Algumas breves Jinhas melódicas, inspiradas em temas fol clóricos russos, surgiam certamente, mas, a não ser isso, a música não tinha nenhuma relação evidente com a tradição do século XIX, nem mesmo com o impressionismo. As leis da harmonia e do ritmo pareciam ser violadas. Foram inten cionalmente escolhidos instrumentos sem vibrato, a fim de eli minar qualquer traço de sentimentalidade. Criaram-se novos sons com o emprego de registros extremos para as madeiras e as cordas. A orquestra exigida era imensa, 120 instrumen tos, com uma alta porcentagem de percussão, o que podia pro duzir uma formidável explosão de sons. Com sua violência, dissonância e evidente cacofonia, a música era tãó enérgica e primitiva quanto o tema. Debussy disse de Le Sacre que era "algo extraordinário, selvagem. Talvez se pudesse dizer que é música primitiva com todos os recursos modernos” .2 Um crítico chamou-a de "música ho tento te refinada”; outro afir mou que era "a composição mais dissonante já escrita. Nunca o culto da nota errada foi celebrado com tanta diligência, fer vor e ferocidade”.3 Se o tema questionava a própria noção de civilização, e se a música sublinhava este desafio, a coreo grafia de Nijinsky aumentava a provocação. Todo virtuosis mo foi eliminado. Não havia um único jeté, pirouette ou arabesque. Por ironia, o homem cuja surpreendente graça e agi lidade tinha sido freneticamente aclamada em anos anteriores parecia ter riscado de sua composição todos os vestígios de suas próprias conquistas. O movimento foi reduzido a pulos pesados, com os dois pés, e a um caminhar nem uniforme nem ritmado. Gomo em todas as composições de Nijinsky, ha via uma posição básica: desta vez consistia em pés virados para dentro com grande exagero, joelhos dobrados, braços pre sos ao corpo, cabeça de perfil com o corpo em posição fron tal. Em outras palavras, a pose clássica era inteiramente con traditada pelo que a muitos parecia uma contorção de cam baios. Nijinsky chamava seus movimentos de "gestos estili zados” para enfatizar o abandono do fluxo e ritmo da dança clássica, acentuar as desconexões, a irregularidade, da exis tência. Os dançarinos não eram mais indivíduos mas partes da composição. A maioria dos movimentos se dava em gru pos. Como não havia melodia a ser seguida, os dançarinos 76
tinham de acompanhar o ritmo, mas até isso era extraordi nariamente difícil, pois cada novo compasso obedecia a uma diferente indicação de tempo. Para aumentar a complexidade, exigia-se muitas vezes de diversos grupos de dançarinos que seguissem no palco ritmos diferenciados. Quando Diaghilev e Nijinsky visitaram Dalcroze em sua escola de euritmia em 1912, tinham persuadido Marie Rambert a abandonar Hellerau e ingressar nos Ballets Russes a fim de ajudar Nijinsky a ensinar ritmo ao corps de ballet. O público da noite de es tréia não foi o único a considerar o trabalho de Nijinsky de difícil compreensão. Muitos de seus próprios dançarinos tinham deixado claro que achavam o trabalho feio e repulsivo. Os críticos foram, em geral, selvagens em relação a Ni jinsky. Henri Quittard continuou .\ia cruzada contra a coreo grafia de Nijinsky, a quem chamou de “colegial frustrado” a um passo da loucura.4 Louis Laloy icusou-o de ser “totalmentc desprovido de idéias e até de bom senso”.5 Os cenários de Roerich foram o único elemento do balé a não alardear novidade e, como resultado, foram virtual mente ignorados. Entretanto, com seu uso de vermelho, verde /. c branco em combinações que lembravam a pintura de^ícones, complementavam quietamente a sensação de exotismo e de influência popular russa. Como observou Jacques Rivière, o mais sagaz dos comen taristas contemporâneos, a assimetria é a essência de Le Sacre. O tema, a música e a coreografia eram todos angulosos e bruscos. Entretanto, paradoxalmente, como se pode ver, a assimetria é estilizada e altamente controlada. Há uma pode rosa unidade no balé. Existe implícita na obra uma turbu lência arrebatadora, uma densa mistura de instinto, sensuali dade e destino. Nas palavras de Rivière, é “a primavera vista de dentro para fora, com sua violência, seus espasmos e suas fissões. Temos a impressão de estar assistindo a um drama através de um microscópio”. O balé contém e ilustra muitas das características essen ciais da revolta moderna: a franca hostilidade à forma her dada; a fascinação-pêlo primitivismo e, na verdade, por qual quer coisa que contradiga a noção de civilização; a ênfase no vitalismo em oposição ao racionalismo; a percepção da 77
existência como fluxo contínuo e uma série de relações, e não como constantes e absolutos; a introspecção psicológica que acompanha a rebelião contra a convenção social. Se estas características do balé despertaram entusiástica ad miração num segmento do público, provocaram também uma oposição ruidosa. Esta última exigia que a arte fosse uma visão da graça, harmonia e beleza ao invés de uma expres são de idiossincrasia ou neurose; que a arte fosse moralmente edificante e não desdenhosa ou indiferente aos costumes pre dominantes; que os patrocinadores da arte fossem respeitados e não intencionalmente insultados. Para ela, o trabalho de Stravinsky era só ruído, o de Nijinsky feia paródia. Conseqüentemente, a oposição reagiu de um modo que julgava ser de igual para igual. Ao insulto respondeu com insulto, ao barulho com barulho, ao sarcasmo com sarcasmo. Nos primeiros dias a reação na imprensa foi, com poucas exceções, esmagadoramente negativa, não apenas nos diários mas também nos periódicos musicais. Todos riam de Le Mas sacre du printemps. As habilidades de Stravinsky foram reco nhecidas, mas desta vez, diziam, ele tinha ido longe demais em sua inventividade. “O compositor escreveu uma partitura para a qual só estaremos preparados em 1940”, observou um comentarista presciente.6 O talento de Nijinsky também foi universalmente reconhecido, mas como bailarino, não como coreógtafo. Quase em uníssono, os críticos o exortaram a res tringir-se a dançar. Marie Rambert notou que ele também es tava “cinqüenta anos à frente de seu tempo”.7 Em 2 de junho Le Figaro sentiu a necessidade de publi car um editorial na primeira página sobre a companhia de balé russa. Embora um acordo de paz nos Balcãs tivesse sido assinado em 30 de maio, para concluir a última fase da guerra ali travada, escreveu Alfred Capus: resta, entretánto, uma série de questões internacionais que ainda precisam ser resolvidas. Entre estas não hesito em colocar na primeira fila o problema da relação de Paris com os bailarinos russos, que chegou a um ponto de ten são em que tudo pode acontecer. Já na outra noite houve um incidente de fronteira cuja gravidade o governo não deve subestimar. 78
Desta vez os bárbaros russos, liderados por Nijinsky, “uma espécie de Átila da dança”, foram realmente longe demais. Receberam vaias e reagiram com surpresa. Parece que não têm consciência alguma dos costumes e práticas do país de cuja hospitalidade estão abusando e dão a impressão de ignorar o fato de que freqüentemente tomamos medidas enérgicas contra comportamentos ab surdos. Um acordo, entretanto, talvez pudesse ser negociado com os russos. Nijinsky teria de consentir em não' encenar mais balés que aspiram a um nível de beleza inacessível para nossas fracas mentes, e não mostrar mais mulheres “mpdernas” de trezentos anos, nem meninos pequenos mamando em peitos, nem, por falar nisso, peitos. Em troca dessas con cessões, continuaríamos a assegurar-lhe que é o maior bai larino do mundo, o mais belo dos homens, e lhe daría mos prova disso. Viveríamos então em paz. E o artigo concluía observando que um grupo de atores polo neses estava para chegar a Paris. Seria melhor que se conti vessem e não dissessem aos franceses que a única arte ver dadeira é a arte polonesa. Na frente do busto de Molière, era*melhor que não gri tassem: Vive la Pologne, monsieur! Não é preciso dizer que Alfred Capus deve ter se sentido muito satisfeito consigo mesmo ao saborear seu humor de cabaré em letra de fôrma naquela segunda-feira do início de junho. Um ano mais tarde, em meio à “crise de julho” provoca da pelo assassinato do arquiduque austríaco, um certo Maurice Dupont, num artigo em La Revue Bleue, censurou a curio sidade de sua época, que ele não via como um sinal de ativi dade intelectual superior, mas como um inquietante sintoma de doença. “Um ser humanp saudável não é curioso.” Ele via 79
no entusiasmo que a companhia russa havia gerado um sinal de lamentável desequilíbrio espiritual. O caráter essencial de uma obra como Le Sacre era o niilismo, dizia ele. A obra tinha intensidade, mas faltava-lhe amplitude. Entorpecia os sentidos ao invés de elevar a alma. Era uma “orgia dionisíaca sonhada por Nietzsche e suscitada por seu desejo profético de ser o farol de um mundo que se arremessa para a morte”. Dupont pensava, entretanto, que havia alguma razão para es perança, a prova mais espetacular da sanidade mental fran cesa tendo sido a demonstração estridente com que Le Sacre fora recebido.8 Quando seu artigo saiu publicado, Dupont provavelmente notou com alívio que Gabriel Astruc tinha ido à bancarrota. Nijinsky casara-se com Romola de Pulszky e, conseqüentemente, fora excluído da trupe de Diaghilev. Em suma, a “onda moderna” sofrera contratempos. Ele poderia também ter no tado, porém, que os cientistas se ocupavam com a possibili dade de o mundo vir a acabar. Na Revue des deux mondes, Charles Nordmann escrevia: Na vida das sociedades, assim como na dos indivíduos, existem horas de desconforto moral, quando o desespero e a fadiga estendem suas asas de chumbo sobre os seres humanos. Os homens começam então a sonhar com o nada. O fim de tudo deixa de ser “indesejável”, e sua contemplação é, de fato, consoladora. Os recentes deba tes entre os cientistas sobre a morte do universo talvez sejam o reflexo destes dias sombrios.9
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II
BERLIM^
O curioso é que em toda parte os cidadãos se tornaram dançárinos. A i .f r e d
Wo
l f e n s t e in
1914
O bater de janelas e o estilhaçar de vidro são os robustos sons de vida nova, os gritos de algo recémnascido. El
Ca
ia s
netti
No Canal de Yser, onde os regimentos de reserva dos jovens voluntários atacaram, lá está a nossa ver saO sacrifício que fizeram por nós significa cr ut n . . . uma primavera sagrada para toda a Alemanha. Fr i e d r i c h
Me i n e c k e
1914
V ER SA CRUM
“A Alemanha declarou guerra à Rússia — natação à tarde." Esta foi a incisiva nota no diário de Franz Kafka referente a 2 de agosto de 1914.1 Os dias daquele verão foram longos e cheios de sol; as noites, suaves e enluaradas. Ter sido uma estação bela e inesquecível é parte da memória daquele verão de 1914, parte de sua pungência e de sua mística. Entretanto, não é para evocar o sol e as estações de águas, as regatas de barcos a vela e as tardes sonolentas — por mais importantes que sejam essas imagens para o nosso sentido poético daquele verão antes da 81
tempestade — que começamos este capítulo com uma refe rência ao tempo; é muito simplesmente porque os belos dias e noites daqueles meses de julho e agosto encorajaram os eu ropeus a sair de casa e expor suas emoções e preconceitos em público, nas ruas e praças de suas grandes e pequenas cida des. As enormes demonstrações de sentimento público desem penharam um papel crucial na definição do destino da Euro pa naquele ano. Se tivesse sido um verão frio e chuvoso, como o do ano anterior e o do seguinte, será que se teria criado uma atmos fera de feira propícia à oratória fácil das ruas e à histeria da massa? Será que os líderes teriam sido levados a declarar a guerra tão prontamente? Há provas de que as cenas de mul tidões chauvinistas em Berlim, São Petersburgo, Viena, Paris e Londres, nos últimos dias de julho e nos primeiros de agosto, impeliram os líderes políticos e militares da Europa ao con fronto.' Foi certamente o que ocorreu na Alemanha. E a Ale manha foi a matriz da tempestade. Depois que o arquiduque austríaco Francisco Ferdinando foi assassinado, junto com sua mulher, no dia 28 de junho em Sarajevo, durante sua visita imperial às províncias de Bósnia e Hercogovina, foi só por causa do sólido apoio alemão que o governo austríaco decidiu adotar uma política intransi gente para com a Sérvia, que, suspeitava-se, tinha dado apoio moral e ajuda material ao grupo terrorista que executou o atentado contra o príncipe herdeiro da Áustria. Em Berlim, nas fases críticas da tomada de decisão, grandes manifesta ções mostraram que a população desejava firmeza e comprometimeqto com uma resolução vitoriosa e agressiva da crise. A excitação, já elevada no início de julho, atingiu uma inten sidade febril perto do fim do mês. Em 25 de julho, um sábado, ao entardecer, grandes mul tidões apinhavam-se nas ruas, esperando a resposta da Sérvia ao draconiano ultimato austríaco do dia 23, o qual fazia uma série de exigências que os sérvios teriam claramente dificulda de em aceitar. O chanceler alemão, Bethmann Hollweg, esta va tão inseguro quanto à reação popular ao ultimato, e tão preocupado com uma possível reação negativa dos berlinenses, que sugeriu ao kaiser que não voltasse ainda do seu cru82
zeiro norueguês anual. Um quixotesco Guilherme ficou pro fundamente ofendido com a sugestão, mas, presumivelmente, ansioso também: “As coisas ficam mais loucas a cada minuto! Agora o homem me escreve que não devo aparecer diante dos meus súditos!” Mas Bethmann tinha interpretado mal o ânimo da po pulação. Um repórter do Tägliche Rundschau nos deixou, numa prosa ofegante, uma descrição de multidões arromban do camionetas de entrega de jornais em busca de notícias sobre a resposta sérvia, rasgando os jornais ao abrir, e lendo com arrebatado interesse. De repente explode um grito: Et jeht los! — um modo berlinense de dizer: “Começou!” A Sérvia rejei tou o ultimato austríaco! Et jeht los! Esta é a frase de todos neste momento. Ela fere fundo. E de repente, antes que se tenha consciência do que acontece, formou-se uma multidão. Ninguém conhece nin guém. Mas todos são dominados por uma emoção sin cera: Guerra, guerra e um sentimento de camaradagem. Depois um rumor solene e festivo saúda a noite: “Es braust ein Ruf wie Donnerhall.”*2 Por volta das oito da noite uma grande massa humana se move ao longo do Unter den Linden, o grandioso bulevar central de Berlim, em direção ao Schloss, o palácio imperial. No arsenal ouvem-se gritos fortes de Hoch Österreich** e no Schloss a multidão rompe a cantar “Heil Dir im Siegerkranz”.*** Outra multidão, de milhares de pessoas, dirige-se à Moltkestrasse, para a embaixada austríaca, onde acampa, can tando “Ich hatte einen Kameraden”,**** uma das marchas mais populares da Alemanha. O embaixador austríaco, Szõgyény-Marich, aparece afinal numa sacada e é aplaudido lou camente. Recolhe-se, mas as canções e os gritos continuam, e ele se sente obrigado a aparecer mais uma vez para re
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Um estrondo como de trovão. Viva a Áustria! Salve, tu que levas a coroa da vitória. Eu tinha um camarada.
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ceber as expressões de solidariedade. Um repórter do Vossische Zeitung, jornal liberal de Berlim, observa: “Os alemães e os austríacos, o estudante e o soldado, o comerciante e o trabalhador, todos se sentem unidos nesta hora extremamente grave.”3 Depois do escurecer, por volta das onze da noite, uma grande multidão se reúne na Porta de Brandenburg, depois se dirige ao Ministério das Relações Exteriores na Wilhelmstrasse, para finalmente seguir até o Ministério da Guerra. Outros grupos se formam no Zoologischer Garten, em Kurfürstendamm e na Tauentzienstrasse. A massa de gente diante do Schloss e outra multidão à frente do Palácio do Chan celer do Reich continuam circulando até bem depois da meia-noite. O secretário de Bethmann, Kurt Riezler, anota em seu diário que Bethmann está tão impressionado com a visão das grandes e entusiásticas multidões que seu estado de espírito visivelmente se anima e ele abandona os pressentimentos, es pecialmente quando fica sabendo que demonstrações seme lhantes estão acontecendo por todo o Reich.4 Na verdade, ocor rem até alguns incidentes feios, no sábado e novamente no domingo, indicando a intensidade da emoção pública. No Café Fahrig em Munique, no sábado à noite, a mul tidão fica tonta cantando canções patrióticas. Depois da meianoite os proprietários dão instruções ao regente da banda para diminuir a animação e finalmente à uma e trinta para cessar de tocar. A clientela, entretanto, ainda não está satis feita, e, diante das tentativas de fechar o estabelecimento por aquela noite, alguns patriotas começam a quebrar ca deiras e mesas e a despedaçar as vidraças das janelas com tijolos. Na tarde seguinte, também em Munique, um sérvio ex pressa suas opiniões sobre a situação mundial e se vê logo rodeado por uma grande multidão encolerizada, que está a ponto de linchar sua presa, quando a polícia chega. O sérvio é salvo e conduzido para um restaurante local. Mas a mul tidão grita por sangue e tenta arrombar o restaurante. Um maior destacamento de polícia, comandado pelo próprio pre84
feito de polícia, tem de intervir. O sérvio fica escondido vá rias horas antes de ser despachado por uma porta lateral. De Jena, Charles Sorley, de dezenove anos, filho do pro fessor de filosofia moral de Cambridge, e aluno visitante da universidade local, escreve a seus pais em 26 de julho: Os Verbindungen* bêbados desfilam pelas ruas gritando "Abaixo os sérvios”. De meia em meia hora, mesmo na isolada Jena, sai uma nova edição dos jornais, com boa tos cada vez mais loucos, a ponto de quase se poder escutar os tiros em Belgrado.5 O adido naval russo em Berlim relata no - mesmo dia, 26, que as principais ruas da capital se encontram tão cheias de pessoas proclamando apoio à Áustria que aqueles que vivem na cidade há mais de trintá anos dizem que nunca viram nada igual.6 O kaiser chega a Potsdam em 27 de julho. Vai se trans ferir para o seu palácio em Berlim no dia 31. Na quinta-feira da semana seguinte, 30 — isto é, um dia antes que as notícias da mobilização russa cheguem a Berlim —, as multidões excitadas reaparecem e se tomam uma característica quase permanente da capital alemã durante os próximos e cruciais sete dias. Naquela quinta-feira con centram-se na frente do Ministério das Relações Exteriores na Wilhelmstrasse, no Kanzler-Ecke, cruzamento importante na Unter den Linden e local do famoso Café Kanzler, e na frente do Schloss no final da Unter den Linden. Desde a tarde de sexta-feira, 31, quando, à uma hora, o kaiser de clara um estado de drohende Kriegsgefahr, isto é, perigo imi nente de guerra — o que coloca as patrulhas da fronteira de prontidão e restringe o uso civil da comunicação postal, telegráfica e ferroviária —, o povo de Berlim que corre para as ruas não tem dúvida de que a guerra é inevitável. Na quela tarde escutam-se gritos patrióticos em todos os luga res. "No rastro da decisão que finalmente foi tomada”, observa
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Grêmios estudantis.
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o correspondente em Berlim de um jornal de Frankfurt às três da tarde daquela sexta-feira, "por toda parte a tensão deu lugar ao júbilo”.7 Embora as autoridades insistam em afirmar que a declaração de Kriegsgefahr não é de modo algum sinônimo de declaração de guerra, e que esta última depende de uma recusa russa a cancelar as ordens de mobi lização, o povo alemão pensa de outro modo e já tem como certo o resultado da crise. As donas-de-casa correm para as mercearias. Muitos proprietários de armazéns aproveitam a oportunidade para ganhar um dinheiro extra: o sal, a aveia e a farinha, todos têm significativo aumento de preço. Nas seções de alimentos das grandes lojas do centro de Berlim os enlatados são surripiados. No final da tarde, por ordem da polícia, alguns magazines fecham as portas. Enquanto as edições extras de jornais aparecem naquela tarde de sexta-feira com as últimas informações. Unter den Linden se enche de gente. Muitos vêm esperar o kaiser que chega de Potsdam. Às duas e quarenta e cinco aparece o carro real. Tem grande dificuldade em abrir caminho até o pa lácio imperial. Os aplausos são ensurdecedores. Atrás do carro do kaiser vem o do príncipe herdeiro e da princesa e seus filhos mais velhos. Estes são por sua vez seguidos pelos prín cipes Eitel-Friedrich, Adalbert, August Wilhelm, Oskar e Joachim. Segue-se uma fila de limusines com os conselheiros imperiais. Todos os carros, do primeiro ao último, são sau dados com hurras e canções patrióticas. O chanceler do Reich, Bethmann Holhveg, e o chefe do Estado-Maior, Moltke, che gam para consultas, demoram-se pouco e saem, acompanha dos tanto na chegada como na saída por uma aclamação deli rantemente entusiástica. Outros membros da família real tam bém vão deixando o palácio, e cada automóvel tem dificul dade para passar pela multidão excitada, que o Berliner Lokal Anzeiger estima em cinqüenta mil pessoas. Todos os que têm poder de decisão defrontam-se diretamente com a maciça efu são de entusiasmo do povo de Berlim. Nenhum deles jamais viu tais manifestaões antes. Nenhum deles pode ignorar o ânimo popular. Com exceção dos carros dos dignitários, o trá fego é desviado de Unter den Linden, e a rua mais deslum 86
brante de Berlim — que abriga a Universidade, a Ópera, a Biblioteca Real, vários ministérios governamentais, além de teatros, cafés e embaixadas — torna-se palco de um monu mental drama grego. Tarde da noite uma multidão de milhares de pessoas ainda se acha reunida na frente da residência do chanceler na Wilhelmstrasse e, pouco antes da meia-noite, começa a cantar para o chanceler. Bethmann finalmente aparece e faz um breve discurso de improviso. Invocando Bismarck, Gui lherme I e o velho Moltke, ele insiste nas intenções pacíficas da Alemanha. Entretanto, se o inimigo coagir a Alemanha à guerra, ela lutará por sua “existência” e “honra” até a úl tima gota de sangue. “Na gravidade desta hora, recordo-lhes as palavras que o Príncipe Friedrich Karl gritou aos branden burguenses: Que os seus corações batam diante de Deus e os seus punhos sobre o inimigo!”8 No dia seguinte, sábado, 1? de agosto, representam-se cenas ainda mais agitadas e exuberantes. Pela manhã, nor malmente o término regular de uma semana de trabalho, com o comércio, as escolas e os escritórios funcionando até o meiodia, as coisas estão longe de ser normais. As cortes penais moabitas, por exemplo, não podem cumprir sua programação porque os acusados, as testemunhas e até os juízes e advo gados não comparecem. Na frente do palácio real uma mul tidão, estimada entre 100 mil e 300 mil pessoas, espalha-se como um mar desde o velho museu e os degraus da catedral, pelo Lustgarten e a grande praça, até o terraço do Schloss, sendo levada pela banda do regimento de Elizabeth a cantar excitadamente. O regimento está de fato preso. Depois da mudança de guarda no palácio, devia seguir pela praça até o Lustgarten. Mas caiu na armadilha da multidão e agora nãó pode mais se mover. Assim, lidera as canções fervoro sas. “O entusiaspio não conhecia limites”, telegrafa o corres pondente do Frankfurter Zeitung à uma e cinqüenta e cinco “e quando, como úm grande final, a vontade unida das mas sas entoou o ‘Pariser Einzugmarsch’,* o entusiasmo atingiu o auge.”9 *
Marcha que comemora a entrada em Paris.
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Novamente membros da família real chegam ao palácio bem no meio dessas celebrações, assim como Bethmann, chan celer, Moltke, chefe do Estado-Maior do Exército, e Tirpitz, Ministro da Marinha. As multidões não se dispersam durante toda a tarde, enquanto ocorrem reuniões decisivas. Cantam, conversam, aplaudem. Finalmente, às cinco horas, o kaiser assina a ordem de mobilização geral; e uma hora depois, em São Petersburgo, o Conde Pourtalès, embaixador alemão, vi sita o Ministro de Relações Exteriores russo, Sazonov, para lhe entregar uma declaração de guerra. As graves decisões dos últimos dias foram todas tomadas diante do pano de fundo do entusiasmo das massas. Nenhum líder político poderia ter resistido às pressões populares a favor de uma ação decisiva. Por volta das seis e trinta ouve-se um grito: "Queremos o kaiser!” As cortinas da janela central do palácio se di videm, as portas duplas envidraçadas se abrem, e o kaiser e sua mulher aparecem para uma estrondosa recepção. Gui lherme acena. O barulho, as canções e os aplausos diminuem pouco a pouco. Finalmente o kaiser fala. Os alemães são agora um povo unido, diz ele à multidão. Todas as diver gências e divisões estão esquecidas. Como irmãos alcançarão uma grande vitória. O curto discurso é recebido com mais júbilo e mais canções: "Die Wacht am Rhein”* e o tradi cional hino de batalha dos protestantes "Ein’ feste Burg ist un ser Gott”.** Por toda a cidade as atividades daquela noite parecem uma enorme celebração depois de uma bem-sucedida noite de estréia de um espetáculo que contou com um elenco de centenas de milhares de pessoas. Berlim dá uma festa para o elenco. Por toda parte, bares e cervejarias transbordam de gente. Pianos, pistões, violinos e bandas completas acompa nham o cantar estridente de canções patrióticas, repetidas até altas horas da madrugada, quando, num estupor alcoólico ou simplesmente emocional, os berlinenses finalmente caem, ainda sorrindo, em suas camas de penas.
* A vigília sobre o Reno. ** Poderosa fortaleza é o nosso Deus.
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Na grande Berlim quase dois mil casamentos de erpergência são celebrados naquele sábado e na manhã de do mingo. A atmosfera eletrizada estimula toda sorte de orga nizações e grupos sociais a declararem publicamente sua leal dade à causa germânica. Militantes dos direitos dos homos sexuais e das mulheres, por exemplo, se juntam' às celebra ções da nacionalidade. A Associação dos Judeus Alemães em Berlim publica sua declaração no sábado, 1? de agosto: “É evidente que todo judeu alemão está pronto a sacrificar toda a propriedade e todo o sangue exigidos pelo dever”, pro clama numa de muitas afirmações exuberantes.10 Na manhã de domingo, às onze e meia, um culto reli gioso interconfessional é celebrado ao ar livre junto ao mo numento a Bismarck, diante do Reichstag. Milhares compa recem a esta cerimônia incomparavelmente simbólica e su gestiva. A banda dos Guardas Fuzileiros toca, e o culto co meça com o hino protestante “Niederländische Dankgebet”* com suas palavras iniciais: Wir treten zum Beten vor Gott den Gerechten .** O pregador da corte, o Licenciado Döhring, celebra o culto e, para o seu sermão, escolhe o texto “Fiel até a morte”. Coagiram a Alemanha à guerra, diz ele, mas “se nós alemães tememos a Deus, não tememos mais nada neste mundo”. Toda a congregação repete então o Padre-Nosso, e o culto termina com o hino católico, baseado numa melodia do século IV, “Grosser Gott wir loben Dich”.*** Protestan tes e católicos estão reconciliados na Alemanha. As multi dões seculares dos dias anteriores freqüentemente cantavam hinos. Agora, apropriadamente, o culto religioso é seguido por canções seculares. A Igreja e o Estado também se tornaram uma coisa só. Consciente da importância deste tipo de sim bolismo, o kaiser comparece a um culto na antiga igreja da guarnição em Potsdam, onde, entre outros governantes prus sianos, está enterrado Frederico o Grande. No começo de agosto os alemães deliciam-se com o que lhes parece ser a síntese genuína de passado e futuro, a eter-
* Ação de graças dos Países Baixos. ** Vimos orar diante do nosso justo Deus. *** Deus Santo, nós louvamos o Teu Nome.
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nidade encarnada no momento e a resolução de todas as dis córdias internas — partido versus partido, classe contra classe, seita contra seita, a igreja em conflito com o Estado. A vida alcançou transcendência. Estetizou-se. A vida transformou-se numa Gesamtkunstwerk wagneriana, na qual as preocupa ções materiais e todas as questões mundanas são ultrapassa das por uma força de vida espiritual. Em outros lugares da Alemanha, seja em Frankfurt am Main ou Frankfurt an der Oder, em Munique, em Breslau ou em Karlsruhe, as cenas são semelhantes. Multidões se aglo meram em torno de príncipes. O militar é idolatrado. As igrejas ficam apinhadas de gente. Emocionalmente, a Alema nha declarou guerra na sexta-feira, 31 de julho, o mais tardar — certamente à Rússia e à França. Dada a intensidade do sentimento popular, é inconcebível que o kaiser possa, neste ponto, recuar. Nunca sobreviveria a tal falta de coragem. E, está claro, nos dias seguintes vêm as decisões cruciais e as declarações de guerra: primeiro contra a Rússia, depois con tra a França e finalmente contra a Grã-Bretanha. As últimas grandes concentrações contra a guerra ocor reram em Berlim na quinta-feira, 28 de julho, quando vinte e sete reuniões foram organizadas por toda a cidade pelos socialdemocratas, reuniões de boa afluência, muitas das quais culminaram em marchas. O Berliner Tageblatt estimou que sete mil trabalhadores se reuniram na Cervejaria Friedrichshain e dois mil na Koppenstrasse. Depois dessas reuniões, os dois grupos se dirigiram juntos para o Kõnigstor, uma multidão de aproximadamente dez mil pessoas. Cinqüenta policiais final mente bloquearam a marcha, e, quando as primeiras filas dos participantes avançaram contra a polícia, dispararam tiros de festim. A manifestação foi rapidamente dispersada, apenas com algumas escaramuças e ferimentos leves. Trinta e duas cida des alemãs realizaram idênticas concentrações contra a guerra. Foram os últimos comícios significativos contra a guerra. Nesse crítico fim de semana — sexta-feira, o último dia de julho, e sábado e domingo, os dois primeiros dias de agosto — os socialdemocratas, diante da mobilização dos exércitos do czar e, portanto, de uma intensificada ameaça rüssa, e também diante de renovadas manifestações de caráter 90
patriótico, começaram a aderir à causa nacionalista. Alguns líderes socialistas se deixaram envolver na orgia da emoção. Outros sentiram que não podiam nadar contra a corrente do sentimento público. Vários deputados da esquerda do par tido, convocados a Berlim para uma reunião da liderança, saí ram de casa ainda obstinadamente opostos à guerra e deter minados a votar contra os créditos de guerra, mas ao se depararem, nas estações ferroviárias, com repetidas demons trações de apoio público à guerra, mudaram de idéia. Em 3 de agosto, um dia antes da votação dos créditos no Reichstag, os líderes do Partido Socialdemocrata (SPD) mudaram em bloco para uma posição favorável à guerra. Naquela segundafeira, o Bremer Bürger-Zeitung, antes e novamente durante a guerra posicionado à esquerda do partido, trombeteou nas manchetes: CUMPRAM SEU SUPREMO DEVER!11 Gustav Noske contou mais tarde que, se os líderes do SPD não ti vessem aprovado os créditos de guerra, os deputados socia listas teriam sido pisoteados até morrer na frente da Porta de Brandemburgo. Em suma, o monarca e o governo não fo ram os únicos influenciados pelas efusões de sentimento pú blico, mas virtualmente todas as forças da oposição também se deixaram arrastar pela corrente. Kurt Riezler refletiu dias depois, sobre o efeito da emo ção pública: A incomparável tempestade desencadeada no povo var reu de seu caminho todas as mentes dubitativas, irresolutas e temerosas. . . A nação surpreendeu os estadistas céticos.12 As multidões, de fato, tomaram a iniciativa política na Ale manha. A cautela foi jogada ao vento. O instante alcançou a supremacia. Horas, anos, na verdade séculos, foram redu zidos a momentos. A história se tornara vida. Muitos nunca esqueceriam o estado de espírito daqueles dias de agosto. Dez anos mais tarde Thomas Mann se referiria àqueles dias como o marco do início de muita coisa que ainda ia começar. Trinta e cinco anos mais tarde, Friedrich Meinecke, o decano dos historiadores alemães, sentia um calafrio 91
quando pensava no estado de espírito daquele agosto, e con fessava que, apesar dos desastres que se seguiram, aqueles dias foram talvez os mais sublimes de sua vida.13
ABERTURA
Afirmar que a Alemanha era uma “nação atrasada” tornouse quase um clichê dos textos históricos sobre aquele país. É certo que os ornamentos sociais e econômicos da moder nidade — urbanização, industrialização, colônias, unidade po lítica — chegaram todos tarde à Alemanha em comparação com a França e particularmente com a Grã-Bretanha. Em 1800, quando a França e a Grã-Bretanha já tinham pelo menos um século ou mais de governo centralizado atrás de si, os territórios alemães ainda eram uma colcha de re talhos de aproximadamente quatrocentos principados autôno mos, só frouxamente federados numa associação que tinha o paradoxal nome de Santo Império Romano da Nação Alemã. Numa parte da Suábia, em uma área de 1.888 km2, encon tra vam-se noventa estados. As cidades eram poucas e dificil mente comparáveis a Paris ou Londres. Em 1800 Berlim ti nha uma população de uns 170 mil habitantes e era pouco mais do que um centro administrativo da Prússia. Não havia nenhuma indústria nacionalmente organizada, como o comér cio têxtil inglês, para desenvolver laços comerciais, nenhuma religião nacional para encorajar a unidade religiosa. Para mui tos alemães, o maior feito da história alemã era a Reforma. O fato de assim considerarem um acontecimento que divi diu os povos de língua alemã ao invés de uni-los é muito esclarecedor sobre a identidade alemã. No começo do sé culo XVIII uma noiva escrevia a seu prometido: “Nada é mais plebeu do que escrever cartas em alemão.” Cinqüenta anos mais tarde, Frederico o Grande concordava de todo o coração. Sobre a língua alemã, ele escreveu em De la littêrature allemande que era “meio bárbara”, dividida “em tan tos dialetos diferentes quantas são as províncias alemãs”. “Cada grupo local”, acrescentou com desdém, “está conven92
eido de que seu dialeto é o melhor.”1 Ainda um século de pois, por volta de 1850, quando, no rastro da reforma hapoleônica, que destruiu o Santo Império Romano como estru tura oficial e encorajou os primórdios da mobilidade social e da industrialização, quando a Prússia claramente come çara a se afirmar como o mais forte e mais ambicioso dos estados alemães, Berlim, apesar de ser então um centro finan ceiro, comercial e ferroviário em expansão, ainda tinha uma população de apenas 400 mil habitantes. A Alemanha, é claro, tinha poucas fronteiras naturais além do mar ao norte e dos Alpes a sudoeste. Quanto ao mais, a grande planície central européia dominava seu senso de identidade geográfica — larga estrada para todos os in vasores, saqueadores e movimentos de povos desde o advento das próprias tribos germânicas nos séculos IV e V. A falta de definição territorial, étnica, religiosa e comercial era uma marca autêntica da história alemã, e o legado era uma tra dição de regionalismo, particularismo e provincianismo, para não falar de insegurança e desconfiança. “Alemanha? Mas onde é que fica? Não sei como encontrar o país”, exclama vam as vozes unidas de Schiller e Goethe no final do sé culo XVI.II.2 Metternich, um natural da região do Reno que se estabeleceu na Áustria, observou no Congresso de Viena que a idéia de “Alemanha” e de “um povo alemão” era uma abstração. Quando a unidade política finalmente aconteceu nos anos de 1866 a 1871, surgiu em parte como resultado de uma transformação social cujo traço mais conseqíiente na época foi o aparecimento de certo espírito empreendedor num seg mento da classe média. Igualmente importante, a lidèrança prussiana reconheceu as necessidades de poder político da es trutura estatal européia, tomou a iniciativa e adotou uma política de conquista e cefitralização. Elementos novos e tra dicionais se combinaram, portanto, para forjar uma unidade política alemã como a que veio a acontecer. Entretanto, apesar de uma unidade superficial, as fortes tradições regionalistas da Alemanha não podiam ser erradi cadas da noite para o dia, e conseqüentemente o Reich alemão que surgiu sob a direção de Bismarck e dos Hohenzollerns 93
por um lado, e de uma elite de classe média por outro, era uma curiosa fusão constitucional de federalismo e centralismo, de democracia e autocracia, de provincianismo forrado de uma necessidade “nacional”, de ambição de classe média e com postura aristocrática. Embora o espírito de integridade polí tica fosse uma aspiração de um segmento da população alemã, particularmente dentro de algumas das camadas médias, as lealdades regionais e uma consciência das diversidades eram ainda reais, e as antigas elites puderam reter uma boa parte de sua preeminência porque reconheciam esta diversidade — de fato, a maioria de seus privilégios nela se baseava — e despendiam muita energia “administrando-a”. Otto von Bismarck havia presidido a unificação alemã na década de 1860. Tornara-se primeiro-ministro prussiano em 1862 e habilmente conduzira a Prússia ao longo de três guerras — contra a Dinamarca, a Áustria e a França — que culminaram na criação de um Estado alemão unifi cado em 1871. Continuou chanceler do novo Reich alemão durante quase duas décadas até sua renúncia forçada em 1890. Embora os ideais conservadores de Bismarck visassem ao esta belecimento na Alemanha de uma sociedade harmoniosa e bem integrada, orientada pela valorização das tradições e ins tituições prussianas, o efeito de seu brilho como tático polí tico por mais de trinta anos foi exatamente o oposto. No final, sua tática talvez tenha produzido um impacto mais signifi cativo no desenvolvimento alemão do que suas metas. Com sua constante necessidade de um bode expiatório, um inimigo a ser identificado — apontou os liberais como a fonte de todos os males na década de 1860, os católicos na de 1870 e os socialistas na de 1880 — e com seu bem ima ginado refrão “O Reich está em perigo”, ele aumentou as tensões de classe, as divisões religiosas e as divergências ideo lógicas existentes. A curto prazo, Bismarck teve grande su cesso como manipulador político; a longo prazo, fracassou notavelmente na realização de seus ideais. Sua demissão do cargo de chanceler em 1890, por decisão do novo imperador, Guilherme II, foi o comentário mais eloqüente sobre este fracasso. É uma das grandes ironias da história o fato de Bismarck, o “chanceler de ferro”, que ajudou a unificar a 94
Alemanha e a torná-la uma grande potência internacional, ter fragmentado e enfraquecido ainda mais o país. Sob mui tos aspectos, a Alemanha estava mais dividida quando Bismarck deixou o cargo do que quando ele se tornou primeiroministro prussiano. Seu efeito sobre a Alemanha foi, portanto, paradoxal: ajudou a incutir nos alemães um anseio de união nacional, uma ilusão de unidade, grandeza e força, mas ao mesmo tem po, por tirar proveito das tendências desintegradoras e centrí fugas da Alemanha com sua filosofia de “ dividir para go vernarw aplicada à vida e à política, incentivou essas ten dências. A intensificação mais de diferenças que de seme lhanças tornou a busca de unidade ainda mais urgente e ain da mais uma questão, em vista da realidade, de transcendên cia espiritual. Por carecer de definição objetiva, a idéia de Alemanha e germanicidade se tornou uma questão de imagi nação, mito e interioridade — em suma, de fantasia. Ora, havia certamente um padrão bem estabelecido no passado alemão de tomar o mundo exterior, as impressões dos sentidos, da realidade visível, e relegá-los a uma posição de importância secundária frente ao mundo do espírito, da vida interior e da "verdadeira liberdade”. Na tradição luterana, a religião era antes uma questão de fé que de boas ações ou de doutrina. Na perspectiva humanista clássica alemã, a liber dade era ética, e não social; a innere Freiheit, liberdade in terior, tinha muito maior importância do que liberdade e igualdade. Para o idealista alemão, Kultur era uma questão de aperfeiçoamento espiritual, e não de forma exterior. A ger manicidade era necessariamente mais uma questão de asso ciação espiritual que de delineamento geográfico ou mesmo racial. Ao invés de enfraquecer esta internalização da vida, esta qualidade mitopoéica, Bismarck a acentuou. Bismarck "prussianizou” a Alemanha e ao mesmo tempo transformou-a, de realidade de uma expressão geográfica, em uma lenda. Entretanto, o feito político de Bismarck — esta 'aparên cia de unidade nacional contra um pano de fundo de pro fundos cismas historicamente enraizados — só foi possível porque coincidiu com o desenvolvimento social e econômico da Alemanha na segunda metade do século XIX. Tal desen95
volvimento preparou o cenário para os estratagemas de Bismarck e reforçou-lhes o efeito. Foi caracterizado por uma es magadora velocidade e uma correspondente desorientação do povo. Embora na Grã-Bretanha Charles Dickens, em- Bleak House, aludisse à “época móvel” em que viveu, e Tennyson falasse de seu tempo como de “um terrível momento de tran sição”, as estatísticas relativas à transformação social e eco nômica da Alemanha sugerem que nenhum outro país tinha mais direito de suscitar impressões de movimento e transitoriedade. Parece haver uma relação direta entre o ataque a antigas fixações e o crescimento de novos mitos. Se a Grã-Bretanha liderou a mudança do modo de vida em nosso planeta, de rural agrário para industrial urbano, a Alemanha, mais do que qualquer outra nação, nos conduziu ao nosso mundo “pós-industrial” ou tecnológico, não apenas num sentido objetivo, na medida em que seus inventores, en genheiros, químicos, físicos e arquitetos urbanos, entre outros, fizeram mais do que os de qualquer outra nação para de terminar a nossa moderna paisagem urbana e industrial, mas também num sentido empírico, na medida em que, mais in tensivamente do que qualquer outro país “desenvolvido”, mos trou ao mundo a desorientação psíquica que uma rápida e generalizada mudança do meio ambiente pode causar. A expe riência alemã está no coração da “experiência moderna”. Os alemães freqüentemente se referiam a si mesmos como o Herzvolk Europas, o povo do coração da Europa. Os alemães também são o Herzvolk do sentimento e da sensibilidade modernos. O ferro e o aço foram os materiais de construção da nova era industrial. No começo da década de 1870 a pro dução britânica de ferro ainda era quatro vezes maior do que a da Alemanha; sua produção de aço era o dobro da alemã. Por volta de 1914, entretanto, a produção de aço alemã igualava às da Grã-Bretanha, França e Rússia consideradas em conjunto. A Grã-Bretanha, principal exportadora de ferro e aço para o mundo durante um século, importava aço da re gião do Ruhr por volta de 1910. O emprego de energia é outro indicador do desenvol vimento industrial. Na Grã-Bretanha o consumo de carvão 96
entre 1861 e 1913 se multiplicou duas vezes e meia; na Ale manha, durante o mesmo período, multiplicou-se treze vezes e meia, tornando-se quase igual ao britânico. Mas foi nas novas indústrias de produtos químicos e de eletricidade, que se tornaram em nosso século os alicerces do crescimento ul terior, que o progresso alemão na virada do século foi espan toso e, ao mesmo tempo, revelador do tremendo potencial da economia alemã. Em 1900 a produção britânica de ácido sulfúrico — usado para refinar petróleo e fabricar fertilizantes, explosi vos, produtos têxteis e corantes, entre outras coisas — ainda era aproximadamente o dobro da alemã, mas em treze anos a relação se achava quase invertida: por volta de 1913, a Alemanha produzia 1.700.000 toneladas e a Grã-Bretanha ape nas 1.100.000. No que diz respeito aos corantes, as firmas alemãs — especialmente Badische Anilin, Höchst e AGFA — controlavam 90% do mercado mundial em 1900. Na pro dução de material elétrico os avanços foram igualmente assom brosos. Em 1913 o valor da produção alemã de material elé trico era duas vezes o da Grã-Bretanha e quase dez vezes o da França; as exportações alemãs nesta área eram as maio res no mundo, quase três vezes as dos Estados Unidos. O valor de todas as exportações alemãs mais do que triplicou entre 1890 e 1913. Em um período pouco maior do que o de uma geração, menor que o de uma vida prolongada, a Alemanha tinha dei xado de ser um agrupamento geográfico, com elos econômicos limitados entre suas partes, para se tornar a mais formidável potência industrial da Europa, sem falar de seu poderio militar. Alcançar esta posição exigiu mudanças gigantescas nos padrões demográficos, na organização social e econômica e na força de trabalho. A população da Alemanha aumentou de 42,5 milhões em 1875 para 49 milhões em 1890 e 65 mi lhões em 1913. No último período, a população da GrãBretanha, em comparação, cresceu de 38 para 45 milhões, e a da França de 37 para apenas 39 milhões. Às vésperas da Grande Guerra a perspectiva era de que os alemães logo se riam mais numerosos do que os franceses, numa proporção de dois para um. Em 1870, dois terços da população alemã 97
eram rurais; por volta de 1914 essa relação se invertera, e dois terços dos alemães viviam num cenário urbano. Em 1871 havia apenas oito cidades com mais de 100 mil habitantes, ao passo que em 1890 podiam ser encontradas vinte e seis, e em 1913 quarenta e oito. Por essa época a indústria em pregava duas vezes mais trabalhadores do que a agricultura, e mais de um terço da população compunha-se de operários industriais e suas famílias. A concentração da indústria alemã foi outra de suas notáveis características. Em 1910 quase a metade de todos os empregados trabalhava em firmas de mais de cinqüenta operários, e a capitalização da companhia alemã média era três vezes maior que a da firma britâ nica média. A velocidade da urbanização e industrialização na Ale manha fez com que muitos trabalhadores fossem moradores urbanos de primeira geração, confrontados com todos os pro blemas sociais e psicológicos concomitantes que a mudança do campo para a cidade acarretava. A concentração de in dústria e de população também produziu o rápido cresci mento de uma classe administrativa, de pessoal de serviço e de burocracias municipais e estatais. À medida que a Ge sellschaft, isto é, a sociedade, esmagava o sentido de Gemein schaft, isto é, comunidade, à medida que a velocidade e o gigantismo se tornavam os fatos dominantes da vida, as ques tões sociais e trabalhistas, a ambição e o prazer do trabalho se tornavam noções abstratas que ultrapassavam o indivíduo e sua escala de referências pessoais, uma questão mais de teo ria e intuição que de experiência. e conhecimento. O cenário rural pré-industrial estivera repleto de seus próprios proble mas e indignidades sociais, mas é inegável que a industriali zação, particularmente a rápida industrialização experimentada pela Alemanha, acarretou uma perturbadora quantidade de despersonalização que o bem-estar material não podia eli minar ou retificar. A chamada nova classe média — este enor me exército de trabalhadores de escritório semi-especializados envolvidos principalmente na administração e nos serviços — era uma ramificação imprevista e direta das últimas fases da industrialização, talvez até mais inclinada a um sentimento de isolamento, e portanto de vulnerabilidade, do que as clas 98
ses operárias. A concentração da indústria e do comércio fez com que este grupo social fosse particularmente grande na Alemanha. No entanto, todos os setores da sociedade alemã foram envolvidos no impulso e nas tendências centrífugas da época. Por isso, ironicamente* .enquanto a consolidação ocorria em um nível — na população, na indústria e na estrutura do Es tado —, a désintegração caracterizava os campos social, polí tico e, talvez de forma muito significativa, o psicológico. O resultado foi uma preocupação com a administração da vida, com a técnica, a ponto de esta se tornar um valor e um obje tivo estético, e não apenas um meio para atingir um fim.
TÉCNICA
O culto da Technik , a ênfase no cientismo, na eficiência e na administração, alcançou o auge na Alemanha no final do sé culo XIX. Reforçado pelos desenvolvimentos e preocupações materiais de uma era industrializadora, baseava-se, no entanto, em tradições culturais e políticas duradouras e bem estabe lecidas: numa consciência de fraqueza e difusão e num reco nhecimento de que a sobrevivência dependia de uma eficaz administração de recursos tanto naturais quanto humanos. A sobrevivência do Santo Império Romano durante quase um milênio foi um tributo à habilidade dos alemães para ad ministrar e manipular o que, pelo menos nos dois últimos séculos de sua existência, não passou de uma construção esque lética que, na famosa expressão de Voltaire, não era Santo, nem Romano nem Império. Mas a história da Prússia forneceu o exemplo mais extraordinário de administração eficaz. Aquela história, que se inicia na época do Grande Eleitor no século XVII, passa pela carreira e pelas realizações do mais maquiavélico dos antimaquiavélicos, Frederico II — que escreveu seu opúsculo Anti^Machiavel pouco antes de atacar a Silésia em 1740 para tomá-la da Áustria —, e pelo período da grande reforma da era napoleônica, e vai até o famoso 99
discurso de Bismarck perante a comissão de finanças da câ mara baixa prussiana em 1862, no qual ele atacou os esforços parlamentares dos liberais e exigiu uma política de “ferro e sangue”, toda a história desse Estado mecanicamente construí do enfatizou e venerou o gerenciamento. Uma administração boa e eficiente era a chave para a sobrevivência e o controle. “Um governo bem conduzido”, declarou Frederico II em seu Testamento de 1752, “deve ter um sistema tão coerente quanto um sistema de filosofia”.1 Para Frederico, o , rei-filósofo, os meios eram tão vitais quanto os fins. A burocracia prussiana devia tornar-se um modelo de eficiência em todo o mundo. Esta avassaladora ênfase nos meios e na técnica foi em grande parte a base da realização alemã no campo da educa ção durante o século XIX, ã cfual, por sua vez, foi o compo nente humano mais importante — em contraposição à simples disponibilidade de recursos naturais — da ascensão alemã à supremacia industrial e militar na Europa por volta de 1914. O resto da Europa começou a introduzir a instrução elementar obrigatória na década de 1870, porque, na melhor das hipó teses, menos da metade das crianças em idade escolar recebia alguma educação, mas em partes da Alemanha tal legislação datava do século XVI, e no período napoleônico viajantes franceses como Madame de Staël e Victor Cousin demons traram grande entusiasmo e admiração pela extensão e quali dade da educação nos Estados alemães. Inicialmente, a der rota frente a Napoleão promoveu reformas e aperfeiçoamen tos educacionais. Na década de 1860 a proporção de crianças em idade escolar que na Prússia freqüentavam a escola che gava a quase 100% e na Saxônia era realmcnte mais de 100% porque muitos estudantes estrangeiros e crianças com menos de seis e mais de quatorze anos estavam na escola.2 Se, como freqüentemente se afirma, á grande revolução da educação no século XIX se deu em nível de escola primária, então a Alemanha era de longe o país mais avançado e revolucionário do mundo. Renan iria dizer que a vitória prussiana sobre a França em 1870-1871 foi uma vitória do mestre-escola prus siano sobre seu colega francês. As realizações na educação secundária e superior foram quase igualmente impressivas. A Alemanha se mostrava muito 100
menos propensa a encaminhar os estudantes, numa idade pre coce, para áreas de estudo determinadas; sua educação secun dária era mais diversificada do que em outros lugares; e suas universidades não eram apenas as mais abertas e “ democrá ticas” da Europa; constituíam centros mundialmente renomados de erudição e pesquisa. Henry Hallam disse em 1844: “Ne nhum professor de Oxford, há um século, teria considerado o conhecimento de alemão um requisito para um homem He letras; no presente, ninguém pode dispensá-lo.”3 E alguns anos mais tarde o historiador John Seeley observou: “Os bons livros são em alemão.”4 Mesmo antes da unificação, os Esta dos alemães cuidavam ativamente de fundar e promover ins titutos de ensino e centros de pesquisa, e depois da unificação o ritmo da participação do Estado se acelerou. Além disso, o treinamento técnico e vocacional não era deixado nas mãos da empresa privada, como acontecia em geral na Grã-Bretanha, mas continuava a ser uma questão de interesse nacional e estatal. O progresso tecnológico e científico alemão meio século antes de 1914 é universalmente reconhecido, mas menos valo rizado é o fato de que Einstein, Planck, Röntgen e outros ho mens internacionalmente famosos foram apenas os mais conhe cidos de um grande e ativo grupo. O incentivo estatal à edu cação técnica e à pesquisa produziu uma colheita espantosa. Um exemplo numa área de desénvolvimento tecnológico que, por sua natureza, abafa o sensacionalismo, e por isso talvez seja ainda mais digno de nota, é a indústria de alcatrão mi neral. As seis maiores firmas alemãs dessa indústria regis traram, entre 1886 e 1900, 948 patentes; as firmas britâni cas equivalentes registraram apenas 86.5 O culto do tecnicismo e suas conotações vitalistas tive ram reverberações em grande parte da sociedade alemã nos últimos anos do século XIX. Em quase todos os setores era evidente um interesse pela novidade e pela mudança inevitável, até na antiga aristocracia fundiária, onde no passado a mu dança fora usualmente considerada com ceticismo e contra riedade. Em seu último romance, Der Stechlin , concluído em 1898 e ambientado na região rural prussiana, Theodor Fon tane fez uma de suas personagens, um pastor rural, dizer: 101
Uma nova era está nascendo, uma era melhor e mais feliz, acredito. Mas se não mais feliz, então pelo menos uma era com mais oxigênio no ar, uma era em que se possa respirar melhor. E quanto mais livremente se res pira, mais se vive. Entre grande parte da pequena nobreza rural, a mudança era agora considerada inevitável, especialmente depois da depres são agrícola que, na segunda metade da década de 1870, havia tornado complexa e difícil a sobrevivência econômica das classes fundiárias. A consideração importante era não permitir que a mudança se tornasse incontrolável; tinha-se de dominála de alguma maneira. O conservadorismo alemão passou, na era bismarckiana — com Bismarck dando o exemplo — , de uma preocupação dogmática com crenças e princípios para uma preocupação com os negócios. O melhor símbolo deste novo oportunismo talvez tenha sido a criação da aliança "centeio e ferro”, um casamento de conveniência entre a agricultura em grande escala e a indústria pesada, que fez a Alemanha se voltar para o protecionismo econômico em 1879. "Nada poderia ser menos conservador”, afirmou Wilhelm von Kardorff, "do que lutar por formas que com o tempo perderam sua importância”.6 Mas o resto do organismo político alemão também foi envolvido por uma onda reformista nos primeiros cinco anos do século XX. Isso se tornou evidente, entre outras coisas, nos incipientes grupos de pressão e sociedades nacionalistas cujos membros não estavam interessados na preservação do status quo mas no rejuvenescimento de todo o processo polí tico. Entre os próprios partidos políticos eram visíveis os sinais de uma outra reorientação. O Partido Socialdemocrata (SPD) passou para uma posição mais moderada, demonstrando um claro desejo de rejeitar seu negativismo anterior. Os liberais de esquerda, por sua vez, manifestavam interesse em se tor nar um partido de reforma política e social, um partido que harmonizasse esquerda e direita, "democracia e monarquia”. E, finalmente, um segmento influente dentro do Partido de Centro Católico também sentia que era necessária uma atitu de mais conciliatória para com o socialismo e que a reforma 102
deveria receber mais ênfase no programa do partido* Em suma, estabeleceu-se na política alemã, nos anos anteriores a 1914, a base para um vago movimento de reforma demo crática. As eleições de 1912 produziram um resultado assombro so. As três tendências políticas que Bismarck, num ou noutro momento, chamara de "inimigos do Reich” e, portanto, de traidores — os liberais de esquerda, os católicos e os socia listas — ganharam dois terços do voto nacional. Um em cada três alemães votou a favor de um candidato socialista, e o SPD tornou-se de longe o maior grupo político do Reichstag. O partido reafirmou assim sua preeminência como a maior organização socialista do mundo e líder do movimento socia lista internacional. Embora obviamente preocupado com os grandes ganhos socialistas, o liberal de esquerda Friedrich Naumann não deixou de observar nos dias que se seguiram às eleições: "Algo novo teve início na Alemanha nestes últi mos dias; uma era está chegando ao fim; nasceu uma nova época."7 O impulso geral na Alemanha de antes de 1914 era, por tanto, inteiramente orientado para o futuro. Onde havia insa tisfação ou ansiedade, esse estado de coisas devia ser supe rado pela mudança. Todo o cenário alemão no fin-de-siècle foi caracterizado por uma Flucht nach vorne, um voo para a frente.
A CAPITAL
A capital — primeiro do Estado da Prússia e depois de uma Alemanha unida — provocava em todos os seus visitantes uma impressão imediata de novidade e vitalidade. Berlim re presentava, de muitos modos, as transformações que a Ale manha como um todo estava experimentando. Em comparação com as outras capitais européias, Berlim era uma cidade arri vista, com seu espraiado desenvolvimento na segunda metade do século XIX mais semelhante a Nova York e Chicago do 103
que às outras cidades do Velho Mundo. Walther Rathenau chamou-a, na realidade, de "a Chicago à margem do Spree”. A localização central de Berlim na Europa fez dela, como da Alemanha em geral, um centro de imigrantes, atraindo e temporariamente alojando passageiros dos territórios do leste, da Rússia, das terras polonesas, da Boêmia, e colonos que avançavam na direção contrária, provenientes da França e até da Grã-Bretanha. Este foi o seu destino desde a época do Grande Eleitor, e os berlinenses autênticos — isto é, mora dores de quarta, terceira e até segunda geração — foram sem pre, ao que parece, uma minoria. Na primeira metade do século XIX a cidade cresceu constantemente enquanto a Prús sia se afirmava dentro da Confederação Alemã e particular mente quando o Zollverein, a união aduaneira alemã, funda da em 1832 com sede em Berlim, se expandiu em tamanho e atividade. Muito antes da unificação, em 1871, Berlim era inegavelmente a capital financeira e comercial dos Estados alemães, mas, neste papel, foi mais uma câmara de compen sação e um centro de comunicações do que o eixo da indústria alemã ou mesmo prussiana; esta se desenvolveu no coração da região do Ruhr, na Silésia e em partes da Saxônia. Em bora na segunda metade do século Berlim tenha de fato fo mentado indústrias importantes, em particular as novas indús trias elétrica e química, continuou a ser a personificação e o símbolo do tecnicismo e da administração. Em relação à sua inflada função administrativa, especialmente depois da unificação, cresceu consideravelmente de tamanho. Em 1865 sua população era de 657 mil habitantes; por volta de 1910 passava de dois milhões, e, se fossem incluídos os subúrbios circundantes, que seriam incorporados à “grande Berlim” em 1920, sua população já chegava perto dos quatro milhões às vésperas da guerra. Estima-se que aproximadamente metade de sua nova população tenha vindo das terras agrícolas da Prússia oriental. Quase todo visitante da capital do novo Reich ficava im pressionado com o correspondente ar de novidade que impreg nava a cidade. Victor Tissot, escritor suíço, visitou a cidade em 1875 e observou: 104
Heinrich Heine fala da surpresa e magia que Paris ofe rece ao estrangeiro. Berlim também oferece surpresa mas dificilmente qualquer magia. Fica-se surpreso com o fato de o coração do novo império, a cidade do intelecto, des tilar muito menos o espírito de uma capital do que Dresden, Frankfurt, Stuttgart ou Munique. O que Berlim exibe a seus visitantes é moderno e totalmente novo. Tudo aqui traz a marca de uma aventura, uma monarquia montada com fragmentos e pedaços. . . Nada é menos alemão, no sentido do alemão antigo, do que a face de Berlim... Depois que você explora estas ruas retas e, durante dez horas, não vê mais do que sabres, elmos e penas, então compreende por que Berlim, apesar da reputação que lhe conferiram os acontecimentos dos últimos anos, nunca será uma capital como Viena, Paris ou Londres.1 Nas- décadas seguintes a cidade foi incapaz de se livrar de sua aura de novidade, esta fragrância um tanto indelicada do nouveau riche ; ao contrário, esse aroma foi acentuado pela mudança tecnológica. O economista liberal Moritz Julius Bonn, relembrando experiências na capital alemã nos últimos anos do século, observou que em Berlim tudo era novo e extremamente limpo; as ruas e os pré dios eram espaçosos, mas havia muito ouropel querendo passar por ouro. .. O lugar não era diferente de uma cidade do petróleo no oeste americano, que floresceu da noite para o dia e, sentindo sua força, insistia em osten tar sua riqueza.2 Ao contrário dos naturais de outras cidades alemãs e de outras capitais européias, os berlinenses pareciam fascinados com a própria idéia de urbanismo e tecnologia, chegando até a criar, nas palavras de Friedrich Sieburg, um romantismo ba seado em "entroncamentos ferroviários, cabos, aço e trilho... trens elevados barulhentos, torres ascendentes”. Diferente do parisiense, que tentava preservar uma atmosfera local e co munitária em seu quartier, o berlinense apreciava e conscien temente incentivava o cosmopolitismo e a sensação de novi105
dade de sua cidade.3 Foi esta energia que iria atrair, nos últi mos anos antes da guerra, artistas e intelectuais de outras cidades alemãs, como Dresden e Munique, e até de Viena, para a atmosfera mais descontraída e efervescente de Berlim. Nos anos antes da guerra Berlim não foi capaz de exer cer, como capital, nada que chegasse perto do controle cultu ral de uma Paris ou Londres ou mesmo Viena em seus res pectivos países, mas esta falta de influência intensificava o próprio caráter de novidade da cidade. Berlim era uma capital criada, assim diziam, mais pela vontade e imaginação do que por impulso histórico. Considerava-se Berlim a representante da vitória do espírito sobre o conformismo e a tradição. Berlim era, portanto, em muitos aspectos, uma capital improvisada, um símbolo de mecanicismo e até de transitoriedade, mas era também uma expressão de energia e dinamismo, uma cidade de olho no futuro.
KULTUR
Na virada do século a visão futurista arrebatava grande parte da sociedade alemã, até aquelas pessoas que execravam a vul garidade de Berlim. A economia era expansionista. A popülação aumentava com um ritmo desconcertante. Depois das vitó rias militares da década de 1860 e de 1870-1871, ninguém na Europa, muito menos na Alemanha, tinha qualquer dúvida sobre o fato de os alemães representarem o mais formidável poder militar terrestre da Europa e, provavelmente, do mundo. Em 1914 havia um consenso, tanto dentro do país como no exterior, de que, em termos econômicos e militares, a Alema nha constituía o país mais poderoso do mundo. Mas embora os alemães talvez tenham simplesmente reco nhecido que seu sucesso internacional se devia a trabalho duro, a um excelente sistema educacional e a uma dose de perspicácia política e militar, a maioria relutava em aceitar uma explicação tão mundana para o importante desempenho da nação. Sonhava com uma fusão de mundos, o físico e o 106
espiritual. Na verdade, o empreendimento técnico, à medida que ampliava suas dimensões, ficava correspondentementç mais propenso à fabulação. A necessidade pode ter gerado a inven ção, mas a invenção produziu depois a intenção. O técnico espiritualizou-se* A eficiência tornou-se um fim; deixou de ser um meio. E a própria Alemanha veio a ser a expressão de uma “força vital” elementar. Tal era a substância do idea lismo alemão. Desta forma, a educação como conceito social foi suplan tada pela Bildung, ou auto-aperfeiçoamento, que subentendia a educação mais do espírito do que do ser social. A perícia militar nascida da necessidade geográfica deu lugar a Macht , ou poder, a que foi conferida uma pureza de ser acima da consciência e da crítica. E o Estado, como instrumento do bem-estar pú blico, foi substituído por der Staat , a corporificação idealiza da do salus populi. Os alemães do período imperial pareciam particularmente sensíveis a noções idealistas seculares segundo as quais a suprema realidade era espiritual e o mundo ma terial não só podia como devia ser transcendido pelos ideais. Não surpreende que muitos alemães no final do século chegassem a atribuir a seus supostos inimigos aquelas carac terísticas que desejavam tanto vencer em si mesmos. Assim podiam afirmar que a civilização anglo-francesa, que desde o século XVI havia estabelecido gradativamente uma hegemonia política e cultural no mundo, fundamentava-se em racionalismo, empirismo e utilidade; em outras palavras, em exteriori dades. Era este um mundo da forma, destituído de valores espirituais: era uma cultura não da honestidade e verdadeira liberdade, mas de maneiras, superficialidade e dissimulação. As noções de liberalismo e igualdade não passavam no etos anglo-francês de slogans hipócritas — Lug und Trug, men tira e trapaça. Mascaravam a ditadura da forma, óbvia na preocupação francesa com o bon goüt e no envolvimento bri tânico com o comércio. Num tal contexto, não era possível a verdadeira liberdade. Em contraposição, atribuía-se à Kultur alemã uma preo cupação com a “liberdade interior”, com a autenticidade, com a verdade mais do que com a impostura, com a essência em oposição à aparência, com a totalidade mais do que com a 107
norma. A Kultur alemã erar uma questão de “superação”, uma questão de reconciliar as “duas almas” que residiam no peito de Fausto. A contribuição de Richard Wagner à percepção alemã da Kultur nos últimos vinte e cinco anos do século XIX foi de particular importância. Sua visão da grande ópera não visava apenas a unir todas as artes, mas também elevar sua Gesamtkunstwerk, sua obra de arte total, a uma posição de suprema síntese e expressão da Kultur , uma combinação de arte, história e vida contemporânea num drama total, onde o símbolo e o mito se tornavam a essência da existência. Até a política estava subsumida no teatro. É difícil exagerar a in fluência de Wagner sobre a consciência alemã c seu papel na emergência de uma estética moderna como um todo. Bayreuth tornou-se um santuário erigido à transcendência da vida e da realidade pela arte e a imaginação, um lugar onde o momento estético iria encapsular todo o significado da his tória e todo o potencial do futuro. Muitos fora da Alemanha também se deixaram arrebatar pela promessa wagneriana: Diaghilev, Herzl, Shaw, como pioneiros. “Quando toco Wagner”, disse Arthur Symons a James Joyce, “estou num outro mun do”.1 No festival de Berlim de 1914, pouco antes da defla gração da guerra, Parsifal foi apresentado na Casa Real da Ópera de 31 de maio a 7 de junho, e depois todo o ciclo do Anel foi encenado de 9 a 13 de junho. Outros, “idealistas mais vulgares”, pediam uma estetização semelhante da vida. Em seu Rembrandt ais Erzieher,* que alcançou imenso sucesso, Julius Langbehn exortou os alemães a se afastarem do que ele considerava uma preocupação com atividades materialistas, tornando-se uma nação de artistas. A vida devia idealmente imitar a arte. A vida devia ser visão e espetáculo, uma obra de arte panorâmica, uma busca de titanismo, não uma preocupação com códigos de comportamento e moralidade. Esta era a esterilidade do liberalismo burguês, dizia Langbehn, em que os alemães pareciam estar incorrendo no fim do século.
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Rembrandt como educador.
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O impacto de Langbehn foi reforçado por Houston Ste wart Chamberlain, cujo livro Grundlagen des neunzehnten Jahrhunderts* foi publicado em 1899 e se tomou enorme mente popular. Chamberlain, que ridicularizava qualquer pre tensão a objetividade por parte dos historiadores, chamando-a de “barbárie acadêmica", era um viajante mal-humorado, mas extremamente talentoso e fascinante, da odisséia moderna rumo ao irracionalismo, um símbolo extraordinário da viagem em preendida a partir da respeitabilidade burguesa, com uma visão de mundo e valores sociais prescritos, em direção ao narcisismo e à fantasia total. Garoto doentio, cuja mãe mor reu cedo e cujo pai marinheiro o abandonou entre parentes na França e a escola na Inglaterra, Chamberlain amadureceu como uma .personalidade “marginal", sujeito a distúrbios ner vosos, sem pátria, laços familiares ou posição social. O pai planejava mandá-lo ao Canadá para cuidar de uma fazenda, mas a aventura foi descartada por causa da saúde frágil do rapaz. Chamberlain perambulou por Versailles, Genebra e Paris, onde em 1883 perdeu muito dinheiro com especulações financeiras, até chegar à Alemanha. Lá casou com a primeira mulher, dez anos mais velha do que ele, e também se deixou empolgar pelo culto de Wagner. Apesar de sua comprovada capacidade como cientista, foi como servo do mito wagneria no que Chamberlain encontrou sua raison d'être, primeiro em Leipzig, depois em Viena e por fim em Bayreuth, no lar da Gesamtkunstwerk , onde acabou casando com sua segunda mu lher, a filha de Wagner, assim completando a simbiose. Numa trajetória paralela viria a propor uma ideologia germânica xe nófoba e virulenta, que fez vibrar uma corda sensível no kaiser Guilherme II e, depois de 1906, no chefe do Estado-Maior, Helmuth von Moltke, e que redundaria, nos últimos anos de vida de Chamberlain, numa admiração, aliás recíproca, por Adolf Hitler. Chamberlain é uma personalidade interessante por mui tas razões: por ser um racista bem articulado que não pode ser descartado peremptoriamente como um tolo; por ser um
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Fundamentos do século XIX .
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publicista e propagandista de prodigiosa influência. Mas, de nosso ponto de vista, é a sua fuga para um esteticismo como dista que adquire um significado particular. Em 1884, con frontado com um desastre financeiro aos vinte e nove anos, ele escreveu: Acho que é a minha paixão por Wagner que me dá for ças para suportar tudo; assim que a porta do meu escritório se fecha atrás de mim, sei que não adianta me abor recer; por isso, janto bem e passeio pelo bulevar, pensando nas obras de arte do futuro, ou vou visitar um de meus amigos wagnerianos, ou escrevo a um de meus numerosos correspondentes wagnerianos.2 Ele passou a acreditar que o homem poderia ser redimido e dignificado pela arte e que, em particular, a arte de Wagner poderia estabelecer uma ponte entre a natureza sensual do homem e seu propósito moral. A história existia apenas como espírito, e não como realidade objetiva; suas verdades só podiam ser abordadas pela intuição, não por um método crí tico. Chamberlain talvez tenha vulgarizado Johann G. Droysen, Wilhelm Dilthey, Heinrich Rickert e Wilhelm Windel band — que no pensamento histórico deslocaram a ênfase do objeto para o sujeito; em outras palavras, da história para o historiador — mas ele também fazia parte de uma tendência cultural mais ampla que, numa era de elevada industrializa ção, procurava respostas para os problemas sociais do homem não no mundo exterior mas na sua alma. Analogamente, a visão pública desse mundo exterior era cada vez mais influen ciada, numa época de comunicações em rápido desenvolvi mento, por estas explosões de interpretação egomaníaca. “Des cartes”, escreveu Chamberlain, “observou que todos os sá bios do mundo não poderiam definir a cor ‘branca’, mas eu só preciso abrir os olhos para vê-la, e o mesmo vale para a ‘raça’ ”.3 Chamberlain pertencia ao grupo de nacionalistas místicos que ganhou ascendência nos círculos intelectuais da Alema nha depois da virada do século e que, seguindo Wagner, ten tava espiritualizar a vida transformando-a em uma busca de beleza. Como Langbehn e o poeta Stefan George, que tam110
bém viam a arte como poder, ele desejava tornar a vida uma obra de arte, pois só num tal contexto se manifestaria a per sonalidade total do homem. Desse modo também a história tinha de se transformar num produto inteiramente espiritual. A distinção apaixonada que os alemães começaram a fa zer, no final do século XIX, éntre Kultur e Zivilisation era certamente não só a resposta à observação de um mundo ex terior, mas também uma reação à própria imagem vista no espelho. Na verdade, havia na distinção um forte elemento, talvez até preponderante, de autocrítica e pensamento desiderativo, como alguns dos críticos mais perspicazes, de Scho penhauer a Burckhardt e Nietzsche, apontaram em suas es peculações filosóficas e históricas. Que uma Alemanha absor vida em Macht e técnica qualificasse desdenhosamente os ingleses de comerciantes fleumáticos e os franceses de palha ços gauleses, Nietzsche, por exemplo, achava profundamente irônico: a vitória prussiana sobre a França continha as se mentes da derrota do J&eist, espírito, alemão. O Geist se tornava, por si mesmo; u] a ipntradição.4 Se a autocrítica ,/e u:o-aversão eram evidentes no idean au lismo alemão, h, im otimismo subjacente embutido numa fé romântica 'metafísica de que a Alemanha representava a dinâmica essencia da época, de que ela estava na vanguarda do movimento e da mudança no mundo do início do século XX, e de que era a principal representante de um hegeliano Espírito do Mundo — visão captada num verso de pé quebrado que se tornou a principal pretensão à fama pós tuma de um certo Emanuel Geibel de Lübeck, contemporâneo de Bismarck: Denn am deutschen Wesen soll die Welt genesen.*
CULTURA E REVOLTA Se a idéia do espírito em guerra era fundamental para a autoimagem da vanguarda européia de antes de 1914, a Alema *
Graças à alma alemã o mundo terá cura.
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nha como nação era quem melhor representava essa idéia; e se para uma emergente estética moderna era fundamental ques tionar os padrões percebidos como predominantes no século XIX, a Alemanha era quem melhor representava a revolta. Seu sistema político era uma tentativa de produzir uma síntese de monarquia e democracia, centralismo e federalis mo. Suas universidades eram admiradas pelas pesquisas que promoviam. Ela tinha o maior partido socialista do mundo, para o qual todo o movimento trabalhista internacional se voltava em busca de liderança. Seus movimentos de juventu de, dos direitos das mulheres e até da emancipação dos ho mossexuais eram grandes e ativos. Estes se expandiram no contexto de um Lebensreformbewegung* que, como o nome sugere, visava a uma reorientação não só de hábitos básicos da existência mas de valores fundamentais da vida. Segundo o censo de 1907, 30,6% das mulheres alemãs tinham um emprego lucrativo. Nenhum outro país do mundo podia igua lar esse número.1 Berlim, Munique e Dresden eram vibrantes centros culturais. Picasso disse em 1897 que, se tivesse um filho que desejasse ser artista, ele o mandaria estudar em Mu nique, e não em Paris.2 Na introdução do catálogo de sua segunda exposição pós-impressionista, em 1912, Roger Fry, obviamente identificando o pós-impressionismo com a expe rimentação em geral na pintura, escreveu: "As escolas pósimpressionistas estão florescendo, quase se podería dizer gras sando, na Suíça, na Austro-Hungria e sobretudo na Alema nha.”3 Strindberg, Ibsen e Munch tiveram uma recepção mais calorosa na Alemanha do que em seus próprios países. Nas artes decorativas e na arquitetura, a Alemanha se mostrava mais aberta a experimentos, mais disposta a aceitar a indús tria e a basear nela uma estética do que a França ou a GrãBretanha. Embora, por exemplo, o estabelecimento cultural britânico considerasse de modo totalmente crítico a constru ção do Palácio de Cristal, Lothar Bucher registrou em 1851 que a imaginação popular ficou encantada com o edifício: "A impressão produzida naqueles que o viram era de uma beleza
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Movimento de reforma da vida.
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tão romântica que reproduções do palácio eram encontradas dependuradas nas paredes dos chalés de remotas vilas alemãs.”4 Já vimos que os parisienses que criticavam o Théâtre des Champs-Elysées o associavam à experimentação e à a-histo ricidade alemãs. O movimento que os arquitetos, artesãos e escritores alemães fomentavam “mostrou-se bastante forte”, se gundo o julgamento de um crítico, “para produzir um estilo universal de pensar e construir, e não apenas alguns ditos e atos revolucionários de uns poucos indivíduos”.5 Na dança mo derna foi na Alemanha que Isadora Duncan e Émile JacquesDalcroze fundaram suas primeiras escolas. Díaghilev foi natu ralmente atraído por Paris em suas tournées no Ocidente, por que afinal era o coração da cultura ocidental que ele queria conquistar, mas suas temporadas na Alemanha obtiveram mais pronta aceitação, mesmo que tenham recebido igual aplauso. Depois da estréia do Faune em 12 de dezembro de 1912, em Berlim, ele passou um cabograma a Astruc: Ontem estréia triunfal na Nova Casa Real da Ópera. Faune bisado. Dez vezes. Nenhum protesto. Toda Ber lim presente. Strauss,. Hofmannsthal, Reinhardt, Nikisch, todo o grupo Secessão, Rei de Portugal, embaixadores e corte. Grinaldas e flores para Nijinsky. Imprensa entusiás tica. Longo artigo Hofmannsthal em Tageblatt. Impera dor, Imperatriz e Príncipes vindo ao balé domingo. Tive longa conversa com Imperador que estava maravilhado e agradeceu à companhia. Enorme sucesso.6 Portanto, o etos essencial da Alemanha antes de 1914 subentendia uma busca de novas formas, formas concebidas não em termos de leis e finitude mas em termos de símbolo, metáfora e mito. Como jovem estudante de arte, Emil Nolde esteve em Paris de 1899 a 1900. Ia freqüentemente ao Louvre para copiar pinturas. Certo dia tinha quase terminado uma cópia da Alegoria de Davalos de Ticiano quando um estra nho às suas costas observou: “Você não é latino. Vê-se pela intensidade de caráter de suas figuras humanas.”7 Se a histó ria, relatada por Nolde em suas memórias, é verdadeira, re presenta bem a percepção alemã da individualidade no come 113
ço do século: o alemão, assim ele se julgava, erá muito mais espiritual que seus vizinhos. “A criatividade alemã é funda mentalmente diferente da criatividade latina”, escreveu o ar tista Ernst Ludwig Kirchner. O latino tira suas formas do objeto tal como existe na natureza. O alemão cria sua forma na fantasia, a partir de uma visão peculiar a ele mesmo. As formas da natu reza visível lhe servem apenas de símbolos. . . e ele não procura a beleza na aparência mas em algo além.8 A Alemanha, mais amplamente que qualquer outro país, representava as aspirações de uma vanguarda nacional — o desejo de romper o “cerco” da influência anglo-francesa, a imposição de uma ordem mundial pela Pax Britannica e pela Civilisation francesa, uma ordem codificada politicamente como ‘‘liberalismo burguês”. Embora em alguns setores da Alemanha houvesse um sentimento de que a Kultur se encontrava sob os ataques da superficialidade, do capricho e do efêmero, e de que deviam ser tomadas medidas para consolidá-la — como sugeriam, entre outros, Langbehn e Chamberlain —, e embora houvesse uma boa dose de ansiedade em todas as classes, estado de espírito que naturalmente preocupava governos e líderes, ainda havia um forte senso de confiança, otimismo e missão, uma crença em die deutsche Sendung, numa missão alemã. Era ge neralizado o sentimento de que a onda de reforma era algo maior e mais significativo do que qualquer uma de suas par tes específicas — e, em alguns casos, inaceitáveis —, e de que constituía o coração e a alma da nação. Friedrich Gundolf e Friedrich Wolters, dois discípulos dq poeta Stefan George, referiam-se a esta idéia quando em 1912 insistiram no fato de que não havia nada de imoral ou anormal no homoerotismo. “Ao contrário, sempre acreditamos que nessas relações deve se encontrar algo essencialmente formativo para a cultura alemã em geral.” A visão era de uma cultura com prometida com o “amor heroicizado”.9 A Alemanha tinha, de fato, o maior movimento de eman cipação homossexual da Europa às vésperas da Primeira Guer 114
ra Mundial. Já em 1898 August Bebel achou necessário fazer um discurso sobre o tema no Reichstag. A homossexualidade no círculo do kaiser èra bem conhecida mesmo antes de o jornalista Maximilian Harden decidir torná-la pública em 1906. Na Alemanha Magnus Hirschfeld liderou a campanha para revisar o parágrafo 175 do código civil, e por volta de 1914 sua petição continha assinaturas de 30 mil médicos, 750 professores universitários e milhares de outras pessoas. Em 1914 Berlim tinha cerca de quarenta bares homossexuais e, segundo as estimativas da polícia, de um a dois mil prosti tutos.10 Nada disso tem a intenção de sugerir que os alemães aco lhiam bem a homossexualidade ou estavam preparados para tolerá-la publicamente — não estavam —, mas a relativa de senvoltura do movimento na Alemanha indica de fato uma dose de tolerância não encontrada em outros lugares. Além disso, a homossexualidade e a tolerância para com ela são, como muitos sugeriram, fundamentais para a desintegração de constantes, para a emancipação do instinto, para o colapso do “homem público” e, na verdade, para toda a estética moderna. A liberação sexual na Alemanha fin-de-siècle não se limi tou aos homossexuais. Em geral havia uma nova ênfase na Leibeskultur , ou cultura do corpo, numa valorização do corpo humano livre de tabus e restrições sociais; na libertação do corpo de espartilhos, cintos e sutiãs. O movimento da juven tude, que floresceu depois da virada do século, deliciava-se com um “retorno à natureza” e celebrava uma sexualidade bem pouco dissoluta, mas certamente mais livre, que consti tuía uma parte de sua rebelião contra uma geração mais ve lha, envolvida, segundo os jovens, em repressão e hipocrisia. Na década de 1890, a Freikörperkultur , ou livre cultura do corpo — um eufemismo para nudismo —, tornou-se parte de um movimento de mania de saúde que promovia dietas macro bióticas, legumes cultivados em casa e estações de cura na natureza. Nas artes a rebelião contra os costumes da classe média era ainda mais impressionante: das peças de Lulu de Frank Wedekind, que exaltavam a prostituta por ser uma rebelde, passando pela Salomé de Strauss, que decapitou João 115
Batista por ter ele se recusado a satisfazer o desejo sexual dela, à reprimida mas óbvia corrente sexual submersa nas primeiras narrativas de Thomas Mann, os artistas usavam o sexo para exprimir sua desilusão com os valores e priorida des contemporâneos, e, mais ainda, sua crença numa energia vital e irreprimível. Os temas sexuais na literatura e na arte implicavam uma dose de violência que era mais impressionante e permanente na Alemanha do que em qualquer outra parte. Aqui novamente a fascinação pela violência representava um interesse pela vida, pela destruição como ato de criação, pela doença como parte da. existência. Em Wedekind, Lulu é assassinada; em Strauss, Salomé é quem assassina; em Mann, Aschenbach morre vitimado .por uma combinação de atmosfera doentia e desejo sexual não realizado. Nos primórdios do expressionismo alemão havia uma presença da violência — no tema, na forma, na cor —, mais intensa do que a encontrada no cubis mo ou no futurismo. Os manifestos futuristas de Marinetti trombeteavam a destruição de monumentos e museus, e a quei ma de bibliotecas, e Wyndham Lewis fundou um jornal chamado Blast para captar essas intenções, mas um elemento de histrionismo e até de galhofa dominava tais esforços. Nos expressionistas alemães Franz Marc e August Macke, a vio lência era menos uma manifestação superficial e mais a ex pressão de uma profunda excitação espiritual, da qual a apa rência assumida, beirando a inocência e o encanto de um colegial, não fornecia nenhum indício. "Nossas idéias e nos sos ideais devem usar cilício”, escreveu Marc; "devemos ali mentá-los com gafanhotos e mel silvestre, e não com história, se quisermos escapar da fadiga de nosso mau gosto europeu.”11 A fascinação pelo primitivismo, ou, num outro sentido, o desejo de estabelecer contato com o elementar no espírito alemão, atingiu muitos níveis na Alemanha, particularmente dentro das classes médias. O movimento da juventude, com seu ímpeto de fugir de uma civilização urbana de mera forma e impostura e voltar à natureza, estava repleto de tais asso ciações. Venerava Turnvater Jahn, o homem que fundara as sociedades de ginástica nos Estados alemães durante as guer ras de libertação contra Napoleão e que, por algum tempo na 116
juventude, vivera em uma caverna e mais tarde caminhara pelas ruas de Berlim vestido com uma pele de urso. As ori gens tribais dos alemães também eram constantemente evoca das na virada do século, tanto no discurso político como em geral. Numa famosa alocução às tropas que estavam sendo enviadas para ajudar a sufocar a rebelião dos Boxers, o kaiser pregou o retorno ao espírito dos hunos. Em 8 de julho de 1914 o Berliner Tageblatt, importante diário berlinense de ten dência liberal de esquerda, começou a publicar como folhetim um romance de Karl Hans Strobl, intitulado So ziehen wir aus zur Hermannsschlacht .* O jornal continuou a publicar epi sódios em agosto depois da deflagração da guerra. O título referia-se à famosa batalha do ano 9 D.C., quando Armínio, da tribo dos queruscos, derrotou as legiões do general romano Varo nas florestas ao norte da atual Hanover. O enorme mo numento a Hermann, que ainda se encontra na floresta Teutoburg, fora terminado em 1875. Muitos artistas além de Marc e Macke encontravam inspiração na contemplação do primi tivo. Durante uma viagem aos Mares do Sul, Emil Nolde co mentou no início de 1914: Homens primitivos /vivem na natureza, integram-se nela, são uma parte do todo. Às vezes, tenho a sensação de que são os únicos seres humanos reais que ainda restam, e de que nós, por outro lado, somos bonecos disformes, ar tificiais e cheios de presunção. Ele lamentava todo o processo do imperialismo, particular mente a versão britânicá: sentia que muita essência tinha sido destruída e substituída apenas por fingimento.12 Tanto no próprio país como no exterior muitas pessoas estavam cativadas, algumas exasperadas, pela efervescência cul tural alemã. Nas camadas sociais médias alemãs estava longe de haver estima universal pelas peças de Wedekind, pela arte de Marc e Macke, ou pelo "aperfeiçoamento do corpo” e o idealismo rarefeito da juventude urbana. As classes trabalha-
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Assim partimos para a Batalha de Hermann. 117
doras, nem é preciso dizer, não concordavam com as preten sões dos boêmios burgueses. Mas o interessante é que nada disso parecia negar a identificação geral da maioria dos ale mães com as idéias de novidade, regeneração e mudança. Ob servadores estrangeiros tinham uma reação semelhante. O filó sofo americano, nascido na Espanha, George Santayana pen sava principalmente na Alemanha quando escreveu: O espírito com que partidos e nações que estão fora do âmbito da liberdade inglesa se confrontam não é mater nal, fraternal, nem cristão. A bravura e a moralidade deles consistem em seu indomável egotismo. A liberdade que querem é a liberdade absoluta, um desejo que é bem primitivo.13 Santayana denegriu o "egotismo” alemão, o que ele via como a ênfase em virtudes privadas e conformismo público, atitu de que lhe indicava o atraso do desenvolvimento social e mo ral alemão. Entretanto, apesar do sarcasmo e da contrariedade, ele também percebeu a vitalidade no coração dos assuntos alemães: "A imaginação moral alemã está m a is ... apaixona da pela vida do que pela sabedoria.”14 Nos primeiros dias de agosto de 1914, H. G. Wells falava da "vaidade monstruosa” que caracterizava os alemães.15 Igor Stravinsky mostrava uma disposição mais favorável. Em fevereiro de 1913, depois de já ter ouvido duas vezes a Elektra de Strauss, escreveu numa carta: Estou totalmente em êxtase. E a sua melhor composição. Que falem dos vulgarismos que estão sempre presentes em Strauss, e a isto a minha resposta é: quanto mais pro fundamente se examinam as obras de arte alemãs, mais se verifica que todas sofrem disso. . . A Elektra de Strauss é uma coisa maravilhosa!16 Por "vulgarismos” Stravinsky presumivelmente entendia os as pectos "elementares” da obra e também o desafio ao público que a obra representava. Além disso, se grande parte da arte moderna alemã se preocupava com os fundamentos, inferia-se 118
que a cultura alemã como um todo, tanto consumidores como criadores, se harmonizava mais com a experimentação e a novidade. Ser “elementar” era rebelar-se contra normas sufo cantes e embrutecedoras, contra convenções sem sentido, con tra a insinceridade. Tudo isso estava no âmago da interpre tação alemã de Kultur. Se os alemães enquanto indivíduos nem sempre tinham uma atitude clara para com a mudança, a cultura promovia a mudança vingativamente. Em nenhuma outra parte houve prova mais dramática desse fato do que na área das relações exteriores e das metas de política externa. Em sua atitude agressiva para com outros países e povos, a Alemanha mostrou pouca compreensão, es pecialmente depois da virada do século, das ansiedades, dese jos e interesses de aliados, neutros ou inimigos. Assim, os receios britânicos a respeito das ambições navais alemãs, a preocupação francesa com as pretensões coloniais alemãs,] e a cautela russa quanto às postulações alemãs sobre o tema de uma união aduaneira da Europa Central, estendendo-se do Mar do Norte ao Adriático e da Alsácia às fronteiras da Rús sia, encontravam pouca simpatia na Alemanha, seja nos cor redores do poder, seja na população em geral. Em 1896 o governo adotou abertamente o que veio a ser chamado de Weltpolitik, ou “política mundial”, em oposição a uma política externa centrada até aquele momento na Eu ropa. A Weltpolitik não era uma política externa imposta aos alemães pelas maquinações de um pequeno grupo de conse lheiros ao redor do kaiser. Refletia um sentimento bem difun dido, incentivado por um grande número de eminentes inte lectuais e por associações públicas, de que a Alemanha devia expandir-se ou entrar em declínio. Esta mudança de política, acompanhada como foi pela inauguração de um programa de construção naval e uma busca ruidosa de mais colônias, des pertou naturalmente preocupações no exterior a respeito das intenções de longo alcance da Alemanha. Dentro da Alema nha, entretanto, essas dúvidas externas eram interpretadas ape nas como ameaças veladas. Dada a localização geográfica da Alemanha, sua recente consolidação como Estado-nação e a mistura de insegurança e auto-afirmação em sua constituição, não surpreendia que os alemães começassem a temer que uma 119
conspiração estivesse em andamento, liderada pela Inglaterra, a pérfida Albion, para encurralar e esmagar a Alemanha e assim suprimir a novidade, o espírito, o incentivo e a aven tura. As pretensões britânicas em matéria de livre comércio, mercado aberto e ética liberal eram, em nível mundial, pura hipocrisia — assim se dizia na Alemanha. A Grã-Bretanha era um país empenhado em reter sua posição internacional, man ter arrogantemente o controle dos mares, negar ditatorialmente o direito de qualquer outra nação a construir uma armada e a seguir uma política imperial. As declarações formais bri tânicas sobre o império da lei, democracia e justiça eram, dada a sua política externa, obviamente uma impostura. No contexto internacional os alemães inclinavam-se a considerar seu país como uma força progressista e libertadora que intro duziria uma nova honestidade nos arranjos de poder no mun do. Em contraste com isso, a Grã-Bretanha constituía, do ponto de vista alemão, o poder arquiconservador, determinado a manter o status quo. O kaiser Guilherme II, que tinha ascendido ao trono alemão em 1888 aos vinte e nove anos, era um representante apropriado desta Alemanha nascente e turbulenta. Walther Rathenau diria dele que "nunca antes um indivíduo simbóli co representou tão perfeitamente uma época”.17 Guilherme não apenas personificava as contradições e os conflitos do país que governava; ele procurava uma resolução desses conflitos na fantasia. Na realidade, era um homem sensível, afeminado e ex tremamente nervoso* cujos amigos íntimos eram homossexuais,homens para os quais se via atraído pelo calor e afeição que não conseguia encontrar no mundo oficial demasiadamente cir cunscrito e nos limites da vida familiar tradicional e domi nada pelo sexo masculino. Entretanto, a imagem que se sentia constrangido a apresentar de si mesmo era a do supremo senhor da guerra, o epítome da masculinidade, da força e da determinação patriarcal. Mas, embora tenha centralizado o governo e a administração na Alemanha num grau sem pre cedente, e embora tenha gerado sete filhos, parece ter encon trado pouca satisfação em seu papel de governante ou de pai. Confrontado dentro de si mesmo com a dicotomia entre fra120
queza e poder, e nenhum dos extremos sendo aceitável, ele recorreu ao mesmo comportamento que a nação adotara cole tivamente: interminável representação teatral. Bertrand Russell tinha a impressão de que o kaiser era, sobretudo, um ator.18 Quando Guilherme demitiu Bismarck em 1890, o prín cipe Bernhard von Bülow observou que o próprio Guilherme queria desempenhar o papel de Bismarck.19 Muitos comentavam a natureza histriónica de Guilherme, seu gosto pela pompa e pela cerimônia, e sua vida de fantasia. Sua capacidade de atenção tinha curta duração; conseqüentemente, os relatórios dos fatos que lhe apresentavam tinham de ser sucintos, mas dramáticos. Sua natureza inquieta exigia constantes excursões e lisonja constante; era o turista moder no em oposição ao viajante tradicional. Seu amigo mais che gado, o príncipe Philipp zu Eulenburg, era um poeta razoa velmente bem-sucedido, músico e compositor que se consi derava principalmente um artista, forçado pelas circunstâncias sociais e pelas pressões dos pais a levar a vida monótona do serviço público. Guilherme deleitava-se com as artes, parti cularmente com espetáculos exuberantes. Tinha vivo interesse pela ópera e pelo teatro, deixando mais de uma vez os pro fissionais espantados com seu conhecimento. Se seus gostos eram em sua maior parte convencionais, ele pelo menos tole rava ocasionalmente a experimentação e demonstrava uma afei ção particular pelos Ballets Russes. O interesse do kaiser e da corte pela dança tinha al gumas implicações estranhas mas reveladoras. Com alguma freqüência, ao que consta, Dietrich conde von Hülsen-Háseler, chefe do gabinete militar, punha um tutu e, diante do kaiser e de convidados reunidos, um público em geral misturado, embora nunca incluísse a imperatriz, executava admiráveis pirouettes e arabesques. Uma dessas apresentações deveria ser a última de Hülsen. Em 1908, na casa de Max Egon Fiirst zu Fiirstenberg, outro amigo íntimo de Guilherme e impor tante conselheiro de política externa, Hülsen começou a dan çar e repentinamente caiu morto, vítima de um ataque do coração.20 Talvez se possa descartar facilmente esse tipo de di vertimento como uma engraçada brincadeira juvenil, digna das travessuras de escoteiros, mas à luz dos paradoxos presentes 121
no caráter do kaiser e na dinâmica cultural de seu país as aclamadas apresentações de Híilsen adquirem uma importân cia simbólica considerável. Mesmo deixando de lado as-im plicações sexuais dos episódios de Híilsen, pode-se dizer que, embora Guilherme considerasse a arte no domínio público um meio de cultivar ideais na, sociedade e, particularmente, de educar as camadas inferiores, em sua vida privada e sensi bilidade pessoal inclinava-se a julgar a arte em termos vitalistas. Mas Guilherme não se interessava apenas pelas artes; tinha um insaciável apetite para novas tecnologias. Num dis curso de 1906 ele anunciou “o século do carro a motor” e predisse inteligentemente que a nova época seria "a era da comunicação”.21 Via em si próprio e em seus interesses uma imagem da alma alemã, onde fins e meios, arte e tecnologia, constituíam uma coisa só. O historiador de arte Meier-Graefe considerava o kaiser uma síntese de Frederico Barba-roxa e um americano moderno, intuição que sugeria corretamente que a história não tinha nenhuma integridade para Guilherme e era pouco mais do que um brinquedo para um ego colossal. Não é de admirar que Guilherme tenha se entusiasmado com a visão que H, S. Chamberlain tinha da história, mais como espírito do que como realidade objetiva; e a Igreja Memorial do Kaiser Guilherme, que ele construíra no centro de Berlim em homenagem a seu avô, junto com a horrenda Siegesallee, que passava pelo meio do Tiergarten e unia a Zona Oeste a Unter den Linden, revelava a natureza totalmente mítica de seu sentido histórico. Theodor Fontane teve uma reação semelhante à de Meier-Graefe: “O que me agrada no kaiser é a sua ruptura completa com o antigo, e o que não me agrada no kaiser é esse desejo contraditório de restaurar o antigo.”22 Havia uma tendência comparável na arte do período, onde os temas do apocalipse e do atavismo eram motivos cen trais — o casamento do primitivo e do ultramodemo junto com a negação da história que tal atitude acarretava. Em bora carente de profundidade, a mente do kaiser funcionava em direção semelhante. A arte moderna se tornara aconte122
cimento. Também o kaiser gostava de fazer crer que ele era um evento. O plano Schlieffen, a única estratégia militar que ò$ ale mães possuíam para uma guerra em duas frentes, foi outra expressão fatal da predominância da fantasia e da preocupa ção com o momento fáustico no pensamento alemão. O plano previa um rápido ataque através da Bélgica, uma conversão brusca à esquerda no norte da França e a conquista de Paris, de onde todos os recursos poderiam então ser dirigidos con tra a Rússia. O plano prometia vitória total na Europa com base em uma batalha importante no norte da França. Era um projeto grandioso, um roteiro wagneriano, que elevava uma limitada aventura tática a uma visão total. A estratégia era a do jogador que se imagina diretor de banco. O homem que teria a sina de implementar o plano Schlief fen, sucessor de Schlieffen na chefia do Estado-Maior, fíelmuth von Moltke, revelava divisões em sua personalidade se melhantes às do kaiser. Moltke tinha muito mais paixão pelas artes do que pelas questões militares. Pintava e tocava violon celo. Em particular, admitia: “Vivo inteiramente para as ar tes.”23 Estava trabalhando numa tradução alemã de Pelléas et Melisande de Maeterlinck, e diziam que sempre trazia con sigo um exemplar do Fausto de Goethe.
A GUERRA COMO CULTURA
Em agosto de 1914 a maioria dos alemães considerava em termos espirituais o conflito armado em que estava entrando. A guerra era sobretudo uma idéia, e não uma conspiração com o objetivo de aumentar o território alemão. Para aque les que refletiam sobre a questão, tal aumento estava fadado a ser uma conseqüência da vitória, uma necessidade estraté gica e um acessório da afirmação alemã, mas o território não constituía o motivo da guerra. Até setembro o governo e os militares não tinham objetivos bélicos concretos, apenas uma estratégia e uma visão, a da expansão alemã num sentido mais existencial que físico. 123
A idéia de que esta seria uma "guerra preventiva”, para impedir os desígnios agressivos e as ambições de potências hostis que rodeavam a Alemanha, fazia certamente parte do pensamento de homens como Tirpitz e Moltke. Mas estas con siderações defensivas,. apesar de freqüentemente discutidas, eram invariavelmente subsumidas por uma percepção gran diosa do poder alemão, cuja hora, sentia-se, havia chegado. Os dois aspectos, o prático e o idealista, não se excluíam mu tuamente, como sugeriram tantos historiadores que estuda ram os objetivos da guerra; ambos eram ingredientes essen ciais da personalidade alemã às vésperas da guerra. Apesar de a Guerra da Criméia, a Guerra Civil Ameri cana e a Guerra dos Bôeres serem prova suficiente de que uma conflagração de monta envolveria uma luta longa, demo rada e amarga, poucos estrategistas, táticos ou planejadores, alemães ou de qualquer outra nacionalidade, previam qualquer coisa que não fosse uma solução rápida para um futuro con flito. Embora no decorrer do século XIX os militares se ti vessem preocupado cada vez mais com o tamanho e o nú mero de suas tropas, com a guerra como fenômeno de mas sas, a visão por toda parte ainda era a de uma guerra de movimento, heroísmo e decisões rápidas. As estradas de ferro levariam os homens à frente de batalha imediatamente; as metralhadoras seriam usadas no ataque; navios possantes e artilharia pesada esmagariam o inimigo em pouco tempo. En tretanto, embora o equipamento fosse importante, consideravase a guerra, especialmente na Alemanha, o supremo teste do espírito e, como tal, um teste de vitalidade, cultura e vida. A guerra, escreveu Friedrich von Bernhardi em 1911 num vo lume que iria esgotar seis edições alemãs em dois anos, era um "princípio doador de vida”. Era expressão de uma cul tura superior.1 "A guerra”, escreveu um contemporâneo de Bernhardi, era de fato "o preço que se deve pagar pela cul tura”.2 Em outras palavras, considerada como o alicerce da cultura ou conio um patamar para um nível mais elevado de criatividade e espírito, a guerra era parte essencial da ima gem e do amor-próprio de uma nação, Quando rebentou a guerra, os alemães estavam conven cidos, como se expressou Theodor Heuss, que era um liberal 124
sólido e certamente estava longe de ser um nacionalista fa nático, de sua "superioridade moral”, de sua "força moral” e de seu "direito moral”.3 Para Conrad Haussmann, também da esquerda liberal, a guerra era uma questão de vontade: "Na Alemanha há uma única vontade de todos, a vontade de se afirmar.”4 Ê claro que seria um esforço nacional, esta guerra, mas apenas porque seria um esforço de cada alemão. "Como não temos nenhum Bismarck entre nós”, declarou Friedrich Meinecke, "cada um de nós tem de ser um pedaço de Bis marck”.5 A declaração do SPD sobye os créditos de guerra no Reichstag, em 4 de agosto, até incluía a palavra mítica Kultur, que os socialistas antes associavam a interesses de classe mas agora adotavam como símbolo da causa de cada alemão. Tratava-se, dizia o documento dos socialistas, de pro teger a pátria, em sua hora de crise, contra o despotismo russo, de "assegurar a Kultur e a independência de nossa terra”.6 A imprensa do SPD falava em defender a Kultur e assim "libertar a Europa”! "Portanto”, dizia o Chemnitzer Volkstimme, "defendemos neste momento tudo o que a Kultur alemã e a liberdade alemã significam contra um inimigo bár baro e brutal”.7 Sobre a votação no Reichstag dos créditos de guerra, o deputado socialista Eduard David escreveu em seu diário: “A lembrança do incrível entusiasmo dos outros partidos, do go verno e dos espectadores, quando estávamos de pé para ser mos contados, nunca me abandonará.” Depois ele foi passear com a filha na Unter den Linden. A tensão emocional daquele dia fora tão grande que ele tinha de reprimir as lágrimas. "Ter minha filhinha junto de mim me faz bem. Se ao menos ela não fizesse tantas perguntas desnecessárias.”8 As perguntas diretas da menina eram evidentemente uma ameaça às fanta sias evocadas pelos acontecimentos do dia. Para o artista Ludwig Thoma, em Munique, a guerra era uma tragédia, mas também uma necessidade inevitável. Em 1® de agosto ele se encaminhava para a estação ferroviária com a intenção de ir a Tegemsee, quando uma multidão se formou à frente da estação, na esquina da Schützenstrasse, e foram lidas ordens de mobilização. "Desapareceu a pressão”, escreveu Thóma sobre suas reações à situação, 125
desapareceu a incerteza. . . E então fui dominado pela impressão de que este povo bravo e industrioso tinha de comprar com seu sangue o direito de trabalhar e criar valores para a humanidade. E um ódio feroz por aque les que tinham perturbado a paz afastou qualquer ou tro sentimento. A Alemanha trabalhara duro e fora bem-sucedida; o resul tado foi inveja e ciúme entre os seus vizinhos. Thoma sentiase ultrajado.9 Sentimentos semelhantes eram expressos por todo o país. Para Magnus Hirschfeld, líder do movimento ho mossexual e nada admirador do estabelecimento burocrático da nação, a guerra era em defesa da “honestidade e da sin ceridade” e contra a “cultura do smoking” da Grã-Bretanha e da França. À afirmação de que a Grã-Bretanha era o lar da liberdade e a Alemanha a terra da tirania e da opressão, Hirschfeld replicava que a Grã-Bretanha havia condenado seus grandes poetas e escritores no último século. Byron tinha sido escorraçado do país, Shelley proibido de educar os fi lhos e Oscar Wilde enviado à prisão. Em contraposição, Lessing, Goethe e Nietzsche foram saudados em sua terra com aplausos, e não com humilhação.10 Se na Grã-Bretanha, na França e nos Estados Unidos idéias milenaristas iriam aparecer no decorrer da guerra — “a guerra para acabar com todas as guerras” e “a guerra para tornar o mundo seguro para a democracia” —, na Alemanha o estado de espírito foi apocalíptico desde o início. As visões das nações aliadas tinham um forte conteúdo social e político., como na promessa feita por Lloyd George de “lares apro priados para heróis”. Para os alemães, entretanto, o milênio devia ser, em primeiro lugar, uma questão espiritual. Para Thoma a esperança era que “depois da dor desta guerra sur gisse uma Alemanha livre, bela e feliz”. Portanto, para a Alemanha a guerra era eine innere Notwendigkeit, uma necessidade espiritual. Era uma busca de autenticidade, de verdade, de auto-realização, isto é, daqueles valores que a vanguarda tinha invocado antes da guerra, e contra aquelas características — materialismo, banalidade, hi pocrisia, tirania — que ela havia atacado. Estas últimas es126
tavam associadas particularmente à Inglaterra, e era certa mente a Inglaterra que se tornaria o inimigo mais odiado da Alemanha depois que ela entrou na guerra em 4 de agosto. Gott strafe England — que Deus castigue a Inglaterra — tornou-se o lema até de muitos alemães que tinham sido mo derados antes da guerra. Para muitos a guerra era também uma libertação — da vulgaridade, das restrições e das convenções. Artistas e inte lectuais estavam entre os mais atacados pela febre da guerra. As salas de aula e de conferência esvaziaram-se quando os estudantes literalmente correram para o serviço militar. Em 3 de agosto os reitores e os conselhos administrativos de uni versidades bávaras lançaram um apelo à juventude acadêmica: Estudantes! As musas silenciaram. O que importa é a batalha, a batalha a que nos forçaram em defesa da Kultur alemã, que se vê ameaçada pelos bárbaros do leste, e em defesa dos valores alemães, que o inimigo no Ocidente inveja. Desse modo, o furor teutonicus irrom pe em chamas mais uma vez. Refulge o entusiasmo das guerras de libertação, e começa a guerra santa.11 Depois que o reitor da Universidade de Kiel fez um apelo aos estudantes, quase todo o corpo discente masculino se alistou. A associação da guerra com libertação e liberdade, uma Befreiungs ou Freiheitskampf, era muito difundida. Para Cari Zuckmayer a guerra representava “libertação da estreiteza e mesquinhez burguesas”; para Franz Schauwecker, “umas fé rias da vida”; Magnus Hirschfeld via nos uniformes, nas di visas e nas armas um estimulante sexual.12 Quando, no edi torial de 31 de julho, o Berliner Lokal-Anzeiger observou que o estado de espírito na Alemanha era de alívio, captou o que a maioria provavelmente sentia. Mas a liberdade era sobretudo subjetiva, uma liberação da imaginação. Emil Ludwig, que depois da guerra se tornou o flagelo daqueles que, segundo ele, tinham sido os senhores da guerra de 1914, fi cou tão arrebatado pela febre de agosto quanto todos os ou tros. Com uma exuberância que mais tarde quis claramente reprimir e esconder — em seu livro de 1929, Julho de 1914, 127
referiu-se às massas como "os enganados” e falou sobre "a inocência coletiva nas ruas da Europa” —, ele escreveu "A vitória moral”, .artigo que foi publicado no Berliner Tageblatt em 5 de agosto: “E mesmo que viesse a desabar sobre nós uma catástrofe que ninguém ousa imaginar, a vitória moral desta semana nunca poderia ser erradicada.”13 Para Ludwig e muitos outros, o mundo parecia alterado de uma hora para outra. "A guerra”, como Ernst Glaeser diria mais tarde em seu romance Jahrgang 1902, "tornara belo o mundo”. Chegara para a sociedade em geral o mo mento faustiano que Wagner, Diaghilev e outros modernos procuraram realizar em suas formas de arte. "Esta guerra é um prazer estético incomparável”, diria uma das personagens de Glaeser.14 Glaeser não estava inventando idéias após a ocorrência dos fatos. As cartas alemãs que chegavam do front estavam cheias de associações entre a guerra e a arte. "Poesia, arte, filosofia e cultura — é com isso que a batalha tem a ver”, insistia o estudante Rudolf Fischer.15 Depois de passar alguns meses nas trincheiras, Franz Marc ainda considerava a guerra uma questão de espírito: Continuemos soldados mesmo depois da guerra. . . pois esta não é uma guerra contra um inimigo eterno, como dizem os jornais e nossos honrados políticos, nem de uma raça contra outra; é uma guerra civil européia, uma guerra contra o inimigo interno invisível do espírito europeu.16 Hermann Hesse fez associações semelhantes. A guerra, iro nicamente, era uma questão de vida, não de morte; uma afir mação de vitalidade, energia, virtude. Era uma questão de arte. "Tenho na mais alta conta os valores morais da guerra em geral”, disse ele a um amigo. Serem arrancados de uma monótona paz capitalista foi bom para muitos alemães, e parece-me que um verda deiro artista atribuiria maior valor a uma nação de ho mens que enfrentaram a morte e que conhecem o que há de instantâneo e estimulante na vida de acampamento.17 128
Quando partiu para se juntar a seu regimento, Otto Braun, um jovem de dezessete anos, estava intensamente arrebatado pelo que considerava um ato de criação — “a forma nascente de uma nova era” —, e rezava para que pudesse desempenhar sua parte "ajudando a criar esta nova era no espírito da divindade ainda adormecida” .18 Em julho e agosto de 1914, a Alemanha representou sua Frühlingsfeier, sua sagração da primavera.
129
III
NOS GAMPOS DE FLANDRES A cena foi extremamente dramática, e não acredito que será vista de novo num campo de batalha. Um soldado da Companhia B do 2.° Regimento de East Lancashire, em carta para casa no fim do ano de 1914. Num país progressista a mudança é constante; e não se trata de saber se se deve resistir à mudança que é inevitável, mas se essa mudança deve realizar-se em consonância com os hábitos, os costumes, as leis e as tradições do povo, ou se deve ser executada em obe diência a princípios abstratos e doutrinas arbitrárias e gerais. Be n j a m i n D i s r a e l i
Todo jogo significa alguma coisa. J. H u i z i n g a
UM RECANTO DE UM CAMPO ESTRANGEIRO Quando a Sra. Packer, de Broadclyst, em Devon, recebeu uma carta do* marido nos últimos dias de dezembro de 1914, provavelmente não quis acreditar a princípio no seu conteúdo. Sabia que ele estava em algum lugar na frente de batalha — a localização exata, não sabia ao certo porque o censor militar proibia a revelação desses detalhes em cartas — e, sem dúvida, acreditava que ele estava lutando bravamente pelo rei e pelo país. Tinha esperanças de que ele pudesse passar pelo menos o dia de Natal nos alojamentos, longe do front, mas quando começou a ler a carta compreendeu imediatamente que seu desejo não fora realizado. 130
Seu marido passara realmente o Natal no front — como membro da Companhia A do 1° Batalhão do Regimento de Devonshire —, estacionado perto de Wulverghem ao sul de Ypres, em Flandres. Mas na maior parte do dia ele estivera mais fora da linha de fogo do que dentro dela. Que Natal inacreditável! Em vez de combater os alemães, o cabo Packer, junto com centenas de companheiros de regimento, brigada e divisão daquele setor e milhares de outros ao longo da linha britânica em Flandres, tinha se arriscado a entrar na terra de ninguém entre as trincheiras para se encontrar e confraternizar com o inimigo. Os alemães haviam aparecido em igual número. Packer contava, em seu relato daquele dia surpreendente, como em troca de um pouco de tabaco recebera uma chuva de presentes: chocolate, biscoitos, charutos, cigarros, % um par de luvas, um relógio com corrente e um pincel de barba! Uma colheita extraordinária! Era uma proporção entre dar e rece ber que teria envergonhado uma criança, mas Packer se re gozijava com a experiência, atitude igual à de muitos de seus compatriotas. “Assim, veja você”, contou ele à mulher com seu jeito de atribuir pouca importância ao fato, “ganhei um bom presente de Natal e pude passear em segurança por algumas horas”. A Sra. Packer ficou tão espantada com a carta que a enviou imediatamente ao jornal local, e ela foi publicada no dia do Ano-Novo no Western Times de Exeter.1 O fuzileiro G. A. Farmer, cujo 2° Batalhão de Fuzilei ros da Rainha, de Westminster, ocupava uma posição ainda mais avançada na frente de batalha naquele Natal, pôde in cluir em sua carta aos familiares, em Leiscester, um comen tário mais exuberante e eloqüente: “Foi realmente um dos Natais mais maravilhosos que já passei.” A família deve ter ficado pasma. Havia uma guerra, afinal! Farmer continuava: Os homens de ambos os lados estavam imbuídos do ver dadeiro espírito da época e de comum acordo pararam de lutar e adotaram uma visão diferente e mais brilhante da vida, e assim estávamos tão tranqüilos quanto vocês na boa e velha Inglaterra.2 131
Para a mente extremamente literária e imaginativa de Edward Hulse do 2? Batalhão de Guardas da Escócia, numa posição mais ao sul em relação a Farmer, os incidentes em seu setor foram “absolutamente espantosos, e se eu tivesse visto isso numa fita cinematográfica teria jurado que era pura mentira!”3 Para Gustav Riebensahm, que comandava um re gimento da Vestfália do outro lado do local onde estavam alguns dos Guardas Escoceses de Hulse, as impressões foram semelhantes. Lutando contra um impulso para não acreditar no que tinha visto com seus próprios olhos, anotou em seu diário no dia de Natal: “Tinha-se de olhar mais de uma vez para acreditar no que estava acontecendo, levando-se em con ta tudo o que havia ocorrido antes.”4 Expressões de fascínio, espanto e excitação aparecem em quase todo relato da con fraternização daquele Natal. “Nunca me esquecerei desta visão em toda a minha vida”, escreveu Josef Wenzl do 16? Regimento de Reserva da Infan taria.5 “O Natal vai ficar gravado na lembrança de muitos sol dados britânicos que estavam em nossas trincheiras como um dos dias mais extraordinários de suas vidas”, insistiu um ofi cial do Batalhão Gordon da Alta Escócia.6 “Estes foram afinal os dias mais extraordinários que pas samos aqui — senão os mais extraordinários de toda a minha vida”, refletiu o soldado Oswald Tiley da Brigada de Fuzi leiros de Londres.7 A trégua de Natal de 1914, com suas histórias de cama radagem e calor humano entre inimigos supostamente amar gos no chão esburacado da terra de ninguém, nesse pedaço de terreno entre trincheiras opostas cujo nome parecia proibir tal relacionamento, é um capítulo notável da história da Pri meira Guerra Mundial e, de fato, de todas as guerras. Em bora a mais alta incidência de confraternização tenha acon tecido ao longo da frente britânico-alemã, houve várias ocor rências semelhantes entre os franceses e os alemães, russos e alemães, e austríacos e russos. A trégua de Natal de 1914 é bastante reveladora dos valores e das prioridades sociais dos exércitos opostos e, por extensão, das nações que repre sentavam. O fato de essa grande confraternização não ter 132
se repetido durante a guerra sugere, além disso, que não fo ram os “canhões de agosto”, mas os eventos subseqüentes, que despedaçaram o velho mundo. A “garden party eduardiana” não terminou repentinamente em 4 de agosto de 1914, como se tem afirmado.8 Uma década depois da guerra W. A. Quinton, do 1? Batalhão de Bedfordshire, escreveria: Homens que se juntaram a nós mais tarde inclinavam-se a não acreditar no que dizíamos quando falávamos do in cidente, e não é de admirar, pois à medida que os meses passavam, nós, que realmente estivemos lá, mal podía mos compreender que tudo aquilo tivesse acontecido, a não ser pelo fato de que cada pequeno detalhe se con servava bem nítido na memória.9 R. G. Garrod, do 20? Batalhão de Hussardos, foi um daque les que sempre se recusaram a acreditar que á confraterniza ção tivesse ocorrido. Escreveu em suas memórias que nunca encontrara um soldado que tivesse saído para a terra de nin guém e confraternizado com o inimigo naquele Natal de 1914, e, por isso, concluía que a trégua de Natal não passava de um mito,10 como os anjos que supostamente teriam ajudado as tropas britânicas na sua retirada de Mons em agosto de 1914. A incredulidade de Garrod e as expressões de espanto a respeito da trégua têm, na verdade, relação entre si. Para muitos, a trégua, particularmente as dimensões que assumiu, aconteceu inesperadamente. Foi uma surpresa não porque as tréguas na guerra fossem raras — bem ao contrário; eram normais —, mas porque a luta nos primeiros cinco meses tinha sido muito áspera e intensa e cobrara uma taxa muito elevada de baixas. Além disso, desde o início a propaganda desempenhou papel importante na guerra, e a campanha anglofrancesa para retratar o alemão como um bárbaro desmesu rado, incapaz de emoções humanas normais como compaixão e amizade, já tinha naquele primeiro Natal surtido efeito. Fi nalmente, as tentativas de vários grupos, inclusive o Vaticano e o Senado Americano, no sentido de arranjar um cessar-fogo oficial para o Natal haviam sido rejeitadas pelos beligerantes. 133
Portanto, a maioria dos combatentes que tinham sobrevivido aos cinco primeiros meses sombrios, e, o que é mais impor tante, aqueles — e eram a maioria — que haviam chegado ao front recentemente, imbuídos de certas idéias sobre o ini migo, tinham boa razão para pensar que esta não era uma guerra convencional e que o mundo estava, na verdade, em vias de ser transformado por ela. Mas o que a trégua revelou, por sua natureza espontânea e não oficial, foi que certas ati tudes e valores eram capazes de pronta recuperação. Apesar da matança dos primeiros meses, foi a guerra subseqüente que começou a alterar profundamente esses valores e a apressar e difundir no Ocidente a tendência ao narcisismo e à fantasia que tinha sida característica da vanguarda e de grandes seg mentos da população alemã antes da guerra.
CANHÕES DE AGOSTO
A guerra se iniciara com movimento, movimento de homens e material numa çscala nunca antes testemunhada na história. Por toda a Europa, aproximadamente seis milhões de homens receberam ordens no início de agosto e começaram a se des locar. Visando a um rápido golpe mortal a oeste, os alemães puseram a sua estratégia em marcha acelerada no dia seis. Sobre as pontes do Reno passavam 550 trens por dia. Pela ponte Hohenzollern em Colônia passava um trem a cada dez rtíinutos na primeira fase da guerra. Em menos de uma sema na foram reunidos um milhão e meio de homens para a inves tida. Os franceses se mostraram igualmente diligentes. Em duas ’semanas mais de três milhões de franceses se desloca ram em sete mil trens. O plano Schlieffen, em sua concepção original, devia ter as características de uma porta giratória, na analogia de Basil Liddell Hart. Quando aumentasse a investida dos alemães que entravam por um lado da porta através da Bélgica e do norte da França, os franceses, que concentravam seu ataque no sul, seriam atraídos e aumentariam a quantidade de mo134
vimento da porta e, portanto, do ataque desfechado ao norte. Implementado por Moltke, o plano foi, porém, modifiqado. A investida no norte não foi tão vigorosa como se planejara originalmente. Um Moltke nervoso decidiu primeiro reforçar seu flanco esquerdo no sul contra os franceses. Depois, quan do o exército belga se retirou para Antuérpia, Moltke separou sete divisões do flanco direito de ataque para dispô-las contra os belgas e impedir o rompimento da linha. Mais para o fim de agosto ele novamente enfraqueceu a investida ao enviar quatro divisões para repelir o avanço russo na Prússia Orien tal. Em seguida, além de debilitar a força do ataque ao norte, Moltke ainda resolveu permitir que o príncipe herdeiro Rup precht da Baviera, que comandava o Sexto Exército no sul, decidisse se devia atacar os franceses ou, como ditava o plano Schlieffen, atraí-los para uma armadilha. Levado pelo desejo de acentuar a importância da contribuição bávara, Rupprecht tomou a iniciativa e decidiu atacar, de modo que os france ses, embora repelidos na área de Morhange-Sarrebourg, foram forçados pela ação de Rupprecht a consolidar suas defesas, em vez de se aventurarem a uma posição de ataque mais vulnerável. Dessa forma, o particularismo alemão desempe nhou um papel no destino do plano Schlieffen. Mais uma vez a realidade da Alemanha — sua fragmentação e lealdade aos interesses locais — minou a visão de unidade e solidariedade. O avanço alemão através da Bélgica foi retardado por uma inesperada resistência local. Além disso, o flanco direi to, sob o comando de von Kluck, depois de dar uma surra nos * britânicos em Mons, atravessou o ponto crítico mais cedo do que o planejado, e o enfraquecido avanço alemão foi final mente detido no Marne na segunda semana de setembro. Se guiram-se a retirada alemã para o Aisne, onde os alemães começaram a se entrincheirar contra a perseguição dos alia dos, e mais tarde as manobras mútuas ao norte — a chamada corrida para o mar — que foi uma tentativa de ambos os lados no sentido de evitar um ataque pelo flanco. Da metade de outubro ao começo de novembro, os alemães tentaram de sesperadamente passar por Ypres, usando grande número de voluntários que tinham corrido a se alistar em agosto, mas a linha dos aliados resistiu apesar de enormes perdas. Depois 135
da primeira batalha de Ypres, batalha que alguns alemães chamariam de “o massacre das crianças”, a guerra de movi mento estava, por ora, encerrada no ocidente. Os exércitos regulares tinham sido dizimados. Os estoques de munição, para fuma guerra que devia estar concluída na época em que “as folhas caem”, estavam esgotados. A metralhadora, pla nejada como arma de ataque, provara seu valor mortal como a suprema arma de defesa. Além disso, o terreno da Bélgica e do norte da França, com suas inúmeras vilas, fazendas e cercas, deu ao defensor uma vantagem sobre o atacante. Do Canal da Mancha à fronteira suíça apareceu uma bizarra e denteada linha de fortificações de trincheira, a única res posta que os estados-maiores puderam conceber para o ines perado impasse. Depois da derrota sofrida pelos alemães no Marne, Falkenhayn sucedeu a Moltke e, na esteira de seu fracasso em Ypres em outubro e novembro, decidiu que o plano Schlieffen tinha de ser abandonado. Embora ainda acreditasse que a frente decisiva estava no ocidente, curvou-se à piessão dos “orientais” — Hindenburg, Ludendorff e Conrad — que de fendiam providências urgentes para enfrentar o perigo russo. Assim, os interesses da ofensiva alemã voltaram-se para o leste. Nesse meio tempo os chefes militares britânicos e fran ceses aceitaram relutantemente que talvez tivessem de manter, por algum tempo, suas posições, até poderem reunir o efetivo e o poder de fogo necessários para um golpe decisivo. As baixas alemãs e francesas tinham sido tremendas. Os alemães perderam um milhão de homens nos primeiros cinco meses. A França, na “batalha das fronteiras” de agosto, per deu mais de 300 mil homens em duas semanas. Alguns regi mentos perderam três quartos de seus homens no primeiro mês. No final de dezembro as perdas francesas totais eram com paráveis às alemãs, aproximadamente 300 mil mortos e 600 mil feridos ou desaparecidos. No fim de 1914 praticamente toda família francesa e alemã tinha sofrido alguma perda. De vido às baixas estarrecedoras no começo da luta, no fim do ano a maior parte da Frente Ocidental francesa e alemã era constituída por reservas. 136
Em Mons, Le Cateau e depois especialmente em Ypres, a maioria da Força Expedicionária Britânica (BEF) original, de 160 mil homens, fora aniquilada. Só em Ypres as perdas chegaram a 54.105. Em dezembro os Velhos Desprezíveis, apelido que os soldados de linha britânicos tinham se dado em resposta à declaração do kaiser que, no início de agosto, qualificara a BEF de “exercitozinho desprezível", constituíam pouco mais do que um frágil esqueleto dos exércitos de vo luntários. Como exemplo da proporção das baixas, a 11* Bri gada contava, em 20 de dezembro, com apenas 18% de seus primitivos oficiais e 28% de seus soldados. Dentro dessa bri gada, a Infantaria Ligeira de Somerset perdera 36 oficiais e 1.153 homens de outros postos, e daqueles que tinham em barcado em agosto, tão alegremente, restavam apenas quatro oficiais e 266 soldados. A 7* Divisão, que chegou à França em outubro, começou a campanha de Ypres com 400 oficiais e 12 mil soldados, e encerrou-a com 44 oficiais e 2.336 sol dados, uma perda de mais de 9 mil homens em dezoito dias. "Ali com mãos enfraquecidas atiramos a to c h a ..." No final do ano um milhão de britânicos haviam se alistado, e o im pério como um todo tinha agora dois milhões de homens em armas. Por volta de dezembro a maioria das tropas britânicas nas trincheiras era formada por voluntários.1 Para as autoridades militares, que haviam se convencido de que o resultado de uma futura guerra dependeria de uma única batalha importante, era impossível aceitar o impasse no Ocidente. O século anterior tinha sido uma época de extraor dinário movimento e mudança tecnológica. Pressupunha-se que a guerra refletiria esse movimento. "Berthelot me perguntou”, registrou o general-de-divisão Henry Wilson em seu diário no dia 13 de setembro de 1914, depois da batalha do Marne, "quando eu achava que invadiríamos a Alemanha, e respondi que, a não ser que cometêssemos algum erro crasso, deve ríamos estar em Elsenborn em 4 •semanas. Ele achava que em 3 semanas".2 Kitchener, quando Ministro da Guerra bri tânico, tivera a presciência de pedir a criação de um exército britânico de massas na primeira rôuhião do conselho de guer ra, em 5 de agosto — "Devemos estar preparados", disse ele, "para colocar em campanha exércitos de milhões e mantê-los 137
durante vários anos” —, mas seu apelo enfrentou acentuada oposição e até sarcasmo no gabinete e no estado-maior bri tânicos. Sir Edward Grey, o Ministro das Relações Exteriores, observou que a estimativa da duração da guerra feita por Kitchener "parecia a quase todos nós improvável, senão in crível”.3 Os Novos Exércitos, embora aprovados, destinavamse de fato inicialmente a assegurar a paz, mais do que ganhar a guerra. Durante novembro e dezembro de 1914 e durante todo o ano de 1915 e mesmo parte de 1916, até o desastre do Somme, vigorou nos exércitos da Entente a opinião de que o espírito ofensivo era muito importante e de que, apesar dos reveses e de outras provas em contrário, um rompimento da linha de combate, uma investida decisiva, colocaria em mo vimento a parada máquina de guerra. A vitória viria então em semanas. Por volta de dezembro de 1914 o estado-maior britânico tinha relutantemente concordado que a investida de cisiva teria de esperar pela chegada dos Novos Exércitos na primavera, mas a partir desse momento a guerra de movimento recomèçaria. Os franceses, com boa parte de seu país ocupa da pelo invasor estrangeiro, mostravam-se compreensivelmente ainda mais determinados a manter essas crenças. Perto do final do ano afirmavam que com alguma paciência os Aliados conseguiriam aos poucos superioridade em efetivos, munições, cavalos, dinheiro e suprimentos. Depois, no momento apro priado, seria dado o golpe decisivo. "O general Joffre”, afir mava um resumo do que os oficiais deviam dizer a seus ho mens no começo de janeiro de 1915, "não lhe [ao inimigo] aplicou um golpe final porque queria economizar vidas fran cesas”.4 O general no comando do Quarto Exército francês insistia em que todos os seus comandantes convencessem suas tropas de que eram os alemães, e não os franceses, que esta vam sitiados.5 Até a falta de granadas e munição e as intole ráveis condições físicas da guerra de trincheiras no Ocidente, à medida que o inverno se aproximava com suas chuvas inter mináveis, transformando o campo de batalha num pântano lamacento intransitável, não conseguiam alterar esta preocupa ção básica com a ofensiva. Um mês, dois meses, três no má ximo: tal era o teor geral das previsões. "Se nos suprissem 138
com farta munição de artilharia. . disse Douglas Haig, que nesse período comandava o Primeiro Exército britânico, ao correspondente militar do Times em 22 de janeiro de 1915, “poderíamos atravessar a linha alemã em vários pontos”.6 Em dezembro a chuva, que tinha sido intermitente. desde o começo de setembro, tornou-se interminável em Flandres, Artois e Picardia. Caiu mais água naquele mês do que em qualquer outro dezembro desde 1876 — mais de quinze cen tímetros. Os belos dias de agosto tornaram-se substância de sonhos. Os canos dos fuzis entupiam-se de lama e negavam fogo. Depois de um ataque britânico em 18-19 dç dezembro, os alemães informaram que a maioria de seus ferimentos pro vinha de baionetas, porque os fuzis de seus oponentes esta vam obstruídos.7 Rios transbordaram. Nos arredores do Rio Lys, o nível da água chegou a trinta centímetros do nível do solo. No Somme, as condições do setor eram semelhantes. Em suas trincheiras os soldados ficavam com água pelos joelhos e às vezes atolavam-se até o tórax na lama, tendo de ser pu xados para fora por meio de cordas. Num setor perto de La Bassée, uma represa se rompeu e afogou os homens em, seus abrigos de trincheira. Em dezembro os diários de guerra dos regimentos freqüentemente dedicavam mais espaço à guerra contra os elementos do que à batalha contra o inimigo humano. Notas típicas como “lama desesperadora” e “trincheiras im possíveis” apenas sugerem a escala da miséria e os problemas que os combatentes enfrentavam. Bombas de puxar água, man gueiras, pás e picaretas tornaram-se armas mais importantes do que fuzis ou artilharia. Em 24 de dezembro circulou a notícia de que os alemães tinham virado uma mangueira para as trincheiras britânicas à sua frente, num setor perto de Béthune, procurando inundá-las. E alguns dias mais tarde o co mando da 7^ Divisão Britânica ficou preocupado com a pos sibilidade de os alemães, dos quais se dizia que tinham fecha do as comportas em Comines, estarem canalizando água para as trincheiras britânicas.8 Os dois rumores pressupunham uma forma não cavalheiresca de guerra que, assim se presumia, não seria de estranhar partindo dos alemães. Em muitos lugares até os altos parapeitos eram insuficien tes, e era preciso retirar as tropas para terreno seco, deixando 139
apenas pequenos postos de observação ou patrulhas a patinhar na lama. As comunicações e os movimentos laterais eram inviáveis. Efetuar uma substituição de tropas na linha de frente levava freqiientemente até quase oito horas, enquanto em con dições normais isso se fazia em uma hora mais ou menos. Os "lenhadores” assumiram maior importância tática do que os piquetes de reconhecimento, porque as achas de lenha, junto com a tela de arame ofereciam pelo menos alguma proteção contra o afundamento na lama. Em dezembro e janeiro a natureza das baixas refletiu o caráter da nova guerra: ulceração produzida pelo frio, reu matismo e pé-de-trincheira causaram muito mais vítimas do que o combate real. “É surpreendente que todo o batalhão não tenha pegado pneumonia”, observou o diário de um re gimento.9 Quando a umidade de dezembro penetrou na pele e nos ossos, o Primeiro Exército britânico informou suas bai xas na segunda semana de janeiro: 70 oficiais e 2.886 soldados. Destes, 45 oficiais e 2.320 soldados estavam listados como doentes. Mas apenas 11 oficiais e 144 soldados tinham sido mortos, e 14 oficiais e 401 soldados estavam feridos.10 O co mandante de uma unidade informava sobriamente a seus supe riores no começo de janeiro: "No momento o estado de coisas resultante do prolongado tempo chuvoso é o fator dominante na situação.”11 Uma semana antes do Natal, Frank Isherwood enviou suas saudações à família: "Todos os meus votos de um Feliz Natal. Eu não quero ver outro se vai ser igual a este.”12 E não viu. Esgotamento era o resultado inevitável de três ou quatro dias nas trincheiras. Percy Jones, dos Fuzileiros da Rainha, de Westminster, viu os componentes do 1° Regimento de Fu zileiros Reais deixarem as trincheiras na manhã de 23 de dezem bro. Eles estavam esfarrapados, estropiados, desgarrados, feridos nos pés, ex tenuados, pareciam em geral aniquilados. Cabeludos, bar bados, a cara imunda, a cabeça coberta de trapos de todos os tipos, os homens mais pareciam uns selvagens préhistóricos do que um regimento de primeira classe do Exército Britânico.13 140
Os elementos não tinham favoritos. Alemães, franceses e britânicos, todos sofriam, e nenhum lado encontrava res postas melhores para a situação. Havia, entretanto, grande curiosidade de saber como o inimigo estava enfrentando este aspecto inesperado da guerra. Os alemães parecem ter ficado com particular inveja das jaquetas de pele de carneiro ou de cabra que foram distribuídas em muitos pontos da linha bri tânica no final do ano, e das botas de cano alto atadas com cordões que os britânicos usavam, em contraste com as botas de borracha de cano curto fornecidas aos alemães. As jaquetas tornaram-se prêmios que os alemães procuravam obter em escaramuças na terra de ninguém. A história dos regimentos alemães admitiu que, depois de um ataque britânico perto de Neuve Chapelle em 18 de dezembro, o 13° Regimento saqueou os mortos britânicos em busca de despojos, dando particular atenção às jaquetas de pele de carneiro.14 Eram comuns os saques em busca de espólios e de re cordações para mandar aos familiares como prova de parti cipação em combate, especialmente nesta primeira fase da guerra. Todos eram dados a esta prática. “Em ingleses tomba dos encontramos relógios, ouro e Cruzes de Ferro de solda dos alemães", acusou Gustav Riebensahm.15 Se os alemães admiravam as botas altas dos britânicos, estes se interessavam pelas botas de borracha que alguns alemães usavam para ten tar enfrentar a lama e a água. Considerar o equipamento do adversário — uniformes, casacos, botas e outros acessórios — de qualidade superior era natural, porque aparentemente nada podia ser pior do que o próprio equipamento, que se mos trava inadequado para impedir a umidade e o frio. Isto prova velmente explica pelo menos um bom número de comunica dos de dezembro e janeiro alertando para o subterfúgio de o inimigo se apresentar vestido, segundo os boatos, com os uniformes dos adversários. “Oficial de Observação de Artilha ria, na seção esquerda da 17* Brigada, informa que o inimigo tem homens usando saiote escocês", dizia uma nota no diário da 6* Divisão britânica na metade de janeiro.16 Entretanto, apesar de todas as provas de que eram im possíveis ataques bem-sucedidos em tais condições, os cornai dantes de exércitos, abrigados em alojamentos quentes e secos, 141
não deixavam de enfatizar a necessidade de manter um espí rito ofensivo, conservar os instintos agressivos afiados para futuras batalhas decisivas. Tocaias e reides noturnos preci savam acontecer constantemente; sapas ou túneis deviam ser levados adiante; e ataques vigorosos tinham de ser tentados repetidas vezes. Mesmo que nada de concreto se conseguisse no momento — assim determinava o raciocínio —, importava o efeito sobre o moral da tropa. As condições atmosféricas naturalmente forneciam sufi cientes motivos de preocupação com o moral da tropa, mas o comandante da 2* Unidade Britânica, numa ordem de 4 de dezembro, referiu-se também a uma “teoria de vida que man da viver e deixar viver”, que parecia ter surgido nas linhas de frente e què, ele insistia, tinha de ser reprimida imediata mente.17 Sua observação foi motivada por muitos indícios de intercâmbios amistosos entre os Aliados e as tropas inimigas. Esses incidentes, que aumentaram no decorrer de novembro e dezembro, provocaram alarme entre as “altas patentes”. Era traição chegar a qualquer entendimento particular com o ini migo e mais ainda confraternizar com ele, sem permissão. Os incidentes eram raramente registrados nos diários oficiais de guerra por medo de que provocassem cólera nos oficiais de hierarquia mais elevada, mas o próprio fato de que tenha ocorrido uma quantidade cada vez maior de referências perto do final do ano sugere que os incidentes. não registrados se riam ainda mais numerosos. A prática de não atirar em certas horas do dia, especialmente durante as refeições, tornou-se comum entre unidades que já se defrontavam há algum tem po. Existiam também arranjos não oficiais sobre tiros de to caia durante a rendição da guarda e sobre a conduta durante o patrulhamento. Charles Sorley descreveu tais entendimentos em uma carta alguns meses mais tarde: “Sem absolutamente ‘confraternizar’ com o inimigo, não incomodamos o Irmão Boche setenta metros adiante, desde que ele seja gentil conos co.” Comentou o tédio da atividade durante o dia, que con sistia em reconstruir trincheiras e censurar as çartas dos soldados. Durante a noite consegue-se um pouco de animação pa trulhando a cerca de arame do inimigo. Nossos princi 142
pais inimigos são as urtigas e os mosquitos. Todas as patrulhas — inglesas e alemãs — são muito avessas ao princípio de morte e glória; assim, ao se encontrarem por acaso uma com a outra. . . ambas fingem que uma é o levita e a outra o bom samaritano e passam ao largo, sem dizer uma palavra. Os dois lados sabem que bom bardear o inimigo seria uma violação inútil das leis não escritas que governam as relações de combatentes per manentemente a cem metros de distância um do1 outro, aos quais tornou-se claro que arrumar encrenca para o outro não passa de um modo indireto de arrumá-la para si próprio.18 Freqüentemente os homens em trincheiras opostas fica vam tão próximos que podiam ouvir as vozes .uns dos outros, e as zombarias entre as linhas tornavam-se naturais, bem como tentativas de diversões. O soldado Frank Devine do 6? Batalhão Gordon da Alta Escócia contou, em uma carta a seus familiares, em 21 de dezembro, que certa manhã tinha começado a cantar “0 ’ a’ a’ the airts”, canção sentimental esco cesa que fala do amor pela terra natal, e que um alemão do outro lado respondera com “Tipperary”. Eles gritam todas as manhãs convidando-nos para o al moço. Um dia desses ergueram um pedaço de quadronegro, no qual tinham escrito com letras grandes: “Quan do vocês, ingleses, irão para casa e nos deixarão em paz?” Gritam para nós que desejam a paz.19 O 16? Regimento de Reserva da Infantaria da Baviera registrou que em 18 de dezembro, perto de Ypres, enquanto ocorria uma luta feroz mais ao sul, um homem de Allgäu, área alpina no sudoeste da Alemanha, subiu no parapeito e cantou uma melodia tirolesa para Tommy Atkins.*20 O senso de humor no meio da miséria era freqüentemente brilhante. Em 10 de dezembro, aproximadamente às nove da manhã, os
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Nome dado genericamente ao soldado britânico.
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saxões que se encontravam diante do 2° Batalhão de Essex gritaram que estavam cheios e que haviam hasteado a bandeira alemã a meio pau. Um membro do Batalhão de Essex retrucou com um oferecimento de rum e gim. Os saxões recusaram a gentileza dizendo que só bebiam champanhe nas trincheiras!21 Perto do 2° Batalhão de Essex, os Fuzileiros de Lan cashire fizeram um trato com seus adversários: a troca de latas de carne em conserva por insígnias de capacetes. “ . . . o trato está feito”, registrou o diário da divisão, “ salvo o ligeiro desacordo sobre quem sairá primeiro de sua trincheira para apanhar a sua parte”.22 É claro que os enten dimentos levavam tempo para ser cultivados e nem sempre eram apreciados ou honrados por uma unidade substituta. As sim, o 2° Batalhão de Essex se deu bem com os saxões, mas os prussianos que substituíram estes últimos foram qualifica dos de um "bando de grosseirões que não respondem quando se fala com eles”.23 Em suma, uma certa dose de bons sentimentos — en tendimentos e acordos particulares — tinha se desenvolvido entre trincheiras opostas nas semanas antes do Natal. Devia formar a base para a trégua de Natal. O comando britânico não era o único a se preocupar com o efeito desta guerra pa ralisada sobre o moral dos combatentes. Uma semana antes de serem emitidas as ordens britânicas contra a confraterniza ção, o General Falkenhayn tinha dado avisos semelhantes a seus oficiais: os incidentes de confraternização deviam ser "investigados cuidadosamente pelos superiores e desencoraja dos de forma enérgica”.24 O crescente número de incidentes indica, entretanto, que as advertências dos superiores tinham pouco efeito. O estado do tempo e as condições das trincheiras esti mularam o desenvolvimento de um sentimento amistoso entre os grupos em guerra, mas a relação cada vez mais deterio rada entre os oficiais e os soldados, particularmente entre os comandantes atrás das linhas e os homens nâs linhas de frente, também contribuiu para o estado de espírito que pro duziu os acontecimentos do Natal. As táticas improdutivas e aparentemente sem sentido dos estados-maiores na Frente Oci144
dental causavam uma boa dose de descontentamento. Por exem plo, para manter a ênfase no "espírito ofensivo”, e para obri gar os alemães a sentirem que não podiam transferir mais nenhuma tropa para a Frente Oriental sem enfraquecer seria mente sua posição no' ocidente, os britânicos lançaram im portante ataque ao longo da metade sul de sua frente em 18 de dezembro. A Unidade Indiana foi o instrumento principal do ataque, mas cerca de dois terços da linha britânica se en volveram no apoio às investidas. As batalhas aconteceram desde Le Touquet ao norte até Givenchy ao sul, cessando ape nas em 22 de dezembro, e do ponto de vista do moral, senão da estratégia britânica, todo o empreendimento só pode ser descrito como um desastre. Na noite do dia dezoito a 7^ Divisão atacou os vestf alianos e os saxões perto de Neuve Chapelle e Fromelles com re sultados terríveis, perdendo 37 oficiais e 784 soldados. Só o 2° Batalhão Real de Warwickshire perdeu 320 homens, in clusive o oficial comandante. Num pelotão de 57 homens ape nas um soldado que fazia as vezes de cabo e três outros ho mens saíram ilesos. O 2? Batalhão de Guardas Escoceses, que capturou vinte e cinco metros da trincheira oposta, mas que, incapaz de manter a posição avançada, foi obrigado a se retirar de manhã, perdeu seis oficiais e 188 homens com sua ação. Apenas um oficial que participou do ataque voltou incólume. Ao longo de toda a linha os resultados foram semelhan tes. Quaisquer sucessos registrados eram temporários. Os ale mães tiveram o mesmo destino. Contra-atacaram em Givenchy em 20 de dezembro e fizeram um pequeno avanço, mas dois dias mais tarde os britânicos replicaram, expulsando os ale mães de suas novas posições. Conseqüentemente, às vésperas do Natal, depois de cinco dias de luta feroz, as posições eram virtualmente as mesmas do dia dezoito, antes de começar a batalha. Tais gestos de "espírito ofensivo” da parte dos ad versários impressionavam de fato os alemães, que não redu ziam suas forças no ocidente no grau em. que teriam desejado, mas a matança- terrível e inútil também provocou desânimo entre as tropas britânicas. 145
No dia dezenove, a 1* Brigada de Fuzileiros e o 1° Ba talhão de Infantaria Ligeira de Somerset tinham atacado entre Le Gheir e St. Yves no meio da tarde, em plena luz do dia. Uma barragem de artilharia deveria ter danificado os entre laçamentos de arame farpado do inimigo a fim de permitir a passagem dos britânicos. Mas, para o caso dò arame não estár cortado, cada homem carregava um colchão de palha para estender sobre o arame farpado!25 Os alemães devem ter se espantado com o espetáculo bizarro que viam à sua frente quando o ataque começou. Como era de esperar, a artilharia fracassara completamente na tarefa a ela atribuída, e, tendo de carregar colchões além do equipamento normal, que já pesava quase trinta quilos, poucos soldados britânicos conse guiram chegar ao arame farpado, a uns 120 metros de distân cia, e menos ainda às trincheiras inimigas. A matança foi vio lenta. Um dos oficiais que comandavam o ataque, um certo coronel Sutton, informou mais tarde que o esforço tinha sido "um fracasso completo”. Embora o comandante da brigada, atrás das linhas, pensasse que a ação alcançara um objetivo importante — impedir que os alemães transferissem tropas para a Frente Oriental — , Sutton não pôde esconder a pro funda tristeza e contrariedade, quando fez seu relatório. Do ponto de vista do batalhão, os únicos efeitos da ação foram de caráter sentimental: em primeiro lugar, orgulho pelo comportamento valoroso das companhias atacantes que avançaram sem hesitar contra uma linha inabalável de defensores bem arjnados; e em segundo lugar, dor pela perda de tantos camaradas queridos, que não pude ram ser poupados.26 Como nos casos de confraternização, os diários de guerra oficiais relutam em registrar provas de inimizade; assim, os exemplos que aparecem nos diários podem ser legitimamente interpretados como simples indícios da magnitude do ressen timento. A nota queixosa de 15 de dezembro no diário da 15* Brigada (5* Divisão) sugere emoções profundas: "Re cebidas ordens da Divisão GOC para atacar e lavançar aos poucos — mas difícil saber onde e como fazê-lo.”27 Ao longo da frente franco-alemã ocorriam ataques seme lhantes, iniciados em primeiro lugar pelos franceses em Cham146
pagne, e verificava-se igual desencanto em conseqüência do elevado número de baixas e da falta de êxito tangível. Dos soldados e dos oficiais subalternos seriam ouvidas muitas ex pressões de hostilidade contra os altos comandos em meio à ca maradagem na terra de ninguém no dia de Natal. Uma carta alemã de 27 de dezembro, interceptada pelos franceses, fala va não só da grande confraternização mas de um incidente observado pelos alemães alguns dias antes, quando soldados franceses atiraram em seu próprio oficial porque este não que ria se render numa situação desesperada, em que a morte teria sido a única recompensa pela bravura. Eles assassinaram seu oficial e depois se renderam.23 Os soldados alemães também reclamavam. O jovem Albert Sommer contou em seu diário que o comandante idiota” de sua companhia obrigou os homens a saírem em patrulhas na véspera de Natal para descobrir quem estava do outro lado. Houve troca de tiros, o que provocou a artilharia inimiga, destruindo a paz da noite. Sommer acrescentou amargamente que o comandante ficou na trincheira e celebrou o Natal com drinques, enquanto seus homens enfrentavam a morte.29 Entretanto, embora o tempo, as condições físicas nas trincheiras e o desapontamento com a condução da guerra influíssem na mente dos soldados na linha de frente, estas preocupações não são suficientes para explicar o que aconteceu nos dias em torno do Natal de 1914. Os mesmos fatores desalentadores surgiriam mais tarde na guerra, quase sempre em dimen sões mais brutais, mas a confraternização em escala semelhante nunca mais viria a acontecer. Havia alguma coisa na motiva ção e na sensibilidade do soldado da linha de frente em de zembro de 1914 qu*e iria desaparecer na continuação da guer ra, um conjunto de valores sociais e uma disposição psicoló gica que seriam drasticamente alterados pelo curso da guerra.
PAZ NA TERRA
Na véspera de Natal a temperatura começou de repente a cair. As trincheiras alagadas congelaram. A lama tornou-se um 147
problema menor, o que por si só levantou o ânimo. Para os alemães, a véspera de Natal é a parte mais festiva das come morações natalinas, e ao anoitecer, em quase toda a extensão da linha alemã, surgiram pequenas árvores de Natal, o tradi cional Tannenbaum, numa clara infração das instruções ofi ciais que proibiam árvores dentro das trincheiras. Para efeito decorativo, muitas árvores tinham velas, reais ou de imitação. Segundo os relatórios, os franceses — para quem a ár vore de Natal era muitas vezes uma novidade — e os britâ nicos ficaram a princípio intrigados com o estranho efeito lu minoso que viam à sua frente, e pensando que se tratasse de um ardil, abriram fogo em; muitos pontos. “A primeira coisa estranha aconteceu”, observou Percy Jones, “quando percebe mos umas três grandes fogueiras atrás das linhas inimigas. Este é um lugar onde é geralmente uma loucura riscar um fósfo ro”. Depois apareceram luzes nas trincheiras inimigas. “Nos sa opinião pessoal era de que o inimigo se preparava para um grande ataque, por isso começamos a arranjar a munição e os fuzis, aprontando-nos para uma ação rápida.” Ouviu-se en tão uma voz alemã: “Não atirem!” “Estava tudo bem”, rela tou Jones, “mas tínhamos escutado tantas histórias sobre a des lealdade alemã que mantivemos uma vigilância extrema.”1 Todos os estados-maiores tinham avisado a suas tropas que estivessem preparadas para um ataque de surpresa no Natal e no Ano-Novo. A argumentação alemã dizia que os franceses e os britânicos eram materialistas e desalmados de mais para comemorar o Natal com espírito adequado. Os franceses consideravam os alemães pagãos; os britânicos os tinham na conta de bárbaros; por isso, não se devia esperar deles conduta cristã normal no dia de Natal. Apesar disso, embora o fogo da artilharia tenha feito desaparecer as árvo res alemãs em vários pontos por alguns minutos, elas quase sempre reapareciam quando o tiroteio diminuía. O espírito do Natal era irreprimível. Depois que surgiram as árvores, começaram as canções, às vezes estridentes, mas em geral lentas e sentimentais. Na grande maioria dos casos foram os alemães, ao que parece, que começaram a cantar, e o efeito na trincheira oposta, quando as vozes começaram a ecoar pelos frios descampados da terra 148
de ninguém, foi de fascinação. Em muitos lugares, "Stille Nacht, heilige Nacht” ("Noite Feliz”) ou "Es ist ein’ Ros’ entsprungen” ("Uma Rosa Nasceu”) foi entoada serenamente em coro. Num certo ponto, do outro lado das trincheiras fran cesas, uma gaita de boca começou a tocar "Noite Feliz” sozi nha, num momento de silêncio, e os sons suaves e obsessivos, no meio da quietude, hipnotizaram os franceses. Em outro lugar, apesar do frio, um soldado alemão tocou o Largo de Handel num violino.2 Em Argonne o 130° Batalhão de Würt temberg teve direito a um recital do cantor concertista Kirchhoff em sua linha de frente. Os soldados franceses, do outro lado, ficaram tão emocionados com o desempenho do cantor que subiram nos parapeitos de suas trincheiras e só pararam de aplaudir quando Kirchhoff lhes concedeu um bis.s Émile Marcei Décobert, do 269° Regimento de Infanta ria Francesa, na linha perto de Carency, escreveu a seus pais contando que os soldados franceses cantaram cantigas de Na tal alemãs com o inimigo.4 Defronte do 1° Batalhão de In fantaria Ligeira de Somerset, os alemães reuniram a banda do regimento e tocaram os hinos nacionais da Alemanha e da Grã-Bretanha, ao fim dos quais deram três altos vivas e passaram a cantar "Home, Sweet Home”. Os britânicos fica ram encantados com a seleção tão cosmopolita e encantadora do programa.5 Aos poucos, os tiros cessaram em quase todos os pontos ao longo da linha naquela véspera de Natal. Os homens levantaram-se, sentaram-se nos parapeitos e gritaram saudações ao "inimigo”. Começaram as conversas. No lado oposto aos Fu zileiros da Rainha, de Westminster, um saxão desafiou os bri tânicos a irem buscar uma garrafa de vinho. "Um de nossos companheiros aceitou o desafio”, escreveu um soldado raso numa carta a seus familiares na Inglaterra, "e levou um gran de bolo em troca. Foi o chute inicial que pôs a bola a rolar. . . ”6 Muitos oficiais pensavam em questões táticas quando per mitiram ou até encorajaram seus homens a saírem ao encon tro do inimigo. Por exemplo, esperavam descobrir quem exa tamente estava à sua frente e obter uma boa idéia das insta lações do adversário. Mas essas considerações práticas foram 149
em gerai uma característica secundária da confraternização. A maioria dos encontros consistiu em iniciativas espontâneas que não tinham aprovação nem objetivo militar. O espírito de Natal havia simplesmente conquistado o campo de batalha. No dia seguinte, ao amanhecer, o chão estava congelado. Em algumas áreas, um borrifo de neve fresca cobria o terre no. Em Flandres a geada súbita provocara uma densa neblina, que só aos poucos começou a se dissipar sob o forte brilho do sol. A mudança repentina do tempo causou espanto e vivas. Em comparação com as condições chuvosas do mês pre cedente, o dia era magnífico. “Uma geada de magia e beleza” foram as palavras que Gustav Riebensahm usou para come çar seu diário no dia de Natal. Pouco depois de todos se colo carem a postos, os incidentes isolados de confraternização da noite anterior multiplicaram-se e, em muitos setores, transfor maram-se em grande camaradagem. Os soldados saíram para a terra de ninguém, ou em alguns casos foram até as trincheiras de seus adversários, para come morar. Alguns eram tímidos. Outros se mostravam mais aber tos. Conversaram, cantaram, trocaram histórias e presentes. À medida que a manhã passava, a confiança aumentava. Or ganizaram-se as turmas para enterrar os mortos. O 6? Bata lhão Gordon da Alta Escócia e o 15? Regimento de Infan taria, uma unidade da Vestfália, reuniram-se num comovente ofício fúnebre. Quando escoceses, ingleses, saxões e vestfalianos se enfileiraram dos dois lados de uma vala comum, o reverendo J. Esslemont Adams, ministro da Igreja Livre Uni da do Ocidente, de Aberdeen, e capelão do 6? Batalhão Gor don, leu o salmo vinte e três em inglês. Depois um estudante de teologia o leu em alemão: “Der Herr ist mein Hirt: mir wird nichts mangeln. Er weidet mich auf einer grünen Aue: und führet mich zum jrischen W a s se r.. .”*
Seguiu-se o Pai-Nosso, frase por frase, nas duas línguas: “Our Father Who art in Heaven. Unser Vater in dem Himmel.”7 Em muitos pontos era normal a diversão mútua com can ções e hinos. O segundo comandante do 1° Batalhão de Lei* “O Senhor é o meu pastor: nada me faltará. Ele me faz repousar em pastos verdejantes. Leva-me para junto das águas de d escan so...”
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cester era o major A. H. Buchanan-Dunlop, na vida civil pro fessor na escola Loretto, em Musselburgh, perto de Edimburgo. Pouco antes do Natal, ele recebera o programa do concerto de final do ano da escola. Ensaiou seus companheiros do Leicester, e no dia de Natal todos foram à terra de ninguém cantar parte do programa da escola para os alemães. Estes responderam com uma seleção de hinos.8 Em outros lugares o comportamento foi mais frívolo. Diante da 3^ Brigada de Fuzileiros da 6^ Divisão um malabarista alemão atraiu uma grande e atenta multidão com a execução de seus truques. A principal refeição de Natal foi distribuída perto do meio-dia, e os confraternizadores retornaram a suas próprias trincheiras para comer. Assim que acabaram, a jovialidade reviveu na terra de ninguém. Ao descobrirem que entre seus adversários havia um barbeiro que tinha trabalhado na Ingla terra antes da guerra, alguns dos soldados do Batalhão Gordon lhe pediram que estabelecesse uma barbearia bem ali no meio da terra de ninguém e lhes fizesse a barba e o cabelo. O alemão atendeu o pedido! Depois das cortesias iniciais, começaram as trocas. Além dos pacotes de Natal da família e dos amigos, trazidos em centenas de vagões, cada soldado britânico tinha recebido da princesa Mary uma caixa dourada de Natal, contendo, para os fumantes, um cachimbo, dez cigarros e um pouco de taba co, e, para os não-fumantes, chocolates. Conseqüentemente, todo soldado britânico tinha o que negociar. Os alemães e os franceses estavam em posição semelhante. O major von Der Aschenhauer observou que suas tropas foram tão cumu ladas de presentes que mal sabiam o que fazer com eles. Percy Jones expressou os sentimentos de todos os combatentes quan do escreveu aos familiares no dia 24: “Estou bem, apesar do grande número de pacotes de Natal que recebi." O excesso evidentemente impunha trocas por algo novo e diferente. Os alemães parecem ter demonstrado predileção especial pela carne enlatada britânica, que tinha muito menos gordura que as carnes alemãs, e pelas conservas britânicas. O diário da 10^ Brigada registrou que os alemães “eram vistos quase a lutar por uma lata de carne”.9 Samuel Judd, incapaz de 151
compreender o que os alemães tanto apreciavam na velha carne salgada, chegou à conclusão de que eles não estavam sendo bem alimentados: “eles não param de vir em busca de carne enlatada e geléia!”10 Os alemães postados diante do Re gimento de North Staffordshire queriam trocar charutos por carne enlatada. Os cameronianos, entretanto, conseguiram o que consideravam a melhor barganha nesse estranho mercado: dois barris de cerveja por algumas latas de carne enlatada!11 Todas as espécies de recordações eram buscadas e aceitas. O mínimo que se trocou foram assinaturas. O soldado raso Colin Munro do 2° Batalhão de Seaforth enviou à esposa em Ayr um cartão-postal com seis assinaturas alemãs. Jornais e revistas eram outros itens que estavam imediatamente à mão. Um oficial do 2? Batalhão de Fuzileiros, de Lancashire, trocou a revista Punch por alguns charutos alemães. Mencionou o fato numa carta aos familiares, que logo a mandaram ao Daily Telegraph para ser publicada; depois do que Owen Seaman, da Punch, escreveu um poema satírico sobre o fato de sua revista ter sido desvalorizada e degradada ao ser nego ciada por charutos alemães! Várias formas de tabaco eram itens clássicos de permuta. Ao que parece, quase todos nessa guerra fumavam. Mas a busca de recordações significativas podia chegar a proporções inquietantes: no front da 4* Divi são, segundo um relatório, foram trocados fuzis.12 Chegou a haver um jogo de futebol? Apesar de muitos boatos sobre uma partida e de muitas menções a um jogo entre britânicos e alemães, não existe prova convincente de que tal evento tenha ocorrido. Entretanto, boatos difusos nos informam sobre os desejos e o estado de espírito das tropas da linha de frente. A possibilidade de uma partida parecia excitar muitíssimo a imaginação dos britânicos. Nas cartas para casa apareceram numerosos relatos de um jogo em al gum lugar do front. Na história de uma partida com o re sultado de 3 a 2 envolvendo os saxões — na maioria dos relatos, eles ganharam; em alguns, eles perderam — há su ficiente consistência, indicando que um jogo anterior com la tas de carne ou algo semelhante talvez tenha de fato ocorrido. Mas uma partida completa com uma bola apropriada é im 152
provável, quando mais não seja por causa do solo cheio de crateras da terra de ninguém, Deve ser observado, entretanto, que a paz e a boa von tade não reinaram em todos os lugares ao longo da linha de frente no dia de Natal. Na extremidade norte da linha bri tânica, perto de St. Eloi, mantida pela 3* Divisão, tiros de tocaia continuaram o dia todo. O 3° Batalhão de Worcester, ali estacionado, vangloriava-se de ter capturado quatro atira dores inimigos pela manhã e dois à noite.13 Ao sul, perto de la Quinque Rue, no front da 2* Divisão, os alemães desfe charam um ataque na manhã do dia 24. O 2? Batalhão de Guardas Granadeiros perdeu ali a primeira linha de trinchei ras e sofreu cinqüenta e sete baixas. No dia de Natal os âni mos continuavam exaltados e uma nova linha de trincheiras teve de ser preparada. Entretanto, até nesses setores o Natal passou relativamente em paz. A maior parte das comunicações cordiais ocorreu na frente anglo-germânica na Bélgica e no norte da França, onde quase três quartos das tropas se envolveram de alguma forma. Nos outros lugares, a norma foi uma confraternização dis creta, e às vezes até franca. Combates, e mesmo tiros de to caia, foram raros no dia de Natal. “Quase perturbador é o efeito da extraordinária tranqüilidade ao longo de todo o front ”, registrou o diário de um regimento alemão postado frente aos franceses perto do Somme.14 Se os britânicos e os alemães relutavam em dar detalhes sobre os episódios de confraternização em despachos oficiais, para os oficiais franceses o assunto era completamente tabu. Mesmo assim, em vários lugares — registros militares alemães, cartas e diários particulares — aparecem provas de que a confraternização franco-alemã foi considerável, ainda que te nha sido em menor escala e menos confiante do que na frente anglo-alemã. Testemunhos esparsos aparecem até nos diários de guerra oficiais franceses; naqueles, por exemplo, da 111^ Brigada alinhada perto de Foncquevilliers, da 69^ Divisão perto de Condé sur Aisne; da 139* Brigada em Artois, e da 56* Bri gada junto ao Somme. A nota do diário da 56* Brigada para o dia vinte e cinco se atém aos fatos: 153
O dia está calmo. Uma trégua espontânea estabelece-se em todo o setor, especialmente nas duas extremidades, onde soldados franceses e alemães saem de suas trin cheiras em certos pontos para trocar jornais e cigarros.15 Não se mencionam nomes nem unidades. Entretanto, os re gistros dos 12?, 15? e 20? regimentos bávaros mostram que pelo menos doze regimentos franceses participaram de franca confraternização nos arredores de Dompierre junto ao Somme — o 20?, o 22?, o 30?, o 32?, o 43?, o 52?, o 99?, o 132.°, o 137?, o 142?, o 162? e o 172?. Em outras palavras, os do cumentos alemães indicam que qualquer menção francesa a relações amistosas mal sugere a extensão da trégua. Em certos lugares a trégua continuou até o dia de Ano Novo. Em alguns casos prosseguiu janeiro adentro, chegando até a segunda semana. E depois, embora reaparecesse um si mulacro de guerra, com tiros de tocaia e fogo de artilharia, o resto de janeiro continuou extraordinariamente tranqüilo. O diário da 1* Brigada de Fuzileiros registrou no último dia de janeiro de 1915: “Este foi um mês muito calmo, e consegui mos realizar bastante trabalho devido à pouca vontade de nos molestar demonstrada pelo inimigo.”16
O PORQUÊ Embora uma questão importante, o moral não parece ter sido a motivação crucial da confraternização. Aqueles que diziam ao inimigo que estavam cansados da guerra geralmente diziam isso como forma de saudação, uma alternativa para “Olá!” que, de certo modo, não parecia um cumprimento apropriado. “Negócio sujo este, não acha?” era a essência de tal obser vação. O que mais poderia alguém dizer a homens que ten tara horas antes matar? Não se podia pedir desculpas por atirar no inimigo; teria sido absurdo. Dizer que se desejava o fim da guerra era a maneira mais aceitável de expressar esse sentimento.
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A imprensa, quando teve notícia de alguns fragmentos de conversa, fez um escarcéu sobre o suposto cansaço da guerra demonstrado pelo inimigo, mas os soldados no frònt, apesar de terem registrado estas declarações em suas cartas e em relatos oficiais de conversas, não lhes davam realmente muito crédito. Notar sinais de cansaço da guerra era nova mente um modo de mascarar os sentimentos de culpa provo cados pela participação na trégua. Tinha-se supostamente des coberto algumas informações vitais sobre o inimigo: ele es tava cheio da guerra; seu moral se deteriorava. Nesta fase, entretanto, o objetiyo da guerra parece ter permanecido intato. O problema do moral das tropas, onde existisse, era causado mais pela condução da guerra do que por seu objetivo declarado. Os alemães em particular, assen tados por toda parte em solo estrangeiro, continuavam con fiantes em seu sucesso. Alguns acreditavam que se achavam a pouca distância de Paris. Outros diziam ter notícias de que seus companheiros estavam em Londres ou nos arredores de Moscou. A vitória era iminente. O registro do capitão Loder no diário dos Guardas Escoceses é característico: Tinham a seguinte opinião geral da guerra. A França está nas últimas e logo terá de se render. A Rússia so freu uma grande derrota na Polônia e em breve estará pronta a assinar um acordo de paz. A Inglaterra é o osso que ainda tem de ser roído, mas, com a França e a Rússia fora do caminho, a Alemanha se tornaria pode rosíssima. Achavam que a guerra poderia estar terminada no final de janeiro. Isto mostra as mentiras que circula vam entre as tropas alemãs e o ódio que existe entre a Alemanha e a Inglaterra.1 Como um comentador afirmou mais tarde, “Os poucos casos de cansaço da guerra apenas realçaram a confiança da maio ria ”.2 O que valia para os alemães, de maneira mais discreta e menos ostensiva, também valia para os franceses e os britâ nicos — On les aura/* *
Nós os pegaremos!
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Os soldados não parecem ter questionado seriamente o objetivo da guerra neste estágio, mas para a maioria eram extremamente imperiosos os laços com a família, os amigos e o lar. O fato de que um grande número de reservistas es tava agora na linha de frente, muitos de trinta e até quarenta anos, com mulheres e crianças, foi um fator significativo para que a confraternização se realizasse. As imagens do Natal em casa eram simplesmente irresistíveis, e em sua maioria os homens estavam dispostos a desfrutar pelo menos um dia de paz e boa vontade. Os fatos sugerem que, das tropas nas li nhas de frente, os jovens se mostravam em geral mais agres sivos e menos inclinados a terem comportamento amistoso. Mas os fatos também apontam que as tropas britânicas foram as mais ativas na confraternização. Isso pede explicação. As terríveis condições da guerra em Flandres e no norte da França evidentemente desempenharam um papel impor tante para tornar o soldado britânico receptivo à idéia de alguns dias de relativa paz. Além disso, a ameaça militar re presentada pelos alemães afetava os britânicos de forma me nos direta — afinal, a guerra se desenrolava na Bélgica e na França — do que a seus aliados; por isso de novo era mais fácil para Tommy Atkins sentir-se disposto a fazer uma pausa. Entretanto, talvez a razão mais importante para a participação britânica na trégua de Natal tenha sido o sentido positivo do objetivo da Grã-Bretanha na guerra. Para os britânicos, esta guerra não tinha o fim especí fico de negar à Alemanha uma armada, colônias ou até supe rioridade econômica, embora as ambições alemãs nestas áreas fossem claramente preocupantes. Nem tinha apenas o propó sito de manter um equilíbrio de poder no continente, não per mitindo que qualquer potência ganhasse força excessiva, em bora, novamente, este fosse um permanente interesse britânico. Não, para os britânicos esta era uma guerra com um objetivo mais amplo. Tinha o propósito de preservar um sistema britâ nico de ordem, nacional e internacional, que se via atacado por tudo o que a Alemanha e sua introvertida Kultur repre sentavam. No começo do século XX, aos olhos dos britânicos, a Alemanha tinha substituído a França como a personifica ção da fluidez e da irresponsabilidade no mundo. A Grã-Bre 156
tanha, por sua vez, representava o inverso: estabilidade e res ponsabilidade. A Alemanha ameaçava não apenas a posição militar e econômica da Grã-Bretanha no mundo mas todà a base moral da Pax Britannica, que, como afirmavam os britâ nicos, tinha dado ao mundo um século de paz, uma trégua nas guerras européias generalizadas não desfrutada desde o tempo da Roma dos Antoninos. A missão britânica, fosse no mundo mais amplo, no im pério, ou em casa no meio do seu próprio povo, consistia prin cipalmente em aumentar o senso da virtude cívica, ensinar ao estrangeiro e também ao britânico ignorante as regras da con duta social civilizada, as regras para "jogar o jogo”. A missão britânica devia familiarizar as "estirpes secundárias”, para usar as palavras de Kipling, com "a lei”. Civilização e lei, por tanto, eram praticamente sinônimos. A civilização só se tor nava possível quando se praticava o jogo segundo regras esta belecidas pelo tempo, pela história, pelos precedentes, o que em conjunto equivalia à lei. A civilização era uma questão de valores objetivos, de forma externa, de comportamento e não de sentimento, de dever e não de capricho. "Só os seres civi lizados podem se associar”, escreveu J. S. Mill em seu ensaio "Civilização”. Toda associação é conciliação; é o sacrifício de alguma porção de vontade individual por um objetivo comum. O selvagem não tolera sacrificar, por objetivo algum, a satisfação de sua vontade individual.3 Embora se orgulhasse de sua tolerância social e política du rante todo o século XIX, tendo servido de refúgio para gente como Luís Napoleão, Metternich, Luís Filipe e Marx, entre outros, Londres continuava a ser uma cidade, e a Inglaterra um país, que inequivocamente esposava uma ética de mode ração, de reforma racional e restrição racional. A lei e as instituições parlamentares eram o reconhecimento social dessa ética e desse comportamento. Se. a Alemanha era a principal nação ativista, e portanto modernista, do mundo fin-de-siècle, a Grã-Bretanha era a principal potência conservadora. A energia destruidora da Ale157
manha ameaçava a essência da realização britânica, que con sistia no estabelecimento de certa parcela de lei e ordem no mundo. Que a Grã-Bretanha mostrou em geral relativamente pouco interesse pelas manifestações da cultura moderna é um fatô que dispensa extensa comprovação documental. Apesar de Virginia Woolf declarar mais tarde que a natureza humana mudou “em ou por volta de dezembro de 1910” e de Ford Madox Ford ter a impressão de que os anos de 1910 a 1914 foram “como um mundo se abrindo”, a Grã-Bretanha em 1914 ainda era, em última análise, totalmente cética quanto aos esforços artísticos inovadores. Ford se queixava de que “a completa ausência de qualquer arte" parecia ser “uma carac terística nacional” dos britânicos.4 A música e o teatro bri tânicos estavam pouco sintonizados com os acontecimentos eu ropeus; a pintura e a literatura apenas um pouco mais. Em 1904 a Galeria Nacional de Londres recusou a doação de um Degas. “A pintura aqui se mantém viva, uma chama indis tinta e bruxuleante”, escrevia Walter Sickert em 1911. Graças a pequenos grupos de fanáticos devotados, a maio ria com menos de trinta anos. Ou o gosto nacional des trói esses fanáticos ou força-os a se adaptarem às regras estabelecidas. O jovem pintor inglês que ama sua arte acaba sob pressão irresistível produzindo a caixa 'de cho colates de fácil consumo.5 Ainda mais surpreendentemente que no caso da França, novos impulsos nas artes pareciam ser importados do estrangeiro. Whistler, que Ruskin tinha acusado de “atirar um pote de tinta na cara do público”, fora o iniciador da importante in fluência americana; foi seguido na primeira parte do século por Ezra Pound, T. S. Eliot e Jacob Epstein.6 Se os alemães consideravam a guerra um conflito espi ritual, os britânicos a encaravam como uma luta para preser var valores sociais, precisamente aqueles valores e ideais que a vanguarda do período anterior à guerra atacara tão impla cavelmente: noções de justiça, dignidade, civilidade, modera ção e “progresso” regido pelo respeito à lei. Para os vitorianos e até para a maioria dos eduardianos, a moralidade era uma 158
questão objetiva. “As opiniões se alteram, as maneiras mu dam, credos surgem e desaparecem”, declarou Lord Acton em sua aula inaugural em Cambridge, em 1895, “mas a lei mo ral está escrita nas tábuas da eternidade”.7 As raízes da mora lidade poderiam ser investigadas de várias maneiras, mas não havia dúvida de que os homens, principalmente através da educação, estavam se tornando cada vez mais conscientes da diferença entre o certo e o errado. Liberdade não era permissividade; era um produto do saber social e da disciplina. Liberdade era trabalho duro. Liberdade não era o direito de fazer p que se quisesse; liberdade era a oportunidade de fa zer o que se deve. A ética era mais importante do que a metafísica. “Portanto”, escreveu J. S. Mill, “diz-se com razão que só uma pessoa de virtude comprovada é completamente livre”.8 A liberdade inglesa não era uma doutrina de direitos, mas de deveres. Para os alemães, o foco da explicação da guerra estava dirigido para dentro e para o futuro. Thomas Mann conside rava a guerra a libertação em relação a uma realidade apo drecida. Sobre o velho mundo, ele perguntava: “As pragas da mente não o infestavam como larvas? Ele não estava fermen tando e exalando o fedor da matéria decadente da civilização?” Para Mann, esta guerra e a sua arte eram sinônimos; ambas significavam uma luta por liberdade espiritual.9 Para os britâ nicos, por outro lado, o foco era social e histórico. Sede os hômens que tendes sido, Tende os filhos que vossos pais tiveram, E Deus salvará a Rainha.10 Para os britânicos a guerra era uma necessidade prática, um sentimento captado pelo slogan “negócios como de costume”. Como um soldado disse numa carta a seus pais em 1- de outubro de 1914: Estamos apenas no começo da luta, me parece, e a cada hora devemos lembrar a nós mesmos que é nosso grande privilégio salvar as tradições de todos os séculos passados. É uma grande oportunidade, e não devemos poupar es 159
forços para aproveitá-la, pois, se falharmos, nós nos amal diçoaremos amargamente pelo resto de nossas vidas, e nossos filhos desprezarão nossa memória.11 Para os alemães era uma guerra para mudar o mundo; para os britânicos era uma guerra para preservar um mundo. Os alemães eram impelidos por uma visão, os britânicos por um legado. O soldado britânico comum não tinha dúvida a respeito de quem era responsável pela guerra. O soldado raso Pattenden, do 1? Batalhão de Hants, desembarcara na França em 23 de agosto, fora lançado na batalha três dias depois e desde então tinham-no feito marchar de um lado para o outro, de modo que no início de setembro, com os pés inchados e puru lentos, não conseguia mais caminhar e apenas se arrastava. Entorpecido pela fadiga, sede e fome, atordoado pelos hor rores que tinha visto, e totalmente descrente de seus oficiais, ele pegou seu diário pessoal em 5 de setembro e rabiscou: Eles nos disseram que nossas marchas foram estratégicas, tudo mentira, não passam de uma retirada completa, e durante duas semanas tivemos de fugir, porque temos medo de ser inteiramente sobrepujados e vencidos; e agora se formos atacados. . . não poderíamos correr nem dez metros, o resultado seria uma carnificina.12 Entretanto, apesar da fadiga e da depressão, a consciência do objetivo não esmorecia. Durante a batalha do Marne, Pattenden tirou alguns momentos para anotar: Oh, é terrível, ninguém pode imaginar a guerra enquanto não está no meio dela, todo ser vivo sofre com isso. . . Maldito seja o kaiser para sempre, que nunca mais con siga dormir em paz, o fanático louco, que nunca encon tre descanso nem mesmo depois da morte. . . Temos de acabar com ele, pois, caso contrário, nunca estaremos seguros. Esta consciência do objetivo não seria afetada pelos sofrimen tos dos meses seguintes, e as opiniões eram mais ou menos 160
as mesmas no final de dezembro: os alemães tinham de ser derrotados; caso contrário, a civilização estaria em perigo. O que, portanto, levou os britânicos a saírem de suas trincheiras em tão grande número perto do Natal para aper tar as mãos, rir e contar e ouvir histórias e recordações com os alemães? Talvez o mesmo conjunto de valores pelo qual estavam lutando. Alguns viam a confraternização como uma questão de cortesia tradicional. Num dia santo, saudava-se o adversário e apresentavam-se cumprimentos. Durante a Guerra Peninsular no começo do século anterior os exércitos francês e britânico tinham se tornado tão amigos num determinado Natal que os oficiais do estado-maior descobriram por acaso um grande grupo sentado ao redor das mesmas fogueiras, di vidindo as rações e jogando cartas. Os franceses, segundo consta, acabaram por se referir aos britânicos como nos amis les ennemis.* Este senso de probidade e decoro, de seguir as regras do jogo — deixando o inimigo em paz no mais santo dos dias santos — constituía um elemento importante da no ção britânica de fair play. O adversário continuava a ser an tes um adversário que um inimigo; apenas as implicações de seus esforços eram odiadas. Ê claro que surgiram exceções à regra, algumas muito notáveis. Em alguns setores do front, como já observamos, os britânicos realmente abriram fogo no dia de Natal. Além disso, o Estado-Maior da Armada enviou hidroaviões, na manhã de Natal, para bombardear os galpões do zepelim em Cuxhaven — um reide que foi um fracasso completo por causa da forte neblina. Mas, em geral, o dia foi caracterizado por modera ção, repouso e reflexão. Já se observou muitas vezes que são freqüentes as ima gens esportivas no discurso social britânico. Na era vitoriana os britânicos tornaram-se realmente obsedados por jogos, trans formando a ética esportiva em normas de conduta para o relacionamento social em geral. O esporte, na visão de Thomas Arnold, do Colégio Rúgby, onde os jogos pela primeira vez passaram a fazer parte integrante do programa educacio nal, daria a um jovem o corpo de um grego e a alma de um *
Nossos amigos, os inimigos.
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cavaleiro cristão. O culto dos jogos se espalhou das escolas públicas para as universidades e daí para mais além. Na se gunda metade do século XIX o futebol, o rúgbi e críquete deixaram de ser apenas passatempos, e tornaram-se uma pai xão para os britânicos. Os mineiros de carvão, os operários das fábricas e as classes trabalhadoras em geral sentiam-se particularmente atraídas pelo futebol, ou soccer , porque tudo que era necessário era um objeto para chutar. As classes mé dia e alta desenvolveram uma predileção pelo críquete, que, com suas associações bucólicas, veio a ser um veículo capaz de transpor muitos dos mitos da Alegre Inglaterra para a mo derna paisagem industrial e também para o império. Mas am bos os jogos despertavam o interesse da sociedade em geral. A Comissão Clarendon de 1864 insistia em que cs campos de futebol e críquete. . . não são apenas lu gares de diversão; ajudam a formar algumas das mais valiosas qualidades sociais e virtudes viris, e conservam, como a sala de aula e a pensão de estudantes, um lugar distinto e importante na educação escolar pública.13 Nas décadas de 1870 e 1880 as escolas começaram a con tratar profissionais para serem treinadores. Em Marlborough, o críquete chegou a rivalizar com os clássicos na atenção de mestres e de alunos; em Radley os campos esportivos eram objeto de tanta devoção quanto a capela. O diretor de Loretto, H. H. Almond, insistia em dizer, em 1893, que o futebol “só produziria bons resultados”, proporcionando “uma educação naquele espírito de cavalheirismo, honestidade e boa índole”.14 Os esportes, portanto, deviam servir a um objetivo não só físico, mas também moral; deviam encorajar a autoconfian ça e o espírito de grupo; formar o indivíduo e integrá-lo no grupo. “O atletismo não é um baluarte pouco importante da constituição”, ponderou Charles Box, cronista de críquete, em 1888. “Ele não simpatiza com niilismo, comunismo, nem com qualquer outro ‘ismo’ que vise a produzir a desordem nacio nal.”15 Ao contrário> o esporte desenvolvia a coragem, a de terminação e o espírito público; como o Times escreveu na 162
segunda-feira depois da final do futebol inglês de 1899, o esporte era de grande valia "nas batalhas da vida”.16 Por volta do fim do século o culto dos esportes tinha atingido todos os segmentos da sociedade. Toda conversa en treouvida num passeio à noite por uma cidade industrial. pa recia conter "um pouco de crítica ou vaticínios de futebol”. No reino de Eduardo multidões de 100 mil pessoas assistiam às finais de futebol no Palácio de Cristal. Para uma grande maioria, o interesse pelos esportes até fazia sombra ao inte resse pela política. G. K. Chesterton brincou em 1904 ao di zer que o jogador de críquete C. B. Fry "nos representa muito melhor do que o Sr. Chamberlain”. E uma caricatura em Punch antes da guerra mostrava um trabalhador apontando para o seu representante no Parlamento — os membros do Parlamento começaram a ser remunerados em 1911 — e di zendo: "Gente como n ó s ... tem de pagar a ele 400 libras por ano. Fico louco só de pensar que poderíamos ter dois zagueiros de primeira classe pelo mesmo dinheiro.”17 Talvez o poema mais famoso dos últimos tempos da era vitoriana e eduardiana tenha sido "Vitai Lampada” de Sir Henry Newbolt, escrito em 1898: Há um silêncio ansioso no pátio esta noite — Marcar dez pontos e ganhar o jogo — Um campo irregular e uma luz ofuscante, Uma hora de jogo e o último homem a entrar. E não é por amor a um casaco cheio de fitas, Ou a esperança egoísta de fama por uma temporada, Mas pela mão do Capitão batendo em seu ombro: “Avante! Avante! e siga as regras do jogo!" A estrofe seguinte transportava a mentalidade esportiva, junto com os campos de jogos de Eton, para os postos avançados do império. A areia do deserto está empapada de vermelho — Vermelho do quadrado que se rompeu; A Gatling engasgou, o Coronel está morto, E o regimento cego de poeira e fumaça; 163
O rio da morte está cheio atê a borda, A Inglaterra está longe, e a Honra é um nome; Mas a voz de um colegial refaz as fileiras: <(Avantel Avante! e siga as regras do jogo!,f
“Seguir as regras do jogo!” É disto que trata a vida. Decência, fortaleza, firmeza de caráter, civilização, cristianis mo, comércio, tudo se mistura numa coisa só: o jogo. Quando Kipling, em seu estado de espírito mais amargo, frustrado pela guerra na África do Sul e depois pela morte de amigos como Cecil Rhodes, expressou sua melancolia naquela extraordinária meia-volta, que é o poema "The Islanders”, de 1902, não encontrou imagem mais apropriada para o des prezo que sentia pelos britânicos do que a dos esportes: . . . contentastes vossas almas • com os tolos enflanelados no wicket* e os imbecis [enlameados nos gols.
No final de julho de 1914, temendo que "alguma terrível e brutal justiça” pudesse fazer os britânicos pagar por anos de "estupidez e vulgaridade materialistas”, Henry James lembrouse dos versos de Kipling. James escreveu: Se algo muito ruim de fato acontecer ao país, não se conta com nada parecido com a inteligência francesa para reagir — pois o tolo enflanelado no wicket, o imbecil enlameado e tutti quanti representam grande parte de nossa inteligência preferida.13 Se o sarcasmo expresso por Kipling e James não era parti lhado por muitos na Grã-Bretanha, as metáforas usadas para captar a essência do caráter britânico eram. Rupert Brooke, o esteta dos estetas, também recorreu às imagens esportivas para comemorar a resposta britânica à guerra, quando esta foi de flagrada, comparando os jovens soldados a "nadadores mergu lhando em água clara”.19 *
Wicket é
a meta no críquete.
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Com este espírito os britânicos entraram na guerra, e com este espírito continuaram a lutar por algum tempo, Foi certamente com este espírito que a maioria participou da tré gua de Natal. A guerra era um jogo, mortalmente sério, sem dúvida, mas,, mesmo assim, um jogo — “tudo muito divertido”, como Rupert Brooke e tantos outros continuavam a dizer em suas cartas aos familiares.20 Uma carta narrando os acontecimentos de Natal no front do 6° Batalhão Gordon contou como de repente apareceu uma lebre: Imediatamente os alemães saíram em disparada das suas trincheiras e os ingleses das deles, e uma coisa maravi lhosa aconteceu. Era como um jogo de futebol, a lebre sendo a bola, os alemães de túnicas cinzentas de um lado, e os “Jocks” de saiote do outro. O jogo foi ganho pelos alemães que capturaram o prêmio; Mas obteve-se algo mais do que uma lebre: uma súbita amizade havia se estabelecido, a trégua de Deus fora invocada, e durante o resto do dia de Natal não se deu nenhum tiro ao longo de nosso, setor.21 Neste caso, o espírito esportivo recebe o crédito de ter pro duzido a trégua, e fica sem dúvida a sugestão de que se to dos os homens respeitassem as regras do jogo não haveria guerra. Alguns dos alemães que haviam passado algum tempo na Inglaterra — e o seu número era surpreendente — tinham claramente adquirido a paixão inglesa. O cabo provisório Hines do Batalhão de Fuzileiros da Rainha, de Westminster, regis trou que um alemão lhe disse num inglês incorreto: “Bom dia, senhor; moro em Alexander-road, e gostaria de ver Woolwich Arsenal jogar com Tottenham amanhã.”22 Jerome K. Jerome, autor do livro de enorme sucesso, Three Men in a Boat, pegou a idéia de que o espírito espor tivo era a essência da civilização e exortou os alemães a tra tarem a guerra como “O Maior de Todos os Jogos”: Vamos, cavalheiros, façamos dela uma competição hon rada que deixe atrás de si a menor amargura possível. 165
Se não podemos fazer dela um belo jogo, que ao menos nos sintamos melhor por termos seguido as regras até o fim. Depois voltaremos todos para casa com a mente mais limpa, a vista mais clara, e mais bondosos uns' para com os outros em razão do sofrimento. Vamos, cavalheiros, vocês acreditaram que Deus os convocou para difundir a cultura alemã pelo mundo afora. Estão prontos a morrer por sua fé. E nós acreditamos que Deus tem um uso qual quer para a coisa chamada Inglaterra. Bem, decidamos pela luta. Não parece haver outra maneira. Vocês por São Miguel, e nós por São Jorge; e que Deus esteja com nós ambos. Mas não percamos nossa humanidade comum no con flito. Esta seria a pior de todas as derrotas: a única der rota que realmente importaria, que seria realmente du radoura. Chamemos isso de jogo. Afinal, que outra coisa seria?23 Como Jerome sugeria, o importante era o espírito do jogo. Ganhar ou perder era secundário. Se o espírito estava correto, o jogo seria uma vitória para todos. Neste mesmo espírito, um artilheiro britânico, numa carta aos familiares, descreveu o que chamou de “o maior dos espetáculos”. Referia-se à perseguição de um único avião alemão Taube por dezesseis aviões franceses e britânicos. Para o artilheiro britânico, o mais emocionante foi que o alemão conseguiu se safar! “Nós o aplaudimos, pois as condições lhe eram adversas; devia ser um grande sujeito.” Esta carta foi publicada no Scotsman de Edimburgo no início de janeiro. À medida que a guerra se prolongava, tais sentimentos desapareciam. Se de fato- afloravam em certas ocasiões, certa mente nunca chegavam a ser publicados na seção de cartas dos jornais. Embora mais tarde alguns oficiais tentassem incitar seus homens a atos de bravura, como controlar bolas de fu tebol pela terra de ninguém durante um ataque — o exemplo mais famoso foi o do capitão W. P. Nevill no Somme em 1916 —, esses incidentes foram casos isolados. Nevill, que foi abatido poucos minutos depois do chute inicial em 1- de julho de 1916, era lembrado por um de seus companheiros 166
como “o bufão do batalhão”.24 Roland D. Mountfort, que so breviveu, apenas com um ferimento no ombro, ao ataque in frutífero a Pozières no primeiro dia do combate junto ao Somme, relatou os acontecimentos do dia à sua mãe e achou necessário acrescentar: “Não controlávamos bolas de futebol, nem dizíamos ‘Por este caminho até Berlim, rapazes’ ou qual quer outra das frases empregadas semanalmente no News of the World.”25 Com o prolongamento da guerra, o espírito es portivo, e quem sabe até o vocabulário esportivo, que era tão arraigado, esmoreceria, mas no Natal de 1914 este espírito ainda era forte. O culto dos esportes podia, é claro, ser levado a extre mos, e então o tiro às vezes saía pela culatra. Em Magdeburg cinco oficiais britânicos, que eram prisioneiros de guerra, fo ram condenados pouco depois do Natal a oito dias de confinamento, por jogarem futebol com pães pretos. Para os britâ nicos, que souberam do incidente através da imprensa, o com portamento de seus soldados representava o espírito indomável de Tommy Atkins; para os alemães, essas extravagâncias eram o cúmulo da insolência e vindo, como era o caso, de solda dos, até mais vergonhosas do que a guerra de pãezinhos entre colegiais e outras brincadeiras afins.26 Gustav Riebensahm também sentia que o fetiche espor tivo deslustrava os britânicos. Em 26 de dezembro escreveu em seu diário: Corre o boato de que os ingleses teriam dito ao 53? Re gimento que estavam extremamente agradecidos pela tré gua, porque tinham simplesmente de voltar a jogar fu tebol. Todo esse assunto está se tornando ridículo e deve ter um fim. Combinei com o 55? Regimento que a trégua terminará esta noite. Não só os alemães mas também os franceses zombavam às vezes das atitudes britânicas. Os britânicos simplesmente não levavam nada a sério. “Consideram a guerra um esporte”, quei xava-se Louis Mairet. São “calmos demais e propensos a uma atitude dex ‘quem-se-importa?’ ,,2? Mesmo depois da guerra os franceses recordariam o espírito esportivo britânico com irri 167
tação e aludiriam a essa atitude como uma expressão de Végóisme anglais.28 Não é surpreendente que as organizações esportivas te nham sido importantes no recrutamento de voluntários. No final de 1914 mais de meio milhão de voluntários tinham se apresentado através dessas organizações.29 Até se formou um Batalhão de Futebolistas, conhecido oficialmente como o 17° Batalhão do Regimento de Middlesex, ou “os Extremados”. Os astros do futebol deviam dar o exemplo para a juventude britânica. Á história do 17° de Middlesex dá uma idéia do destino do espírito esportivo britânico nesta guerra. Inicial mente o batalhão ficou na Inglaterra para fazer jogos de exi bição pelo país e convocar recrutas com apelos, no intervalo, ao patriotismo dos espectadores, más em novembro de 1915 a unidade foi enviada à França para ali se incorporar a um regimento. O Ministério da Guerra tinha decidido que o moral das tropas na Frente Ocidental precisava de reforço. Na França, o batalhão recebeu realmente algum treinamento de combate, mas no começo passou a maior parte do tempo jogando fu tebol. Entretanto, em junho de 1916, devido à necessidade de homens, mas também para servir mais uma vez como exem plo, a unidade entrou finalmente em combate em Vimy Ridge. As baixas ali e mais tarde em Beaumont Hamel no Somme foram extremamente elevadas, e estas dizimaram o batalhão. Em dezembro de 1916, no final da Copa de Futebol das Di visões, o 17° de Middlesex, que usualmente derrotava seus adversários com resultados espetaculares, conseguiu ganhar da 34* Brigada por um escore de apenas 2 a 1, indicação do número de talentos futebolísticos que a guerra já tinha a esta altura destruído. Em fevereiro de 1918 o batalhão foi finalmente dissolvido. Num ou noutro período antes dessa data mais de duzentos futebolistas tinham pertencido ao batalhão; agora restavam apenas uns trinta.30 Muitos soldados britânicos que tinham opiniões definidas sobre os alemães, adquiridas em grande parte numa imprensa que fora bastante antigermânica mesmo antes da guerra, te riam considerado inteiramente fútil o apelo de Jerome K. Jerome a um mútuo espírito esportivo. O alemão, retratado como 168
um bruto insensível e arregimentado, era incapaz de seguir as regras do jogo. Afinal, até os alemães admitiam — como afirmava um jornal de Sheffield antes de 1914 — que o ser viço militar obrigatório desempenhou em seu país a função que o futebol cumpriu na Grã-Bretanha.31 Para os dois povos, cada uma dessas atividades foi “a escola da nação”. Dada esta perspectiva, os britânicos encaravam a confra ternização com um misto de condescendência e propósito mo ral. Mostrariam aos alemães o que significava civilidade e o que a confiança requeria. Os primeiros encontros reais com os alemães produziram uma variedade de reações, muitas ex pressando grande surpresa. Alguém como Edward Hulse conti nuaria a proclamar um desprezo velado pelos alemães; outros achavam a realidade do inimigo uma revelação divertida. W. R. M. Percy, dos Fuzileiros de Londres, mal podia re primir seu entusiasmo. “Eles foram realmente maravilhosos o tempo todo”, escreveu ele sobre o inimigo, “e muito simpá ticos. Eu agora tenho uma opinião bem diferente dos ale mães”.32 Sobre seu encontro com os saxões, Percy comentou: Falei e troquei apertos de mão com muitos inimigos. Eles aparentavam estar em muito boa forma, bem uniformi zados e calçados, mas eram muito jovens. Pareciam incomumente alegres e amistosos, e nos deram uma acolhida principesca. Quase todos davam a impressão de ser bons sujeitos; deviam ser, pelos autógrafos que conseguimos, estudantes em Leipzig. . . No geral, tivemos um grande dia com nossos inimigos e nos separamos com muitos aper tos de mão e votos recíprocos de felicidade. Eles nos asseguraram mais de uma vez que atirariam para o alto se fizéssemos o mesmo, mas não tivemos oportunidade de pô-los à prova, pois estamos agora em Houplines, diante dos prussianos.33 A partir de sua própria experiência, o soldado Dalling do 1° Batalhão de Infantaria Ligeira de Somerset concluiu: “Não são tão pretos como às vezes os pintam.” No relato que en viou aos familiares, Dalling usou repetidamente palavras como “honrados” e “cavalheirescos”.34 O capitão Loder dos Guardas Escoceses teve a impressão de que a missão civilizadora em 169
butida na confraternização tinha feito progressos: "Ambos os lados seguiram as regras do jogo”, escreveu no diário do ba talhão, “e eu sei que este Regimento [referia-se ao 15? de Riebensahm] aprendeu de alguma forma a confiar na pala vra de um inglês”.35 O cabo provisório Hines dos Fuzileiros da Rainha de Westminster teve uma reação semelhante. Ficou com pena de ser substituído no primeiro dia útil depois do Natal, "pois poderíamos ter melhorado ainda mais nossas boas relações com o inimigo”.36 Em vista desta observação e de sentimentos presumivelmente semelhantes entre os soldados franceses que tomaram parte na confraternização, o comentá rio de um manual de propaganda francesa, publicado em 1915, assume particular ironia. Destinado ao consumo interno, o ma nual minimizava os perigos da guerra de trincheira e assina lava seus confortos e prazeres, e nesse contexto observava que os poilus* relutavam em sair de licença depois das comemo rações de Natal de 1914 porque tinham se divertido muito no front.37 Em outros casos, a missão civilizadora britânica experi mentou reveses, reveses associados principalmente às unidades prussianas. Em várias áreas os saxões acusaram os prussianos de romper a trégua atirando no inimigo confiante. Os saxões que se encontravam diante dos Fuzileiros de Westminster dei xaram claro que não confiavam nos prussianos, pois estes, como diz o registro no diário do regimento dos Fuzileiros, não "jo gariam limpo” na mesma situação. Os saxões do lado oposto aos soldados do North Staffordshire avisaram que os prussia nos à direita eram "sujeitos detestáveis”. No primeiro dia útil depois do Natal um dos oficiais saxões apresentou seus cumprimentos ao oficial da mesma hierarquia dos North Staffs e pediu polidamente que se dessem ordens para que os sol dados britânicos mantivessem as cabeças abaixadas depois do meio-dia: "Somos saxões; vocês são anglo-saxões; a palavra de cavalheiro significa para nós o mesmo que para vocês.”38 Aqui estava a prova de que pelo menos alguns alemães sa biam seguir as regras do jogo.
Nome dado aos soldados franceses na Primeira Guerra Mundial.
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Mas outros não sabiam, e era necessário ensinar-lhes as regras da civilidade como se fossem colegiais. O Daily Mail publicou uma carta extraordinária no último dia do ano, re latando uma luta de bolas de neve entre as trincheiras britâ nicas e alemãs, em que os envolvidos chegaram ao ponto de ficar apenas a uns cinqüenta metros de distância uns dos ou tros. Tudo supostamente começou com um alemão corpulento que atou uma bandeira na extremidade de seu fuzil, sacudiu-a de um lado para outro acima de sua trincheira e, tendo atraído a atenção, gritou com uma voz retumbante: “Vocês estão tão cheios desta guerra quanto nós?” “Isto provocou muitas brin cadeiras”, contava a carta do Daily Mail, “como atirar tabaco e chocolate uns nos outros, e terminou com uma disputa de bolas de neve”. As relações, entretanto, “tornaram-se um pouco difíceis”, quando um alemão “colocou uma pedra numa das bolas de neve e atingiu com ela o olho de um soldado britânico”. Ê claro que, em sintonia com esta atmosfera co legial, seguiram-se protestos e queixas e lamúrias até que o culpado pediu desculpas e “assim tudo ficou bem de novo”.39
SÍNTESE VITORIANA
O que sugerimos aqui é que havia uma estrutura mental co mum às eras vitoriana e eduardiana. É claro que nenhuma das duas foi uma época de certezas, a última ainda menos do que a primeira, mas ambas foram épocas à procura de certezas. Apesar de toda a nossa atenção ao movimento e ao questiona mento moral que eram abundantes — e nossa visão da era eduardiana em particular foi recentemente dominada por esta idéia de transição —, não deveríamos perder de vista o que unia as duas eras: o desejo de valores fixos, a crença de que a experiência deveria ser subserviente à ordem. O inimitável vitoriano Samuel Smiles resumiu esse anseio numa fórmula expressiva: “Um lugar para cada coisa, e cada coisa no seu lugar.” Este era um anseio que não era menos forte na GrãBretanha depois da virada do século do que antes. O livro 171
básico de Smiles, guia para a retidão moral e o sucesso, Self Help, publicado em 1859, vendera mais de duzentos e cinqüenta mil exemplares por volta de 1900. A estrutura mental implicava naturalmente um código so cial, uma combinação de valores sociais e éticos. Este código não era imutável, e descrevê-lo como “burguês”, “vitoriano” ou “eduardiano” é reduzi-lo a um rótulo que deturpa. Mas negar a existência de uma moralidade ou código social pre dominante, que de um ou de outro modo atingia a maioria dos cidadãos independentemente de classes ou posição social, negar que a experiência era compartimentada em categorias e prioridades de bom e mau, certo e errado, seria igualmente deturpador. O código social assemelhava-se a um átomo com seus componentes em constante movimento e numa relação sempre mutável entre si, mas existia, apesar de muitas exce ções e anomalias .manifestas. Na verdade, as exceções e ano malias realmente reforçavam o poder do código, ao tornarem o público mais consciente da necessidade de decoro.1 Sem remontar à conquista romana ou ao campo de ba talha de Hastings, pode-se afirmar que a realidade insular da Grã-Bretanha, a centralização gradativa da autoridade política, especialmente nos séculos XVII e XVIII, a disponibilidade de canais de comunicação moderadamente bons por mar e por uma rede de rios navegáveis, e a importância de Londres como centro de autoridade política, econômica e cultural, tudo isso encorajava o surgimento de um sentimento nacional de iden tidade. Quando os sistemas de comunicação se aperfeiçoaram — com o advento da ferrovia, do telégrafo e do navio a va por — e quando a urbanização se expandiu, este sentimento de identidade se estendeu a segmentos mais amplos da popu lação. Mas talvez a influência mais importante no desenvol vimento de uma visão da ordem social baseada em valores comumente aceitos tenha sido o crescimento do protestantismo e da leitura da Bíblia, especialmente depois do grande movi mento de revivescimento religioso no começo do século XIX. Por volta do final daquele século, uma visão compartilhada da ordem social já vigorava num amplo espectro da sociedade. Esta visão e os valores a ela associados não foram im postos através do imperialismo social, mas surgiram do am172
biente religioso e, onde este não era suficiente, de condições sociais e econômicas desenvolvidas. É geralmente aceito que,^ no final da era vitoriana, a maioria da população britânica já não tinha de lutar apenas para subsistir. Na maior parte dos casos fora alcançada uma certa margem de conforto, por me nor que fosse. Aumentava o consumo de carne em vez de pão, de leite e ovos em vez de apenas batatas. Em anos re centes, antes da virada do século, tinha havido ufn aumento constante nos salários reais, um declínio no tamanho das fa mílias, uma queda no consumo de álcool e a adoção das pri meiras medidas de bem-estar social. O arcediago Wilson, di retor de Clifton College, observou num discurso ao Clube dos Trabalhadores de St. Agnes em 1893: Ao escrever a história do povo inglês neste período, um futuro historiador talvez deixe de lado o progresso legis lativo e até comercial e científico da época para se con centrar no extraordinário movimento social que, através de milhares de expedientes, se empenhou em criar uma unidade de sentimento entre classes diferentes e em com bater condições de vida que gerações anteriores parecem ter tolerado.2 Como Robert Roberts afirmou em seu estudo sobre a vida da classe trabalhadora em Salford, às vésperas da Primeira Guerra Mundial, os valores associados principalmente à classe média tinham impregnado as camadas mais baixas, que desejavam, segundo Roberts, "nada mais do que serem 'respeitosas e res peitadas’ aos olhos dos homens”.3 A respeitabilidade talvez fosse a característica principal do clima social e moral deste período na Grã-Bretanha. Ser ou não ser respeitável era um critério de aceitabilidade social mais importante do que a riqueza ou o poder. Prudência, seriedade e fervor moral cons tituíam sinais necessários de respeitabilidade, e seguindo os ensinamentos do evangelismo e do utilitarismo, de John Wesley, Jeremy Bentham e J. S. Mill, o dever veio a ser incluído na categoria do prazer, e a virtude na da felicidade. É claro que existia um sentimento eduardiano de crise, estimulado pela atividade das sufragistas, pela inquietação tra 173
balhista, pela oposição ao papel da aristocracia no processo legislativo e pela preocupação com o futuro da Irlanda. Na agitação que cercava cada um desses problemas muitos viam um desafio ao império da lei. Qualquer referência na GrãBretanha à guerra no verão de 1914 era considerada alusão à possibilidade de luta civil na Irlanda e não ao envolvi mento britânico no conflito do continente. Nas obras escritas no final do período vitoriano e eduardiano, um sentimento de decadência impregna a imaginação literária. Como um jovem que dava os primeiros passos como escritor, J. B. Priestley es crevia poesia sobre desastres e aniquilamento sem saber por quê: “Hoje à noite acho que o mundo está morrendo.”4 Além disso, muita excitação intelectual era criada na Grã-Bretanha por pessoas como G. B. Shaw e H. G. Wells, sem falar na agitação causada pelos Aubrey Beardsleys e Oscar Wildes. Mas, apesar do pressentimento de ruína, e não obstante uma certa efervescência intelectual e artística, o conformismo, a complacência e até a presunção estavam mais firmemente esta belecidos na Grã-Bretanha do que na França, sem falar da Alemanha, Itália, Áustria-Hungria ou Rússia. Quanto aos va lores e julgamentos sobre questões da decência, da família, da ordem social e política e da religião, os eduardianos eram extensões dos vitorianos. A única diferença residia no fato de haver no período mais recente maior ameaça de mudança e um sentimento mais forte de desafio. Depois do início do novo século esta ameaça de mudança veio a ser identificada principalmente com a Alemanha. A Alemanha representava o novo, o diferente, o perigoso. Neste papel ela tinha substituído a França. A profusão de histórias de invasão centradas nos alemães, que foram transformadas em grandes sucessos literários e teatrais na primeira década deste século — notadamente a peça An Englishman*s Home de Major Guy du Maurier —, evidencia este medo de mu dança e a identificação desta mudança com a Alemanha. Uma parábola, narrada em The New Statesman em 1913, contava que o passageiro de um trem expresso que havia feito uma parada inesperada numa estação suburbana decidiu des cer do trem. “Você não pode descer aqui”, disse o condutor ao passageiro, que já estava na plataforma. “Mas”, veio a res174
posta, “eu desci”. “O trem não pára aqui”, insistiu o con dutor. “Mas”, disse o ex-passageiro, “ele parou”.5 O crítico e poeta Gerald Gould usou esta história para ilustrar seu ponto de vista sobre a posição privilegiada do artista em re lação à moralidade, mas outra idéia igualmente importante que se poderia extrair da história é que os demais passageiros, companheiros do rebelde, não compreenderam a sua inicia tiva, nem muito menos a seguiram. Essa interpretação da parábola certamente se aplicava ao público britânico.
AINDA HÁ MEL PARA O CHÁ? No final de julho de 1914 Rupert Brooke, alarmado com a intensificação da crise européia, escreveu a seu amigo Edward Marsh: “E espero que a Inglaterra possa agir corretamente.” Mas o que queria dizer “agir corretamente”? Uma outra carta, alguns dias mais tarde, na qual Brooke descrevia um passeio pelo campo, sugeria, de modo geral, a sua própria resposta a #esta pergunta: Sou um homem de Warwickshire. Não me fale de Dartmoor, de Snowden, do Tâmisa ou dos lagos. Conheço o co ração da Inglaterra. Tem um aspecto confinado, lépido, generoso, ondulante. Campos diminutos sobem e descem as pequenas colinas, e todas as estradas serpenteiam" com prazer. Há um espírito de rara simplicidade nas casas e na paisagem, telúrico, nada excêntrico mas esquivo, vi çoso, campeiro, alegremente gentil. . . Sobre a Califórnia, os outros Estados da América têm este dito: “Flores sem perfume, pássaros sem canto, homens sem honra e mu lheres sem virtude” — e pelo menos três das quatro par tes desse ditado sei muito bem que são verdadeiras. Mas Warwickshire é o exato oposto de tudo isso. Aqui as flores recendem a céu; não há cotovias como as nossas, nem rouxinóis; os homens pagam mais do que devem; e as mulheres têm muita e admirável virtude, e isso, veja bem, de modo algum pela simples ausência de tentação. 175
Em Warwickshire há borboletas o ano todo e uma lua cheia todas as noites. . . Shákespeare e eu somos caipiras. Que terra!1 Consciente de seu sentimentalismo, disse em seguida: “Isto é tolice”, mas quando se procurou localizar alguns dos in gredientes contidos em seus versos talvez mais famosos — sua referência a . . . algum recanto de um campo estrangeiro Que é para sempre Inglaterra não se tratava evidentemente de tolice. Esta Inglaterra era um país de honra, virtude e dever, no qual se fundira uma visão de mundo aristocrática e de classç, média, no qual o império e o esporte, a honestidade e a ^estabilidade social faziam parte de um todo indivisível. Esta era uma sociedade para a qual a aventura alemã era uma ameaça revolucionária, uma ameaça à segurança, à pros peridade e à integridade. Era uma ameaça à paisagem de Wessex dos romances de Hardy, ao rapaz de Shropshire da imaginação de A. E. Housman e ao Sr. Badger de The Wind in the Willows de Kenneth Grahame, que tinha construído sua casa sobre os restos de uma antiga civilização. . . . oh! ainda são dez para as três no relógio da igreja? E ainda há mel para o chá? Estes versos de “The Old Vicarage, Granchester”, Rupert Brooke tinha escrito ironicamente em Berlim, num café, em maio de 1912. Ele morreria durante a campanha de Gallipoli de 1915 no dia de São Jorge, o mesmo dia em que Shakespeare e Wordsworth morreram. Desde o início a guerra para a Grã-Bretanha não tinha nada a ver com território, quer nos Balcãs ou na Bélgica. A invasão da França era uma ameaça estratégica muito mais séria para os britânicos do que a invasão da Bélgica, mas, publicamente, foi por causa da “pobre pequena Bélgica” que 176
o governo britânico declarou guerra e mobilizou sentimentos. Desde o início esta foi para os britânicos uma guerra em torno de valores, em torno da civilização, do espírito espor tivo, e especialmente da relação do futuro com o passado. Co mo Lloyd George disse em seu discurso no Queen’s Hall, em 19 de setembro de 1914: Há gerações temos vivido num vale protegido. Nossa posição tem sido confortável demais e indulgente demais... e a mão dura do Destino nos flagelou, obrigando-nos a su bir a uma elevação de onde podemos ver as grandes questões eternas que importam para uma nação — os grandes picos que havíamos esquecido, a Honra, o De ver, o Patriotismo, e, coberto de um branco resplande cente, o grande pináculo do Sacrifício apontando, como um dedo severo, para o Céu.2 Um segmento da população, particularmente a juventude, con siderava a guerra uma aventura bem-vinda, e sua razão para apoiar o conflito não diferia da dos alemães: a guerra seria um caminho para o futuro, o progresso, a revolução, a mu dança. Na Grã-Bretanha também havia no ar um certo milenarismo. Podem-se encontrar elementos disso em Rupert Brooke, Herbert Read, Charles Sorley e outros jovens estetas. Mas, para a maioria das pessoas na Grã-Bretanha, a guerra se destinava a preservar e restaurar valores. Tal era, portanto, o pano de fundo britânico para a tré gua de Natal. De um ponto de vista prático havia boas razões para adiar a guerra até que o campo voltasse a oferecer con dições de jogo, mas o mais significativo é que foi o ideal mais amplo — de que o cavalheiro britânico deve mostrar o seu valor — que levou os britânicos a pularem de suas trin cheiras para a terra de ninguém. Mas por que os alemães se juntaram a eles em tão grande número? O que se deve notar, em primeiro lugar, sobre a participação alemã é que ela foi mais elevada entre os não prussianos, entre os bávaros e os saxões em particular. Vimos a tensão que existia entre estes homens e os prussianos. Os soldados bávaros e saxões vinham de territórios com forte 177
identidade regional; para eles, como no caso dos britânicos, a história não se subordinava a uma visão do futuro, o que se dava com tantos prussianos. Embora regimentos prussianos também tenham participado da confraternização, não parecem ter se envolvido em tão grande número, nem com tanto entu siasmo, quanto as unidades não-prussianas. A busca alemã de modernidade era liderada pela Prússia. A trégua de Natal de 1914 foi, ao contrário, uma celebração da história e da tradição. Internamente, em todos os países beligerantes as notí cias da confraternização foram recebidas com sentimentos con traditórios. Os britânicos foram de longe os mais abertos a respeito da trégua. A imprensa na Grã-Bretanha publicou sem censura cartas descrevendo o acontecimento. O Daily Mail até publicou, em 5 de janeiro de 1915, duas fotografias que mos travam um soldado francês e um alemão enchendo juntos os baldes num poço e depois caminhando de volta às suas res pectivas trincheiras. A manchete no alto da página dizia: FOTOGRAFIAS EXCLUSIVAS DA TRÉGUA NÃO-OFI CIAL. Alguns editores, ao pagarem a correspondentes por cartas descrevendo a vida nas trincheiras, podem de fato ter contribuído para uma certa incidência de hipérbole e, em alguns casos, de franca invenção. Os jornais certamente emi tiam suas opiniões sobre o significado da trégua, e os cléri gos na Grã-Bretanha discutiam suas implicações do alto dos púlpitos. A conclusão aceita na maioria dos grupos era de que a guerra devia lamentavelmente continuar. O desafio alemão devia ser enfrentado. A guerra não girava em torno de ques tões territoriais mas em torno de valores: não se podia sim plesmente ceder ao egotismo alemão. Os franceses, ao contrário, censuravam toda referência à confraternização. A imprensa não tinha permissão de publicar qualquer relato dos acontecimentos, nem mesmo extraído de jornais estrangeiros. Em vez disso, elevou-se na imprensa francesa a estridência em torno do período de Natal. Maurice Donnay da Academia Francesa entregou um artigo sobre o 'Natal a Le Figaro, o qual foi publicado na primeira página no último dia de 1914. Intitulava-se "La Sainte Haine” ("O ódio sagrado”). Um artigo dò dia anterior comççava com 178
as palavras: "Nenhum alemão abre a boca ou empunha a pena sem mentir.” O folheto La Vie de tranchée* publicado alguns meses mais tarde, indicava como a frente interna na França estava alheia aos eventos da guerra. Em seu retrato da vida nas trincheiras trazia uma história sobre as relações anglo-alemãs na linha de frente. Os britânicos, afirmava, gos tavam de cantar'em coro à noite nas trincheiras. Os alemães ficavam supostamente encantados com esse concerto e grita vam wunderbar schönl E aí esses porcos também querem cantar, e era preciso ouvir os gritos que os saúdam: cães, gatos, tigres. . . suas vozes também são abafadas com muitos berrçs de "Ca lem a boca!” Enfurecidos com o insulto, os alemães começam a atirar.. Os ingleses, por sua vez, morrem de tanto rir. É assim que se passam as noites no front , afirmava La Vie de tranchée — com muito divertimento!3 A mesma mentalidade que produ zia esse tipo de ficção assegurava que todo alemão era um mentiroso. As autoridades alemãs permitiram que a imprensa nacio nal falasse sobre a trégua por alguns dias. O órgão socialista Vorwärts demonstrou curiosidade pelo assunto e publicou o maior número de informações a respeito. A imprensa liberal de Berlim também tratou do curioso tema. Mas de repente as autoridades militares proibiram qualquer outra referência ao assunto. Ordens severas foram dadas às tropas de todos os exér citos, avisando que a repetição de tais incidentes teria drás ticas repercussões; e como os quartéis-generais de cada exér cito levaram a questão avante por algum tempo, procurando nomes e toda informação existente, os soldados tornaram-se cautelosos quanto a outros contatos com o inimigo. No en tanto, incidentes esporádicos de confraternização continuaram a acontecer durante todo o ano de 1915. E em novembro da quele ano houve tréguas, embora a ativa confraternização *
Vida nas trincheiras.
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no Natal ficasse limitada a poucos casos, dos quais o mais divulgado novamente envolvia os Guardas Escoceses. A esta altura o estado de espírito estava mudando. “Quantos Natais a guerra ainda pode durar”, Walter H. Page, embaixador ame ricano na Corte de St. James, observou num despacho, "nin guém tem condições de saber”.4 Em 1916 os incidentes de confraternização reduziram-se a um punhado, e em 1917 e 1918, apesar de revoltas nos exér citos franceses quando se ouviam comentários como "Temos de estabelecer a paz com os alemães e atacar os britânicos”,5 a confraternização na Frente Ocidental foi insignificante. O inimigo tornava-se cada vez mais uma abstração à medida que a guerra sofria mudanças. O cavalheiro também se tornou uma abstração. E o herói perdeu o seu nome; tornou-se o soldado desconhecido, sem nome e sem rosto. A história oficial do 6° Regimento de Cheshire inclui esta frase lacônica: "No dia 2 de setembro de 1918, em nos so ataque a partir de Locon, retomamos as trincheiras em que passamos o dia de Natal de 1914.”6 Presumivelmente o autor só se deu conta disso mais tarde. É duvidoso que alguém do regimento de 1918 tivesse estado antes naquelas trinchei ras no Natal de 1914, ou, o que é ainda mais significativo, que pudesse tê-las reconhecido quatro anos mais tarde. O mundo mudara muito nesse meio tempo.
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SEGUNDO ATO
IV
RITOS DE GUERRA Ó espinheiro dos frutos vermelhos, o que nos trará a primavera? R ic h a r d
D e h m e l
“O combatente”. Natal de 1914
... Mas muitos ali se detiveram A fitar o céu hirto, vazio além da serra, Sabendo que seus pés tinham chegado ao fim do mundo. WlLFRED OWEN “Ofensiva da Primavera”
Muitas vezes durante a guerra científica, química, “cubista”, .nas noites que os reides aéreos tornavam terríveis, pensei em Le Sacre . .. fACQUES-ÉMILE BLANCHE
O BALÉ DA BATALHA A barragem da artilharia é ensurdecedora. Quando o ar está calmo, o alarido pode ser ouvido fracamente em Londres e Paris. Às vezes o troar dos canhões dura dias. Em junho de 1916, no Somme, continua sem parar durante sete dias e noi tes. Artilharia de campanha, artilharia média e pesados mor teiros. O canhão com calibre de trinta e oito centímetros dos britânicos pode lançar um projétil de seiscentos e trinta e cinco quilos. O "Grande Bertha” dos alemães, com um cali bre de quarenta e três centímetros, arremessa uma bala que pesa mais de uma tonelada. Em Verdun em 1916 os alemães introduzem treze desses monstros de vinte toneladas. Cada um é posicionado com a ajuda de nove tratores; é necessário um guindaste para inserir o projétil. O impacto da bala ani quila edifícios, estilhaça janelas num raio de três quilôme182
tros. Em agosto de 1914 estas enormes máquinas de guerra haviam demolido as fortificações supostamente inexpugnáveis de Liège. Quando os canhões Krupp fizeram chegar seus pro jéteis ao alvo final, os defensores belgas dentro das fortifi cações ficaram loucos. Para ataque concentrado há usualmente um canhão de campanha para cada dez metros sob fogo, e um canhão pe sado — calibre de quinze centímetros e mais — para cada vinte metros. Quando as enormes bombas explodem, devas tam a terra com sua violência, arremessando a dezenas de metros de altura árvores, rochas, lama, torsos e outros escom bros. Abrem crateras do tamanho de piscinas. Quando acon tece um intervalo de calma e as chuvas retornam, os homens se banham nesses buracos cavernosos. Os projéteis pequenos e médios, que formam a maior parte da barragem, têm efeito menos sensacional. Mas para o soldado também podem signi ficar destruição total, que não deixa vestígios. “Um sinaliza dor tinha acabado de sair”, escreveu um oficial médico do 2° Batalhão de Fuzileiros Reais do País de Gales, “ quando um projétil explodiu sobre ele, não deixando nenhum vestígio que pudesse ser visto iias proximidades.” O mesmo oficial descreveu outra imagem do fogo de artilharia: De repente dois homens subiram verticalmente no ar, talvez uns quatro metros, no meio de um jorro de terra, a uns 150 metros de distância. Subiram e caíram com o equilíbrio fácil e gracioso de acrobatas. Um fuzil, giran do lentamente, elevou-se bem acima deles, antes de, ainda girando, cair no chão.1 Os defensores amontoanvse nos abrigos cavados na frente da trincheira, ou em refúgios subterrâneos, quase sempre a cinco ou seis metros de profundidade e medindo talvez cinco passos quadrados e cerca de um metro e oitenta de altura. Os projéteis mais pesados não somente demolem as trincheiras como podem fazer desmoronar as vigas de madeira, o ferro corrugado e as telas de arame dos refúgios subterrâneos e, no mínimo, reacomodar a terra sobre eles de modo a obstruir as saídas. Luzes de acetileno e velas bruxuleiam. Abalos mais 183
fortes as apagam de todo. Uma pausa, será que vai ocorrer? Sim. Finalmente. Mas então ouve-se a voz abafada de uma sentinela que sobreviveu numa sapa à frente gritar “Gás!” Há uma luta desordenada e selvagem para encontrar as más caras; puxões e tirões para enfiá-las; e a provação aumenta quando os fumos dos gases começam vagarosamente a se mis turar com a escuridão e a fumaça. Por fim faz-se silêncio, salvo respirações abafadas, alguns sons ásperos, tosse e sinais de choro. O ciclo vai recomeçar? O ataque está a caminho? As sentinelas sobreviveram? Os periscópios estão sob controle? Pois quando sobrevier o ataque haverá uma “corrida para o parapeito”: subir os degraus dos abrigos subterrâneos, se isso ainda for possível, entrar nas trincheiras, se elas ainda ali estiverem, calar baionetas, reunir metralhadoras, localizar granadas, e, se ainda houver tempo, guarnecer morteiros, lança-chamas e muitas outras armas desta guerra de “troglo ditas”.2 Deve-se alcançar o parapeito antes que o inimigo chegue! No outro lado da terra de ninguém os homens esperam. Os rostos reunidos perto das escadas de sítio estão contraídos e cinzentos. O gole de rum, Schnaps ou pinard, distribuído poucos minutos antes, pode entorpecer os sentidos, mas é in capaz de reverter o fluxo de sangue. O equipamento foi che cado. Picaretas e pás, sacos para areia, luzes Verey, arame. Uma carga de mais de vinte e sete quilos nas costas de cada homem. Junto com os apetrechos pessoais, há uma garrafa de água, rações, máscara contra gases, curativos de campanha, vasilhas de lata, munição. Alguns homens levam granadas de mão e bombas de morteiro. “Carregar a casa nas costas não é nenhuma piada”, escreveu Peter McGregor, um mestre de coro de Edimburgo.3 Os oficiais viajam menos sobrecarrega dos, os britânicos com bastões leves para indicar os comandos, pois é improvável que uma voz se faça ouvir no meio do tumulto, pistola em lugar de fuzil, e sem a maior parte dos outros equipamentos mais incômodos. A conversa a esta altu ra é quase insignificante. Uns poucos homens tagarelam ner vosamente. Alguns trocam últimos desejos. Outros sussurram 184
orações. Os relógios dos chefes de pelotões são então sin cronizados. Zero. Um apito estridente. O aceno de um boné. Os ho mens sobem com dificuldade as escadas. Muitos são desajei tados — por causa da carga, do medo ou por natureza. En fim, no topo! Nudez física é a primeira sensação. O corpo fica então exposto, tenso, expectante, aguardando a violência direta sobre si. Mesmo que tenha de seguir — conforme a prá tica de 1917 — a “barragem rastejante” de sua própria arti lharia em direção às trincheiras do inimigo, este primeiro mo mento o reduz à inocência. “Um homem que saiu das trin cheiras num desses momentos e sobreviveu, nunca mais em sua vida enfrentou clímax igual”, escreveu um sobrevivente.4 Depois o avanço. Lento e vacilante por causa da carga, do terreno e das táticas do ataque. Os alemães e os franceses são mais inovadores, avançando quase sempre em grupos. Os britânicos são mais sistemáticos. Um homem a cada dois ou três metros, os pelotões lado a lado, uma segunda leva vinte metros atrás. As cabeças se mantêm inclinadas, pelo peso da carga e pelo esforço instintivo de reduzir o alvo apresentado ao inimigo. O favo de crateras da terra de ninguém rapidamente des trói qualquer ordem planejada. Os homens escorregam e caem. A linha se dispersa. Alguns se levantam e continuam. Outros não podem. Na lama de Passchendaele, em 1917, al guns homens se afogam nas imensas crateras que mais pare cem bueiros cheios de lodo proveniente das chuvas, da terra e da decomposição. Alguns só então começam a ouvir as balas. Outros sentem o fedor, um cheiro irresistível que emana de cadáveres que o fogo da barragem trouxe à superfície. Alguns são atingidos. A corrida ao parapeito foi perdida. O campo está sendo varrido por metralhadoras, tragado pelo fogo dos morteiros e esquadrinhado pelas balas dos fuzis. Outros homens caem. Alguns gritam. A maioria está ca lada. Os feridos raramente sentem dor no início. Os oficiais tentam manter a coluna unida. Mas estes homens no limbo da terra de ninguém, estes “errantes entre dois mundos”, nem precisam de encorajamento, pois isolamento nesta situação sig185
nifica medo. Só no grupo existe alguma segurança emocio nal, algum alívio. Na verdade, os atacantes tendem a se aglo merar, a formar grupos para obter proteção mútua. Será que a artilharia conseguiu cortar o arame farpado, conforme prometeu? Raramente o faz de forma consistente. Ofegantes, à beira da exaustão, os homens procuram brechas no arame farpado. O desapontamento é esmagador. As brechas são poucas, se é que existe alguma. O fogo do inimigo dimi nuiu. Só um punhado de homens chega ao arame. Eles lan çam suas granadas. Disparam seus fuzis. Uns poucos passam para a trincheira inimiga, mas combate de baioneta não é comum. A maioria dos oficiais que chefiam o ataque foi atin gida. Cessaram as comunicações. A segunda leva experimenta o mesmo destino da primeira. A terceira leva decide então que o ataque fracassou. Outro apito, desta vez vacilante, dá o sinal da retirada. Os sobreviventes voltam aos tropeções. Alguns, desorientados, seguem numa direção lateral. Os feri dos rastejam. Muitos se amontoam em buracos de bombas. A artilharia do inimigo abre fogo, fazendo estragos na reti rada, mas pelo menos desta vez não há contra-ataque. Uma sobra da unidade atacante retorna. Os feridos na terra de ninguém são abandonados ao seu destino até o cair da noite. Mais tarde se fará uma tentativa de recolhê-los. Eles procuram reprimir sua agonia crescente. Gemidos atraem uma torrente de balas. Por fim, um silêncio torturado cai sobre o campo de batalha.
TEMAS
A ilusão do golpe decisivo continuou a dominar o pensa mento estratégico durante todo o ano de 1915, particular mente na Grã-Bretanha e na França, apesar da escassez de munições e de tropas adequadamente treinadas. Os ataques britânicos e franceses tm Artois, Picardia e Champagne, os ataques alemães em Flandres, e até a fantasia britânica de atravessar as linhas turcas nos Dardanelos baseavam-se todos no sonho da “brecha”, da súbita fenda no front inimigo, como 186
se ele fosse o Mar Vermelho em confronto com a fé de Moisés, e do subseqüente ataque até a vitória. Só os abismais fracassos dos Aliados em Second Ypres, Gallipoli, Neuve Chapelle, Festubert, Arras e Loos forçaram uma reconsideração desta maneira de pensar, mas mesmo en tão foi uma reflexão de origem reativa que pouco a pouco alterou a visão dos planejadores militares. Foi o ataque ale mão a Verdun, em fevereiro de 1916, com uma intensidade e um poder de fogo sem precedentes na guerra, que definiti vamente mudou as atitudes. O ano de 1916 presenciou o ad vento e a aceitação, por ambos os lados, de uma nova guerra, a guerra deliberada de desgaste, que tragaria milhões de ho mens, não sob o pretexto da'iminência da vitória desde que se pudesse remover um importante obstáculo, mas devido à decisão tomada de que só enfraquecendo o inimigo pelo can saço se poderia ganhar esta guerra. Por toda parte a indústria foi mobilizada, reorganizou-se a força de trabalho, aplicou-se ou planejou-se o racionamento de alimentos, os impostos fo ram reajustados. A guerra, em suma, tornou-se um empreendi mento exaustivo. Tornou-se “total”. Charles Sorley chamou o desgaste de “este último recurso da estratégia paralisada”.1 Por trás da decisão de Falkenhayn, de concentrar o poder ofensivo alemão em Verdun, havia uma série de motivos e considerações. Ele sempre foi um “ocidental”, pois acreditava que a batalha decisiva da guerra ocorreria no Ocidente. Em bora tivesse concordado em concentrar mais esforços na Frente Oriental em 1915, numa tentativa de derrotar a Rússia, em dezembro daquele ano já havia concluído que, ao contrário das expectativas, a Rússia não seria dominada rapidamente. Em contrapartida, a França estava à beira do colapso e pode ria usar o saliente ao redor de Verdun, que constituía uma posição francesa avançada em relação ao resto da Frente Ocidèntal, como ponto de onde lançar uma última e desesperada ofensiva. Este perigo tinha de ser prevenido. Além disso, um forte ataque alemão enfraqueceria completamente os franceses e também forçaria os britânicos a contra-atacarem ao norte. Isto faria com que a Grã-Bretanha sofresse enormes baixas, levando-a igualmente à exaustão. 187
Em Verdun o general Falkenhayn reuniu, junto com suas tropas, 1.220 peças de artilharia para um ataque a uma frente de aproximadamente treze quilômetros. Estimava que, para cada duas vidas que seus exércitos perdessem, os franceses perderiam perderia m cinco. cinco. Essa Essa era a própria próp ria essência essência do desgaste desgaste.. De alguma maneira, entretanto, os franceses conseguiram sobre viver à primeira barragem e aos ataques iniciais, e a batalha então se transformou numa atroz punição mútua. Em novem bro os franceses franceses perderiam perder iam meio meio milhão de homens nesse nesse sa liente. Sob tal pressão, tiveram de pedir aos britânicos que apertassem o cerco. A resposta britânica foi armar a ofensiva no Somme em julho de 1916, na qual se perderam 60 mil ho mens no primeiro dia, e mais meio milhão em novembro^ Apesar das perdas dos Aliados, a matemática de Falkenhayn não tinha funcionado. Nas duas batalhas de Verdun e no Som me, os alemães perderam cerca de 800 mil homens, um pouco menos do que os franceses e os britânicos. Ypres e o circundante saliente de Flandres estiveram sob o fogo dos canhões durante o ano de 1916 e depois continua ram a ser tenazmente disputados ao longo de 1917, em Passchendaele ou Terceiro Ypres, de modo que se pode acres centar Ypres a Verdun e ao Somme para produzir uma trin dade de horror. O general Falkenhayn chamou a isto Stellungskrieg, guerra de posição. “O primeiro princípio da guerra de posição”, escreveu, "deve ser o de não ceder nem um centímetro de terreno; e, no caso de perdê-lo, retomá-lo imediatamente por meio de contra-ataque, mesmo à custa do último homem” hom em”..2 Ambos Ambos os os lados adotavam as as mesmas mesmas regras. "Regimentos inteiros arriscavam tudo por dez metros de terra devastada” devasta da” — tal foi o julgamento julgamento de Ivan Goll.3 Para Ernst Jünger, depois do Somme a guerra e a vida em geral tinham outra aparência: Aqui desapareceu para sempre o cavalheirismo. Como todos os sentimentos nobres e pessoais, ele teve de ceder o lugar ao novo ritmo da batalha e ao poder da máqui na. Aqui a nova Europa se revelou pela primeira vez no combate.4 188
Por mais de dois anos os combatentes da Frente Ocidental enfrentaram-se em batalhas — se é que esta antiga palavra ainda é apropriada para esse novo modo de guerrear — que custaram a vida de milhões de homens mas deslocaram a linha de frente quando muito um ou dois quilômetros em qualquer das duas direções. Se é possível dividir a guerra no Ocidente em quatro períodos — as batalhas iniciais de movi mento, a consolidação de 1915, a guerra de desgaste de 19161917 1917 e o desenlace de 1918 1918 com seu renovado movimento movimen to — , então a situação de 1916-1917 constitui o período mais longo e mais consistente. As batalhas de Verdun, do Somme e de Ypres encarnam a lógica, o significado, a essência da Grande Guerra. .Dois em cada três poilus franceses passaram pelo funil de Verdun em 1916; a maioria dos soldados britânicos participou da guerra no Somme, em Ypres ou nos dois lugares; e a maioria das unidades alemãs esteve em Flandres ou em Verdun em algum momento. Estas foram também as áreas de batalha cruciais da guerra. E o conjunto clássico de imagens que temos da Grande Guerra — a ensurdecedora e enervante barragem de artilharia, os ataques em que longas filas de homens avan çavam como que em câmara lenta por uma paisagem Tunar de crateras e lama, só para se confrontarem com metralhado ras, arame farpado não cortado e granadas — provém mais destas batalhas do que daquelas do primeiro ou do último ano da guerra. Esta parte central da guerra reverteu todas as concepções tradicionais das operações militares. A defesa foi transfor mada em ataque, um processo que Joffre, sem ter consciência das implicações implicações de sua própr pr ópria ia idéia, tinha tinh a chamado de “re re sistên sistência cia vitoriosa”. vitoriosa” .5 O abismo abismo entre entre tecnolo tecnologia gia e estraté estratégia gia fazia com que o atacante, independentemente de números, fosse muito mais vulnerável que o defensor, apesar do efeito das barragens preparatórias sobre os nervos. Não obstante os efeitos impressionantes da artilharia pesada em Liège, Ver dun, no Somme e Passchendaele, raramente houve suficiente poder de fogo fogo para par a destruir as linhas inimigas inimigas.. Como Como resulta resu lta do, os defensores quase invariavelmente ganhavam a “corrida ao parap pa rapeito eito”. ”.6 6 Isto significava significava que o atacante enfrent en frentava ava um 189
risco muito maior de derrota que o defensor. Os ataques de 1914 e 1915 dizimaram todos os exércitos, e no final de 1915 o impasse era completo. Em 1916, enquanto os alemães e os franceses se batiam em Verdun, os britânicos perdiam, ao ata carem no Somme. Em 1917 os franceses sofreram tais perdas em Chemin des Dames que seus exércitos se amotinaram. Os britânicos perderam em Passchendaele. Passchendaele. Em 1918 1918 os alemães alemães causaram a própria derrota com a última e desesperada ten tativa de passar através das linhas. A exaustão, na esteira desse ataque, os levou à retirada final. A multidão sacrificada de atacantes na terra de ninguém — uma cena dramaticamente oposta às festas animadas entre as linhas no Natal de 1914 — tornou-se uma das imagens su premas da guerra. Os atacantes avançavam usualmente sem sem procur pro curar ar cobertura e eram ceifados ceifados em filas, com a eficiên cia mecânica de uma segadeira, como se fossem folhas de grama. “Ficávamos muito surpresos de vê-los caminhando”, escreveu um metralhador alemão a respeito de sua experiên cia num ataque britânico no Somme. Os oficiais iam à frente. Observei um deles que cami nhava calmamente, carregando uma bengala. Quando co meçamos a atirar, tivemos apenas de carregar e recarre gar. Eles caíam às centenas. Não era preciso mirar; bas tava abrir fogo sobre eles.7 Um francês descreveu os efeitos de seus metralhadores de forma mais lacônica: “Os alemães caíam como como soldados de papelã pap elão.”8 o.”8 Herbert Her bert Read lembrava-se lembrava-se de ter visto os soldado soldadoss caindo como como alvo alvoss nas galerias galerias de tiro.9 Aqui o herói tornoutornouse a vítima e a vítima o herói. O atacante tornou-se o repre sentante de um mundo, o mundo do século XIX, que foi de molido por esta guerra. Se o atacante era o representante de um mundo agoni zante, o defensor, fosse ele o defensor teimoso, alarmado, ou o rechaçador, animoso, atrevido, tornou-se o símbolo de um novo mundo nascente. Como os ataques em grande escala eram antes a exceção que a regra, a maior parte da vida nas trincheiras consistia em uma forma de defesa, de luta cons190
tante e cansativa para defender a “existência”, para sobrevi ver a condições que eram, na melhor das hipóteses, primiti vas. Palavras como poilu ou Frontschwein, o cabeludo e o porco da frente de combate, que se referiam ao soldado soldado fran fra n cês sujo, coberto de lama, barbudo e a seu equivalente ale mão, tornaram-se nomes afetuosos em seus respectivos países por volta de 1916, 1916, deixando de ser os termos ofensivos ofensivos que poderiam ter sido numa era anterior anterio r de combates combates militares heróicos e coloridos. Nesta existência, a agressão aos sentidos era total. “Nosso mestre é nossa miséria diária”, escreveu um fran fr ancê cês. s.110 Toda a paisagem da Frente Ocidental tornou-se surrea lista antes que o termo fosse inventado pelo poeta-soldado Guillaume Apollinaire, em suas notas para o roteiro de Parade, produção de Diaghilev em 1917, na qual Stravinsky, Satie, Picasso e Cocteau colabçraram. Os soldados se deparavam com um panorama de devastação nas principais zonas de batalha. batalh a. As árvores tinham sido reduzidas a tocos tocos carboni carbo ni zados; estes, por sua vez, eram erguidos no terreno — como postos de observação — a fim de parecerem árvores devasta das. A lama estava em toda parte. “O pôr-do-sol e o nascer do sol são blasfemos”, escreveu Paul Nash, que serviu no saliente de Ypres, voltou doente para casa e depois retornou a Flandres como um artista da guerra: . . . só a chuva negra negra caindo das das nuvens nuvens feridas e incha das . . . é atmosfera atmosfera adequada a uma terra como como esta. esta. A chuva não pára, a lama fedorenta torna-se mais dia bolicamente amarela, os buracos abertos pelas bombas enchem-se de água esverdeada, as estradas e trilhas co brem-se brem-se de uma camada espessa espessa de lodo, as negras árvo res moribundas gotejam e transpiram e as bombas nunca cessam... mergulham na tumba que é esta terra... Ê indizível^ ímpio, irremediáv irrem ediável.1 el.11 Um aviador francês, contemplando a paisagem de Verdun depois de uma pancada de chuva, lembrou-se da “pele úmida de um sapo monstruoso mons truoso”” .12 Os diários menos menos eloqüentes dos dos soldados comuns que estiveram em Verdun, no Somme ou 191 191
em Ypres conseguem transmitir, pelo menos, uma idéia do tormento físico desta guerra. Um turno de serviço nas trincheiras consistia normalmen te em três ou quatro dias e noites na linha de frente, seguidos por igual igual espaço espaço de tempo nas trincheiras de apoio, que, por sua vez, finalizava com um período semelhante na reserva. Só na reserva era possível, como se expressou Herbert Read, "ser civilizado — lavar-se, trocar de roupa e escrever car tas” ta s”.1 .13 Nas outras situações situações todo homem era um selvagem. selvagem. Antes dos motins de 1917 1917 o comando francês f rancês mostrava-se mostra va-se freqüentemente remisso na organização apropriada dos períodos de licença e descanso. Um turno podia durar mais de um mês, e às vezes até mais de dois meses. Sujeira e imundície eram, é claro, companheiras cons tantes nas trincheiras. A sujeira circundante era tão depri mente que às vezes, no meio do inverno, os homens enfren tavam o frio e se banhavam nos buracos feitos pelas bom bas. Estes Estes estavam quase sempre cheios cheios devido à chuva per sistente. "Uma vida tão terrivelmente bestial... Até os porcos têm vida melho mel hor! r!”” Tal foi o comentário comentá rio de Louis Mairet.1 Mair et.14 Os soldados discutiam se era pior a lama de Ypres ou a do Somme. Sobre Ypres em 1917 um inglês escreveu: Não era guerra. Se não fosse fosse pelas metralhadoras metralha doras e pelas bombas, assemelha assemelhava-se va-se mais a uma farra far ra na lama. Gente atolada por toda parte. A lama pegajosa puxava as pernei ras para baixo e teria sugado botas, meias e perneiras se elas não estivessem convenientemente convenienteme nte presas.1 pres as.15 Ao se apoderar de uma trincheira inundada, um francês gra cejou: "Tudo "Tud o bem enquanto enquan to os os submarinos não nos nos torpe dear de arem em.”1 .”16 "Nunca houve um clima como este de Flandres”, escre veu J. W. Harvey numa carta, e espero que minha invectiva contra esta chuva, chuva, chuva não seja eliminada como matéria censurável! Su ponho que o bombardeio contínuo talvez seja em parte culpado; mas sinto que, no futuro, vou considerar com 192
muito mais clemência o nosso proverbial clima inglês, ao compar compará-l á-lo o com este.1 este. 17 Tais comparações eram inevitáveis. “Sempre pensei que a França fosse a terra do sol”, observou Peter McGregor com genuína inocência inocênc ia em em junho junh o de 1916, 1916, “mas tem feito muito muit o frio e caídq muita chuva”. Quatro dias mais tarde, as notícias para par a sua mulher, Jen, eram: “ Chove Chove por aqui como como uma mal dita torneira aberta ab erta.”1 .”18 Edward Thomas Thomas até escreveu escreveu um poema sobre o assunto, “chuv “c huva” a” : “chuva, chuva da meia-noite, meia-noite, nada senão a chuva desenfreada”. A chuva tinha dissolvido todo o amor, todo o sentido, . . . exceto o amor da morte , Se for amor pelo que é perfeito e Não pode, assim assim me diz a tempestade, tempestade, desapontar.1 desapontar.19 Ensopado até os ossos e tiritando de frio, Emst Jünger deci diu que “nenhum fogo de artilharia podia quebrar a resistên cia de um homem de forma tão cabal quanto a umidade e o frio” fri o”..20 Não adiantava a quantidade quan tidade de roupas — meias de de lã, coletes, jaquetas —, nem mesmo jornais adicionais, enro lados ao redor de várias partes do corpo. As noites de inverno pareciam insuportavelmente longas, longas, e a aurora auro ra era o momen to mais frio do dia. “Não pensamos na morte”, escreveu um francês no inverno do início de 1915. “Mas no frio, neste frio terrível! No momento tenho a impressão de que meu san gue está cheio de blocos de gelo. Oh, gostaria que atacassem, porque isso isso nos aqueceria um pouco. pou co.”2 ”21 No inverno seguinte, seguinte, em Artois, o café e até o vinho congelaram em novembro. “Tempo para ursos polares”, comentou Marc Boasson numa carta. “Antes de poder beber um drinque, você tem de que brar br ar e afastar o gelo. gelo. A carne é congelada, congelada, as batatas batata s ficam grudadas pelo gelo e até as granadas de mão acabam solda das em seus seus estojos.”22 No severo inverno de 1916-191 1916-1917, 7, o chá quente congelava em questão de minutos, e pão, carne enlatada e salsichas transformavam-se em pedaços de gelo. Num poema intitulado intitula do “Exposur “Ex posure”, e”, Wilfred Wilf red Owen evocou evocou mãos encarqui enca rquilhad lhadas, as, testas franzidas fran zidas e olhos de gelo.2 gelo.23 193
Em tais condições não se podia saborear a comida, e a tensão da batalha reduzia ainda mais o apetite. As horas irregulares das refeições, a inconfiabilidade das linhas de abastecimento, a falta de legumes, a monotonia da dieta de carne — tudo isso destruía qualquer possibilidade de prazer. Quando Siegfried Sassoon retornou ao Somme depois da licen ça em casa na primavera de 1916, trouxe consigo um salmão defumado para dividir com os seus homens, mas ao tropeçar e chapinhar numa trincheira de comunicação conhecida como Canterbury Avenue, refletiu que “salmão defumado não era um antídoto muito eficaz para pessoas que tinham de agüentar todo aquele bomb b ombard ardeio eio”. ”.224 O clima, portanto, tinha muito a ver com o ânimo dos soldados. Uma nuvem que de repente se erguia, deixando apa recer o sol, podia levantar o moral. “Tempo esplêndido”, exultou Charles Delvert no meio da batalha de Verdun em março de 1916. “Esta vida tem seu encanto. É como acampar. Você passeia pelas trincheiras; o ar é fresco, o sol brilhante. Nuvenzinhas alegre alegress esvoaçam esvoaçam pelo céu azul.”2 azu l.”25 Mas esse esse clima constituía realmente exceção na guerra, e esta explosão lírica também era excepcional no diário de Charles Delvert. As trincheiras estavam infestadas de parasitos. Moscas, ácaros, lêndeas, pulgas, mosquitos e besouros incomodavam, mas os piolhos e os ratos eram os que mais irritavam. Os piolhos punham seus seus ov ovos os nas costuras das roupas e se mul tiplicavam com uma velocidade aterrorizadora. O piolho era tão fértil, dizia o poilu, que o nascido de manhã já era avô à noite. Impossível ganhar a batalha contra eles. Os soldados tentavam esmagá-los com as unhas dos polegares, queimá-los nas chamas das velas, eliminá-los com pós e pomadas rece bidos de casa, casa, mas mas tinham pouco sucess sucesso. o. “O único meio meio é atirar uns garrafões de rum em cima deles”, gracejou um Tommy.2 Tommy.26 Ao Aoss maiores maiores eram dados nomes: Kaiser, Kronprinz, Kronp rinz, Hindenburg. Só o serviço de lavanderia de campanha e os ba nhos quentes tinham algum efeito, e apenas por pouco tempo. Roger Campana achava esses insetos mais ferozes do que os “vampiros do do Con Congo go ou da P o lin li n é sia si a ... .. . Se o Sr. Sr. Magpie Magpie tivesse tido a chance de conhecê-los, ele os teria citado como exemplo para todos os franceses”. O único consolo de Cam 194 194
pana era o boato de que os piolhos nas trincheiras alemãs alemãs eram era m maio m aiores res!2 !27 Falava-se de ratos do tamanho de gatos nas trincheiras, embora eles existissem em quantidade ainda maior nos alo jamentos de descanso. descanso. Eram atraídos pelos pelos cadáveres em de composição e pelas sobras de comida que ficavam pelos can tos. Roíam as mochilas e faziam furos nos sacos de rações. No seu setor da linha de frente, Roland Mountfort escreveu à sua mãe que o maior feito dos ratos foi matar e devorar cinco gatinhos, de umas três semanas de idade, que a gata da trin cheira estava criando num dos abrigos. Não sei por que não comeram antes, a não ser que estivessem esperando que crescessem pa para ra conseguir c onseguir uma refeição melhor.2 melhor .28 A batalha contra os ratos era às vezes tão séria quanto aquela contra o inimigo humano. Para Percy Jones os ratos torna ram-se uma obsessão. “Estou... viciado em caçar ratos”, ad mitiu em seu diário. Perseguia-os todas as noites com cabos de picaretas e pás. Às vezes vamos um pouco longe demais. Por exemplo, duas noites atrás, éramos quatro envolvidos numa per seguição cerrada a um rato entre as nossas trincheiras na linha de frente quando o encurralamos na segunda linha, onde uma sentinela quase atirou em nós, imaginan do que fôssemos alemães! A obsessão de Jones o acompanhou aos alojamentos de des canso duas semanas mais tarde. Perto do canal de Ypres ele participou partic ipou de um verdadeiro massacre: Tivemos uma grande batalha ontem à noite e matamos quase uma centena, sem contar muitos que devem ter sido mortos a pedradas enquanto nadavam. O grupo da balsa ficou sem munição e teve de vir até a margem para par a pegar mais tijolos.2 tijolos.29 195
O único instrumento eficaz contra os ratos e outras pragas era o gás. Um ataque de gás eliminava os parasitos numa trincheira por algum tempo. Era à noite que grande parte do trabalho nas trincheiras se realizava. O modo burguês *normal norma l de enca e ncarar rar o tempo e o relógio se invertera. Quando* caía a escuridão, exércitos de trogloditas emergiam de seus buracos, como os próprios para sitos que eles desprezavam, e corriam de um lado para o outro cumprindo suas tarefas: grupos que cuidavam dos ara mes farpados saíam para a terra de ninguém; as fortificações das trincheiras eram consertadas e aumentadas, à medida que a Frente Ocidental se tornava um enorme e intricado formi gueiro; executavam-se pequenos ataques de surpresa, compa ráveis a mordidas de mosquitos no corpo do inimigo coletivo. E mesmo que alguém não tivesse nenhuma tarefa específica para par a realizar, era impossív impossível el dormir. Delvert descreveu descreveu uma noite nas trincheiras em janeiro de 1916: Luzes apagadas. Agora os ratos e os piolhos são os donos da casa. Podem-se ouvir os ratos mordiscando, correndo, pulando, atirando-se atirando-se de tábua em tábua, emitindo pe quenos guinchos atrás do metal corrugado dos abrigos. É uma atividade barulhenta e fervilhante que simples mente não pára. A qualquer momento, espero que um aterrize no meu nariz. E depois há os piolhos e as pulgas que começam a me devorar. Absolutamente impossível fechar os olhos. Perto da meia-noite começo a cochilar. Uma barulheira terrível me faz saltar. Fogo de artilharia, o estrépito dos tiros de fuzil e metralhadora. Os boches devem estar atacando Mont Têtu de novo. O charivari parece se acalmar po porr volta de l:30 l: 30hh . Às 2:15h 2:1 5h começa começa novamente, desta vez com uma violência assustadora. Tu do tfeme. Nossa artilharia troveja sem parar. Às 3:00h os tiros de canhão tornam-se mais espaçados e vagarosamente as coisas se aquietam. Cochilo para poder me levantar às seis. Os ratos e os piolhos também se levantam: acordar para par a a vida é também acordar acord ar para a desgraça.3 desgraça.30 Depois de alguns dias e noites deste implacável bombardeio dos sentidos, os homens facilmente se tornam desorientados, 196
indolentes, até apáticos. “Eu estava pronto a trocar a minha alma por algumas horas de sono ininterrupto”, observou um deles.31 “O que mata é a falta de sono”, escreveu Delvert.32 Quando chegavam finalmente os substitutos, o batalhão se deslocava para os alojamentos de descanso. Wilfred Owen: Recurvados, como velhos mendigos sob o peso de \_sacos, Cambaios, tossindo como velhas bruxas, Rompemos praguejando o lamaçal Até darmos as costas aos clarões obsessivos E começarmos a nos arrastar até nosso distante [ repouso. Os homens marchavam dormindo . . . 33
O odor de decomposição — mascarado apenas pelo quase igualmente intolerável cheiro de cloreto de cálcio — e nuvens de moscas atraídas pela carniça constituíam outras maldições inevitáveis. Membros e torsos eram incessantemente revolvi dos pelas bombas. Ao cavarem ou consertarem as trincheiras, os grupos de trabalho freqüentemente descobriam cadáveres em todos os estágios de deterioração e mutilação. Na maioria das vezes limitavam-se a afastá-los do caminho. Entretanto, fragmentos de corpos iam parar dentro dos sacos de areia. Se estes se rompiam, podiam divulgar seu conteúdo de um modo tão horrível que o humor negro se tornava a única de fesa contra a histeria. Em certo ponto do saliente de Ypres, os homens que estavam sendo substituídos desfilaram diante de um braço que se projetava para fora de um dos lados da trincheira e apertaram-lhe a mão — “Tchau, Jack.” Os que vinham substituí-los fizeram o mesmo ao chegarem — “Oi, fack.”34 Um capitão artilheiro, F. H. T. Tatham, descreveu para sua mãe outra situação tão grotesca que chegava a ser quase cômica: Havia sempre um cheiro horrível em nosso Posto de Ob servação nas trincheiras, um cheiro que o creosoto não conseguia eliminar. Descobri hoje que são restos mor tais decompostos que estão dentro de um saco de areia, no qual nos encostávamos para usar o periscópio. Acre197
dito que o infeliz cadáver devia estar ali há uns seis meses — os ratos não costpmam deixá-los em paz; assim era provavelmente um alemão sujo. Agora que foi me xido, fede mais do que nunca — cheio de vermes. O repugnante saco de areia foi mergulhado em creosoto e atirado para bem longe, mas evidentemente não conse guiram enfiar o que sobrou de Fritz num único saco, e receio que erradicar o mal acarretaria um desmoronamen to no parapeito, de modo que me vejo agora num dilema.35 O australiano }. A. Raws contou aos familiares uma história igualmente “esquisita”. Trabalhando num grupo de escavação em Pozières nofinal de julho de 1916, foi exposto, segundo suas palavras, a “um tornado de bombas que explodiam”. Foi soterrado duas vezes. Na segunda vez, depois de se libertar com esforço, viu por perto um corpo semi-enterrado. Pen sando que fosse de um camarada que acabara de ser atingido por destino igual ao seu, saiu tropeçando para ajudar o ho mem a se desembaraçar. Tratou de puxá-lo e levantá-lo. De repentè, um jorro de sangue cobriu todo o Raws, e ele se viu com a cabeça do corpo nas mãos. “O horror foi indescritível”, contou ele.35 Seu irmão tinha sido morto três dias antes, e o próprio Raws seria morto no turno seguinte.-Um francês em Verdun observou: “Todos exalávamos o fedor de corpos mor tos. O pão que comíamos, a água estagnada que bebíamos, tudo o que tocávamos tinha um cheiro ruim.”37 A mutilação era um espetáculo diário em alguns setores. Em Fresnoy, no- Somme, uma casa que alojava soldados ale mães foi diretamente atingida. Ernst Jünger correu para ajudar. Agarrávamos os braços e pernas que apareciam no meio do entulho e puxávamos os cadáveres para fora. A um faltava a cabeça, e o pescoço subia do torso como um grande fungo sangrento. Noutro, ossos estilhaçados pro jetavam-se do toco de um braço, e o uniforme estava en charcado com o sangue de uma imensa ferida no peito. Num terceiro as entranhas escorriam de um corpo que tinha sido aberto ao meio. Enquanto puxávamos este úl timo, uma tábua lascada que se encravara no terrível ferimento ofereceu resistência, produzindo sons medonhos. 198
Noutra ocasião, Jünger testemunhou um duelo de metralhadora. De repente nosso atirador chefe caiu, ferido na cabeça. Embora os miolos escorressem pelo rosto até o queixo, ele ainda estava plenamente consciente quando o carre gamos para um túnel adjacente.38 Depois que seu abrigo foi atingido por uma bomba, Roger Campana tirou uma fotografia do corpo de um camarada para mostrar a um amigo como escapara por um triz. O corpo estava "aberto dos ombros aos quadris, como uma carcaça esquartejada na vitrine de um açougue”.39 Delvert registrou com maior precisão a morte de um colega: A morte de Jégoud foi atroz. Ele estava nos primeiros degraus do abrigo quando um obus (provavelmente um 130 austríaco) explodiu. Seu rosto foi queimado; uma lasca entrou no crânio atrás da orelha; outra rasgou o estômago, quebrou a espinha, e naquela sangrenta con fusão via-se a medula espinhal solta, a resvalar. A perna direita estava totalmente esmagada acima do joelho. O mais terrível de tudo foi que ele ainda viveu uns quatro ou cinco minutos.40 O Verdun de Cés^r Méléra incluiu esta cenae observação: Cavalos e mulos enterrados. Uma lama fétida chega às vezes ao tornozelo, exalando um cheiro horrível e tor nando o ar pesado e opaco. Quem não viu os feridos emitindo seus últimos estertores no campo de batalha, sem cuidados, bebendo a própria urina para acalmar a sed e.. . nada viu da guerra.41 Os homens eram ameaçados não só pelo fogo inimigo mas. também por sua própria artilharia, quando os tiros não eram de longo alcance. O general Percin calculou que setenta e cinco mil soldados franceses foram mortos ou feridos por sua própria artilharia.42 Jean Giraudoux comentou ironicamen te em. conversa com Paul Morand: "Pertenço ao regimento francês que matou o maior número de ingleses.”43 O bom199
bardeio de curto alcance era causado por comunicação defei tuosa, erro humano, munição úmida ou condições do vento, e invariavelmente criava animosidade entre as tropas das linhas de frente, os oficiais do estado-maior e os regimentos de artilharia. Sua incidência parece ter aumentado proporcio nalmente ao aumento dos bombardeios à medida que a guerra avançava.44 Em suma, o front estava, nas palavras de Siegfried Sassoon, "podre de mortos”.45 Um mês antes de sua própria mor te, Louis Mairet refletiu sobre o tema: Morte! Essa palavra que reboa como o eco de cavernas marítimas, golpeando e voltando a golpear em profun dezas escuras e insondáveis. Entre esta guerra e a última, não morríamos: findávamos. Decentemente, no abrigo de um quarto, no calor de uma cama. Agora morremos. É a morte úmida, a morte lamacenta, a morte empapada de sangue, a morte por afogamento, a morte por sucção, a morte no matadouro. Os corpos jazem congelados na terra que aos poucos os engole. Os mais afortunados partem, embrulhados na lona de uma tenda, para dormir no cemitério mais próximo.46 Será possível exagerar os horrores da vida nas trinchei ras? Muitos supostamente assim procederam, sendo censura dos por outros que os acusaram de produzir com seus relatos nada mais do que sensacionalismo de "lama e sangue”. Al guns vetetfanos da Grande Guerra nunca vivenciaram um ataque; outros nunca chegaram sequer a ver o inimigo, ape sar de prolongada permanência na linha de frente; uns pou cos sobreviveram a toda a guerra apenas com alguns arra nhões. Algumas partes do front eram realmente muito tranqüilas. Alguns homens nunca perderam seu senso de romance e aventura. Outros nunca perderam seu senso de humor. As sim, concentrar-se no horror de Verdun, do Somme e de Ypres, dizem os críticos, é distorcer a realidade da guerra. Até nestes setores, que não eram, como afirmam, a norma, pesados bombardeios e ataques de artilharia eram raros. Na 200
maior parte do tempo os homens se ocupavam com 05 pro blemas de rotina da vida nas trincheiras e essencialmente com o tédio. Parte do problema deste debate é uma questão de defi nição e de semântica. Que espécie de experiência é classifi cada como “horror” e o que constitui o “tédio”? O horror para um homem não pode ser tédio para outro, e vice-versa? Se alguém insiste em afirmar que o horror é a sensação pro vocada unicamente pela contradição inesperada de valores e condições que dão sentido à vida, e que, por sua vez, o tédio é o desfecho inevitável da rotina, até da rotina de matança, então nunca se poderá resolver a questão, porque nenhuma noção de horror, mesmo aquela causada por esta guerra, pode permanecer constante. Depois de várias semanas de experiên cia na linha de frente, pouco restava que ainda pudesse cho car alguém. Os homens se imunizavam, um tanto rapidamente, contra a brutalidade e a obscenidade. Tinham de se tornar insensíveis, se quisessem sobreviver. Como Fritz Kreisler, vio linista e soldado da infantaria austríaca, se expressou: Uma certa ferocidade surge dentro de você, uma absoluta indiferença para com tudo o que existe no mundo, ex ceto o seu dever de lutar. Você está comendo uma crosta de pão, e um homem é atingido e morto na trincheira perto de você. Você olha calmamente para ele por um momento e depois continua a comer o seu pão. Por que não? Não há o que fazer. Por fim, você fala-de sua pró pria morte sem maior emoção, como falaria de um con vite para o almoço.47 E John W. Harvey, um quacre de Leeds que estava com a unidade Ambulância de Amigos, escreveu de Ypres: “Estou vivendo experiências desgastantes entre visões que seriam in suportáveis pelo horror e compaixão que inspiram, não fosse a capacidade da natureza humana de se enrijecer na familia ridade com qualquer coisa.”48 Portanto, até o horror pode se tornar rotina e provocar tédio — a sensação de que já se viu tudo aquilo antes e de 201
que a existência não tem mais surpresas. "Nada resta na sua mente”, continuou Kreisler, "a não ser o fato de que hordas de homens, das quais você faz parte, estão brigando contra outras hordas, e de que o seu lado deve vencer”.49 Mesmo quando tudo parecia calmo, as baixas continua vam a se acumular — devido aos tiros de tocaia, à ação aleatória da artilharia que abria fogo para manter o inimigo sob tensão, e a acidentes. Era esse desgaste, precisamente quando nada de importância parecia estar acontecendo, que mais aterrorizava alguns soldados. A morte parecia totalmente sem sentido. Nos diários de guerra das unidades. do exército existe freqüentemente uma ironia terrível nos sucintos rela tórios de uma linha a respeito da atividade do dia: "Tudo quieto. Três baixas.” Como o angustiado embaixador ame ricano disse numa carta de Londres: "Quando não há 'nada a informar’ na França, isto significa as 5 mil baixas normais que acontecem todos os dias.”50 A dicotomia estabelecida no debate do "horror versus tédio” é falsa. Crucial é o significado mais abrangente da fase 1916-1917 da guerra, sua relação com as formas anteriores de guerrear, com as expectativas e os valores; e aqui é difícil negar que a experiência no front de 1916-1917 foi realmente uma experiência "limite”, uma experiência de algo que era, em suas implicações, inteiramente novo. É claro que os solda dos continuavam a classificar sensações de acordo com cate gorias previamente existentes — era uma reação instintiva —, mas a experiência real como um todo foi crucial, e este fato, em seu contexto mais amplo, constituía novidade. Com o tempo as categorias antigas e a relação aceita da guerra com a história anterior se enfraqueceram e entraram em colapso. A velocidade desta deterioração variava entre os países beligerantes e entre as pessoas, dependendo da elasti cidade e da ressonância dos valores existentes, mas em toda parte, mesmo que tenha sido apenas no período do pós-guerra, no caldeirão em que fermentaram juntos o propósito, a lem brança e a conseqüência, desintegrou-se a validade das cate gorias antigas. 202
PARA ALÉM DOS VALORES ESTABELECIDOS
Dentre os povos das nações mais influentes, os alemães tinham sido, mesmo antes da guerra, os mais prontamente inclinados a questionar as normas e os valores da sociedade burguesa libe ral do século XIX, a exaltar o momento situado fora do domí nio. da lei, e a procurar inspiração na dinâmica* da experiência imediata em oposição às da tradição e da história. Na guerra concentraram-se desde o início na idéia da “vitória”, num vitalismo dionisíaco, o que significava que o momento, da con quista ofereceria, espontaneamente e por si só, um emocio nante leque de oportunidades, primordialmente espirituais e vitalizadoras e, apenas secundariamente, territoriais e mate riais. Os objetivos territoriais da guerra, aos quais tem se de dicado grande parte da literatura sobre o esforço de guerra alemão, nunca foram mais do que expressões vagas de entu siasmo e histeria nascidas do cansaço da guerra. A questão dos objetivos da guerra nunca passou de um expediente polí tico que refletia as vicissitudes do front. Era o front que dita va os objetivos da guerra, não o contrário. Não por acaso os alemães foram os primeiros a começar a inverter as regras da guerra, reconhecendo a importância da defesa e depois implementando oficialmente a idéia de des gaste — esgotar o inimigo através do auto-sacrifício ao invés de o “derrotar” por meio de investidas arrojadas. A Alema nha tinha sido o país mais propenso a questionar as normas políticas, culturais e sociais do Ocidente antes da guerra, o mais inclinado a estimular o colapso de antigas certezas e o advento de novas possibilidades. Como corolário, os alemães mostravam-se menos relutantes em distorcer as leis da guerra. Eram menos reticentes quanto a quebrar convenções interna cionais por eles associadas a uma norma legal imposta pela hegemonia anglo-francesa e por eles considerada prejudicial aos interesses alemães. A idéia do desgaste foi a curto prazo o resultado de uma situação militar especial, uma resposta ao inesperado impasse que resultou do fracasso do plano Schlieffen em 1914 e mantida no decurso do ano seguinte. Mas também foi uma 203
indicação da vontade dos militares alemães e das lideranças civis de transpor para uma estratégia militar o envolvimento emocional da nação, tão evidente nos primeiros dias da guer ra. O exército, que na tradição prussiana fora considerado •‘a escola da nação”, devia se tornar uma escola para todos os alemães. “Guerra- total” era o meio pelo qual esse obje tivo poderia ser alcançado. Agora o soldado e o civil não seriam mais distinguíveis. Uma guerra de desgaste implicaria o comprometimento de toda a nação. Esta idéia não surgiu da noite para o dia. Muitas das atividades do movimento pangermanista, da Liga Naval, das sociedades coloniais e de outras organizações nacionalistas ra dicais do período anterior à guerra foram estimuladas com o objetivo de revitalizar a sociedade alemã através de prin cípios e virtudes militares. O interessante é que grande parte desta forma popular de militarismo teve origem entre elemen tos não ligados à aristocracia agrária, isto é, entre os novos tipos sociais presentes nas forças armadas, homens como Ludendorff e Bauer, e entre funcionários de escritório — a cha mada nova classe média — filiados às ligas nacionalistas. A guerra total não era um ideal dos aristocráticos Junkers — dos Schlieffens e dos Moltkes —, mas da nova Alemanha. Erich Ludendorff, plebeu, filho de um negociante, carreirista, homem mais de ação do que de reflexão, era um símbolo su premo desta nova Alemanha. Como o moderno impulso que representava, ele provinha da periferia — nascera numa casa simples no meio de um pomar em Krusczewnia, na província de Posen, na Prússia Oriental. Em julho de 1917 Ludendorff detinha mais poder na Alemanha do que qualquer outra pes soa. Para Ludendorff e para a nova Alemanha, todas as ques tões políticas, todas as questões econômicas e todas as ques tões culturais não passavam afinal de questões militares. Ora, a guerra de desgaste seria apenas uma ramificação desse pensamento. Não teria se desenvolvido se não tivesse havido uma preparação consistente para a “totalidade”. Esta exigia o colapso da distinção entre soldados e civis, bem como a rejeição, em tempo de guerra, da moralidade aceita. O tra tamento dispensado aos civis na Bélgica pelas forças alemãs de ocupação e a confiança nos novos métodos da guerra — 204
especialmente o uso de gás e de invenções como o lança-chamas, além da introdução de uma guerra submarina irrestrita — foram os passos mais importantes, até a idéia do desgaste, para o advento da guerra total. O modo como a mutável paisagem social e física da Europa afetaria a guerra futura tinha preocupado estadistas, políticos e juristas por todo o continente nas décadas ante riores a 1914. Iria ser possível distinguir prontamente entre soldados e civis? No começo do século XIX a resposta espa nhola à invasão napoleônica, o recurso à guerrilha, indicara futuros problemas. Depois, a Guerra Franco-Prussiana de 1870-1871 revelou dramaticamente que a experiência de Na poleão na Espanha sessenta anos antes fora apenas uma suave amostra do que poderia acontecer caso a guerra envolvesse as áreas mais populosas da Europa. Entre a batalha de Sedan em setembro de 1870 e o armistício na primavera de 1871 vieram à tona todos os problemas referentes à relação entre civis e soldados na guerra. Os alemães bombardearam Estras burgo, Péronne, Soissons, sem poupar os bairros civis, ale gando o tempo todo que civis e militares prestavam auxílio uns aos outros e que, portanto, pouca distinção podia ser feita entre uns e outros. O terror também foi aplicado em áreas ocupadas: queimaram-se casas civis, fuzilaram-se reféns e arre cadar am-se tributos. Entre 1871 e 1914 as discussões jurídicas internacionais procuraram definir os deveres e direitos dos invasores mili tares, de um lado, e dos defensores civis, do outro. Nesses debates os alemães geralmente insistiam no direito de requi sitar bens e exigir docilidade de uma população sob ocupação. Não eram os únicos a defender essa posição, mas estavam virtualmente sozinhos ao postularem uma versão extrema da proposição: a idéia de Kriegsverrat. Segundo este ponto de vista, a obstrução do esforço de guerra por civis em território ocupado constitui traição igual à obstrução promovida pelos próprios compatriotas.1 A ocupação alemã da Bélgica foi coerente com esta po sição, e, embora não tenha sido em geral tão monstruosa quanto a propaganda dos Aliados queria fazer crer, a política de ocupação foi, ainda assim, draconiana. Se os bebês não 205
foram sistematicamente arrancados dos braços de outras pes soas e esmagados contra paredes de tijolos, se as freiras não foram deliberadamente caçadas para atos de sodomia, estu pro e matança, se os velhos não foram obrigados' a andarem de quatro antes de serem crivados de balas, muitos reféns fo ram fuzilados, inclusive mulheres, crianças e octogenários. Louvain foi arrasada, junto com sua biblioteca, fundada em 1426, com seus 280 mil volumes e sua inestimável coleção de incunábulos e manuscritos medievais. Schrecklichkeit, o terror, tornou-se a política oficial nas áreas ocupadas, pri meiro na Bélgica, depois na França e na Rússia. O termo furor teutonicus era usado pelos alemães com orgulho. Para as potências da Entente, o tratamento dado aos civis tornou-se prova incontestável da desumanidade alemã; "pobre pequena Bélgica” e "Bélgica crucificada” foram as principais fórmulas usadas na mobilização do sentimento bri tânico a favor da guerra. O destino de Louvain e de sua bi blioteca foi considerado um símbolo da barbárie alemã, da hostilidade teutônica à história e à civilização ocidental como um todo, a seus produtos, suas realizações e seus valores. À biblioteca de Louvain foram juntar-se logo depois a cate dral de Rheims, bombardeada pela primeira vez em 20 de setembro — "o crime mais hediondo já perpetrado contra a .inteligência do homem”,, afirmou Henry James2 —, o Cloth Hall de Ypres, e finalmente a catedral de Albert. Os alemães alegavam que as torres dessas estruturas estavam sendo usa das para observação e telegrafia ótica, e que a eles não res tara outra opção senão bombardeá-las, sem ligar para a publi cidade adversa que tal ação criaria. Pouco depois, entretanto, prejudicaram seu próprio argumento atacando civis e monu mentos históricos muito distantes dos perímetros adjacentes aos campos de batalha. No dia 11 de outubro dois Taubes alcançaram Paris e deixaram cair vinte e duas bombas, ma tando três cidadãos e ferindo outros dezenove. A catedral de Notre Dame também saiu arranhada. Este fato foi conside rado pelas potências da Entente como uma ampliação ine gável e inaceitável das formas de guerra. Em dezembio de 1914 a guerra atingiu os civis da Inglaterra, quando o porto inglês de Hartlepool ao norte e os balneários marítimos de 206
Scarborough e Whitby foram bombardeados a partir do mar. Em 1915 começaram os reides de zepelim sobre Paris e Lon dres, e no começo de 1916 esses reides já alcançavam áreas tão distantes ao norte como Lancashire. Nos primeiros meses da guerra Friedrich Meinecke, his toriador jovem, talentoso e já muito respeitado, escreveu que o que o estrangeiro chama de brutalidade no comportamento alemão, o próprio alemão deve chamar simplesmente de ho nestidade. Afinal, se a catedral de Rheims estava sendo usada pelos observadores franceses, tinha de ser bombardeada. Nada mais simples. Era pura hipocrisia os franceses e os britânicos chamarem o alemão de bárbaro nestas circunstâncias.3 Meinecke era relativamente moderado. Outro historiador alemão expressou idéias semelhantes em tons mais estridentes: É melhor ver tombar milhares de torres de igreja do que ver tombar um soldado alemão por causa dessas torres. Não aceitemos lamúrias de humanistas e estetas entre nós. Temos de nos afirmar. Estas são verdades tão sim ples que se torna monótono ter de repeti-las para pes soas que não desejam escutar.4 Ao invés dessas afirmações inequívocas a respeito da preemi nência da força vital sobre a história, seria de esperar de Meinecke e de seu confrade, dadas as suas profissões, um maior respeito pela dependência do indivíduo e da nação para com seu contexto histórico. Mas, em seus comentários, a ên fase recai sobre o ato dionisíaco da auto-afirmação. No curso da guerra, trinta e cinco dos quarenta e três catedráticos de história das universidades alemãs iriam assegurar que a Ale manha tinha se envolvido na guerra só porque fora atacada.5 Uma alternativa freqüentemente observada para a nega ção da história era a negação de que tivessem ocorrido atos de destruição. Em outubro de 1914 foi publicado um mani festo endereçado ao “mundo da cultura” e assinado por no venta e três intelectuais alemães. Entre os signatários estavam luminares como o teólogo Adolf von Harnack, o escritor Her mann Sudermann, o compositor Engelbert Humperdinck, o cientista Wilhelm Röntgen e o dramaturgo Gerhart Hauptmann. 207
"Não é verdade”, insistiam, "que tenhamos violado criminosa mente a neutralidade da Bélgica. . . Não é verdade que nossas tropas tenham agido brutalmente em Louvain”.6 Desejo, fanta sia e ilusão ditavam cada vez mais a realidade, à medida que a guerra — e o século — avançava. Neste processo a Ale manha ia na dianteira. Os homens deviam "abrir os corações à humanidade só enquanto esta não os ferisse”, dizia Ernst Jiinger. Tal egoísmo e desejo de sensações foi importante, como Jünger estava disposto a admitir, para o advento da guerra. É claro que um interesse pelo horror fazia parte do con junto de desejos que nos arrastou tão irresistivelmente para a guerra. Um período de lei e ordem tão longo quan to aquele que nossa geração tinha atrás de si suscitou um verdadeiro anelo pelo extraordinário.7 Os franceses e os britânicos teriam motivos para ficar tão perturbados com os métodos de guerra alemães? Afinal os próprios britânicos haviam denunciado — como os alemães estavam agora fazendo com os belgas — as táticas "não-es portivas” dos bôeres, quando estes recorreram a ataques re lâmpagos e à resistência civil durante a guerra sul-africana na virada do século, forçando os militares britânicos a esta belecer centros de detenção nos quais mulheres, crianças e homens eram encarcerados em péssimas condições. Os espi rituosos que acusavam a Grã-Bretanha de comportamento hi pócrita saboreavam o trocadilho que dizia Britain rules the !waves and therefore Britain waives the rules. Além disso, há provas de que soldados franceses cometeram "atrocidades” em território ocupado no início da guerra,8 e conseqüentemente é lícito se perguntar como os franceses teriam se com portado se grande parte da guerra tivesse sido travada em solo alemão. Alguns dias depois da mobilização, Louis Pergaud, professor e ex-pacifista, escreveu: "É necessário e urgente que erradiquemos, até a última pedra e até o último indivíduo, esta raça de víboras que é a raça prussiana.”9 Entretanto, as provas que existem mostram de forma ine quívoca que os alemães negaram sistematicamente os padrões 208
internacionais — em parte por um sentimento de necessidade, por considerarem esses padrões prejudiciais ao seu bem-estar imediato, mas também em grande parte porque eles, os ale mães, simplesmente estavam menos dispostos a acatar regras que consideravam estrangeiras e históricas e, portanto, não aplicáveis a si mesmos ou ao significado colossal do momento. Os alemães se censurariam depois da guerra ao dizer que o seu esforço de propaganda tinha sido muito inferior ao dos Aliados, mas a verdade era que os Aliados tinham realmente mais substância por trás de suas queixas contra os alemães do que estes últimos contra os seus inimigos. O apelo dos alemães a “honestidade”, “franqueza” e “veracidade” soava romântico e idealista; era um apelo a virtudes interiores e privadas. O apelo dos Aliados era social, ético e histórico; era um apelo a valores exteriores e públicos. Em dezembro de 1914 Henri Bergson acusou os alemães de terem tornado a sua barbárie “científica”,10 e em janeiro de 1915 Henry James se referiu à “vileza do demonismo” que havia por trás da destruição de Ypres,11 mas o primeiro uso sistemático de gás asfixiante na Frente Ocidental pelos ale mães, em 22 de abril de 1915, em Langemarck, perto de Ypres, contra tropas francesas e canadenses, eliminou quais quer dúvidas entre as populações dos países Aliados sobre a natureza satânica da ameaça alemã e sobre a “culpa” alemã. Este acontecimento, na primavera de 1915, foi o ato mais espetacular do que Pierre Miquel chamou de “guerra terro rista”.12 A Declaração de Haia de 1899 e a Convenção de Haia de 1907 tinham proibido o uso de “veneno ou armas vene nosas” na guerra. Emborá os franceses e os britânicos já com prassem cloro líquido em setembro de 1914, e embora os franceses em particular tivessem se ocupado com munições de gás por algum tempo antes de abril de 1915, permanece o fato de que os alemães foram os primeiros a usar o gás de forma ampla e metódica. No outono de 1914 o químico Fritz Haber, que mais tarde ganharia o Prêmio Nobel por seu trabalho sobre a síntese da amónia realizado antes da guerra, tivera a idéia de que o uso de cloro daria aos ale mães a possibilidade de recuperar a iniciativa no conflito e, 209
apesar da falta de munição e de soldados, conduzi-lo a um final vitorioso. Os alemães alegavam que os Aliados estavam usando gás venenoso em suas bombas, ao invés dos irritantes relativamente inofensivos e não-tóxicos que tanto os alemães como os franceses já tinham empregado, mas estas alegações eles não podiam documentar; e sua afirmação de que os acordos de Haia não incluíam a difusão de nuvens de gás, apenas o uso de projéteis que emitissem gás, não passava de uma tentativa de obscurecer a questão. Alguns comentaristas na época e alguns historiadores mais tarde argumentaram que se criou uma comoção injustificada sobre o uso de gás. O gás, afirmam, era na verdade mais humanitário que o bombardeio, porque provocava menor nú mero de baixas, mesmo depois que se passou a usar o gás letal.13 Esse argumento é especioso. O gás certamente não era usado porque fosse mais humanitário mas porque combinava todos os horrores a que o soldado do front estava sujeito. Não era usado em lugar da artilharia; era usado para reforçar a artilharia. Como disse um artilheiro britânico em maio de 1915, defois que os alemães tomaram a Colina 60, ponto estra tégico perto de Ypres, com a ajuda de gás: Se não quisermos sofrer derrotas a cada movimento, temos de usar, nós também, algo parecido. Esses humanis tas alegam que é mais compassivo asfixiar um homem do que despedaçá-lo com uma bomba altamente explo siva. Esse é o jeito simpático que eles têm de querer apa recer diante do mundo em geral. Na realidade, depois de lançarem o gás, eles matam a baionetadas todos aque les que, atordoados pela fumaça, não conseguem andar, e em seguida atiram seus explosivos contra a multidão miserável que continua lutando para respirar. Não há palavras que exprimam o que pensamos de tudo isso.14 Os soldados, mesmo os veteranos experimentados, de to dos os exércitos nunca se acostumaram com a idéia do gás. Na verdade, alguns dos alemães diretamente envolvidos na produção do gás venenoso o consideravam uma arma "nada cavalheiresca” e "repugnante”.15 O príncipe herdeiro Ruprecht 210
da Baviera, comandante do Sexto Exército, tentou impedir o seu uso, argumentando que o inimigo reagiria de modo seme lhante, mas foi dissuadido de seu intento. Ironicamente, seu Sexto Exército devia ser vítima do primeiro grande ataque britânico com gás, em Loos, em setembro de 1915. Embora tenha se tornado rapidamente um elemento obrigatório do arsenal de ambos os lados, e fórmulas mais mortais tenham sido empregadas à medida que a guerra avançava, os solda dos continuaram a associar ò gás a métodos impróprios de luta. "Nunca esquecerei as cenas que vi em Ypres depois dos primeiros ataques com gás”, afirmou o tenente-coronel G. W. G. Hughes, do corpo médico. Homens estendidos ao lado da estrada entre Poperinghe e Ypres, exaustos, ofegantes, expelindo pela boca um muco amarelo, os rostos azuis, angustiados. Era terrível, e muito pouco se podia fazer por eles. Ainda não encontrei des crição em nenhum livro ou estudo que exagerasse o pavor ou, em sua compreensão do horror, chegasse perto da monstruosidade destes casos de gás. Depois de vê-los e tratá-los, saía-se com vontade de atacar imediatamente os alemães e estrangulá-los, fazendo-os pagar pela sua per versidade. Melhor uma morte súbita do que esta terrível agonia.16 As vítimas de gás, uma vez vistas, torturavam muito mais a mente do que os soldados mutilados pelas bombas: Em todos os meus sonhos, diante de minha vista [ indefesa, Ele se precipita sobre mim, pingando, sufocando-se, [afogando-se}1
Os soldados eram, sem dúvida, intensamente supersticio sos, e as tropas britânicas vieram a sentir que usar gás dava azar.18 A frente interna na Grã-Bretanha e na França achava que os alemães tinham passado dos limites quando recorre ram ao gás. A opinião nacional sentia-se ultrajada, e quando, para a emergência de final de abril, o Daily Mail pediu às 211
mulheres da Grã-Bretanha que fizessem um milhão de pe quenas máscaras de respiração, feitas com chumaços de al godão cru conforme especificações publicadas no jornal, o exército foi inundado de doações. Vários milhares delas foram imediatamente enviados à França e distribuídos às tropas como um expediente de ocasião. A tecnologia da guerra do gás desenvolveu-se rapidamente: do cloro ao fosgênio e aos gases de mostarda. O gás de mostarda era o mais letal, e nova mente foram os alemães que o introduziram. As máscaras tornaram-se conseqüentemente mais sofisticadas, com prote ção para o rosto feita de tecido impregnado de borracha, e óculos de vidro não-estilhaçável. Os homens odiavam as más caras. Na melhor das hipótese, elas dificultavam a respiração è restringiam a visão e a mobilidade. Rodeado de homens mascarados durante um ataque de fosgênio em Verdun, Pierre de Mazenod lembrou-se de um "carnaval da morte”.19 Para muitos, o gás fez a guerra entrar no reino do irreal, do faz-de-conta. Quando os homens pu nham as máscaras, perdiam todo sinal de humanidade, e com seus longos focinhos, grandes olhos de vidro e movimentos lentos, tornavam-se figuras de fantasiá, mais próximos, com suas feições angulosas, das criações de Picasso e Braque do que de soldados tradicionais. "Este focinho de porco que re presentava a verdadeira face da guerra” — disse Dorgelès da máscara de gás.20 O comentário britânico sobre os ata ques de gás alemães incluía o seguinte: Com o uso de gás venenoso pelos alemães, a guerra tor nou-se mais encarniçada, e o horror seguiu-se ao horror até que o soldado da civilização teve de se alçar a um tal nível de coragem, que deixou completamente na som bra a dos cavaleiros de outros tempos que saíam para lutar contra dragões abomináveis que lançavam fogo e va pores fétidos pelas narinas. Nesta luta mortaf com uma raça de orangotangos científicos, é necessário fechar os olhos para as exterioridades e olhar para dentro a fim de ver o halo brilhando na fronte do soldado. . . Mas quão mais esplêndida que a de qualquer soldado emplu mado e ajaezado de outrora é a sua coragem quando ele 212
avança, ou se acocora na lama ou no chão, enfaixado em suas ataduras químicas, perdida já toda aparência hu mana, à espera não só da bala e da granada e da arma branca, mas também do Flammenwerfer, do gás asfixiante, do gâs lacrimogêneo, do gás fedorento e outros instru mentos de guerra da Alemanha!21 Quando o Grupo Antigás dos Engenheiros Reais se reu niu dez anos depois da guerra, não surpreende que um dos quadros de um programa de comédia fizesse referência ao balé russo. Tanto o gás como o balé russo eram considerados o cúmulo da “novidade”, expressões de um senso do mo derno que ia muito além do que a maior parte da sociedade julgava aceitável. O tenente-coronel Henry S. Raper, Coman dante da Ordem do Império Britânico, Membro da Sociedade Real e Cavaleiro Real da Itália, foi apresentado no programa comemorativo da seguinte maneira: Raperski apresenta seu famoso Balé Russo, “Diálise”. Argumento: A cena se passa na clareira de um bosque, onde se vêem as três belas irmãs, Clorina, Bromina e Iodiva passeando. Sódium, notório mau-caráter, se apro xima e as engana, presenteando cada uma delas com um elétron para o anel. Tarde demais elas descobrem o que aconteceu e estão prestes a se cristalizar de desespero quando são precipitadas por Argentum e assim salvas de seu terrível destino. A última cena mostra Sódium, que agora se tornou um lon, em movimento browniano.22 Dado o protesto na Grã-Bretanha quando o gás foi utili zado pela primeira vez, é interessante observar os parágrafos iniciais do relatório holandês sobre guerra química, publi cado em 1919. O relatório começa: O Comitê não tem a menor dúvida de que o gás é uma arma legítima na guerra, e considera que se pode desde já prever que será usado no futuro, pois a história não registra nenhum caso de uma arma comprovadamente útil na Guerra ter sido abandonada por Nações que lutam pela sobrevivência.23 213
Vinte anos mais tarde, na deflagração da guerra seguinte, to dos na Grã-Bretanha receberiam uma máscara de gás. A “guerra cubista” tinha se espalhado por toda a nação. O lança-chamas foi outra arma que os alemães foram os primeiros a empregar; fazia parte de seu arsenal desde o final de 1914. Os Aliados diziam que violava os acordos de Haia, que proibiam o uso de “armas, projéteis e materiais planejados para causar sofrimento desnecessário”, insistindo, além do mais, que “os países beligerantes não têm direito ili mitado quanto à escolha dos meios de ferir um inimigo”. O lança-chamas consistia em um cilindro de óleo e um tubo de aço a partir do qual o óleo era lançado sob alta pressão. Tratava-se de uma arma que, como o gás, não se mostrava terrivelmente eficaz a longo prazo — era mais útil para in cinerar os ocupantes dos abrigos circulares junto aos canhões e dos abrigos subterrâneos —, mas incutia um medo aterrorizador em suas vítimas potenciais. Mairet considerava o Fiammenwerfer o supremo “símbolo desta guerra impiedosa, uma visão incandescente deste século de loucura”.24 Os franceses e os britânicos não gostavam tanto de usar o lança-chamas quanto os alemães: achavam que, se houvesse alguma resis tência nas trincheiras sob ataque, era provável que o homem do lança-chamas fosse atingido, tornando-se uma tocha hu mana e representando mais um perigo do que uma ajuda para seus próprios companheiros. Se houvesse pouca resistên cia a um ataque, o lança-chamas não seria necessário. Os franceses reservavam o lance-flammes para operações de lim peza, depois de uma primeira onda de assalto ter sido bemsucedida. Entre outras inovações da guerra de trincheira que os alemães foram os primeiros a empregar metodicamente encontravam-se os morteiros de trincheira e os tiros de tocaia. Os Minnenwerfer (lança-minas) ou Minnies, como os britânicos os chamavam com afeto irônico, apareceram já em setembro de 1914, em Chemin des Dames e em outros lugares. Os franceses os odiavam, chamando-os de “baldes de carvão” ou “chaminés de fogão”. Os atiradores de tocaia, com sua mira telescópica, também eram abominados — às vezes até por companheiros de seu próprio exército — como tipos não esportivos. 214
Os britânicos e os franceses foram muito mais lentos em introduzir novas idéias de guerra — morteiros de trincheira, gás ou tanques. Desde o início houve relutância em aceitar a realidade da guerra de trincheiras. “Não sei o que deve ser feito”, dizia Kitchener; “isto não é guerra”.25 É claro que se atribuía a guerra de trincheiras aos alemães; foram os pri meiros a recorrer a esta forma “não-viril” de luta. O general Cherfils acusava o boche de se comportar como uma “tou peira covarde”, recusando um combate viril e honesto à la loyale.26 Mas além de denúncias contra os alemães, surgiram poucas idéias inspiradas e inovadoras. Depois que a batalha do Somme já se arrastara por três meses sem qualquer sinal de brecha na linha de combate, o general Robertson ainda descrevia os tanques como “uma inovação um tanto teme rária”.27 Os tanques foram quase que a única invenção significa tiva dos Aliados na guerra de trincheiras. Entretanto, seu uso prematuro, em número insuficiente, em 15 de setembro de 1916, no Somme, desperdiçou a importante arma da surpresa. O mundo vitoriano considerava a surpresa um tanto contrária à ética. A surpresa pertencia ao mundo imoral do aposta dor e do flâneur. O sucesso tinha de ser o resultado de muito trabalho e esforço, e não do acaso e da surpresa. Assim, o tanque não devia ser concebido como arma secreta, mas an tes como produto da determinação e do compromisso britâ nicos. Se dependesse de Haig, o tanque permaneceria subor dinado ao ataque de infantaria. No final, homens, e não má quinas, venceriam esta guerra —- homens “que seguiam as regras do jogo”. Se os Aliados aceitaram relutantemente os tanques como parte necessária do jogo, o emprego alemão de submarinos para atacar todas as embarcações dentro de uma determinada zona foi considerado pelos franceses e pelos britânicos, desde o início, como uma outra manifestação da barbárie alemã. Os alemães sempre tinham dado mais importância ao simbo lismo de sua frota de guerra do que ao seu uso prático. Em outubro de 1912 Bethmann Hollweg, por exemplo, disse a Lorde Granville, dignitário da embaixada britânica em Berlim, que a Alemanha necessitava de sua marinha “não apenas para 215
defender seu comércio, mas para servir ao objetivo geral de sua grandeza”.28 Quando irrompeu a guerra, a superioridade naval britânica foi evidente desde o início, e no final de 1914 a Grã-Bretanha tinha firme controle sobre as águas territo riais e aplicara um bloqueio eficaz contra a frota alemã no Mar do Norte e no Canal da Mancha; além disso, fizera estragos consideráveis à esquadra de guerra alemã nos mares. O kaiser relutava em arriscar o resto de sua valiosa armada, em ter os seus símbolos despedaçados; por isso, com exceção de alguns ataques relâmpagos na costa leste da Inglaterra e da batalha da Jutlândia em 1916, a marinha alemã perma neceu no porto atrás das áreas minadas. Privadas do uso deste símbolo de status, as autoridades navais alemãs deslocaram a ênfase para uma nova arma de guerra naval, uma arma de efeito mais "moderno”, que implicava sigilo, surpresa e des truição repentina, o submarino. Com a importância dada ao submarino, os alemães mais uma vez mudaram os padrões tradicionais do pensamento estratégico. A frota naval deveria ter sido secundada pelos submarinos, mas ocorreu o inverso: o submarino tornou-se a principal arma alemã no mar, e a armada de superfície foi relegada a uma posição de apoio. Em terra, os alemães recorreram a uma guerra subterrânea; em alto-mar, sua atitude foi semelhante. Em fevereiro de 1915 os alemães anunciaram o estabele cimento de uma "zona de guerra” ao redor da Grã-Bretanha, na qual todos os navios, mercantes ou não, seriam atacados, sem se levar em conta a segurança das tripulações e dos passa geiros. Novamente os alemães afirmavam que os britânicos tinham sido os primeiros a violar a lei nos mares e que eles, alemães, estavam apenas reagindo ao bloqueio britânico im posto ao seu país* A Grã-Bretanha tinha se recusado a rati ficar a Declaração de Londres de 1909, que tentou estabe lecer um código jurídico para a guerra naval, e continuava a interpretar em benefício próprio questões litigiosas como, por exemplo, a natureza do contrabando; por isso, dizia o argumento, a Alemanha não tinha outra alternativa senão ado tar medidas de represália, por mais brutais que pudessem parecer. Neste caso havia certamente algum mérito na afirmação. Entretanto, o que interessa aqui é a natureza da resposta 216
alemã. Ao recorrerem à guerra submarina irrestrita e ao se recusarem mais uma vez a fazer distinções entre soldados e civis, entre países neutros e beligerantes, os alemães con duziram a guerra com muito mais dramaticidade e elã do que os britânicos tinham demonstrado por ocasião do blo queio, para a esfera da guerra total. Aplicou-se o Schrecklichkeit nos mares. Em março de 1915 o navio de passageiros Falaba foi atingido por um torpedo disparado enquanto os botes salva-vidas ainda eram lançados ao mar. Mais de cem vidas se perderam. No dia 7 de maio o navio britânico Lusitania foi torpedeado perto da costa da Irlanda, perdendo-se 1.198 vidas, inclusive 120 americanos, de um total de mais de 2 mil passageiros e tripulantes. Numa demonstração de fer vor xenófobo, foi cunhada uma medalha na Alemanha para comemorar esta “vitória” nos mares. Acontecendo, como foi o caso, poucos dias depois do primeiro uso de gás, o afun damento do Lusitania fez recair a cólera do mundo neutro sobre a Alemanha. Josiah Royce, professor em Harvard, tinha até aquele momento evitado mencionar a guerra em suas au las. Mas quando ficou sabendo do destino do Lusitania, não pôde mais se conter. “Eu seria um mau professor de filosofia, e em particular de filosofia moral, se deixasse meus alunos em dúvida, por menor que fosse, sobre como considerar tais coisas”, e em seguida se referiu a “estas mais recentes ex pressões das infâmias da guerra prussiana” e a “esta nova experimentação com á natureza humana” .29 A reação de Royce representava a reação americana. Nos países da Entente o afundamento do Lusitania pro vocou indignação moral e uma corrida aos postos de alista mento. William Gregson, professor de vinte e cinco anos em Arnold House, escola secundária de Blackpool, cujo diário até então continha mais apontamentos sobre a vida escolar e o futebol do quei sobre a guerra, foi claramente influenciado pelú acontecimento. No domingo, 9 de maio, escreveu em seu diário: “A perda do Lusitania ainda paira como uma nuvem sobre nós e leva Rigby a fazer sermões mais apai xonados do que de costume nas matinas.” Em duas semanas Gregson tinha decidido se alistar.30 217
Os alemães continuaram sua tática durante todo o ve rão, atacando sem sucesso um grande navio Cunard em 9 de julho e mais tarde afundando o navio White Star Arabic em 19 de agosto. Era evidente que a opinião contra eles ga nhava força e que a guerra submarina não estava tendo o desejado efeito econômico sobre a Grã-Bretanha; por isso em setembro de 1915 os ataques foram cancelados. Entretanto, quando Falkenhayn desenvolveu sua idéia da Stellungskríeg — apresentada por ele de forma bastante com pleta num memorando de dezembro de 1915 — , também in cluiu, em sua versão mais ampla da natureza da nova guerra, a busca enérgica da guerra submarina irrestrita. Ambas eram ingredientes essenciais da guerra total. Falkenhayn não conse guiria convencer as autoridades civis e o kaiser da conve niência da guerra submarina durante o ano de 1916. Mas, depois da batalha da Jutlândia, com a constatação de que a Alemanha tinha poucas chances de derrubar a supremacia na val britânica, e com um impasse semelhante na guerra terres tre em 1916, o kaiser e Bethmann Hollweg finalmente re conheceram que uma nova campanha de guerra submarina cons tituía o único caminho possível para alcançar a vitória. Apesar da probabilidade de uma campanha dessas ter como resultado o ingresso dos Estados Unidos na guerra, os alemães acre ditavam que, poderiam dobrar a Grã-Bretanha antes que o poderio americano se fizesse sentir na Europa. Se a tonelagem afundada é critério de sucesso, desta vez a campanha em suas primeiras etapas se mostrou definitiva mente promissora, pelo menos até o fim do verão de 1917, quando os britânicos introduziram um eficaz sistema dè com boio. A pior repercussão para os alemães se deu, entretanto, em abril com a entrada dos Estados Unidos na guerra. A guerra submarina devia se prolongar até o final, mas por volta de julho de 1918 atingiu o ponto crítico, porque a esta altura os britânicos produziam mais tonelagem de navios no vos por mês do que a afundada pelos alemães. No ar, como já observamos, os alemães também tomaram a iniciativa de "expandir os limites do combate. Assim, em todos os níveis, na guerra em terra, no mar e no céu, foram os alemães que em geral tentaram utilizar pela primeira vez os 218
métodos mais modernos. Foram eles que de forma muito es palhafatosa forçaram os padrões internacionais de conduta e moralidade. Em todas estas áreas e aspectos da guerra, o ano de 1916 assumiu grande importância. Muitas das novas idéias foram' experimentadas pela primeira vez em 1915 — o gás, a guerra submarina —, de modo que aquele ano se torna em retrospecto um ano de transição; mas 1916 presenciou o ad vento e a aceitação da nova guerra em suas dimensões mais espetaculares. Muitos tinham consciência de que graves mu danças estavam em andamento. Georges Blachon publicou dois artigos no começo de 1916 na Revue des deux mondes , inti tulados “La Guerre nouvelle” e “La Guerre qui se trans forme sous nos yeux”.* Quanto a métodos, táticas e instrumentos de guerra, a Alemanha tomou a iniciativa em 1914. A guerra devia pro mover uma revolução no espírito europeu e, como corolário, na estrutura de estado européia. A Alemanha era a potência revolucionária da Europa. Localizada no centro do continente, ela se propôs tornar-se o país líder da Europa, o coração da Europa, como dizia. A Alemanha não só representava a idéia da revolução nesta guerra; apoiava forças revolucionárias por toda parte, quaisquer que fossem os seus objetivos finais. Aju dou Roger Casement e os nacionalistas irlandeses em sua luta contra a Grã-Bretanha, e na Suíça embarcou Lênin de volta à Rússia para fomentar a revolução em Petrogrado. O que importava para os alemães era sobretudo a derrubada das ve lhas estruturas. Esta era a verdadeira questão da guerra. Uma vez alcançado este objetivo, a dinâmica revolucionária passa ria a erigir novas estruturas, válidas para a nova situação.
* “A nova guerra” e “A guerra que se transforma ante os nossos olhos” . 219
V
A RAZÃO NA LOUCURA
Ó Deus, nosso amparo em tempos passados, Nossa esperança para os anos futuros. Is a a c W a t t s
Acho que a Guerra não produziu nenhuma mudança importante e duradoura no caráter, nos costumes e hábitos do povo. Mi c h a e l
Ma c d o n a g h
1916
Vou voltar a Blighty, donde saí pra éncarar o huno; Lutei em batalhas sangrentas, e me diverti aos montes; Agora com a mão arrebentada, acho que cumpri meu dever, Vou a Blighty beijar minha garota. Cartão de Natal da Sociedade Britânica da Cruz Vermelha, 1917
NÃO LHES CABIA SABER A RAZÃO
Professores, mineiros de carvão, bancários, granjeiros, pequena nobreza, classe média urbana, trabalhadores e camponeses no meio da fúria, o que os mantinha nas trincheiras? O que os conservava à beira da terra de ninguém, aquela faixa de território que a morte governava com punho de ferro? O que os levava a sair das trincheiras, em longas filas que, apesar do barulho, do terreno, do terror e da confusão, permaneciam extraordinariamente ordenadas? O que os mantinha em con fronto constante com a morte ou seus símbolos, no ataque e no contra-ataque; na defesa, nas faxinas ou nas marchas; no 220
verão e no inverno; na linha de fogo, na linha de apoio, na reserva, no descanso e, talvez o teste supremo, no gozo de licença? Não estamos falando aqui de exércitos profissionais, mas de exércitos de massa, de voluntários e conscritos, como o mundo nunca tinha visto até então, e não estamos falando de sistemas militares em que se obtinha obediência através do chute, do laço ou do leito de Procusto. Ainda se punia a deserção com a morte, e as cortes marciais estiveram ativas durante a guerra, mas a incidência de insubordinação e se dição era minúscula em relação ao número de combatentes e em vista das condições que tinham de enfrentar. A questão de saber o que mantinha a afluência de homens a este in ferno da Frente Ocidental é básica para uma compreensão da guerra e do seu significado. O que se torna claro na leitura dos diários e das cartas de soldados do front é que em serviço na linha de frente, particularmente em ação, mas também nas tarefas rotineiras, os sentidos ficavam tão entorpecidos pelas inúmeras agressões de que eram vítimas que cada homem tendia, depois de al gum tempo, a viver de acordo com reflexos. Funcionava instintivamehte. É claro que a autopreservação não deixava de ser um instinto importante, porém ainda mais importantes, considerando-se a situação em que o soldado se encontrava, eram as firmes regras de conduta estabelecidas pelos militares e, especialmente, as normas sociais que constituíam o contexto mais amplo dos militares. Reflexos e instintos eram em grande parte prescritos pela sociedade do soldado. Sobre um ataque, Alan Thomas escreveria mais tarde: “O barulho, a fumaça, o cheiro de pólvora, o matraquear do fogo de fuzis e de metralhadoras se juntavam para entorpecer os sentidos. Eu tinha consciência de que eu e outros soldados avançávamos, mas de pouca coisa mais.1 Thomas pode não ter se dado conta do por que avançava, mas não deixava de avançar, leal, obediente e honradamente, por muitas razões; e a maioria dessas razões era positiva, e nã_o negativa. “A causa”, com sua profusão de interpretações — pessoais, fa miliares e nacionais — era um fator muito mais importante na determinação do comportamento do que a ameaça de punição. 221
Para Patrick McGill, dos Irlandeses de Londres, sair das trincheiras para o ataque significava que “chegara aquele mo mento em que não convinha pensar”.2 O tempo e até o lugar deixavam de ter importância. A tarefa imediata a cumprir — passar pelo próprio arame farpado de suas próprias linhas, atravessar o terreno cheio de crateras, observar os sinais do chefe do pelotão, arcar com o peso do equipamento — era exaustiva. Nesta situação o soldado funcionava segundo re gras marteladas durante o treinamento, mas também segundo todo um código de valores incutido por sua sociedade, edu cação e criação. É perfeitamente compreensível que uma reação ditada por reflexos determinasse o comportamento em situações de perigo extremo. O material documental contém referências fre quentes a um estado semelhante ao da anestesia. Eis a des crição, feita por Alexander Aitken, de um ataque a Goose Alley no Somme, em setembro de 1916: Passei pela fumaça. . . Num ataque cornb este, sob fogo mortal, fica-se tão impotente quanto um homem segu rando eletrodos fortemente carregados, impotente para fazer outra coisa que não seja continuar mecanicamente; removido o último escudo contra a morte, a vontade se fixa como o último pensamento com que se entra na anestesia, que é o primeiro pensamento com que se sai dela. Só a segurança, ou o choque de um ferimento, des truirá essa auto-hipnose. Ao mesmo tempo toda emoção normal fica inteiramente entorpecida.3 Mas outros relatos sugerem que, para muitos, este estado bei rando a narcose tornava-se uma condição constante de vida prolongada nas trincheiras. Depois que um soldado passava três semanas no front, notava-se nele uma nítida mudança: suas reações geralmente se embotavam, o rosto exibia menos expressãot, os olhos perdiam o brilho. O estudante alemão Hugo Steinthal notou a insensibilidade que o soldado desenvolvia, o que o capacitava a sobreviver mentalmente nesse inferno. Depois de ser substituído numa tarefa particularmente cansa tiva nas trincheiras, ele escreveu aos familiares: 222
Quem quer que tenha estado nestas trincheiras tanto tempo quanto a nossa infantaria, e quem quer que não tenha perdido o juízo nestes ataques infernais, deve pelo menos ter ficado insensível a muitas coisas. Quantidade demasiada de horror, quantidade excessiva do incrível foi arremessada contra nossos pobres camaradas. Para mim é inacreditável que isso possa ser tolerado. Nosso pobre cérebro simplesmente não é capaz de absorver tudo isso.4 Marc Boasson se referiu ao automatisme anesthésiant que a experiência da trincheira provocava.5 Fritz Kreisler observou o "estranho estado de espírito psicológico, quase hipnótico” em que se caía.6 O general Pétain viu jovens inocentes en trarem na "fornalha de Verdun” pela primeira vez, afetando despreocupação e indiferença. Quando saíram de lá, os sobre viventes tinham expressões "paralisadas pela visão do terror”.7 Choque emocional ou neurastenia foi o termo finalmente apli cado a casos extremos desta condição, mas os estados-maiores do exército e os oficiais médicos custavam a admitir tal con dição. O tenente-coronel Jack do 2? Batalhão de Yorkshire anotou, em seu diário de novembro de 1916, o caso de um de seus oficiais que tinha servido com o batalhão na França desde novembro de 1914 e que agora estava claramente so frendo de esgotamento nervoso: E u. . . informei ao Alto Comando seu estado de esgota mento e pedi que fosse mandado para .casa a fim de pas sar uns dias longe das batalhas. Recebi a resposta curiosa de que isso de. soldado "esgotado” era coisa que não existia, e meu pedido foi recusado.8 Se os militares relutavam em reconhecer o choque emocional das bombas, os civis não tinham a menor idéia do que seria esta condição. Garfield Powell, enfurecido durante a ofensiva do Somme com as banalidades ditas pelos políticos, sugeriu que todos eles fossem obrigados a passar uma semana nas trincheiras: Choque emocional! Será que eles sabem o que isfco signi fica? Os homens tornam-se fracos como crianças, gri 223
tando e sacudindo os braços loucamente, agarrando-se ao companheiro mais próximo e suplicando para não serem abandonados.9 Talvez não seja uma hipótese fantástica afirmar que muitos, talvez até a maioria dos soldados das linhas de frente das principais áreas de combate, sofriam em maior ou menor grau de choque emocional provocado pelas bombas. Como se ex pressou o poeta-soldado francês Charles Vidrac: . . . o homem que tropeçou Entre as pernas da morte e Depois se recupera e respira de novo , Só pode rir ou chorar: Não tem coragem de lamentar. Até para um homem que se sentisse funcionando normalmente, a vida na linha de frente exigia tanto trabalho braçal — con sertar trincheiras, cavar novas latrinas, cuidar do arame far pado, estar de sentinela, limpar equipamentos, caçar ratos e piolhos — que ele raramente tinha tempo ou energia para pensar no significado e no objetivo da guerra. Os oficiais que censuravam as cartas achavam a tarefa tremendamente monó tona por causa do conteúdo trivial de quase todas as cartas. Preocupações materiais — referências às refeições, a cigarros, roupas, equipamentos, e a uma multidão de coisinhas irri tantes como o tempo e os parasitos — predominavam; as emoções dificilmente transcendiam o sentimentalismo barato; e usualmente recorria-se aos lugares-comuns para falar da guerra. Mesmo um observador sensível como Roland Dorgelès admi tiu que "as impressões mais profundas me vieram mais tarde, com algum distanciamento. No local, prestava atenção a pe quenas questões, e estes detalhes quase sempre me impediam de julgar o todo”.10 Preocupados nas trincheiras com a grande quantidade de detalhes — "esmagados”, como disse André Bridoux, "pela necessidade da hora”11 — e privados de informações precisas sobre o curso da guerra em outras frentes, os homens achavam difícil formar uma imagem coerente da guerra como um todo. Esta é uma das razões por que um romance como Le Feu 224
de Henri Barbusse circulou de mão em mão e foi lido tão avidamente depois de sua publicação em 1916. Os homens necessitavam de uma visão mais ampla da guerra. A maioria passou pela guerra como um cego. André Gide visitou em Braffye um posto médico que estava recebendo os feridos de uma batalha, na esperança de conseguir algumas reações autênticas daqueles que ainda po diam falar sobre o combate. Ficou estupefato ao ouvir os so breviventes declamarem os mesmos clichês encontrados nas re portagens jornalísticas da batalha. “Nenhum deles foi capaz de esboçar a mais leve reação original”, queixou-se. Era como se os soldados tivessem lido os artigos que seriam impressos sobre a batalha antes de participarem dela.12 A guerra, pelo que parecia, desenrolava-se com base em pressuposições, em reações reflexas engendradas por um código de valores e idéias não' apenas sobre a própria guerra mas sobre a civi lização em geral. No Somme o reverendo Walker deu a co munhão a um homem gravemente ferido: Depois da bênção, suas mãos se uniram, os olhos se fe charam, e ele disse: “Doce Jesus, humilde e manso, olha por uma ‘criancinha etc.” — Deus abençoe meu pai, minha mãe, meu avô, e faça de mim um bom menino — e depois rezou o Pai-Nosso.13 Se os soldados moribundos recorriam a rituais que tinham aprendido ao pé da cama na infância, os ameaçados de ani quilamento naquele mesmo dia, no dia seguinte ou na se mana seguinte reagiam de modo igualmente fundamental. A vida passou a ser vista como suspensão temporária da pena capital. Nada mais. Os homens pararam de fazer perguntas, deliberadamente. Deixaram de interpretar. “Assim como ten tava livrar-se dos piolhos tão regularmente quanto possível”, disse Jacques Rivière, o combatente cuidava de matar em si mesmo, um a um, assim que surgiam e antes que fosse mordido, cada um de seus sentimentos. Ele agora via claramente que os sentimentos eram parasitos, e que nada mais havia a fazer senão tratá-los como tais.14 225
A guerra tinha adquirido uma importância tão monumen tal, como uma divindade insondável e indefinível, que as pa lavras e as idéias se tornavam inúteis. Gabriel Chevalier: "Nunca me senti tão vazio de idéias.”15 Charles Delvert: “O intelecto de todos está entorpecido. Ninguém pensa mais. A cabeça pesa como chumbo.”16 Dillon Lawson: "A conclusão inevitável a que se chega aqui é que pensar sobre as coisas é mais do que inútil.”17 Com a exceção de alguns incidentes de menor importân cia, houve nas fileiras britânicas e nas alemãs uma lealdade quase absoluta até o fim. Não se deve superestimar os desa cordos, os casos de insubordinação, ném mesmo o motim das companhias formadas por trabalhadores no acampamento da base britânica em Étaples, em 1917. Considerada no amplo contexto da grande mobilização de milhões de combatentes e da colossal infra-estrutura burocrática e industrial criada para a guerra, a incidência de indisciplina era baixa. Nas linhas francesas ocorreram de fato motins generalizados em 1917, depois das ofensivas desastrosas e totalmente infrutíferas de abril daquele ano no Chemin des Dames. Mas os estudos mostraram que esses motins não foram inspirados por dú vidas fundamentais sobre o objetivo da guerra, e sim por queixas básicas a respeito de questões como regularidade das licenças, qualidade da comida, inadequação das oportunidades recreativas nas posições de retaguarda, preço do pinard (vinho), falta de tabaco e assim por diante. A administração francesa do esforço de guerra tinha entrado em colapso, o que per turbou o moral das tropas, e não vice-versa. Se a guerra estava reduzida, certamente por volta de 1916, a reações reflexas, as premissas das civilizações e cul turas que participavam da guerra passavam a ser de impor tância vital. E quanto a isso, a palavra-chave crucial para estas premissas era "dever”, ou devoir , ou Pflicht. Depois que o verniz do heroísmo se gastou no primeiro mês da guerra, e à medida que o conflito entrava na fase enervante do des gaste, o conceito de dever tornou-se a cavilha para o esforço. Enquanto a palavra guardasse algum simulacro de signifi cado, expresso ou não expresso, a guerra continuaria. Enquanto, em momentos de reflexão, os soldados pudessem de alguma 226
forma relacionar seus reflexos e comportamento instintivo a um subjacente senso de responsabilidade, continuariam a lutar, apesar do horror, do cansaço e até do desânimo.18 Uma boa parte da literatura da e sobre a guerra — desde obras como Le Feu de Barbusse e a poesia de guerra de Siegfried Sassoon, Wilfred Owen, Robert Graves e Herbert Read, passando pela “literatura do desencanto” dos anos vinte, até algumas recentes análises da sensibilidade dos soldados — dá grande ênfase ao nascente senso de ironia, desilusão e alheamento entre os soldados do front. Esta sensação de desarraigamento e marginalidade em relação à ordem social exis tente e seus valores é importante, e retornaremos a esta ques tão, mas o que merece atenção no contexto da guerra é que, apesar da crescente insatisfação, a guerra continuava, e por uma única razão: o soldado queria continuar a lutar. A ra zão desta sua atitude exige explicação, mas este é um ponto que tem sido freqüentemente ignorado. Foi só na Rússia que o front desmoronou. Ali existia uma sociedade ainda relativamente atrasada e que não havia desenvolvido os meios econômicos, sociais e morais para en frentar uma longa guerra. A socialização, através da educa ção e de outras instituições do Estado, não tinha ido muito longe na Rússia. A indústria não se mostrava suficientemente abrangente ou moderna para prover suprimentos ou muni ções adequadas, e a falta de equipamentos atormentou os exércitos do czar durante toda a guerra. A maioria dos sol dados russos, como a maioria da população russa, era for mada por camponeses analfabetos cuja inspiração para a luta provinha apenas da lealdade ao czar. Sua atitude para com a vida era mais básica do que a dos soldados de sociedades urbanas, industrializadas e letradas; era destituída de ador nos sociais e equipamentos ideológicos. Conseqüentemente, o moral era pior,. Em dois anos e meio os russos sofreram cinco milhões e meio de baixas. As tropas ficavam constantemente sem munição, a população civil sem comida; o sistema de transportes era um caos; e o governo estava dividido. O terrível inverno de 1916-1917, com sua fome em grande es cala, completou o colapso. Na primavera de 1917 o povo russo já estava farto. Aquele ano presenciou duas revolu227
ções,.em março e em novembro, com os bolchevistas engen drando a última. Em março de 1918 o Tratado de BrestLitovsk tinha sido assinado com os alemães, e a Rússia es tava fora da guerra. Nos outros países o exemplo russo provocou murmúrios de simpatia no segundo semestre de 1917, mas em geral man teve-se o m ora l.'O que portanto, significava o “dever”, e como este significado mudou no curso da guerra?
DEVER
Na visão de mundo da classe média do século XIX o pro gresso, que afinal constituía a essência da história, era um produto de continência moral e ambição secular, um amál gama de senso de destino e crença no esforço individual. Nesta perspectiva geral estava implícita a idéia de que era possível e desejável uma reconciliação, se não uma completa identificação, entre a necessidade pública e o desejo indi vidual. Para um homem como Samuel Smiles, noções de pro gresso coletivo, por um lado, e de honra, esforço e felicidade individual, por outro, estavam todas ligadas entre si: “O tra balho honrado viaja pela mesma estrada que o dever; e a Providência os uniu estreitamente com a felicidade.”1 Vemos, porém, que, para Smiles, o trabalho e o dever estavam apenas “estreitamente ligados” com a felicidade. Não coincidiam. Se um estado de supremo bem-estar não resul tava necessariamente do cumprimento do dever, este dava uma forte sensação de satisfação pessoal. No código moral ideal da classe média do século XIX o esforço individual visava sempre à harmonia social, ao bem-estar de todos, ao bem público. No final, os interesses do indivíduo, que de viam ser protegidos e favorecidos pelo Estado, ficavam su bordinados ao bem público; a çompostura pessoal era o sinal da respeitabilidade; e a idéia de servir ao público, ou de ver, tornou-se a grande realização desta classe. 228
À medida que as instituições e os instrumentos do Es tado se desenvolviam no século XIX e caíam gradativamente sob controle público, a classe média passou a fornecer os funcionários e os diretores de escolas, hospitais, tesourarias, empresas de serviços públicos, repartições coloniais, sem fa lar na participação cada vez maior no próprio governo. No setor privado, bancos, companhias de seguro e corporações industriais também tiravam proveito da iniciativa e da am bição da classe média. Até os exércitos vieram a ser, no fi nal' do século, instituições predominantemente de classe média, da oficialidade à tropa. Só os estados-maiores permaneceram na mão da velha aristocracia, embora mesmo ali o controle de classe já não fosse sólido. Em 1914 na França, na Grã-Bretanha e na Alemanha foi principalmente a classe média, imbuída das idéias de ser viço e dever, que partiu para a guerra. Esta foi a primeira guerra da classe média na história. Se as guerras anteriores tinham sido guerras de dinastias, de interesses feudais e aris tocráticos, de rivalidades principescas, a Primeira Guerra Mun dial foi a primeira grande guerra da burguesia. Não é, por tanto, surpreendente que os valores desta classe média te nham se tornado os valores dominantes da guerra, determi nando não apenas o comportamento dos soldados como in divíduos, mas toda a organização e até a estratégia e as tá ticas da guerra. Sua própria extensão — foi naturalmente chamada de a Grande Guerra — refletia a preocupação da classe média do século XIX com crescimento, ganho, reali zação e tamanho. Máquinas, impérios, exércitos, burocracias, pontes, navios, tudo aumentou de tamanho no século XIX, este século maximalista; e Dreadnought e Grande Bertha fo ram os nomes reveladores que os europeus deram a suas mais terríveis armas às vésperas da guerra, esta guerra maximalista. A mensagem do rei Jorge à Força Expedicionária Britâ nica que em agosto de 1914 partia para a guerra foi: “Tenho confiança irrestrita em vós, meus soldados. O dever é a vossa divisa, e sei que vosso dever será nobremente cumprido.” Quando Kitchener apontou seu dedo para o público britâ nico no famoso cartaz de recrutamento — “Seu País Precisa de Você” —, o slogan correspondente que o olhar penetrante 229
pretendia evocar era: "Cumpra o Seu Dever.” Sobre os "pri meiros cem mil”, Ian Hay escreveu em sua celebração muito popular e vibrante da Força Expedicionária Britânica: Em seus corações seja gravado Este momento de uma única linha: Ele fez seu dever — e sua parte!2
Na efervescência que acompanhou os primeiros meses da guerra, a noção de dever, em ambos os lados, tinha uma ressonância grandiloqüente, proclamando a gloriosa defesa do país natal contra a ignóbil e pérfida agressão estrangeira. Dever e aven tura eram uma coisa só. Na Grã-Bretanha e na França associava-se o dever à honra, à lealdade, e à luta por valores civilizados e civiliza dores como justiça, dignidade e libertação do jugo da tirania. Proclamavam-se estes valores em voz alta, na verdade clamo rosamente, com "grandes frases retumbantes”, como escreveria Anthony Powell mais tarde.3 O estridente apelo ao dever exer ceu sem dúvida o seu efeito sobre muitos, mas também houve os que se dispuseram a participar ativamente do esforço de guerra depois de tomarem decisões sóbrias e ponderadas ba seadas numa argumentação socrática. E. L. Woodward, que deveria se tornar um ilustre historiador, formara-se em Oxford em 1913 e depois passara um ano em Paris. Quando estou rou a guerra alistou-se, não porque desejasse lutar contra a "barbárie” alemã, mas porque achava que se alguém se bene ficiara das leis de seu país, não tinha moralmente o direito de rejeitar estas leis se elas de repente não satisfaziam.4 Um major australiano, B. B. Leane, que seria morto em ação em 1917, confidenciou sentimentos semelhantes, embora expres sos com menor eloqüência, á seu diário em abril de 1915: "Tenho esperança de me sair bem, mas é impossível prever, e devo cumprir meu dever, seja ele qual for.”5 Na França houve apelos e argumentos semelhantes, mas é claro que com uma nota adicional de urgência, uma vez que a França foi diretamente atacada e ocupada. Tanto na Grã-Bretanha como na França associou-se ini cialmente o dever ao patriotismo, e o patriotismo espalhafa230
toso tinha um forte sabor histórico. As realizações desses dois países durante os séculos anteriores tinham uma realidade objetiva, um apelo tangível, uma visibilidade discernível em qualquer mapa do mundo e em muitas das instituições jurí dicas e governamentais de todo o mundo — em parlamentos, ministérios, sistemas judiciários. De fato, a história provia a substância da identidade britânica e francesa, e esta iden tidade tinha uma essência externa. Portanto, o dever não era uma noção abstrata no início da guerra. Era um imperativo prático. “Suponho que em nenhuma outra época foi tão forte a consciência do passado”, escreveu um galês veterano dessa guerra, David Jones.6 A felicidade individual, a auto-realiza ção e até o objetivo individual não eram em geral fatores de motivação, embora houvesse reconhecidamente alguns indiví duos, sobretudo na comunidade intelectual e artística, cujo entusiasmo pela guerra era provocado por interesse pessoal. A guerra, para a maioria dos ingleses e dos franceses, cons tituía uma etapa na marcha da civilização, na continuação do progresso, ambos os quais baseavam-se nos chamados ali cerces históricos concretos. “Estou intimamente convencido, em minha alma de cavalheiro, de que estou lutando pela civi lização”, escreveu Louis Mairet na Páscoa de 1915, antes de participar de seu primeiro ataque. “Compreendo muito bem qual é o meu dever; não deixarei de cumpri-lo ... Não sou absolutamente um guerreiro; mas me tornarei um guerreiro por necessidade.”7 Quando a guerra se atolou no impasse e no desgaste, as noções de dever e devoir começaram a perder suas implica ções agressivas e confiantes. Antes de sua morte em julho de 1915, em Artois, Jean-Marc Bernard escreveu um poema que incluía estes versos: Estamos tão desesperançados, A paz está ainda tão distante Que às vezes mal sabemos Onde se encontra nosso dever.8
Refletindo sobre o que fora realizado em 1915, Percy Jones tinha “calafrios” quando olhava para um mapa e via “até 231
onde os alemães ainda tinham de ser forçados a retroceder”.9 E, por volta de setembro de 1915, Charles Sorley estava con vencido de que a linha que defendia era inexpugnável: "Agora a linha já não pode ser vergada para trás do ponto em que nos encontramos; mas eu me pergunto se pode ser ou se algum dia será vergada para a frente.”10 Em casa, Vera Brittain observou no começo de 1916 que, segundo os pessimistas, a guerra poderia durar dez anos.11 Nas cartas e diários de soldados do jront, voluntários e convocados, diminuem, à medida que a guerra se arrasta, as menções ao objetivo global da guerra, à defesa da civilização, e aumentam as referências aos horizontes sociais limitados do indivíduo — sua família, seus camaradas e seu regimento. Embora um dos grandes temores dos soldados fosse a possi bilidade de sucumbir ao estresse, de perder o autocontrole, de suas pernas ou nervos lhes falharem numa emergência, é surpreendente como em geral dão pouca atenção ao eu, ao eu espiritual, a discussões de emoções pessoais, como cora gem, medo, esperança ou cólera. Também não há muita refe rência à religião, nem entre os capelães. Os diários pessoais calam-se sobre as emoções e os ideais. Garfield Powell achou "todo o maldito espetáculo” do Somme tão impessoal que não se pode. . . sentir qualquer emo ção pessoal. . . quando no meio da ação. Esperança, vin gança, cólera, desprezo: qualquer um desses sentimentos seria uma emoção alentadora na batalha, mas acredito que poucos os experimentam.12 O foco da atenção se fixa em elementos exteriores — ne cessidades materiais e privações, o bem-estar, dos companhei ros, o ânimo do front interno. Abel Ferry, que no início da guerra havia destilado idealismo, escrevia do jront em maio de 1916: "Idealismo é ingenuidade. O mundo pertence àque les que não acreditam em idéias.”13 Falando de seus soldados em Verdun, o general Pétain observou que a "determinação” se tornara sua principal característica e estímulo: "um desejo inflexível de defender suas famílias e seus bens contra o in 232
vasor.”14 As preocupações reais, mais do que os princípios sublimes, mantinham os homens em atividade. No mundo imediato do soldado o regimento se tornou o foco do dever. Um intenso sentimento de camaradagem foi uma das emoções mais fortes geradas pela guerra. “Não quero que pensem que somos infelizes”, escreveu um sombrio Her bert Read da linha de frente em abril de 1918; “somos soli dários em nossas dificuldades e isso cria toda a diferença.”15 O âmago dessa camaradagem era um senso de responsabili dade para com os companheiros e uma total dependência em relação a eles. Jira a intensa sensação de pertencer a um grupo. É interessante observar que os soldados parecem ter se preocupado com a possibilidade de o front interno rachar. Conseqüentemente, a propaganda fluía em duas direções. Não apenas o frònt interno — por exemplo, a imprensa em seus editoriais, os clérigos em seus sermões, os professores em suas aulas — pintava um quadro róseo do conflito; os soldados também se inclinavam a esconder de seus familiares a horrí vel realidade da guerra. A censura militar encorajava tal ati tude; faltavam também linguagem e metáforas apropriadas para descrever a nova e inesperada experiência; e havia o desejo de poupar os seres amados de preocupações e angús tias. Parece claro que, com o avanço da guerra, o ânimo do front interno se tornou mais abatido que o do front em luta. Frank Isherwood se queixava à mulher, já em janeiro de 1915, das “cartas deprimentes” que todos, menos ela, ao que pa recia, escreviam. Seu irmão, por exemplo, parecia “ter per dido a fé em seu país, em Deus e em tudo o mais. Até o Papa está desacreditado! E são exatamente essas pessoas que não sofreram nada que fazem o maior alarme”. Em outra carta observou que o rei dissera “que os únicos rostos ani mados que tinha visto nos últimos seis meses estavam na França”.16 A situação em casa se deteriorava, à medida que os anos e a guerra se arrastavam: “Estamos realmente lu tando por algo digno do esforço”, Dick Stokes sentiu-se com pelido a escrever a seus pais em agosto de 1917. Alguns meses mais tarde, depois que seu pai dera outros sinais de moral debilitado, Stokes reagiu: “Você diz que algo vai des moronar— não será o Exército Britânico! que mais pode ser!17 233
Quando o foco do dever se estreitou, o primitivo elã deu lugar à resignação e ao estoicismo. Percy Jones era um jovem jornalista antes da guerra e foi um voluntário entusiástico em 1914. A nota de 26 de junho de 1916 de seu diário diz res peito aos preparativos para a ofensiva do Somme: O general Snow e seus assessores se empenham em nos dizer que não sofreremos praticamente baixa alguma por que todos os alemães terão sido mortos por nossa barra gem de artilharia. Não há nada como a verdade!. .. Quase nenhum dos rapazes confia nos planos cuidadosa mente traçados de ataque e consolidação, mas todos estão determinados a avançar até que alguma coisa os dete nha. . . Nosso dever é bastante simples: avançar até que algo nos detenha.18 Do pelotão de Jones, pertencente ao Batalhão dos Fuzileiros da Rainha, de Westminster, sobreviveu um homem em 1? de julho de 1916, sem ter sido morto ou ferido. E. Russell-Jones, um tenente, expressou em seu diário pensamentos como os de Jones antes do ataque de 1*? de julho — "alguns minutos antes de começar o que será o início do fim da Cultura Alemã”: A guerra é um negócio curioso, e muito bom para quem gosta, mas devo dizer que não sou amante desse jogo. No momento sinto-me péssimo e me odeio por isso, pois quando se tem sob o seu comando companheiros tão maravilhosos como eu tenho, sentem-se muito as pró prias deficiências, mas aqui estamos e agora temos de levar a tarefa a cabo; portanto o que se deve fazer é resistir até o fim da melhor maneira possível.19 Por volta de 1917 dever e devoir começaram gradativa mente a desaparecer do vocabulário ativo dos soldados do front. Eram então cada vez mais numerosos os conscritos. Na Grã-Bretanha o serviço militar obrigatório fora introdu zido em janeiro de 1916. Entretanto, o que talvez mereça mais ênfase do que o declínio da aprovação consciente da guerra — algo que é compreensível, uma vez que o conflito 234
já estava no seu terceiro ano e sem fim à vista, e que a manutenção de certas táticas não prometia sucesso — é a vontade manifestada pelos soldados de “continuar”, de “re sistir até o fim”, apesar do cansaço e do desânimo. Assim, de três mil cartas escritas por homens do 36° Regimento de Infantaria da França, regimento envolvido em motins depois do desastre do Chemin des Dames, só quatrocentas, ou 13%, foram retidas pelo controle postal por expressarem alguma simpatia pelas sedições. A grande maioria nem sequer men ciona a insubordinação.20 O que é notável neste caso não é o registro dos motins, mas a moderação e a lealdade da maio ria das tropas. Em alguns aspectos a probabilidade de insubordinação era realmente exagerada pelos velhos comandantes que suspei tavam dos novos exércitos. Haig não confiava nos novos soldados: Eles se apresentaram compulsoriamente e deixarão o exér cito com alívio. Homens desta laia não sabem ficar quie tos, vêm de uma classe que gosta de dar voz a queixas reais ou imaginárias, e seu ensinamento a esse respeito é um lamentável antídoto para o espírito de dedicação e dever das tropas anteriores.21 O comandante do Terceiro Exército Francês em junho de 1917, general Humbert, calculava que, de cada cem soldados fran ceses na época, cinqüenta eram leais, trinta e cinco duvidosos e quinze nocivos. Humbert exigia das cortes marciais ação decidida contra os negligentes.22 Em vista desses pressupos tos o notável é que os soldados, velhos e novos, desempe nhassem tão lealmente as suas funções, contra todas as expec tativas dos altos comandos. Se o ilimitado entusiasmo estu dantil desapareceu das fileiras, isso se deveu menos à pe quena mudança ocorrida na composição social dos exércitos britânico e francês — na Grã-Bretanha, com o recrutamento, a probabilidade de que a classe trabalhadora fosse mantida no país, por causa das necessidades da indústria, era agora maior — do que à natureza da própria guerra. Além disso, a redução de referências ao dever indicava a crescente dificuldade que os soldados enfrentavam para ver235
balizar suas experiências e sentimentos; tinha pouco a ver com o desaparecimento do conceito de dever. Por exemplo, Wilfred Owen podia agora dizer que “ouvia música no si lêncio do dever”.23 No verão de 1918, na esteira da grande ofensiva alemã e de sua parcial penetração nas linhas ini migas, Haig e muitos de seus generais, junto com os jorna listas e os políticos que visitaram o front de ânimo abatido, ficaram encorajados e mais otimistas devido à capacidade de recuperação das tropas. Em 1916 a guerra parecia ter elaborado seu próprio fundamento lógico, destituído de interpretação em termos tra dicionais — “É ridículo falar em razão, quando a desrazão predomina”, escreveu Louis Mairet —, mas o obscurecimento da clareza anterior não significava que a guerra não devesse continuar. “Apesar de tudo, é necessário que a luta continue”, disse Mairet, “até o fim de um dos dois grupos”.24 Implícita nessa afirmação está a idéia de que a guerra tinha adquirido impulso próprio, mas existe também a aceitação estoica, não obstante a confusão e o horror, da necessidade de se per manecer leal à causa original. O sentimento ainda é “nosso país, certo ou errado”, mesmo que o conceito de país esti vesse restrito ao regimento, à família e aos amigos. O es cocês Peter McGregor, a quem já encontramos antes, foi morto por um projétil quando trabalhava numa trincheira da reserva em setembro de 1916. A morte não teve nenhum ves tígio de heroísmo, o que acontecia praticamente com todas as mortes nesta etapa da guerra. As cartas de condolências à viúva, escritas por vários companheiros, entre outros o ca pitão da Companhia B do 14° Batalhão dos Escoceses de Argyll e Sutherland, e o sargento do pelotão, enfatizavam o bom humor, a “alegria e a coragem” de McGregor. O ca pelão que oficiou no funeral também escreveu: Rezamos. . . Expressamos gratidões por seu marido ter ouvido e respondido ao chamado do dever e por Deus o ter considerado apto a sacrificar a vida pelo seu país. Isto deverá confortá-la. A senhora encontrará consolo nas palavras do Senhor — palavras repetidas à beira do 236
túmulo de seu marido: "Ninguém tem mais amor para dar do que o homem que dá a vida por seus amigos í ”25 Fala-se aqui de dever, serviço ao país, mas a ênfase recai no círculo imediato dos companheiros soldados. Naturalmente, se o propósito já não era tão óbvio para o combatente como no início, e se a guerra tinha de conti nuar, então ela precisava ser travada com base em "verdades eternas”, recursos interiores, que o homem adquiria na sua sociedade e na sua cultura. Um amigo sensível de Vera Brittain, preocupado com a possibilidade de não passar, numa emer gência, no teste de coragem das linhas de frente, escreveu: "Digo-lhe que é uma verdadeira maldição ser temperamental por aqui. O ideal é ser um inglês típico.”26 E ser um inglês típico significava, é óbvio; reprimir os sentimentos íntimos, assumir um ar decidido e funcionar de acordo com. o formu lário. Vital era o que os britânicos costumavam chamar de "fundo”: estabilidade de caráter, capacidade de resistência, integridade. Nesta existência primitiva, a coragem e a mòralidade tendiam a ser equiparadas. Os corajosos eram inevi tavelmente "os bons”, "os bons” inevitavelmente os corajo sos. Portanto, a moralidade era essencialmente uma questão de comportamento exterior, de decoro. Entre os que não conseguiam. agüentar estavam usualmente os beberrões e os. mulherengos. "Nas trincheiras, os pecados nos desmascaram”, disse um soldado.27 Em 1917, tanto entre as tropas britânicas como entre as francesas, não se falava de glória nem de galanteria, havia menos referências específicas ao dever, mas fa lava-se muito de resistência, determinação, comprometimento, coragem, perseverança. Na literatura de guerra diz-se freqüentemente que qs homens já não faziam a guerra; a guerra se fazia à custa dos homens. Dada a esmagadora tecnologia de guerra — as metralhadoras, a artilharia e o gás —, o soldado individual se via oprimido por uma sensação de vulnerabilidade e im potência; César Méléra, que navegara ao redor do mundo an tes da guerra, afirmou, em Verdun, que esta forma de guerra marcava "a bancarrota da guerra, a bancarrota da arte da guerra; a fábrica está matando a arte”.28 Mas, apesar da perda 237
da individualidade, os soldados continuavam a .lutar. Em ge ral, não se amotinavam nem desertavam em massa. Os ho mens ainda faziam esta guerra — não só os generais, mas também os miseráveis soldados da infantaria. A literatura sot bre a guerra é desequilibrada. Concentra-se em sua maior parte nas repercussões negativas da guerra, negligenciando os instintos positivos que a sustentaram por mais de quatro anos. Até Herbert Read, que admirava Nietzsche e era dado a in clinações anarquistas mesmo antes da guerra, chegou a es crever numa carta de julho de 1917: "Começo a compreender que o mais importante na vida é possuir as vagas qualidades de um 'cavalheiro’ e ser em todas as ocasiões 'um cava lheiro’.”29 Esta é exatamente a razão pela qual os britânicos alegavam estar lutando, pelas leis não escritas do comporta mento civilizado. Que um espírito livre como Herbert Read mudasse de opinião é chegasse a esta conclusão demonstra a força da motivação não expressa. Para cada soldado, independentemente de nacionalidade, esta motivação se enraizava na ordem e nos valores sociais de seu respectivo país. E apesar de todo o emprego incorreto a que a palavra burguês tem andado sujeita — por parte de cínicos, partidários políticos e jovens rebeldes —, ela ainda pode ser aplicada à ordem do século XIX que se desenvol veu na Europa ocidental e aos componentes culturais desta ordem. Como adjetivo, a palavra é, além disso, aplicável ao modo como a guerra de 1914-1918 foi travada. Acima de tudo, esta foi a guerra civil da classe média européia. Em bora, em nossas estratificadas sociedades pluralistas, já não consideremos fácil definir burguês ou classe média em ter mos contemporâneos, o europeu da virada do século não expe rimentava esta dificuldade, e as duas palavras tinham uma realidade na organização social, mas particularmente num re servatório de virtudes. Embora o bem-estar material, a edu cação, a carreira e as afiliações sociais fossem determinantes ponderáveis de status e respeito, a adesão voluntária a um código de valores e a anuência a certas formas de compor tamento eram a chave para o ingresso na sociedade burguesa. Os valores eram a cola que mantinha a classe e a sociedade unidas. 238
A Grã-Bretanha era a sociedade em que esses valores que identificamos com a classe média tinham penetrado mais profundamente. A religião leiga do progresso, a preocupação com a utilidade, o sucesso e o decoro, o culto do trabalho, da perseverança e do compromisso moral, a veneração, acima de tudo, pelos esforços e serviços socialmente motivados — esses elementos estavam no âmago das realizações britânicas no mundo e também no centro da condução britânica da guerra. A França, também, apesar de certo grau de agitação, era governada, às vésperas da guerra, por um código seme lhante de valores, legados pelo idealismo da Revolução, pelas mudanças no poder que tinham acompanhado a “monarquia burguesa” de Luís Filipe, pelo rápido crescimento econômico sob o Segundo Império de Luís Napoleão e pelas realizações gradativas, mas reconhecidamente desiguais, da ordem parla mentar republicana depois de 1871. Grande parte da França aderiu a uma ética positivista de realização através do es forço. “A burguesia é essencialmente um esforço”, insistia o burguês francês René Johannet.30 A Grande Guerra também foi essencialmente um esforço. “O pior horror desta guerra”, observou Benjamin Crémieux mais tarde — ele serviu como soldado de infantaria durante toda a guerra, tendo sido fe rido três vezes —, “foi que os homens que dela participa vam eram capazes de lutar com a mesma consciência com que fariam qualquer outro trabalho”.31 Como se inculcavam os valores burgueses? Numa dis cussão sobre os requisitos para a estabilidade social, John Stuart Mill deu maior ênfase à necessidade de “um sistema de educação, começando na infância e continuando pela vida afora, do qual um ingrediente^ principal e constante era a disciplina repressiva, quaisquer que fossem os outros elemen tos que pudesse incluir”.32 A chave para a estabilidade se encontrava na subordinação dos interesses e caprichos indi viduais às necessidades e aos fins da sociedade. Embora a instrução formal fosse apenas uma parte modesta da visão mais abrangente de Mill quanto à educação, a Europa oci dental tinha promovido, graças à instituição da educação pri mária obrigatória, a alfabetização quase universal no fim do século, e, segundo o consenso geral, a instrução secular, que 239
tendia a minimizar o ensinamento religioso e a enfatizar o civismo e a história nacional, foi um instrumento importante no desenvolvimento do orgulho e da lealdade nacionais. Na segunda metade do século a socialização também foi incre mentada por uma imprensa que se tornou acessível e apare lhada para um público de massa. O serviço militar obrigató rio, a idéia de uma "nação em armas”, um grito que remonta às guerras revolucionárias do fim do século XVIII, também deu a sua contribuição, na França, ao processo de sociali zação. Mas um fator muito importante neste processo foi o colapso geral da auto-suficiência individual numa sociedade industrial de massas, na qual a divisão do emprego e do tra balho se tornou a marca distintiva, e na qual o indivíduo se viu cercado pelas instituições e instrumentos do Estado — o mestre-escola, o fiscal dos impostos, o gendarme ou o juiz de paz. O braço do Estado se tornava cada vez mais longo e abarcador, e os agentes desse Estado pertenciam essencial mente à classe média, quer fossem das camadas mais altas ou mais baixas. Encarnavam a noção de virtude da classe média.. Assim, a maioria dos soldados funcionava dentro do mundo burguês, mas, é claro, também se podia dizer o mesmo da maioria dos estrategistas e líderes militares. A barca do Canal da Mancha que levou George Sherston (Siegfried Sassoon) até a França "tinha o nome alegre de Victoria ”.33 Os chefes militares da Primeira Guerra Mundial sempre foram alvo de muitas críticas. Em defesa dos comandantes da guerra, alguns historiadores militares afirmaram que não havia alternativa para a guerra de trincheiras na Frente Oci dental, e que, em vez de ser o produto da falta de imagi nação, como usualmente se alega, a guerra de trincheiras cons tituía um meio razoável de tentar lidar com os tremendos avanços tecnológicos e científicos registrados na arte militar. Talvez seja verdade. A guerra de trincheiras pode realmente ter sido inevitável. Mas não é incompatível com essa visão seguir adiante e afirmar que, estando os combatente^ presos num impasse na Frente Ocidental, o próprio caráter metó dico do pensamento estratégico e tático anglo-francês, a má vontade geral de correr riscos mesmo calculados, a descon fiança em relação à inventividade e as inibições morais quanto 240
à tática da surpresa, tudo condizia com uma forma de pen sar e uma visão rígida da vida que. podemos caracterizar como burguesa. A própria promoção de Douglas Haig a chefe do estado-maior geral britânico contém um valor simbólico: aqui estava um homem cuja vida e comportamento eram o epítome dos valores.e ambições da classe média. Severo, religioso, de dicado, trabalhador, emocionalmente reprimido, mas um mo delo de honra, competência e respeitabilidade, ele é o símbolo de uma era — provavelmente toda cidade importante do Commonwealth tem uma escola que leva o seu nome. No entanto, ele também representa a tragédia de uma época.34 •O general Joffre, chefe do estado-maior francês — até ser substituído em 1916 — , embora bem menos abstêmio, não deixava de ser uma versão gaulesa de Haig. Os dois demonstravam ter uma perseverança confiante e ínuito sanguefrio. Ao Ministro da Guerra, Gallieni, que estava preocupado com a formação alemã em Verdun em dezembro de 1915, Joffre replicou arrogantemente: “Nada justifica os temores que foram expressos.”35 Em certa ocasião descreveria sua tática dizendo: “Je les grignote” (Eu não paro de roê-los), uma imagem reveladora.36 Haig e Joffre eram apenas manifestações superficiais de uma condição geral. Outros oficiais de estado-maior reforça vam-lhes a influência e as opiniões. Em 1915 o comandante do Décimo Exército Francês em Artois era o coronel Maud’huy, que três anos antes tinha declarado a seu regimento reunido: “Muitos homens fazem continência de forma correta, raros são aqueles que batem uma bela continência. . . Poder-se-ia dizer que a continência é a marca da educação.”37 Esta é a voz e o sentimento do dândi-aristocrata, enamorado dos uni formes azuis e vermelhos e do attaque à outrance, de prefe rência montados em corcéis. Mas a preocupação com a forma e o decoro, evidente em Maudliuy, também constituía um legado aristocrático para a burguesia, que então alegava dar substância à forma. Num ataque, a formação era absoluta mente essencial, insistia o capitão de uma companhia francesa: Em geral fica-se tentado a usar, num ataque, as trin cheiras e os caminhos de acesso do inimigo. Mesmo que 241
estas vias permitam que você se aproxime do inimigo com surpresa e sem perdas, elas desmembram a compa nhia e atacam a formação. Além disso, quando começar o tiroteio e você tiver de sair para o descampado, vai se ver em apuros.58 A lógica deste trecho exemplifica um modo particular de pen sar. Mesmo que você possa ocupar a trincheira inimiga por meio de ardil, não o faça. A astúcia lhe criará problemas! Os britânicos talvez tenham sido até mais consistentes em implementar essas atitudes. O diário do 15° Regimento de Reserva Alemão diz o seguinte sobre o ataque britânico em Loos em setembro de 1915: Dez fileiras de linhas extensas podiam ser claramente divisadas, cada uma estimada em mais de mil homens, oferecendo um alvo como nunca se tinha visto até en tão e nem se julgara possível. Nunca os metralhadores tiveram um trabalho tão singelo para fazer nem o fi zeram com tanta eficiência.39 O peso dos equipamentos impedia os soldados de correr, pu lar ou mergulhar nos buracos abertos pelas bombas em busca de proteção. Mas ninguém jamais pensou seriamente em re tirar os fardos das costas dos soldados para dar pelo menos à primeira onda de ataque maior capacidade de manobra e uma oportunidade de -exercer a astúcia e a imaginação. A mochila nas costas tornou-se assim um símbolo da bagagem social e cultural que cada soldado carregava consigo para a batalha. Robert Graves, que teve a experiência de lutar em Loos naquele setembro, escreveu um poema em memória do Capitão A. L. Samson, que foi morto perto de Cuinchy: Encontramos o pequeno capitão à frente, Seus homens no chão bem alinhados, . . . eles morreram bem; Atacaram em linha, e na mesma linha tombaram.40
Método, ordem, sistema: eram a chave para o sucesso. Perseverança em massa. A 1* Divisão Australiana foi levada 242
a Pozières no Somme, na metade de julho de 1916, para realizar repetidos ataques a um alto monte. Os australianos partiram em 4 de setembro, tendo sofrido 23 mil baixas. Mais tarde a Official History australiana não conseguiu esconder seu desdém e sua cólera: Lançar as várias seções de um corpo de exército, bri gada após brigada. . . vinte vezes consecutivas contra um dos pontos mais fortes da defesa do inimigo pode certa mente ser descrito como um procedimento “metódico*, más a alegação de ser econômico é inteiramente injus tificada.41 O problema é .que' se tinha chegado a medir a determinação e a coragem de uma unidade pelo número de baixas. Os oficiais cujas companhias sofriam poucas baixas tornavam-se suspeitos; por isso eles insistiam em seus ataques com um vigor apropriado. Os homens sabiam que a chacina os aguardava quando saíam das trincheiras. Como reagiam? “Espero seguir as re gras do jogo e, mesmo que não lhe dê muito brilho, certa mente não o deslustrarei”, escreveu um jovem voluntário bri tânico antes do Somme.42 “Ser capaz de comportar-se corre tamente em face da morte” — isso, dizia um sargento fran cês antes de um ataque em Verdun, era o mais importante.43 Esta preocupação còm a reação correta em face do perigo aparece repetidas vezes nos documentos. A coragem não era uma questão de inspiração; era uma questão de reservas mo rais, e todo homem esperava possuí-las em quantidade sufi ciente. E assim eles “seguiram as regras do jogo” e “compor taram-se corretamente”, aos milhões. Depois que os projéteis inimigos dispersaram um ataque britânico, “nós prosseguimos como uma multidão saindo de um campo de críquete”, re latou Wilfred Owen.44 Os boatos de deserção eram generalizados mas entre os britânicos pareciam, em sua maior parte, não passar de boa tos. “Como nos agrada tentar acreditar nestes boatos”, co mentou T. S. Hope. “O único fator de perturbação é que nunca encontramos uma testemunha ocular de um só caso.”45 243
Da mesma forma, durante os motins franceses de maio e ju nho de 1917 as cartas dos soldados freqüentemente mencio navam histórias de oficiais que tinham sido mortos por seus homens, mas nenhum dos correspondentes parecia ter presen ciado um desses incidentes.46 Em setembro de 1917 o jornalista Michael MacDonagh estava na estação de Claphàm Junction em Londres quando observou dois trens pararem em lados opostos da plataforma. Um trazia Tommies que iam para o front, e o outro, prisio neiros de guerra alemães. Os alemães riam e gritavam Kamerad, e os Tommies respondiam jogando chocolate e tabaco para os alemães. “Muitas pessoas”, refletiu MacDonagh ini cialmente* “dizem que a guerra não terminará nunca. Fre qüentemente me pergunto se as tropas de ambos os lados não poderiam pôr fim à luta se decidissem depor as armas e ir para casa”. Mas.depois pensou um pouco mais nessa visão: "Impossível! O senso do dever — uma força tremenda — não o permite.”47 Jean Norton Cru mostrou depois da guerra que, entre os franceses, as profissões liberais tinham sofrido o mais ele vado numero de baixas nas linhas de frente.48 Provavelmente podia-se dizer o mesmo a respeito dos exércitos britânico e alemão. Na Grã-Bretanha o alistamento foi mais numeroso entre profissionais liberais e empregados do comércio e de escritório.49 O que é que isso sugere? Falta de senso prático por parte de advogados, professores e arquitetos? Um toque de ingenuidade pode ter sido um fator secundário para a proporção das baixas, mas não é uma explicação completa. Os profissionais de classe média ficavam aparentemente muito envolvidos com o objetivo da guerra, com as noções de dever e serviço, noções que continuavam a ter significado residual para eles, mesmo quando esse significado já não podia ser expresso com precisão. Em 11 de novembro de 1918, dia do Armistício, Henri Berr, o historiador francês, escreveu as fra ses finais de uma introdução a um livro sobre a guerra. A respeito da vitória de sua nação, disse ele: "A França está experimentando a satisfação que sente um bom trabalhador que completou uma tarefa honrada.”50 Esta é a linguagem e a moralidade do bon bourgeois. Esta é a linguagem e a mo 244
ralidade do devoir. Todo o horror, todo o sofrimento, todos os custos são equiparados ao cumprimento de uma tarefa por um bom trabalhador! Dois médicos franceses, Louis Huot e Paul Voivenel, con cluíram em julho de 1918 um estudo sobre a psicologia do poilu. Afirmavam que, ao contrário das idéias de Gustave Le Bon, que enfatizara o efeito do ambiente sobre o indi víduo, a constituição psíquica do soldado francês não fora fundamentalmente alterada pela experiência da guerra. O poi lu , alegavam, mantivera-se fiel a si mesmo, à sua nação e à sua “raça”.51 Os psicólogos estavam ao mesmo tempo cer tos e errados. O soldado fora sustentado por valores sociais em que sinceramente acreditava, mas, como veremos, esses valores ficaram expostos a um ataque tão atroz durante a guerra que as atitudes do soldado para com a sociedade, a civilização e a história foram, de fato, irreparavelmente alte radas. O recurso a valores residuais deu à Grã-Bretanha e à França os meios para atravessarem o período da guerra, mas o conflito inerente entre estes valores e a brutal realidade da guerra moderna iria fatalmente minar os valores. Aos pais enlutados de Louis Mairet, que foi morto em abril de 1917, um general francês escreveu sobre “a beleza do dever tão no bremente cumprido”.52 Centenas de milhares de esposas e pais receberam cartas que expressavam tais sentimentos. Por quanto tempo essas frases sustentariam üma geração de viúvas, órfãos e inválidos? Em 1919, num discurso dirigido a estudantes da Univer sidade de St. Andrews, Douglas Haig continuou a exprimir o objetivo da guerra nos velhos e grandiosos termos, termos que na verdade tinham motivado os soldados da Entente du rante todo o conflito, mas termos que também estavam muito enraizados numa ética burguesa do século XIX: Em cada etapa da grande luta da qual finalmente saímos vitoriosos, nossa coragem foi intensificada e nossa deter minação fortificada pela convicção de que não estávamos lutando apenas por nós mesmos e por nosso Império, mas por um mundo ideal em que Deus estava ao nosso lado. 245
Batalhávamos por uma forma mais elevada de civiliza ção, na qual o dever do homem para com o seu próximo tem mais importância do que seu dever para consigo mes mo, e lutávamos contra um Império construído e engran decido pela espada, eficiente na verdade, mas com uma eficiência não redimida por qualquer senso de cavalhei rismo ou de responsabilidade moral para com os fracos.53 Este era um modo de explicar a essência do esforço de guerra anglo-francês. Uma década mais tarde F. Scott Fitzgerald expressou a mesma idéia com uma linguagem diferente e termos mais amplos. Dick Diver, o herói de Suave é a noite, está viajando pelos campos de batalha do Somme e diz: Esta história da frente ocidental não poderia ser repe tida, e por muito tempo. Os jovens pensam que poderiam reproduzi-la, mas não poderiam. Poderiam lutar de novo a primeira batalha do Marne, mas não isto aqui. Isto exigiu religião, anos de muitas e tremendas certezas e a exata relação que existia entre as classes. . . Você pre cisaria ter uma bagagem sentimental de total entusiasmo que remontasse a um passado mais distante do que pudes se lembrar. Teria de recordar Natais, cartões-postais do Príncipe Herdeiro e sua noiva, pequenos cafés em Valence e cervejarias ao ar livre em Unter den Linden, ca samentos na mairie, idas ao Derby e as suíças de seu avô. . . Este tipo de batalha foi inventado por Lewis Carroll e Jules Verne, e por quem quer que tenha escrito Undine, por diáconos rurais que jogavam boliche, por marraines em Marseille e garotas seduzidas nos becos escondidos de Württemberg e Vestfália. Ora, esta foi uma batalha de amor — um século de amor de clas&e média foi aqui dissipad o... Todo o meu belo mundo, encantador e seguro, foi pelos ares aqui com uma gran de rajada de amor altamente explosivo.54
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V I
DANÇA SAGRADA
. . . onde o objeto é criação e produção, é aí a provín cia da Arte; onde ó objeto é investigação e conheci mento, a Ciência é soberana. De tudo isso se conclui que é mais apropriado dizer Arte da Guerra que Ciência da Guerra. Ka r l
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Uma primavera assim, logo envolta em sombras, Nunca mais teremos no mundo inteiro. Er n s t
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O DEUS DA GUERRA Na Alemanha de antes da guerra existia um abismo substan cial entre os ideais culturais e a realidade social, econômica e política. A tentativa alemã de resolver esta dualidade levou o povo alemão a um Drang nach vorne, um “empurrão para diante”, um esforço de vontade e investigação que, muitos alemães esperavam, conduzisse a uma transcendência espiri tual, se bem que secular, dos interesses e limitações materiais. Geist e Macht, espírito e poder, se reconciliariam num estado de harmonia supra-real, numa atividade dionisíaca associada a uma tranqüilidade apolínea, na qual meios e fins, objeto e sujeito, se fundiriam. Arcaísmo e modernidade se torna riam uma coisa só. A inovação tecnológica e o progresso in dustrial se combinariam, numa grande síntese, com um espí247
rito de simplicidade pastoral. A sociedade e a cultura não seriam mais campos em conflito, mas um todo indissolúvel. No júbilo de agosto de 1914 os alemães acreditavam sin ceramente que este objetivo fora realizado, que o estado de guerra havia de fato provocado um estado de paz, de " supe ração”. Conflitos e diferenças tinham sido afastados, com os alemães alcançando finalmente aquela unidade, espiritual e física, que Bismarck tentara criar, mas por fim não‘conse guira. "Entre as coisas mais belas que a guerra ocasionou”, escreveu um comentarista, "está o fato de que já não temos uma ralé”.1 A mobilização foi enaltecedora: a turba desa pareceu, restando apenas os alemães, uma nação de aristocra tas espirituais. Para Friedrich Naumann, Max Weber e outros da es querda moderada, o espírito de agosto significou a realização do sozialen Volksstaat , o Estado do povo, no qual a esquerda e a direita política, o trabalhador e o burguês, cooperavam voluntária e produtivamente. E não estavam unidos apenas os alemães residentes na Alemanha; estes agora se fundiam inseparavelmente com as várias minorias raciais dentro das fronteiras da Alemanha e com seus irmãos da Áustria. Ernst Toller, que devia se tornar um opositor irrefreável dò estabe lecimento militar e político, ficou tão arrebatado pela orgia de nacionalismo em 1914 quanto todos os demais. "A nação já não reconhece raças; todos falam uma única língua, todos defendem uma única mãe, a Alemanha.”2 A euforia daqueles dias, de agosto foi milenarista. A "vi tória” já tinha sido conquistada, pelo próprio surgimento, pela própria enunciação, das "idéias de agosto”. A vitória no cam po de batalha seria mera formalidade. Era inevitável, um sub produto inevitável do ato alemão de auto-afirmação nacional. "Conquistaremos!” insistia um estudante de Direito de Leipzig em 7 de agosto. "Com uma vontade tão-poderosa de vencer, nenhuma outra coisa é possível.”3 Seis semanas mais tarde ele estava morto. O estado de espírito de agosto foi, como já sugerimos, essencialmente estético. A forma tinha sido usada, e depois transcendida, por um supremo ato de vontade criativa, em 248
busca de uma beleza que se julgava ser duradoura e defini tiva. "Como fontes recém-descobertas, a moral e os costumes alemães nos falam de tudo o que é belo”, escreveu um pro fessor universitário de Bonn.4 Um "poder mágico” para o fu turo, foi como um outro comentarista chamou a unidade espi ritual e o idealismo dos alemães.5 O poeta Rainer Maria Rilke e muitos outros inclinaram-se com uma mesura humilde e re verente ante o "Deus da Guerra”. E nós? Ardemos num único Ser, Numa nova criatura revigorada pela morte.6
Fortalecimento pela morte: tal foi a "sagração da primave ra” da Alemanha. O conceito alemão de Pflicht, ou dever, estava impreg nado desse idealismo. Se o dever britânico e o devoir francês se enraizavam numa noção da história como alicerce e unidade de construção, o Pflicht alemão estava ancorado numa visão da história como mito, como justificação poética do presente e do futuro. Dúvidas sobre a validade da história, sobre a capacida de de os historiadores produzirem relatos objetivos do pas sado, tinham certamente invadido o clima cultural de todo o mundo ocidental antes da guerra. Os próprios historiadores, na segunda metade do século XIX, mostravam-se céticos quanto ao curso da civilização ocidentàl; postulavam, como alterna tiva para o materialismo e a estandardização, uma renovada ênfase na espiritualidade e na "experiência interior”. Mas na Alemanha, pelo final do século, este processo se achava muito mais avançado do que em qualquer outra parte. No começo do século XIX, Schopenhauer tinha definido a história como "o longo, difícil e confuso sonho da humanidade”, e ridicula rizara todas as pretensões à objetividade e à universalidade.7 Ele não recebeu muita atenção em vida, mas na segunda me tade do século sua estrela começou a subir. Em 1870 um ad mirador de Schopenhauer, o historiador Jacob Burckhardt, que, embora suíço, estudou em Berlim e exerceu sua maior influência sobre colegas alemães, escrevia: "Se alguma coisa duradoura deve ser criada, só poderá sê-lo através de um im249
pulso irresistivelmente vigoroso de real poesia.” A poesia, di zia ele em concordância com Aristóteles, é mais profunda do que a história.5 Em Burckhardt a história e a arte andavam juntas. Theodor Mommsen, o historiador de Roma, que no início de sua carreira revelara inclinações positivistas, seguia uma trajetória semelhante em 1874 quando sugeriu em seu discurso na Universidade de Berlim que "o escritor de his tória talvez esteja mais perto do artista que do erudito”.9 O efeito da chamada escola prussiana de historiadores, entre eles Johann G. Droysen, Heinrich von Sybel e Heinrich von Treitschke, e de pensadores sociais e de problemas históricos como Wilhelm Dilthey e os neokantianos, foi contribuir sig nificativamente para a tendência alemã a procurar respostas para os problemas do homem não no mundo exterior mas na própria imaginação. Em suma, a história era uma questão mais do presente que do passado, e mais de intuição que de análise racional. As tiradas de Nietzsche contra a objetividade tor naram-se cada vez mais populares depois de sua morte em 1900; e, como vimos, críticos culturais de grande erudição como Julius Langbehn e Houston Stewart Chamberlain pediam a estetização completa da vida. As verdades da história só podiam ser abordadas intuitivamente, não por um método crí tico. A história era arte, e não ciência. Os pensadores ale mães estavam na vanguarda da reorientação — ou do des mantelamento — do pensamento histórico do século XIX, na revolta contra o empirismo e o positivismo, e na reação a uma ordem social, política e cultural identificada com o libe ralismo e materialismo ocidental e com uma duradoura hege monia anglo-francesa no mundo. O fervor patriótico alemão em 1914 continha realmente associações históricas — com as guerras de unificação de Bismarck, as "guerras de libertação” contra Napoleão, a ascen são da Prússia ao poder na Europa sob os Hohenzollerns, especialmente sob Frederico o Grande, a rebelião de Lutero contra a Igreja de Roma, as aventuras de Frederico Barbaroxa e Otto o Grande, os esforços missionários dos cavaleiros teutônicos, e até com a vitória de Armínio no ano 9 d.C. No entanto, a própria novidade do estado-nação alemão, a escas sez de indícios de influência alemã, em âmbito mundial, sobre 250
as instituições seculares da lei e do governo; o fato de o legado histórico alemão para o mundo ser em grande parte espiritual, através da música, da filosofia e da teologia; tudo isso deu à versão alemã da história e do nacionalismo em 1914 um conteúdo fortemente idealista e, em comparação com a Grã-Bretanha e a França, uma interpretação muito mais propensa a anunciar o futuro do que a compreender o passado. Em 1889, à beira de seu colapso mental, Nietzsche disse a Burckhardt que ele era “todos os nomes na história”.10 Sobre seu grupo de homens no front , Gerhart Pastors usou linguagem semelhante em abril de 1915: “Lutero, Bismarck, Dürer, Goethe — todo um céu de estrelas brilha em nós.”11 E Wilhelm Klemm considerava a guerra uma “realidade fan tástica”.12 Em outras palavras, história, poesia, sonho e o mo mento individual uniam-se todos numa única sensação esti mulante. Como corolário, o Pflicht alemão implicava mais do que uma defesa da terra natal, mais do que uma adesão a um có digo social de obrigações; continha um forte ingrediente sub jetivo que consistia em honra e vontade pessoal. Honra, no caso, era mais do que obediência cega às regras de compor tamento, mais do que lealdade à tradição; implicava inspira ção e iniciativa pessoal. O indivíduo não constituía apenas uma partícula dentro de uma associação utilitária chamada so ciedade; o indivíduo verdadeiramente alemão era a nação, a encarnação da comunidade. E a nação, por sua vez, não passava de “um ser humano mais elevado”, como se expres sou um escritor.13 A nação tinha se condensado no indivíduo dinâmico. Isto estava de acordo com o pensamento de Scho penhauer e Nietzsche; o mundo não existia senão como cria ção do indivíduo. A nação era uma criação da imaginação do indivíduo, uma verdade poética, uma sínteSe mental ética, e não social. A vontade estava ligada à honra. A vontade era o meio pelo qual a honra se impunha. Não era uma força repressiva, mas criativa. Era sinônimo de uma agressiva e inspirada im plementação do código de dever. À crítica procedente dos ini migos da Alemanha e de sua própria esquerda política antes da guerra, de que o país era um Obriglceitsstaat, um Estado 251
hierárquico, no qual a obediência cega constituía o único va lor, um escritor respondeu, com uma reverência a Rousseau, que quanto mais fraco é o indivíduo, mais comanda; quanto mais forte é, mais obedece.14 A Alemanha havia se tomado uma nação de Titãs. Gerhard Anschiitz, professor de Direito, de tendência esquerdista, que desempenharia papel importan te na elaboração de uma constituição democrática para a Ale manha depois da guerra, escrevia em 1915: "Que a palavra militarismo, agora usada em todo o mundo como um pala vrão contra nós, seja para os alemães um emblema de hon ra”.15 O jovem soldado Walter Harich expressou os mesmos sentimentos quando escreveu que a compreensão alemã do que significava uma ordem militar era exatamente o que dava à Alemanha a superioridade neste conflito: "Sabemos muito bem que estamos lutando pela idéia alemã no mundo, que estamos defendendo o sentimento alemão da barbárie asiática e da indiferença latina.”16 "Faça mais do que o seu dever” era o lema do 24® Re gimento de Brandemburgo, e que captava a idéia de que a iniciativa pessoal complementava a ordem comunal. "As coi sas aqui vão além da simples força”, escreveu Walter Harich das linhas de frente; "aqui o impossível se torna possível”.17 O que a convenção considera improvável, a vontade criativa do soldado individual torna provável. O impossível é trans formado em possível por uma transcendência espiritual da mera obrigação, do simples desempenho, do mero dever — um dever que na cultura anglo-francesa nada mais é do que uma função egoisticamente utilitária. Desde o começo da guer ra, a expressão die heilige Pflicht, o dever sagrado, esta va em voga. No trem, a caminho do frcnt, em setembro de 1914, apreciando a ensolarada e serena paisagem de Eifel ao redor de Trier e os desolados tons cinza de uma Lorraine ensopada de chuva, o jovem estudante de Direito Franz Blumenfeld foi levado a denunciar a guerra como algo "terrível, indigno de seres humanos, estúpido, fora de moda e em todos os sentidos destrutivo”, mas, ao mesmo tempo, exultou com a idéia do sacrifício e do compromisso pessoal: "Pois a ques tão decisiva é estarmos prontos para o sacrifício, e não o objetivo do sacrifício.”18 Aqui a guerra como realidade, como 252
ptoduto da história e das relações exteriores entre Estados e povos, é denunciada e lamentada, mas, como idéia, inspira ção e meio, é aplaudida. Embora todos os Estados beligerantes estivessem incli nados a usar as realizações culturais do passado para escorar a determinação presente, na Alemanha este processo deu um passo além. A história perdeu sua integridade e independên cia como realização passada e tornou-se uma criada do pre sente, do presente voraz e insaciável. Assim que Fritz Klatt acordou em 28 de agosto de 1914, deu-se conta, como depois afirmou, do significado daquele dia. Era o aniversário de Goethe. Pegou imediatamente o Divã ocidental e oriental, co letânea de poemas de Goethe; como mencionou numa carta, o volume, “para falar a verdade, estava bem ao lado da minha pistola”.19 Como a associação de Goethe com um instrumento mortal indica, a guerra como apoteose do esforço cultural ale mão constituía outro tema essencial no conceito alemão de Pflicht. A guerra não é apenas o supremo desafio à cultura; o desejo de guerrear com o fim de provar superioridade de veria ser a meta de qualquer cultura. A guerra e a verdadeira cultura, em oposição à falsa cultura, tornam-se assim sinô nimos. Em outubro de 1914 o jovem Hans Fleischer se achava perto de Blâmont à beira do maciço dos Vosges. Certo dia saiu dos alojamentos de descanso para dar um passeio e no cami nho deparou com um castelo, o do Barão de Turckheim, num estado de quase total devastação. Uma biblioteca inestimável, pinturas, mobília e painéis, tudo fora destruído. Mas num can to da ruína Fleischer encontrou um piano de cauda — um Steinway — intocado pela cólera da guerra, e sob o piano descobriu algumas partituras. E o que escolheu ele? Uma ver são para piano de A valquíria de Wagner. Sentou-se, tocou e cantou — com vigor, conforme escreveu — a Lied von Liebe und Lenz (Canção de Amor e Primavera). Depois foi embo ra. “Eu tinha estado em casa, executara música alemã e agora podia retornar de novo à guerra.”20 Mas o que torna a cena tão comovente é que o jovem não se afastara da guerra. Ela estava ali, ao redor dele. O piano, a música, as ruínas, a guerra, tudo misturado numa única sensação. Por isso, era 253
tão intensa e memorável. Goethe, Wagner e qualquer outro do panteão da cultura alemã se transformara num senhor da guerra. Quando Romain Rolland, numa carta aberta a Gerhart Hauptmann, perguntou: “Vocês são os netos de Goethe ou de Átila?”, a resposta só podia ser: “De ambos!” Apesar da confiança inicial, a “inevitável” vitória no cam po de batalha não aconteceu. Não ocorreu em 1914 nem em 1915. Não havia possibilidade de manter o estado de espí rito rapsódico dos primeiros dias e semanas da guerra. Existia o perigo de que retornassem as clivagens entre uma essência espiritual, alcançada em agosto, e uma realidade debilitadora, representada pelas preocupações materiais tanto no front quanto dentro do país. A realidade da vida da trincheira, bem como questões de salários, preços e a organização do esforço de guerra em todo o país, tudo ameaçava a sublime realização espiritual. Por volta de 1915 reapareceram as dissensões no front interno quando um número cada vez maior de membros do Partido Socialdemocrático começou a questionar os obje tivos da guerra e as reformas políticas. A condução da guer ra — o recurso ao gás e ao uso irrestrito de submarinos — criou mais problemas. Era esta realmente a guerra defensiva em que a Alemanha se vira forçada a entrar, como alegavam o estado-maior e o governo? A resposta dos líderes políticos e militares a esta ameaça à unidade da nação foi intensificar o esforço de guerra, igua lar a totalidade espiritual dos primeiros tempos à totalidade material. Em 1916 a liderança política menos agressiva, mais ponderada e conscienciosa, simbolizada pelo chanceler Bethmann Hollweg, era alvo de ataques e em meados de 1917 tinha sido afastada. Em julho de 1917 a Alemanha transfor mou-se, para todos os efeitos, num Estado totalitário sob o controle dos militares. Até o kaiser se tornara pouco mais do que um governante fantoche, cedendo às exigências do alto comando nas pessoas dos generais Hindenburg e Ludendorff. Nesse meio tempo, enquanto o impasse militar con tinuava no Ocidente, enquanto as baixas se elevavam a mi lhões, enquanto as cozinhas se esvaziavam não só de filhos mas até de potes e panelas utilizados na fabricação de balas, enquanto a falta de alimentos se tornava cada vez mais séria, 254
enquanto reveses se acrescentavam a reveses, o mito da vitó ria era ainda mais embelezado pela realidade, e não apenas pela idéia, do sacrifício, da abnegação e do destino. A morte assumia uma função criativa. A morte passava a ser revigoradora. A guerra tinha agora um valor moral próprio, inde pendentemente de previsões ou percepções tardias dos fatos. A guerra se tornou total. Enquanto as perspectivas de vitória real ficavam mais remotas, dada a dizimação da população, masculina alemã, a eficácia do bloqueio econômico britânico, a entrada dos Es tados Unidos na guerra em abril de 1917 e o crescimento da oposição interna à guerra, os hinos guerreiros ao mito da vi tória se tornavam mais estridentes — e irrealistas. As listas dos objetivos territoriais da guerra, provenientes de organiza ções nacionalistas e até de círculos governamentais, começa ram a perder todo e qualquer vestígio de razão e modera ção. Se os pangermanistas ou o Partido da Pátria, este último recém-criado em setembro de 1917, impusessem a sua von tade, uma futura Alemanha se expandiria dos Urais ao Atlân tico, do Mar do Norte ao Adriático. Quando o front alemão no Ocidente finalmente se esfacelou nos últimos dias do verão e no outono de 1918, Walther Rathenau, judeu prussiano com uma curiosa mistura de inclinações românticas e democráti cas, que fora o eficientíssimo mentor da mobilização de ma térias-primas na Alemanha, convocou uma levée en masse, um levante de toda a nação contra o invasor estrangeiro, lem brando a luta suicida dos Anabatistas de Münster no século XVI. O júbilo de agosto de 1914 se tornara uma determina ção apaixonada nos anos centrais da guerra, atingindo depois a histeria. A trajetória implicava uma continuação da viagem dos alemães para dentro de si mesmos. Entretanto, apesar de toda a evidência de desintegração, o esforço de integração continuou sendo a característica defi nitiva da guerra alemã de 1914-1918, até o momento do Ar mistício, às 11 horas da manhã do dia 11 de novembro de 1918. A orientação global nunca deixou de ser positiva até o fim da guerra. Em meio à morte, a ênfase recaía na regene ração, no renascimento, na 'vida, na "experiência”. "Eu vejo a morte e brado pela vida” foram as palavras de Alfons Aken255
brand, que morreu em Souchez no dia 25 de abril de 1915, com vinte e um anos.21 Só tendo consciência desta metafísica é que se pode compreender por que os alemães continuaram a combater. Desde o início eram menos numerosos que os inimigos. Lutavam em duas frentes. Apoiavam e subsidiavam os esforços austríacos e turcos. Sua mobilização de homens e equipamentos foi extraordinária. Conseguiram forçar a Rússia a sair da guerra. Retardaram um ataque dos Aliados que, desde abril de 1917, contavam com o poderio econômico e, em 1918, o poderio militar americano. No verão de 1918 chegaram perto, mais uma vez, da vitória.. Um ato de fé, semelhante em alguns aspectos ao que alimentou o esforço angló-francês, sustentava os alemães. No final, entretanto, as diferenças entre os credos eram mais marcantes do que as semelhanças. A fé anglo-francesa tinha um fundamento racional; a fé alemã estava edificada sobre o idealismo e o romantismo. A fé ahglo-francesa era social; a alemã, metafísica. O esforço alemão fora preparado por muitos dos mesmos instrumentos de socialização dos anglofranceses: a religião, a educação, o serviço militar e outras formas de envolvimento do Estado na esfera privada. Mas a natureza da industrialização alemã — seu caráter recente, sua velocidade relativa e sua forma altamente concentrada — in dicava que muitos dos valores e normas sociais associados ao empreendimento comercial e industrial não tinham, penetrado muito fundo no ser social álèmão, sendo, de fato, considera dos com desconfiança. O capitalismo alemão era, para tomar emprestado o adjetivo de um historiador mais recente, "de preciado”.22 Na Grã-Bretanha, John Stuart Mill tinha reco nhecido na "divisão de empregos — na realização do trabalho combinado de vários, de tarefas que não podiam ser executa das por qualquer número de pessoas isoladamente. . . a gran de escola da cooperação”.23 Esta "escola da cooperação” che gara tarde na Alemanha. Consequentemente, a conquista ale mã da unidade espiritual, em 1914 e durante toda a guerra — conquista apoiada pela maioria dos socialistas durante grande parte do conflito — fundamentava-se mais nas virtu des privadas do que nos valores públicos, mais num esforço de imaginação do que na realidade social. Depois de passar 256
Guerra cubista. Um sentinela faz soar o alarme da presença de gás perto de Fleurbaix, junho de 1916. (Imperial War Museum)
Vitória! (Bettman/BBC Hulton)
Berlim dança no Eldorado da Motzstrasse. Há apenas uma mulher nesta foto*. (Bildarchiv Preussischer Kulturbesitz) Tanz in Baden-Baden, de Max Beck
mann, 1923. (Statsgalerie Kunst, Munique)
moderner
Sur les toits de Berlin. O Charleston como
sagração da primavera? Compare a posição dos pés com os das bailarinas do balé. (Suddeutscher Verlag, Bilderdienst)
Lindbergh: homem e máquina. (Coleção Mansell) Fama: Lindberg chega no aeroporto de Croydon, 29 de maio de 1927. (Bettman/BBC Hulton)
Ases da aviação: Lindbergh e Goering. Lindberg examina a espada cerimonial de Goering. (Popperfoto)
Homem do povo: Hitler no Feldherrnhalle, l.° de agosto de 1914. (Ullstein)
Campeões alemães de dança, 1934. (Bettman)
Primavera sem fim: a última foto de Hitler, no jardim da Chancelaria do Reich, condecorando a Juventude Hitlerista com a Cruz de Ferro. (Ullstein)
mais de um ano no front , primeiro na França e mais tarde combatendo os sérvios, Gerhart Pastors não perdera nada de seu envolvimento apaixonado. Das margens do Rio Save es creveu aos familiares, em outubro de 1915, sobre seu ardente desejo de atacar os sérvios: “Temos essa urgência física de enfrentar os sérvios homem a homem e de enfiar os punhos na cara deles. Se a ordem de avançar chegar hoje à noite, nós nos sentiremos como se estivéssemos indo para o céu.” Ele ainda identificava a batalha com o céu, com a salvação, com um estado de transcendência. Em 1916, numa edição de cartas de estudantes combatentes que preparava para pu blicação, Philipp Witkop escolheu, como fecho de seu vo lume, esta passagem idealista-brutal que associava o céu a punhos esmagando faces.24 A Grã-Bretanha logo se tornou a principal inimiga da Alemanha. Era a nação do comércio e da dissimulação, de Händler em vez de Helden, de comerciantes burgueses em vez de heróis. Porque, como um negociante à procura de ga nhos pessoais, não pusera todas as suas cartas na mesa desde o início da crise de julho, porque não declarara logo sua neu tralidade nem seu apoio à França, era acusada de ser respon sável pela guerra. Era culpada, o argumento insinuava, de inação quando devia ter agido. Aqui estava um raciocínio digno da estética moderna. A vítima, não o assassino, é cul pada. Inação e contemplação são impuras por definição, su gerindo tergiversação, cálculo e desonestidade. A ação é, ao contrário, libertadora, ação é vida, e aquele que age não pode, portanto, ser culpado. Com extravagância nietzschiana nega-se o Sermão da Montanha. “Não quem é culpado, mas o que é culpado, isto é que deve ser estabelecido”, insistia Magnus Hirschfeld. A Grã-Bretanha era a principal represen tante de uma ordem negadora da vida, da qual a Alemanha tinha de se libertar — um mundo que sufocava o verdadeiro prazer, a inspiração e o espírito.25 Muitos professores universitários alemães que haviam tido ligações com a Inglaterra antes da guerra tomaram o inesperado envolvimento britânico como uma desfeita pes soal, interpretando-o como uma crítica condenatória à cultu ra ocidental como um todo. O teólogo Adolf von Harnack 257
nunca se recuperou do golpe.26 A Bélgica, assim ele e outros concluíram amargamente, fora usada pela Grã-Bretanha ape nas como pretexto para atacar a Alemanha. A Grã-Bretanha, esta Krämer-Nation, esta “nação de lojistas” queria somente destruir sua rival econômica. Como se poderia explicar de outro modo o seu envolvimento? Num “poema” que evoca va a morte imaginada de Edward Grey, ministro britânico das Relações Exteriores, e seu terrível destino diante do tri bunal, Friedrich Jacobsen condenava a guerra da Inglaterra “por despojos e lucros imundos”.27 Em 1914, na véspera do Ano-Novo, os oficiais e o primeiro batalhão do 15° Regi mento de Infantaria Bávaro se reuniram no quartel do regi mento e, quando o relógio deu meia-noite, embora estivessem enfrentando os franceses perto de Dompierre, todos saudaram o novo ano com o grito de Gott strafe England.7** Como o fundamento alemão para a guerra foi desde o início menos específico que o dos franceses e britânicos, a interpretação alemã da continuação da guerra ficou analoga mente encoberta por noções românticas e místicas. Um tema comum era que a guerra representava a experiência máxima e que, apesar do horror e do evidente desperdício, uma forma mais elevada, mais sublime de existência nacional tomaria corpo através da entrega total à energia da guerra, da fusão da essência alemã com a realidade da guerra. Portanto, a guerra era tanto educação quanto revelação. Nas palavras do soldado Ernst Wurche, Se o significado e objetivo da vida humana é ir além da mera forma da existência, então já alcançamos bas tante na vida e, independentemente de nosso destino hoje ou amanhã, sabemos mais do que velhos de cem anôs e filósofos. Ninguém viu tantas máscaras caírem, tanta vi leza, covardia, fraqueza, egoísmo, vaidade, ninguém viu tanta virtude e silenciosa nobreza de espírito quanto nós. Temos pouca coisa mais a pedir da vida; ela revelou mais a nós do que a outros, e não há reivindicação hu-*
*
Que Deus castigue a ínglaterra.
258
mana além desse limite — esperaremos pacientemente para ver o que ela exigirá de nós. Se exigir tudo, ela afinal deu tudo, e chega-se portanto a um equilíbrio.29 Se no começo a guerra, para grande parte dos alemães, era sinônimo de beleza, sua fúria sempre crescente foi con siderada por muitos apenas uma intensificação de seu signifi cado estético. Em outras palavras, enquanto sua destruição aumentava, a guerra continuava a ser proporcionalmente es piritualizada, ou internalizada. Depois de várias semanas de chuva, lama, bombardeios de artilharia e ataques franceses, o lado “bom” da guerra tomara-se até mais claro para Gerhart Pastors: Você se torna forte. Esta vida elimina violentamente toda a fraqueza e sentimentalidade. Você é acorrentado, pri vado de autodeterminação, exercitado no sofrimento, no autodomínio e na autodisciplina. Mas acima de tudo: você se volta para dentro. O único modo de poder su portar esta existência, estes horrores, este assassinato, é plantar o espírito em esferas mais elevadas. Você é for çado a se autodeterminar, é obrigado a chegar a um acordo com a morte. Para contrabalançar a horrível rea lidade, você procura alcança;: aquilo que é mais nobre e mais elevado.30 O prefixo auto é o motivo que atravessa toda essa passagem. Enquanto a violência externa aumentava, um homem busca va com maior urgência a paz em seu ser, em sua alma. Quando o mito da vitória inevitável se esfacelou, os frag mentos se tornaram novos mitos, até maiores, mais brilhan tes. Num espasmo prolífico, a ilusão deu origem a uma ple tora de ilusões. O horror foi transformado em realização es piritual. A guerra tornou-se paz. A morte, vida. O aniquila mento, liberdade. A máquina, poesia. A amoralidade, verdade. Mais de dezoito mil sinos de igreja e inúmeros tubos de órgão foram doados ao esforço de guerra para serem derretidos e usados na fabricação de armas e munições.31 Enquanto se intensificava o assalto às certezas físicas e sociais do mundo 259
burguês do século XIX, difundia-se a sensação de crescente libertação de restrições, limites, formas. A promoção desta libertação continuou a ser o componente mais importante do Pflicht. Esta associação da morte à vida foi uma nova repre sentação, em escala aumentada, da seqüência do sacrifício em Le Sacre du printemps.
CONGREGAÇÃO Citar as cartas de estudantes idealistas e de outros intelec tuais é um convite à queixa de que se está oferecendo uma minoria da população — o setor intelectualmente mais enga jado na guerra — como representante da nação inteira. E os operários alemães? E os trabalhadores rurais? E a maioria dos combatentes? As fontes que conteriam suas opiniões são, é claro, as menos acessíveis. Esses homens raramente mantinham diários, e ninguém parece ter se interessado, ou pelo menos ter obtido bons resultados, em coletar ou reunir suas cartas depois da guerra. Além disso, os principais arquivos militares alemães foram destruídos pelos bombardeios dos Aliados. na Segunda Guerra Mundial, e os registros da censura postal também parecèm ter desaparecido. Assim, há apenas testemunhos es palhados e usualmente indiretos das atitudes dos não-intelec tuais em relação à guerra. A incidência relativamente baixa de insubordinação mili tar é, entretanto, uma prova sugestiva de que, em geral, o moral não esmoreceu e de que os soldados operários e cam poneses funcionaram no contexto dos valores descritos acima. A seguinte tabela enumera casos de insubordinação e delitos leves investigados, mas não necessariamente julgados, pelas cortes militares, na 4* Divisão de Infantaria da Baviera. A divisão passou a maior parte da guerra na Frente Ocidental. Os crimes e transgressões incluíam ausência sem permissão, deserção, covardia, espionagem, dano intencional a si mesmo, suicídio, mau emprego de armas, desobediência, abuso de
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autoridade, danos à propriedade, traição, atos contra a lei postal, atos criminosos e uma variedade de outros delitos.
NÚMERO DE INVESTIGAÇÕES1 1915 1916 1917 1918
1914 Janeiro
63
12
47
87
Fevereiro
26
18
41
59
Março
33
23
46
70
Abril
40
27
42
47
Maio
20
22
54
80
Junho
24
14
52
112
Julho
23
20
82
118
Agosto
17
32
32
48
103
Setembro
12
25
72
77
115
Outubro
29
27
80
47
136
Novembro
20
46
59
86
91
Dezembro
65
31
37
153
47
Os meses que chamam a atenção são dezembro de 1914 e janeiro de 1915; setembro até novembro de 1916; julho, setembro, novembro e dezembro de 1917; e, com a exceção de abril, todos os meses de 1918. O primeiro período coincide com a confraternização de 1914; o segundo com o fracasso da ofensiva de Verdun e com as perdas sofridas na batalha do Somme; e o terceiro e o quarto refletem a debilitação geral e o teste por que passou o moral das tropas quando as pers pectivas de vitória diminuíram. O fato de abril de 1918 ter presenciado uma queda nas cifras deve ser explicado pelos
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sucessos iniciais da ofensiva de Ludendorff naquela prima vera. Observa-se que os números aumentaram enquanto a guer ra se arrastava, mas o que deve ser enfatizado é que os nú meros relacionados coni insubordinação nunca se tornaram excessivos. No exército alemão, como em todos os exércitos, ouviamse os costumeiros resmungos sobre as provisões, a comida, o equipamento, a estratégia e as regalias concedidas aos ofi ciais! Em agosto de 1917, por exemplo, uma bateria de arti lharia queixou-se, num relatório que iria chegar ao alto co mando, de "que os oficiais do estado-maior possuíam melhores cavalos para os seus exercícios hípicos recreativos do que as tro pas para a luta”. O comando da divisão ficou enfurecido com este comentário "não-militar” e emitiu instruções para que tais observações fossem evitadas no futuro? Naquele verão tam bém foram dadas ordens para que os soldados que tivessem re clamações legítimas a respeito de condições e tratamento as apresentassem através dos canais competentes e não se puses sem simplesmente a resmungar.3 Os arquivos militares franceses e britânicos estão repletos desse tipo de registro, o que sugere problemas de pouca monta com o moral das tropas — perfei tamente compreensíveis, dada a natureza desta guerra —, mas não uma erosão significativa do propósito maior. Que a abordagem geral da guerra descrita acima não era apenas característica de intelectuais ou aventureiros — homens como Ernst Jünger, que antes da guerra fugira de casa para se alistar na Legião Estrangeira Francesa, Ernst Wurche ou Walter Flex — é constatável também num romance popular de Reinhold Eichacker que em 1916 já estava em sua segun da edição. Briefe an das Leben: Von der Seete des Schützengrabens und von den Schützengràben der Seele* é a história insuportavelmente açucarada de um soldado que parte para a guerra profundamente apaixonado pela mulher com quem se casara doze meses antes. Depois de um ano nas trincheiras, ele retorna inesperadamente e encontra a mulher nos braços de outro homem. Sem dizer uma palavra sequer, ele gira nos calcanhares e volta correndo para o front, só para ficar saben*
Cartas à vida:
da alma das trincheiras e das trincheiras da alma .
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do, pouco depois, que sua mulher tinha se suicidado. Após lon gas meditações sobre o significado da vida e da guerra, sente-se em paz com a mulher e também com a perspectica da morte. Seu consolo final é que voltará a se unir a ela na eternidade. Nesta história, como em grande parte do esforço de guerra ale mão, o significado da vida será encontrado somente na morte. Não é preciso dizer que os soldados alemães, como os das outras nações, sofriam de fadiga, depressão e trauma. No com bate também tinham de se apoiar em seus instintos e recursos interiores, mas para os alemães estes recursos interiores tinham uma forma predominantemente metafísica, em contraste com os valores sociais e históricos que motivavam o inglês e o fran cês comum. A guerra era uma luta mais de vontade e energia do que de meios materiais; um esforço para perpetuar o "es pírito de 1914”, realizar eine grosse Idee, um grande ideal. Por fim veio o que pareceu, para muitos, um vazio abso luto — a derrota. Rudolf Binding sabia, em julho de 1918, que "estamos acabados. Meus pensamentos me oprimem. Como iremos nos recuperar? A Kultur, como se ficará sabendo de pois da guerra, não servirá para nada; a própria humanidade provavelmente terá menos utilidade. ainda”.4 Um adversário, David Ghilchik, consciente em outubro de que o fim se apro ximava para os alemães, observou: "Não queria ser um alemão agora por nada neste mundo.”5 Mas até o vazio, como veremos, era de alguma forma capaz de manipulação e permutação. Como se veio a saber, era possível na verdade regozijar-se espiritualmente no vazio. Da derrota surgiria a idéia da "punhalada nas costas”, a noção de que a Alemanha não fora derrotada no front, em combate hon rado com o inimigo, mas tinha sido derrubada pela calúnia no exterior e pela traição dentro do país. A nação, ainda recen temente extasiada com o. novo, com a experimentação e a re jeição de velhas formas, projetaria, numa suprema proeza de acrobacia mental, suã própria revolta sobre os seus inimigos visíveis, dentro e fora. O traidor se tornaria o traído, o re belde se tornaria a vítima, o derrotado se tornaria o conquis tador, assim como no dadaísmo a antiarte se tornaria arte. Ainda em outubro de 1914, na noite do dia em que An tuérpia se rendeu aos alemães, foi dado um grande jantar na 263
Esplanade em Berlim. O decoro exigia que o traje em soleni dades sociais fosse discreto, de acordo com a gravidade da hora. As mulheres evitariam usar, por exemplo, vestidos deco tados. Mas, nesta noite, uma dama apareceu com um vestido extremamente transparente e de amplo decote, apropriado para um baile de gala no auge da temporada social. — Está muito bonita hoje à noite, madame — alguém observou. — Sim — foi a resposta. — Pus este vestido para cele brar a queda de Antuérpia; mas espere só para ver o vestido que estou guardando para o dia em que a Inglaterra for der rotada!6 Não temos registro do que a dama em questão usou na derrota, mas, se o modo como Josephine Baker foi recebida em Berlim no final da guerra servir de indício, o traje da vitó ria aqui sugerido — as roupas do imperador — teria sido igualmente apropriado na derrota. Serão válidas estas generalizações? Exceções não são di fíceis de encontrar. O descontentamento geral e a oposição à guerra aumentavam realmente na Alemanha, à medida que o conflito se aprofundava. Em 1916, saques de alimentos irrom peram em várias partes do país. Em abril daquele ano o bispo informou às autoridades católicas da Baviera que seu dever mais importante era combater o descontentamento com a guer ra.7 Durante os dois anos seguintes, especialmente nos inver nos rigorosos, não haveria falta de descontentamento. O primeiro reduto político dos céticos foi uma ala mino ritária do* SPD. Em abril de 1917, entretanto, fundou-se o Par tido Socialdemocrático Independente (USPD), de oposição à guerra. Abrigava tanto moderados políticos como Eduard Bernstein, líder revisionista de antes da guerra, quanto radi cais como Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht. Em janeiro de 1918 .uma onda de greves varreu as indústrias de munições, liderada por delegados sindicais radicais contrários à guerra e a favor de ampla reforma social e política. Nesses grupos admirava-se muito o recente sucesso dos bolcheviques na Rús sia. No front alguns sinais de cansaço e frustração apareceram no final de 1917 e em 1918, quando folhetos pacifistas che garam a certos setores e -quando aumentaram os casos de insu 264
bordinação. Mas era pequeno o número de pessoas envolvidas em qualquer uma destas atividades.8 A maioria das greves era instigada por razões mais econômicas que políticas, sobretudo pela terrível falta de alimentos. O exército se manteve leal. Provavelmente já em 1917 a guerra se tornara um enigma existencial para os elementos moderados do país. Por essa época, ela tinha-se "exaurido espiritualmente ”, segundo Max Weber. Já para Gustav Radbruch, professor de filosofia do direito, ela assumira a aparência de "alguma coisa fantasma górica”, uma monstruosidade cega e esmagadora. Vitória e derrota seriam, ambas, males, a primeira apenas ligeiramente o menor deles. Só na religião, acreditava ele, havia alguma paz no meio dessa horrenda crise.9 Em 1917, para Hans Delbrück, Ernst Troeltsch, Adolf von Harnack e Friedrich Meinecke, a guerra ameaçava destruir todos os vestígios da cultura euro péia. O futuro, cuja promessa tinha sido tão deslumbrante em agosto de 1914, parecia agora oferecer apenas escuridão, trevas sem comparação possível. Numa carta à esposa em fevereiro de 1918, depois das greves e dos distúrbios dos últimos meses, Delbrück admitia que estava aterrorizado com o futuro. Per guntava-se se, depois de toda a tristeza, alguma terrível tragé dia ainda estaria reservada à Alemanha. "Se tudo isso não che gar ao fim em breve, a situação vai ficar horrenda.”10 Entretanto, apesar de todas essas premonições e dúvidas, o moral das tropas — e a determinação de continuar — não arrefeceu, mesmo durante a retirada no outono de 1918. Nunca houve o perigo de um colapso total, pelo menos entre os sol dados. Quando realmente ocorreu, o colapso foi em escala mo desta e se deu na marinha, que se mantivera nos portos du rante a maior parte da guerra. Em 1917 ocorrera uma ameaça de motim em Wilhelmshaven, entre marinheiros que protesta vam contra a dureza do tratamento, a má qualidade das ra ções, a não concessão de licenças e os alojamentos apertados. Nos últimos dias de outubro e no início de novembro de 1918, marinheiros se amotinaram nos portos de Kiel e Wilhelmsha ven, e os distúrbios então se espalharam rapidamente pela Ale manha, quando foi divulgada a notícia do Armistício iminente. O exército no front, entretanto, permaneceu leal até o fim. Só 265
atrás das linhas, na Alemanha, é que um número relativamente pequeno de soldados participou da chamada revolução de 1918. Na Alemanha, portanto, a desilusão com o esforço na cional e o alheamento a ele nunca foram fatos generalizados durante a guerra. Os casos reais se deram mais entre a popu lação civil do que entre os combatentes. A linguagem e? a lite ratura da desilusão seria, em geral, um fenômeno do pós-guerra — em todos os países.
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V II
VIAGEM INTERIOR
Tem-se respeito à lei? Profundo. É justa a nossa guerra? É. Mas se eu pudesse dar no pé Ia sumir no oco do mundo. Um soldado
Abandona-se o reino do aqui e agora e transfere-se toda atividade para o reino do além, onde é possível a afirmação total. Abstração. Pa u l
Kl e e
Schiller, poeta medíocre, não oferece nada que possa interessar ao estrangeiro. Mesmo em tempo de paz, a boa regra desaconselha importar o que já se possui. Temos Casimir Delavigne, Ponsard, de Bornier. Que faríamos com Schiller? JOSÉPHIN PÉLADAN 1917
A GUERRA COMO ARTE Desde o início a guerra foi ^um estímulo à imaginação. Provavelmente nenhum outro período da história produziu tantos depoimentos sobre os acontecimentos públicos. Artistas, poetas, escritores, clérigos, historiadores, filósofos, entre outros, todos participaram plenamente do drama humano que estava sendo representado.
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A maioria dos intelectuais, apesar de orgulhosas declamações de independência e de tomadas de decisão racionais, mostrava-se sensível a lealdades nacionais arraigadas e comportavase de acordo com esse estado de espírito. Se não podiam se alistar por causa da idade ou da saúde, participavam do esforço de outras maneiras, como propagandistas, artistas de guerra, motoristas de ambulância ou serventes de hospital. Mas além da lealdade ao rei e ao país, que com poucas exceções vinha em primeiro lugar, a guerra exerci# uma singular fascinação por sua própria monumentalidade e, à medida que avançava, por sua tremenda inefabilidade. Até o introvertido Marcei Proust, que compôs seu grande roman fleuve, À la recherche du temps perdu, à noite, no recinto solitário de um quarto for rado de cortiça, ficou enfeitiçado pelo espetáculo: “Assim como as pessoas costumavam viver em Deus, eu vivo na guerra.”1 Edmund Gosse observou Henry James atentamente durante a guerra. James, ao que parece, tinha o costume de olhar para o outro lado do Canal da Mancha, na direção do som abafado da artilharia. "A angústia do seu horror”, escreveu Gosse, tornou-se quase o uivo de um animal, de um leão da flo resta atingido no flanco por uma flecha, quando os ale mães destruíram a catedral de Rheims. Ele olhava fixamen te o mar, a sudeste, e imaginava ver o bruxuleio das cha mas. Comia e bebia, conversava, caminhava e pensava, dormia e acordava, vivia e respirava apenas a Guerra. Seus amigos ficaram ansiosos, a tensão ultrapassava o que era de esperar que seus poderes naturais, transfigurados como estavam, pudessem suportar.2 Mesmo aqueles que, como1D. H. Lawrence, tentaram manter um distanciamento crítico dos acontecimentos, logo se viram envol vidos na crise, graças à paranóia da sociedade que lançava sus peitas sobre qualquer um que se mantivesse à parte. As imaginações mais radicais, de tendência política ou estética, deixaram-se absorver desde o iníció. A guerra ofere cia extremos de emoção e esforço — Dorgelès chamava as trincheiras de "este imenso confessionário”3 —, bem como vi sões, sons e imagens que não tinham relação alguma com o 268
sossegado mundo eduardiano ou mesmo com o febril mundo guilhermiano. Desta forma, a guerra atuava como verdadeira exortação à renovação revolucionária em que se empenhava a vanguarda do período de pré-guerra. “A guerra européia significa uma violenta crise histórica, o começo de uma nova época”, insistia Lênin no final de 1914.4 Para os políticos ra dicais da esquerda, a tensão entre o que se considerava uma ordem social obsoleta e a dinâmica irreprimível da guerra era — apesar de toda a compaixão, tristeza e horror que acompa nhavam essa tensão — propícia: a guerra terminaria em revo lução. Para muitos radicais das artes a tensão era positivamente deliciosa. Jacques-Émile Blanche e seu círculo parisiense de amigos, que tinham promovido os Ballets Russes, vibravam com a visão de zepelins sobre a capital francesa. Imaginavam ba leias ou tubarões no céu, ou “o monstro Fafner, gingando no ar com seu corpo descomunal de alumínio e guta-percha, os faróis dos olhos lançando raios elétricos sobre a adormecida lie de la Cité”. Misia Sert comparava a guerra a um cartaz secessionista de Berlim. “Estes adereços do terror pertencem ao teatro”, comentou Blanche.5 A tendência era considerar a guerra uma forma de arte, uma representação superior da vida; só quando a humanidade reconhecesse que a salvação estava nos valores estéticos, no simbolismo de vida e morte, e não em estéreis normas sociais, é que o horror e a tristeza teriam significado e seriam superados. Como evocação, como.instru mento de mudança, a guerra tinha um propósito positivo — tal era o julgamento de muitos artistas, pelo menos no início. A resposta artística mais radical à guerra partiu de um grupo de pessoas que rompeu totalmente com as lealdades tra dicionais e se reuniu na neutra Zurique em 1915 para ali fun dar a idéia Dadá — se é que se pode falar desta manifestação niilista como uma idéia. A coorte tinha um sabor internacio nal, mas seu cerne era alemão. Entre os protagonistas estavam Hugo Bali, Richard Huelsenbeck, Hans Richter, Hans Arp e o romeno Tristan Tzara. Com farpas histriónicas e epigramáticas contra a orgia de autodestruição em que a Europa estava en volvida, eles negavam todo significado, até o seu próprio. O único sentido era a falta de sentido, a única arte a antiarte. Bevor Dada da war, war Dada da — antes de haver Dadá havia 269
Dadá. Richard Huelsenbeck encorajava os “sem rumo do mun do” a se unirem.6 Apesar da angústia e cólera manifestas, o dadaísmo pare cia se deliciar com a guerra: “A guerra é o nosso bordel”, es creveu Hugo Bali.7 A orgia de negação característica do dadaís mo era uma contrapartida espiritual à própria guerra. Ao re jeitar causa e efeito, passado e futuro, e todo e qualquer sig nificado a não ser o lance de dados, o dadaísmo se divertia com um narcisismo que tinha um tom alemão, e, embora ne gasse ruidosamente o significado, não deixava de considerar a guerra como a essência do significado. Os jogos niilistas do dadaísmo eram jogos de guerra do espírito. A confusão e a ambigüidade inerentes à atitude de con siderar evocativa a destruição pareceram realmente intoleráveis a alguns artistas e intelectuais cujo impulso criativo foi aba fado. Depois de uma explosão poética celebrando o advento da guerra, Rilke ficou reduzido, pelo horror, a uma conster nação silenciosa ante a incapacidade da intelligentsia européia para pôr fim à matança. Henry James não produziu nada de especial nos últimos anos antes de sua morte. Rudyard Kipling, que perdeu o filho na guerra, escrevería apenas uma história do regimento dos Guardas Irlandeses, a que seu filho tinha pertencido. Sobre o dilema enfrentado pelo artista disse John Galsworthy em 1915: “Com o trabalho de suas mãos, as pala vras de seus lábios, seus pensamentos e os sentimentos de seu coração, [o artista] se identifica com o drama desta guerra, mas nas profundezas de si mesmo ele recua horrorizado.”8 Quando o significado da guerra começou ’ a ficar envol vido numa névoa de questionamento existencial, a integridade do mundo “real”, do mundo visível e ordenado, foi solapada. Quando a guerra pòs em xeque as conexões racionais do mun do de pré-guerra — isto é, o nexo de causa e efeito —, o significado da civilização como realização tangível se viu ata cado, bem como a visão do século XIX de que toda a história representava progresso. E quando o mundo exterior desmoronou em ruínas, o único reduto de integridade se tornou a perso nalidade individual. David Jones considerou a ofensiva do Somme a. última grande ação do velho mundo. Até então, os antigos costumes e atitudes se mantinham firmes. Ao que veio 270
depois ele chamou “a Ruptura” : “Todo o passado, pelo que posso compreender, foi pelo ralo.”9 Da mesma forma, Stephen Dedalus de Joyce foi levado a observar, com palavras que lem bram Schopenhauer, que “a história é um pesadelo do qual estou tentando acordar”.10 Quando o passado sumiu pelo ralo, o eu tornou-se de importância capital. Embora a maioria , dos soldados conservasse seu senso do dever, alguns começaram a se expressar sobre o outro aspecto de sua situação dicotômica: a sensação de alheamento, margi nalidade e, ao mesmo tempo, novidade; isto é, a idéia de que o mundo vivia a agonia da destruição, que então parecia irre versível, mas também um processo de renovação, que parecia inevitável. Neste último processo havia uma realidade de im plicações espantosas: o soldado representava uma força criati va. Como agente de destruição e também de regeneração, de morte e renascimento, o soldado tendia a se ver como uma personalidade “limite”, como um paladino da mudança e de uma nóva vida. Era um viajante que havia chegado, seguindo ordens, aos limites da existência, e ali na periferia “vivia” de um modo único, à beira da terra de ninguém, à margem das categorias normais. No entanto, também era chamado a atravessar ã terra de ninguém. Esta era, de fato, a suprema convocação. Esta era a essência da vitória, À medida que o objetivo da guerra se tornava mais abstrato, menos dócil às imagens convencionais, o significado da vitória, isto é, as conseqüências de atravessar com sucesso o perigoso espaço que separava os inimigos, ficava equivalentemente mais abstrato. Para se manter, o soldado tinha que apelar para a sua própria imaginação. A guerra se tornava cada vez mais uma questão de poder interpretative individual. Ao contrário das conclusões de observadores situados atrás das linhas de frente, psicólogos e jornalistas, que achavam que a experiência da guerra não alterara o caráter essencial de suas respectivas nações, o soldado da linha de frente, que partici para das batalhas, estava convencido de que havia mudado de um modo fundamental, ainda que indescritível. Depois de sua primeira passagem pelas trincheiras, em junho de 1916, Peter McGregor informou à sua mulher: 271
Estou bem — o mesmo de nunca mais. Os quatro dias me viraram de cabeça para experimentar essas coisas e
sempre — mas não — isso que passamos nas trincheiras baixo. Nenhum homem pode continuar o mesmo.11
Rudolf Fischer, do outro lado, fez um comentário semelhante: “Ninguém sai desta guerra o mesmo homem.”12 E Marc Boasson, depois de participar dos ataques em Artois em setembro de 1915 e em Verdun em junho de 1916, admitiu numa carta para casa: Mudçi muito. Não queria falar a vocês do tremendo can saço que a guerra produziu em mim, mas vocês me for çam. Sinto-me esmagado, diminuído.13 Diminuído em que sentido? Cómo ser social e moral, ele es clareceu em cartas posteriores. Estava menos preocupado com a possibilidade de motim e revolução, tanto de sua parte como da parte de seus companheiros — isto seria, pelo menos, uma expressão de energia, vida e consciência social —, do que com a resignação e a lassitude, “esta inesgotável docilidade”. “Pa rece-me”, escreveu, “que estamos passando por uma crise mo ral muito séria, não ostensiva, sem gritos, sem manifestações visíveis, mas grave por causa de sua profundidade”.14 Boasson aludia a uma retiráda muito difundida, para longe de um mundo exterior, que na superfície continuava intacto, e para dentro de um mundp particular do espírito. A autoridade tradicional tinha abandonado o soldado ao seu próprio destino. A chefia, em seu sentido convencional, havia fracassado. Além disso, o front interno não compreendia a natureza da via dolorosa do soldado. A única realidade social que ainda servia de apoio ao soldado era “a camaradagem das trincheiras”. Nesta situação, como observou um jovem vo luntário alemão, qualquer um se tornava um socialista instin tivo. Mas faltava ao “socialismo” do soldado qualquer tipo de precisão ou praticidade ideológica. Era em grande parte sentimental e negativo, mas surpreendentemente semelhante ao “socialismo” da vanguarda artística. Esse socialismo era da variedade “o homem é bom”, acompanhado por uma rejeição 272
de forma e organização, e implicando a projeção do ego — humilde, ansioso e dócil — , em plena devastação, num. credo. O impulso era essencialmente autocompassivo e ao mesmo tem po anárquico. O homem era vítima mas também um sobre vivente revbelde. Burocratas, políticos, generais, jornalistas e aproveitadores da guerra — aqueles que lá fora se nutriam como chacais da carnificina e da miséria — eram despreza dos. Eram eles o verdadeiro inimigo, animais necrófagos que se alimentavam e engordavam com a morte e a destruição. Sandor Ferenczi, que tratou de soldados psiconeuróticos em Budapeste durante a guerra, confirmou que os soldados, con frontados com uma esmagadora força material e com o desam paro pessoal, refugiavam-se dentro de si mesmos. “A libido recua do objeto para o ego, aumentando o amor a si mesmo e reduzindo o amor objetai ao ponto de total indiferença.”15 Muitos pacientes confessavam sua impotência sexual ou gran de redução do interesse sexual. O soldado tornou-se assim não apenas o precursor mas o próprio agente da estética moderna, o progenitor da destrui ção mas ao mesmo tempo a personificação do futuro. Qualquer esperança neste futuro residia exclusivamente na imaginação individual. “Decidi”, escreveu Georges Bernanos em setembro de 1915, “que meu epitáfio consistirá apenas nestas duas linhas. Aqui jaz um homem que lutou e morreu por sua sa tisfação pessoal e para enfurecer aqueles que não lutaram nem morreram!”16 Para um tradicionalista como Louis Mairet, a destruição da perspectiva moral, a internalização do mundo exterior, o desaparecimento do racionalismo como solda social e cultural significavam que também a arte estava morta. Quando sua unidade foi substituída em março de 1917, o ritual que nor malmente acompanhava tal mudança ainda se mantinha inalte rado. “Partida. Música, som de metais, brilho de baionetas. A bandeira, silhueta sombria, tecido de gloire.” A paisagem, observou Louis Mairet, tinha a cor de uma aguada. Desespe radamente ele procurava um sentido positivo para o todo, o ritual e o ambiente natural. Na interpretação coletiva de tais símbolos, numa forma acessível a todos, residia o objetivo tra dicional da arte, a arte como conhecimento e não apenas como 273
energia. Mas, para os soldados seus companheiros, todo inte resse por um significado predominante havia desaparecido. Es tavam imersos em si mesmos, exclusivamente: “ . .. Cada um vê em tudo apenas um desdobramento de suas próprias preo cupações pessoais.” Uma colina, marcante por seus contornos abruptos, leva um oficial a observar: “Esta é uma posição inexpugnável.” Mais adiante, abre-se uma larga planície: “Este seria um bom campo de aviação.” Uma área de grama rasa provoca um comentário excitado: “Que grande campo de fute bol!” E Mairet conclui tristemente: “A poesia está morta.”17 O que ele queria dizer, é claro, era que a poesia tradicional estava morta. Depois de algum tempo, o horror que o soldado enfrentava tinha pouco potencial interpretativo, exceto em termos muito pessoais. Ao contrário de Mairet, alguns viam nesta situação não a morte da arte mas o nascimento de uma nova estética. Para Robert Graves, a visão de fragmentos de cérebro humano espalhados no boné de um camarada tornou-se “uma invenção poética”.18 O som de uma barragem de artilharia pela manhã fez Wyn Griffith pensar em música, não uma música de melo dias e harmonias convencionais, mas uma nova música, a antí tese de todas as composições costumeiras.19 Jacques-Émile Blanche dizia que os reides aéreos sobre Paris lembravam-lhe especificamente Le Sacre de Stravinsky.20 Graves, Griffith e Blanche faziam associações semelhantes. Relacionavam as vi sões e os sons da guerra com a arte. A arte se tornou, de fato, o único correlato disponível desta guerra; naturalmente não uma arte que seguisse as regras anteriores, mas uma arte em que se abandonavam as regras da composição, em que a pro vocação passava a ser a meta, e em que a arte se tornava um acontecimento, uma experiência. Quando a guerra perdeu o significado externo, transformou-se sobretudo numa experiência. Neste processo, a vida e a arte avançaram juntas. Alguns soldados começaram a descobrir, como Percy Jones observou ao ver Ypres no final de 1915, “algo horrivelmente fascinante nesta devastação tão estarrecedora”. As fotografias, dizia ele, não podiam fazer justiça à realidade. Dois meses mais tarde ainda estava enfeitiçado por esta visão do “fim do mundo”: “A fascinação de Ypres cresce dentro de mim, e 274
ainda estou procurando uma casa que não tenha sido direta mente atingida por uma bomba.”21 J. W. Gamble, que estava nou local na mesma época, experimentou uma reação quase idêntica. No sábado. . . aproveitei a calma temporária e fui dar outra olhada em Ypres. É realmente uma visão maravi lhosa —- estranha, grotesca e desoladora, sem dúvida —, mas muito interessante. Espero que o lugar seja invadido por visitantes e turistas depois da guerra e que eles fiquem estupefatos com o que vêem. As antigas ruínas de Pom péia e lugares afins serão esquecidos.22 Na mente de Gamble, Ypres, apesar de sua contemporaneidade, tinha sobrepujado Pompéia, como monumento de uma civi lização em ruínas. Sua escala de simbolismo era incomparável. Porém, tanto em Jones como em Gamble há uma evidente sa tisfação por serem testemunhas desta colossal destruição. Quan do Garfield Powell escreveu em seu diário de 28 de agosto de 1916: “Passamos agora para a ‘terra de nossos sonhos’, Ypres”, o tom era intencionalmente sardónico, mas a escolha do clichê era extremamente reveladora.23 Para David Jones, tam bém, a “terra devastada” das trincheiras se tornou “um lugar de encantamento”.24 E Canon F. G. Scott, um canadense, ao deparar com o cadáver de um rapaz coberto por uma camada de lama amarela, pensou imediatamente numa “estátua feita de bronze. Ele tinha um belo rosto, uma cabeça finamente tor neada, coberta de cabelos curtos e crespos, e parecia mais uma obra de arte do que um ser humano”.25 Paradoxalmente, Harry Crosby, de Boston, um dentre os muitos americanos que se apresentaram como voluntários para o serviço de ambulância na França, encontrou na fornalha de Verdun em 1917 uma fuga da morte. Estremecia quando pensava nos horrores de Boston e particularmente nas virgens de Boston, que são criadas em ambientes assexuados, que usam ceroulas de lona, sapatos de salto baixo e óculos de armação de tartaruga, e que, depois de casadas, têm um filho pontualmente a cada nove meses durante cinco ou seis anos, e depois vão terminar seus dias no Chilton Club. Céus, escapei por um triz. 275
Verdun tinha “a mão da morte. . . impressa por toda p arte”. Mas, exatamente por essa razão, ele achava que o lugar “fun ciona como um ímã”.26 A guerra, apesar de sua destruição ou, na verdade, graças a seu horror difuso, tornara-se uma força evocativa, um estímulo não à criatividade social, mas à imagi nação pessoal e à interioridade, uma avenida para um novo e vital território de atividade.
A ARTE COMO FORMA
No entanto, ^a interioridade, se não era silêncio, literal e fi gurado, produzia um dilema. Como reunir e ordenar a expe riência da guerra, ainda que só para si mesmo? Os modos tra dicionais de expressão — palavras, pintura, até a música — mostravam-se claramente inadequados nesta situação. "Confrontada com o espetáculo de uma luta científica na qual o Progresso é usado para o retorno à Barbárie, e com o espetáculo de uma civilização que se volta contra si mesma para se destruir, a razão fraqueja”, escreveu Louis Mairet.1 Para o artista Paul Nash, os instrumentos normais de sua arteeram insuficientes: "Nenhuma pena ou desenho pode expres sar esta região”, escreveu ele à sua mulher sobre a paisagem de Flandres.2 A rejeição da forma tradicional na arte parecia ser a única reação honesta. Nash e muitos dos outros artistas oficiais britânicos da guerra, que em sua maioria tinham tido uma formação tradicional e provinham de um meio convencio nal e de um ambiente cultural que antes da guerra era em geral hostil a inovações artísticas, voltavam-se cada vez mais para modos experimentais de composição. Enfrentavam alguma oposição, mas recebiam sobretudo aplausos. Até nos círculos oficiais havia em 1917 um reconhecimen to relutante de que a guerra tinha introduzido uma nova era, uma era que exigia uma nova sensibilidade. C. R. Nevinson fa zia parte de um pequeno grupo de artistas britânicos que havia se rebelado antes da guerra contra uma abordagem acadêmica 276
tradicional da composição; ele se mudara para Paris com a intenção de se associar aos cubistas e futuristas e dividir um ateliê com Modigliani. “Carros pesados e potentes correndo pe las ruas apinhadas de nossas cidades”, tinha escrito em 1913, dançarinos refletidos na maravilhosa atmosfera de luz e cor, aeroplanos sobrevoando uma multidão excitada. . . Es tas fontes de emoção satisfazem mais nosso senso do uni verso lírico e dramático do que duas peras e uma maçã.3 Quando veio a guerra, Nevinson, atormentado por uma saúde fraca que impediu o seu alistamento, mas “perseguido”, como dizia, “pelo anseio de fazer alguma coisa, de participar’ da guerra”, ingressou primeiro na Cruz Vermelha, para servir em Dunquerque, e depois no Corpo Médico do Exército Real. A febre reumática, entretanto, tornou-o incapaz para o serviço militar em janeiro de 1916. Em junho de 1917, apesar de seu passado de artista radical, foi contratado como “artista oficial do exército britânico”. Inicialmente sentiu-se compelido a re frear seus instintos criativos naturais. Mas seus chefes no De partamento de Informação observaram que seu trabalho sofria em conseqüência disso. Em outubro de 1917, depois de ver as últimas pinturas de Nevinson, T. Derrick, funcionário da Wellington House, onde era coordenado o esforço de propaganda britânico, comentou num memorando a Charles Masterman, encarregado da seção de literatura e arte do departamento: Direi a ele que tenho razões para acreditar que pode exer citar seu ego selvagem e desregrado em trabalhos futuros sem receio de escandalizar as áreas oficiais. Acredito que é isso. E que seu ego oficial, decoroso e contido é bem menos apreciado — e não mais, como acho que ele ima ginava.4 Masterman concordou e deu a Nevinson plena liberdade de expressão. Mais tarde Nevinson teve problemas com o QuartelGeneral e o Ministério da Guerra, particularmente devido à sua pintura The Paths of Glory (Os caminhos da glória), que foi considerada capaz de abalar o moral das tropas por retra277
tar cadáveres no front e por ter um título tão amargamente irô nico, e ao quadro A Group of Soldiers (Um grupo de solda dos), que foi julgado “feio demais” e, segundo o Ministério da Guerra, oferecia aos alemães uma possível -“prova da dege neração britânica”, Mas seus outros quadros — embora a tô nica fosse o horror, e não o heroísmo — foram recebidos com aprovação e até entusiasmo. Em janeiro de 1918 o Museu Na cional da Guerra, precursor do Museu Imperial da Guerra, até comprou The Paths of Glory por 50 libras e A Group of Sol diers por 100 libras, reconhecendo a importância deles como documentos da guerra. Em março de 1918 Lorde Beaverbrook, magnata da imprensa e recém-noméado Ministro da Informa ção, inaugurou formalmente uma exposição das obras de Nevinson na Galeria Leicester, em Leicester Square, apesar de Nevinson ter insistido em incluir, na sua introdução ao catá logo, a seguinte passagem sarcástica: Não tenho ilusões a respeito do público, pois, graças prin cipalmente à nossa Imprensa, às nossas abomináveis Esco las Públicas, amantes da tradição, e às nossas Universida des, que fedem a antiguidade, o inglês comum não ape nas desconfia do novo em todas as experimentações inte lectuais e artísticas como é mentalmente treinado a se comportar de forma tão pouco esportiva que chega ao ponto de tentar matar todo e qualquer novo empenho em embrião, especialmente se este der mostras de poder se desenvolver com energia e força no futuro.5 Só quatro das pinturas não foram vendidas. Em 1919 o Daily Express, jornal de Beaverbrook, referia-se aprovadoramente a Nevinson como “o famoso artista futurista”.6 Em geral, portanto, as autoridades mostraram uma clara flexibilidade em questões artísticas. Esse fato não passou des percebido aos críticos. Um crítico congratulou aqueles que con trolavam a arte oficial por demonstrarem o salutar ecletismo de escolher seus intér pretes da guerra não apenas nos recintos aprovados das Escolas da Academia Real e em Burlington House, mas 278
também no Slade e nos chamados centros de arte rebeldes de Camden Town, onde a liberdade de idéias e de expres são floresce livremente.7 A sensibilidade britânica como um todo tinha percorrido um longo caminho desde a exposição pós-impressionista na Galeria de Grafton Street em 1911. Uma desconfiança crescente entre intelectuais em relação à linguagem e às implicações das “grandes frases retumban tes” foi outra reação à guerra. Honra, Glória, Patriotismo, Sacrifício começaram a perder suas letras maiúsculas. Devido à sua experiência de guerra, E. E. Cummings, que serviu numa unidade americana de ambulâncias junto aos franceses, desis tiu das maiúsculas não apenas em sua poesia, mas em seu pró prio nome: tornou-se e. e. cummings. “Há palavras grandiosas que hoje já não soam como em 1914”, exclamou Roland Dorgelès depois da guerra.8 A linguagem e o vocabulário tradicionais pareciam fla grantemente inadequados para descrever a experiência da trin cheira. Palavras como coragem, sem falar de glória e heroísmo, com suas conotações clássicas e românticas, simplesmente não tinham lugar em nenhum relato dos motivos que levavam os soldados a permanecer e cumprir seu papel nas trincheiras. Até substantivos descritivos básicos, como ataque, contra-ataque, surtida, ferimento e bombardeio tinham perdido todo o poder de captar a realidade. Em outubro de 1916 John Masefield ilustrou o problema quando, numa visita ao Somme, enviou aos familiares algumas de suas impressões do front. “Dizer que o terreno foi 'arado’ com bombas é falar como uma criança.” E sobre a lama — “chamá-la de lama seria desorientador”. Não era igual a nenhuma outra lama que eu já tivesse visto. Era uma espécie de rio estagnado, grosso demais para correr, mas úmido demais para ficar parado, e pos suía um tipo de cintilação e brilho como o de um queijo avermelhado, mas não tinha nada de sólido, e você não deixava pegadas porque elas logo se fechavam, e a cada passo cobria as botas, chegando às vezes até a barriga 279
da perna. Por baixo havia um chão sólido, e enquanto você patinhava, o exército patinhava a seu lado, sujando você de lama da cabeça aos pés.9 Assim: . . . As palavras se distendem, Estalam e muita vez se quebram, sob a carga, Sob a tensão, tropeçam, escorregam, perecem, Apodrecem com a imprecisão, não querem manter-se [no lugar, Não querem quedar-se quietas.
Assim T. S. Eliot escreveria mais tarde.10 Como se as palavras tivessem se tornado parecidas com a lama do Somme. É claro que o front interno permanecia atolado em eufemismos, e os soldados em geral também continuavam a dizer que "passaram um mau bocado”, "escaparam por um triz”, se envolveram num "espetáculo” que era "divertidíssimo” e num "passatempo excelente”. Dick Stokes estava na colina de Vimy quando esta posição foi capturada em abril de 1917: “É uma grande guerra. . . Foi um espetáculo grandioso e de muito sucesso.” Em novembro estava no saliente de Ypres quando ficou sabendo do ataque em Cambrai: "Gostaria que nos mandassem para lá, parece muito divertido.” Em outubro de 1918 sua linguagem não tinha mudado: "Estou de volta depois de uma semana alegre e emocionante metralhando boches. São e salvo, mas coberto de picadas de insetos.”11 Ê claro que Stokes, como a maioria de seus companheiros, nunca se deu conta de que suas histórias, que associavam “metralhando boches” e "picadas de insetos”, eram totalmente absurdas. De modo semelhante, depois de um ataque a gás perto de Ypres em dezembro de 1915, J.W. Gamble descreveu uma cena que pertence a uma peça de Pirandello ou Ionesco. Tinha acabado de colocar ataduras em alguns feridos quando um deles me chamou a atenção para dois grandes 280
ratos que cambaleavam por ali, apoiados nas patas trasei ras, como se estivessem bêbados. Realmente uma das. cenas mais engraçadas que se possa imaginar. Em geral, a gente só vê os ratos quando eles passam correndo (durante o dia), mas estes dois estavam bem à vista, e suas cabriolas eram esquisitas demais. Estavam meio zonzos sob o efeito do gás, é claro, mas o estranho é que esta foi uma das coisas que ficaram mais vivas na çiinha memória, depois que o espetáculo terminou.12 Gamble não parecia se dar conta da incongruência da cena quando escreveu estas linhas. Mas pouco antes de ser morto, em maio de 1916, escreveu um breve ensaio sobre o contraste entre a paz e o poder da natureza, de um lado, e a tempestade e a ineficácia da guerra, de outro. Homem inteligente, como indica sua correspondência, sua sensibilidade tornou-se clara mente mais aguda à medida que se aprofundavam a guerra e a sua própria experiência. Também ele, antes de morrer, fizera a viagem para dentro de si mesmo. Outros espíritos sensíveis começaram a abandonar as vagas generalidades de expressão, os eufemismos, alguns até os adjetivos, e a procurar imagens claras e litotes de grande força. Portanto, a linguagem foi gra dativamente privada de seu significado social e transformou-se num instrumento altamente pessoal e poético. O exemplo ex tremo da metamorfose foi novamente o “non-sense” fonético e onomatopéico engendrado pelo dadaísmo. Neste processo, a iro nia, que é uma expressão da sensibilidade em desacordo com o seu ambiente, tomou-se para muitos o modo e o estado de espírito retóricos. Numa guerra em que os homens se enterravam para viver, em que os soldados iam pescar com bombas, em que as tropas senegalesas a princípio comiam a graxa enviada para lubrificar os caminhões, em que um pombo-correio morto foi condecora do com a Legião de Honra, em que o comandante-chefe britâ nico declarou, em 10 de junho de 1916, um dia antes da “gran de investida” no Somme, que “o arame farpado nunca tinha sido tão bem cortado”, em que no dia 20 de março de 1918, 281
véspera da última grande ofensiva alemã, um general francês observou: "Chegam cada vez mais informações que confirmam a opinião de que o boche não vai atacar”;13 nessa guerra e nesse mundo o chacal de Kilimanjaro e o criado sarcástico de Prufrock pareciam ser os únicos habitantes adequados. O hu mor tornava-se amargo e negro, e Monty Python nunca teria existido no último quarto deste século se seus antepassados não tivessem passado por essa "grande guerra”. Perto de Béthune, no fim de novembro de 1914, o bri gadeiro P. Mortimer registrou em seu diário: Nossa principal ansiedade parece ser retirar os cadáveres alemães da frente de nossas trincheiras — já que estes se tornam insuportáveis por causa do mau cheiro. Oferecem-se aos homens prêmios e promoção para que saiam e queimem os alemães, e muitos feitos valorosos estão sendo realizados. Um homem do 2/39°, depois de se des fazer de três cadáveres num descampado, a üns 50 me tros das trincheiras alemãs — foi morto na quarta tenta tiva — abatido a sangue-frio.14 Mortimer escreveu esta nota, sem outros comentários, evidente mente com toda a seriedade. Quanto tempo ainda levaria para que os homens sentissem as horríveis ironias de um mundo em que se exigia bravura para lutar contra cadáveres, em que os vivos morriam tentando destruir os já mortos? O 9? Bata lhão Real da Infantaria Ligeira de Yorkshire, a que pertencia Basil Liddell Hart, marchou com seus oitocentos homens para a batalha do Somme, em julho de 1916, cantando "Pack Up Your Troubles in Your Old Kit-Bag” (Guarde Seus Proble mas na Velha Mochila). Alguns dias mais tarde, setenta ho mens e quatro oficiais marcharam de volta. Novamente canta vam "Pack Up Your Troubles”!15 Mas, a esta altura, as ironias tinham começado a impreg nar tudo. A esta altura "Auld Lang Syne” (Os velhos tempos) havia recebido versos que ficariam bem numa canção dadaísta. “Estamos aqui porque estamos aqui porque estamos aqui, porque estamos aqui”, cantava o soldado britânico. E com a melodia 282
de "Take It to the Lord in Prayer” (Ofereça-o ao Senhor em Oração) Tommy cantava: Quando acabar esta guerra Mando às favas a caserna. E mais uma vez à paisana A vida volta a ser bacana. Domingos livres, sem paradas, sem igreja, nem passes, nada. Nosso bom sargento-ajudante Que enfie os passes. . . ele sabe onde. Conversa escutada nas trincheiras em março de 1916: — Diga, Bill, quando é que esta guerra vai acabar? — Ah, sei lá: quando não houver mais Bélgica para pôr nos sacos de areia.16 No dia 12 de fevereiro de 1916, numa velha gráfica bom bardeada, numa transversal da praça principal perto do Cloth Hall, em Ypres, foi publicado o primeiro número de Wipers Times, famoso precursor de " New Church” Times, Kemmel Ti mes, B.E.F. Times e finalmente, em novembro de 1918, Better Times. O humor era, com raras exceções, negro. Além de car tas ao editor, imitando o Times de Londres, sobre o primeiro cuco da estação a ser avistado, havia anúncios. Terreno para Construção à Venda. Construa aquela Casa sobre a Colina 60 Luminosa — Arejada & Revigorante. Oferece excelente vista da histórica cidade de Ypres. Para pormenores de venda dirija-se a: BOSCH & Co. MENIN17 No Somme Times, no final de julho de 1916, seria encontrado um questionário: Você é uma vítima do Otimismo? Não sabe? 283
Então faça a si mesmo as seguintes perguntas. 1. Sofre de animação? 2. Acorda de manhã sentindo que tudo vai bem para os Aliados? 3. Acha de vez em quando que a guerra vai acabar nos próximos doze meses? 4. Prefere acreditar nas boas notícias a acreditar nas ruins? 5. Acha que os nossos líderes são competentes para con duzir a guerra a um final vitorioso? Se a sua resposta é “Sim” a qualquer uma destas per guntas, então você está preso nas garras desta terrível doença. Podemos curá-lo. Dois dias em nosso estabelecimento erradicarão eficiente mente do seu organismo todos os vestígios do mal. Não hesite — para saber das condições dirija-se imediatamente a: SRS. WALTHORPE, FOXLEY, NELMES E CIA.
Telefone 72: “Pedra dãs Queixas” Telegramas: “Resmungão”18 Como Louis Mairet percebia e lamentava, grande parte da ironia expressa pelos soldados era “falsa”. “Uma doença está destruindo a presente geração: a falsa ironia”, acusou ele no começo de 1916. “O pior é que ela traz consigo uma insen sibilidade, ou antes o seu simulacro, o que é ainda mais ter rível.”19 A introdução a uma reimpressão de Wipers Times em 1918 também se viu compelida a assinalar que “a hilari dade era na maioria das vezes mais histérica do que natural”. O soldado David Ghilchik certamente estava de acordo. “En graçado, querida”, disse à sua mulher numa carta escrita do front italiano, onde servia como motorista de caminhão em agosto de 1918, “mas eu pareço ter perdido a capacidade de rir ”.20 Porém, se grande parte do humor era forçado, o próprio fato de agradar a muitos sugere que tocava realmente num 284
ponto sensível. A corrente subterrânea representada pela ironia durante a guerra iria se tornar uma maré enchente no mundo do pós-guerra. Entretanto, para alguns, incapazes de rir, a interioridade se fazia acompanhar de silêncio. Dadá podia gritar sobre o nada, mas alguns homens descobriam que até o ímpeto de gritar era abafado pelo terror ou pela totalidade da incom preensão. “A guerra... é um- professor silencioso, e aquele que aprende se torna silencioso também”, escreveu Rudolf Binding.21 "A realidade supera toda a literatura, toda a pintura, toda a imaginação”, insistiu outro sobrevivente.22 Um com batente que não sobreviveu, Marc Boasson, estava dominado pelo pessimismo: "Nada está sendo criado, tudo está sendo perdido.” Queixava-se de ser asfixiado espiritualmente pela guerra, como se também existissé um gás venenoso para a alma. O humanismo, depois de três séculos de agonia,, experimenta va as convulsões da morte. A regressão intelectual e moral do mundo pode ser tão pouco evitada quanto uma absoluta mesquinhez de pensa mento, que ficará envolta em perfeição técnica e habili dades práticas estimuladoras da ilusão. A aflição que se seguirá à guerra trará consigo uma industrialização prodi giosa, uma multiplicação de melhoramentos úteis. Toda a atividade humana se voltará para fins práticos... A cul tura desinteressada teve o seu dia. A humanidade está dando lugar ao material humano, expressão que a guerra já tornou familiar. A Renascença está falida. A fábrica alemã está absorvendo o mundo.23 A "fábrica alemã” é aqui equiparada à "perfeição técnica e às habilidades práticas estimuladoras da ilusão”. Se o passado se tornara ficção e se tudo era puro fluxo, talvez o cinema, conforme sentiam algumas testemunhas, fosse o único veículo apropriado para captar o movimento em dire ção ao abismo. É extraordinária a freqüência com que o cine ma é referido nas cartas, diários e lembranças dos soldados. A novidade desse meio de expressão e a excitação provocada por seu desenvolvimento explicam em parte as freqüentes re285
fcrências, mas os participantes parecem ter realmente experi mentado um sentimento genuíno de que os acontecimentos da guerra de alguma forma pertenciam mais à tela do que à vida. Um vmembro do 360? Regimento de Infantaria Francesa pre senciou um ataque de um batalhão vizinho, perto de Arras, em maio de 1915. Os homens saíram de suas trincheiras, cor reram para o arame farpado e foram abatidos pelo fogo das metralhadoras. O observador e seus homens, de pé em suas trincheiras, espichavam os pescoços para acompanhar a ação — “podia-se muito bem estar no cinema”.24 Um soldado bri tânico que esteve em Gommecourt em 1916 escreveu mais tarde: “Os outros homens pareciam figuras numa tela cinema-, tográfica — um velho filme que tremia violentamente — todo mundo com uma pressa desesperada. . . ,,2S
ARTE E MORALIDADE
A guerra atacou os padrões morais tão rudemente quanto as formas estéticas. O fato de que a matança em massa por qualquer método imaginável se tivesse convertido em rotina, em dever, em propósito moral, foi apenas o mais cruel dos ataques a uma ordem moral que se dizia enraizada numa ética judaico-cristã. Embora Kitchener tivesse despachado a BEF com a recomendação de evitar as mulheres e os vinhos da França, não demorou muito para que os comandantes dos exér citos de todos os lados começassem a fazer arranjos para aten der às necessidades sexuais básicas das massas de homens — c claro, para manter o moral! No mundo do século XIX a moral e o moral eram considerados indistinguíveis; a Grande Guerra fez grande estrago nessa parceria e ameaçou torná-los mutuamente exclusivos. Para um grande número de pessoas, provavelmente a maioria, eles continuaram relacionados, como vimos antes, mas uma crescente parcela de homens passou a as 286
sociar o moral das tropas ao repúdio da moral ou pelo menos a um afrouxamento do código moral. Ao enfrentarem perigo mortal e morte iminente, exércitos e soldados, em todas as épocas históricas, se consideram cida dãos privilegiados em relação à moralidade, entre outras coi sas. A própria democratização da guerra entre 1914 e 1918 significou que milhões de homens assumiram esses privilégios. Para um inocente organista e mestre de coro de Edimburgo como Peter McGregor, até o campo de treinamento, perto de Plymouth, foi um mundo novo e excitante. Num domingo de setembro de 1915, ele foi a Plymouth. “Eu me diverti bas tante”, contou numa carta à sua mulher, que provavelmente teve um ataque quando leu o que se seguia. Descobrimos uma casa de chá onde comi peixe frito. Mas isto não é tudo. Estava comprando um maço de cigarros na tabacaria e perguntei ao dono se não sabia de algum lugar onde pudéssemos tomar chá, e ele nos falou desse estabelecimento. Bem, era um lugar francês sem dúvida, com damas bem vestidas e pintadas, que fumavam cigar ros e riam para os homens. Havia homens de Argyllshire e marinheiros. Oh céus, podia-se conseguir o que se qui sesse, a comida era boa e bem servida. O garçom era fran cês. Era uma casa de má reputação, afinal. Nunca estive num lugar desses antes. Eu me sentia bem. Não fique alarmada com seu velho marido — ele está são e salvo. Comi tanto que meu cinto não queria fechar. Peixe frito com lascas de batatas fritas é muito bom, e chá em xí cara sobre uma mesa com toalha branca e colheres, etc. Mas a companhia! Céus! As damas simplesmente me des concertaram, só vendo como se comportavam. Estávamos esperando junto à porta do banheiro, e achávamos que quem ia sair de lá era um homem, mas saíram duas damas, bem, isso é tudo. Saí correndo de lá.1 Em dois meses o choque de McGregor já havia passado, mas a novidade de sua vida recente continuou. No fim de novem bro ele estava em Guilford: “Tomamos chá numa pequena sala 287
de chá, muitos oficiais acompanhados de mulheres; parece-me que os soldados, onde quer que vão, arrumam mulheres. Mal nossos homens chegam a um lugar, você já os vê com garotas.”2 Na Frente Ocidental os bordéis logo se tornaram apêndi ces dos campos de base e de cidades maiores que serviam como alojamentos de descanso. Os homens faziam filas, como diante das latrinas; a única diferença era que a polícia militar man tinha a ordem. Um garoto de dezoito anos, Bert Chaney, avis tou, no início da guerra, uma longa fila de soldados parados dois a dois. Pensando que fosse um concerto ou um cinema. . . per guntei o que havia pra ver. “Um pouco de resmungo e grunhido”, me informaram, “custa só dois francos”. Per plexo, perguntei o que isso significava. “Santo Deus, ga roto. Não lhe ensinaram nada lá de onde você veio?” Acharam que eu era um perfeito bobalhão. Imagine um rapaz como eu, e cockney ainda por cima, sem saber o que isso significava — e por acaso também não sabia o que uma lâmpada vermelha representava? Esses lugares, me disseram, não eram para rapazinhos como eu, mas para homens casados que sentiam falta de suas mulheres.3 No exército britânico 27% de todas as doenças que garantiam hospitalização eram classificadas como venéreas, e durante a guerra 416.891 homens foram tratados de/ doenças venéreas.4 No front interno, a moralidade também afrouxou seus es partilhos e cintos. A prostituição aumentou extraordinariamente. Em Paris descobriu-se que mais da metade das 3.907 moças presas em 1914-1915 sofria de doença venérea. Eram em sua maioria iniciantes; muitas vinham de áreas ocupadas.5 Houve algumas tentativas de restringir a atividade das mo ças, mas o público em geral fazia vista grossa. As relações casuais entre mulheres e soldados também se tornaram mais comuns. A canção britânica “There's a Girl for Every Soldier” (Há uma Garota para Cada Soldado) dava o tom por toda parte. Quem podia dizer que Tommy voltaria para casa? Que se divertisse enquanto pudesse. A crescente independência das 288
mulheres, à medida que ingressavam na força de trabalho de vido à ausência de homens, acarretou o relaxamento das res trições morais da autoridade doméstica e paterna. Era agora maior o número de mulheres que tinham aposentos próprios onde recebiam amigos do sexo masculino. Se o ataque a um código moral fixo já fora desfechado antes de 1914, a guerra funcionou como um aríete. A moralidade é o sexo deixaram de ser uma questão de preceito social para se tornarem cada vez mais um problema de consciência individual. Frederic Manning notou que o ânimo dos soldados pare cia oscilar " entre os extremos de um sentimentalismo pega jogo e uma obscenidade indecente”.6 Talvez sempre tenha sido assim com soldados. Uma das primeiras coisas que impressio naram Percy Jones quando ele se alistou em 1914 foram os pa lavrões dos colegas: "Dizer palavrão parece ser natural aos soldados, como cabelos compridos aos artistas e roupas de xa drez aos golfistás.”7 Mas os soldados da Grande Guerra pare cem ter sentido uma necessidade especial de bater na tecla da escatologia. A imagética da defecação tornou-se um motivo predominante. Não é certamente de surpreender. Milhares de homens morreram, e, ao morrerem, não foram "para oeste”, como quer o eufemismo britânico; em vez disso, "bateram as botas”, sujas de excremento. Quando chegava o "grande alí vio”, este vinha em primeiro lugar dos intestinos. "A guerra é muito bonita nos livros, mas na realidade fede a merda e a carne apodrecida”, queixava-se Charles Delvert.8 O front interno britânico relacionava a analidade com a Alemanha. Uma compilação feita em 1917 de alegados crimes de guerra acusava os alemães de comportamento brutal e "as queroso”. "Em casas assaltadas por alemães, eles deixam, como cartões de visita, excremento nas camas, sobre as mesas e em guarda-louças.”9 Mas os soldados no front tinham um modo diferente de ver as coisas. Vivendo em meio à morte e à de composição causada por máquinas desumanas, os homens des cobriam uma inocência simbólica na sujeira humana. A arti lharia atrás das linhas talvez tivesse mandado registrar todas as latrinas do inimigo,10 como Humphrey Cobb afirmou em seu romance baseado na guerra — a cultura burguesa não permite 289
que os homens homens defequem defe quem — , mas os soldados soldados que realmente r ealmente estavam na linha de fogo quase sempre consideravam de modo diferente o apuro dos adversários. Philippe Girardet ocupava um posto de de observação em setembro de 1915 1915 quando quand o viu um colega francês sair de sua trincheira, desarmado, recuar alguns passos passos num campo, desabotoar as calças calças e se acocorar. .Os alemães devem ter visto o poilu, disse Girardet, porque não havia nada empatando a visão deles. Entretanto, nada fizeram. O fantassin* fantassin* ficou ali o tempo que bem quis, depois se levantou, tornou a se arrumar cuidadosamente e voltou à sua trincheira sem ser moles mo lesta tado. do.1 11 O motivo da latrina é recorrente em diários, memórias e especialmente na literatura imaginativa sobre a guerra. Para Thomas Boyd, as trincheiras eram “gigantescas latrinas construídas para monstros”; para T. Fredenburgh toda a paisagem da guerra era um “monte de estrume amarelo, pestilento”; e The Enormous Room de E. E. Cummings está repleto de símbolos de defecação: Assobiando alegremente para mim mesmo, dei três passos que me levaram até a porta. A porta era de construção sólida sólida,, toda toda de ferro e a ç o . . . Fiquei Fiquei encantado. encantado. A lata excito excitou u minha curiosidad curio sidade. e. . . No fundo, repousava repousava so sossegado um cagalh ca galhão ão humano hum ano fresco.1 fres co.12 Nada de novo no front, de Erich Maria Remarque, tem numerosas referências a latrinas e defecação, o que levaria críticos ofendidos a dizerem que esse romance era o principal exemplo da “escola dos lavatórios” da literatura alemã de guerra.
O recurso a imagens sexuais e defecatórias tinha uma longa tradição entre a vanguarda. Nietzsche identificou o mau cheiro com o heróico. Ubu Roi (1886), de Alfred Jarry, repleto de linguagem grosseira e ferocidade, começava com a palavra Merdre.** Merdre.** Bloom, no Ulysses, de Joyce, se delicia com a quali-
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Soldado Soldad o da infantaria. jarry acresce acre scentou ntou um r extra a
merde.
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dade de seu peido. Neste nível a guerra mais uma vez trans formava a revolta de pequenas rodas artísticas num fenômeno de massa.
VANGUARDA
Todos os soldados ansiavam por licença. Muitos, é claro, gozavam-na inteiramente. Voltar para casa como um veterano amadurecido assegurava uma súbita e bem-vinda respeitabili dade. Roland Mountfort tinha trabalhado para a Prudential Life Insurance Company de Londres antes da guerra, e, ao revisitar o escritório em julho de 1916, foi, segundo suas palavras, levado de um lado para outro, até para a sala dos Sub gerentes, pessoas muito importantes diante de quem nos velhos tempos eu teria me mantido de pé e trêmulo, mas com quem agora, em minha nova condição, tive uma con versa bastante informal.1 Os soldados franceses se amotinaram em 1917 em parte por que falharam os entendimentos em tornò de critérios justos para a concessão de permissions, ou licenças. Entretanto, alguns soldados, ao voltarem para casa, acha vam exasperadora e deprimente a vida que tinham conhecido antes. Quando foi mandado para casa por motivos de saúde em agosto de 1916, Robert Graves achou “quase impossível” conversar até com seus pais. Perguntado em dezembro se gos taria de servir mais alguns meses em casa, respondeu que não.2 Esta experiência não era incomum. Louis Mairet, de licença em casa em março de 1916, ficou chocado ao descobrir pes soas que continuavam a viver suas vidas como se nada de extraordinário estivesse acontecendo. Ficou especialmente abor recido com aqueles que, ao serem informados de algumas das condições precárias do front e da tenacidade do inimigo, bo cejavam e reclamavam do do preço da carne de vitela.3 Um sol 291
dado inglês, a quem um amigo perguntou se havia contado à fron t durante a sua licença, replicou: mulher sobre o front Ela não me deu uma chance, ocupada como estava em me falar do gato da Sra. Bally que matou o passarinho da Sra. Smith, do novo vestido da irmã da Sra. Cramp, e do cachorro de Jimmy Murphy que tinha destruído a boneca de Annie Allen.4 Havia entre os soldados um sentimento comum de que fron t criara uma barreira intransponível entre a experiência no front eles e os civis. A comunicação com a família não era mais possível possível.. As pessoas pessoas simplesmente simplesmente não entendiam o que se passara com os soldados, soldados, e os próprios soldados não conseguiam expressar sua experiência apropriadamente. A Ernst Jíinger desagradavam as “frases desenxabidas sobre heróis e morte heróica” que escutava em casa. Os soldados não precisavam desta espécie de agradecimentos, ele protestava. Dese javam um pouco de “simp “s impatia” atia”..5 Mas Mas seria possível possível uma simsim patia genuína, baseada em compreensão? Para aqueles que fingiam compreender, mas de fato não compreendiam, os soldados reservavam seu ódio mais venenoso. Os jornalistas que escreviam sobre a guerra, ao invés de combater, formavam uma categoria à parte. Marc Boasson considerava os os jornalistas “idiotas “id iotas”” .6 Com Com suas suas tolas tolas e mentirosas mentirosas reportagens de batalhas, com sua difamação do inimigo, desvalorizavam o esforço francês, conseguindo o contrário do que pretendiam. “Os jornais me dão ataques epilépticos”, epiléptico s”, escreveu escreveu outro soldado francês. “Se algum dia erigirem uma estátua à Imprensa, faço questão de que dêem a esta deusa pés de pato, estômago de avestruz, cérebro de ganso e focinho de porco.”7 Na hierarquia hiera rquia do desprezo vinham em seguida seguida os estrateestra tegistas de gabinete. Esses também nauseavam o soldado. “Você sente um ódio inextinguível pelo burguês pançudo, afável e bem cuidado, que à luz da lâmpada discute operações operações militares num tom peremptório de voz, rodeado pela família cheia de admiração”, escreveu Charles Delvert. Esse burguês gordo 292
e desprezível, M. Prudhomme, não tinha absolutamente noção soupçon — do que estava acontecendo alguma — pas même le soupçon nas trincheiras.8 Entretanto, é preciso não exagerar. Mesmo Delvert, que em sua amargura não poupava jornalistas e estrategistas ama dores redondos como peras, admitia que o material de leitura, vindo de casa, era essencial para a sanidade mental na linha de frente. A luxuosa Vie Parisienne , cheia de pin-ups desenha das — as fotografadas pertenciam à Segunda Guerra Mundial —, — , era a revista mais popular popula r nas trincheiras francesas, “com as mulherzinhas de espartilho e calção Gerda Wegener”. Du rante os bombardeios, a lourinha “de olhos grandes e voluptuosa palidez enlanguesce enlanguesce em sua cadeira à minha direita e me lem bra que para além das linhas a vida continu con tinua”. a”. Mas enquanto enquan to pensa e escreve, escreve, o sarcasmo sarcasmo de repente volta a aparecer, e Delvet conclui: “Estamos realmente na época do Diretório”, referência ao interregno depois da Revolução e antes de NapoIeão, quando — como acusava a interpretação radical da his tória da França — o melhor da França estava na frente lutan do contra o inimigo e o pior estava em casa governando, se èstá é a palavra, o país.9 As cartas de casa eram freqüentemente dolorosas por causa de sua ingenuidade. As ironias saltavam aos olhos dos soldados: “Procure não ser ferido!” ou “Nós também estamos passando dificuldades!” “Meu Deus! com o quê?”, foi a resposta de Delvert.1 Delve rt.10 Ao ler esses esses comentários com entários vindos de casa, a sensação do soldado era quase sempre de completo isolamento. As tro pas bem que poderiam estar na lua. Viviam e lutavam num lugar além da compreensão, além da imaginação e até além do sentimento. “O Exército luta sozinho”, foi a conclusão de Garfield Powell durante a ofensiva do Somme. Powell espe rava que, dado o número de soldados britânicos envolvidos fro nt na luta no Somme e dado o esforço extra exigido do front interno para equipar os exércitos, alguma mudança pudesse vir a ocorrer, mas mas admitiu que a esperança era pequena: “En quanto os ingleses forem a raça fria, calculista e egoísta que sempre foram, e enquanto o idealismo for inexistente e desen 293
corajado, estaremos estaremos sempre à beira do desastre nacion na cional.”1 al.”11 As palavras poderiam ter sido sido escritas escritas por umum- propagandista alemão. Alguns soldados, dominados pela sensação de isolamento, sentiam mais ódio e desprezo pelos civis de seu país do que pelo inimigo inimigo.. Esse Essess sentimentos sentimentos vieram à tona com freqüência durante os motins franceses. Ali havia o material para uma revolução, e as autoridades políticas e militares francesas es tremeceram, em maio e junho de 1917, ao pensar que a França poderia estar à beira do colapso colapso total e de uma convulsão convulsão so so cial. Até Siegfried Sassoon brincou com a idéia de virar os canhões canhõe s para par a o lado lad o opost op osto. o.1 12 Oprimidos pela sensação de estarem sós — sentimento que a expressão “geração perdida” captaria depois da guerra —, alguns soldados chegaram a considerar sagrada a sua solitária fraternidade. Apartados do front fron t interno, apartados até do mi litarismo do pré-guerra, para o qual não tinham senão des prezo — “dólmãs “dólmãs de cetim, cetim, bigode bigodess de gatos gatos beíicoso beíicosos, s, almas almas de burocratas mesquin m esquinhos” hos”,1 ,13 sua sua admiração pelo exército do do tempo da guerra não conhecia limites. Pierre Drieu la Rochelle, Herbert Read, Siegfried Sassoon, Ernst Jünger e Robert Graves partilhavam partilhav am todos todos a mesma opinião, mas eram apenas apenas os re presentantes eloqüentes eloqüentes de um grupo que incluía virtualmente todos os voluntários, assim que se tornavam veteranos expe rimentados. O tom da elocução variava — podia-se encontrar nostal gia misturada com desafio —, mas todos concordavam que a experiência de guerra, a experiência da “guerra real” nas trin cheiras, chei ras, separa sep arava va os homens do resto , da sociedade s ociedade.. Como Como dizia di zia a expressão alemã, tratava-se de um Schicksalsgemeinschaft, uma comunidade de destino. Todos estavam de acordo quanto ao fato de que, para eles, uma época chegara ao fim, um mundo tinha terminado. O momento, a intensidade do mo mento, era a única certeza; e em graus variados, apesar do horror horr or e -da -d a mutilação disseminados, disseminados, apesar apes ar de pontadas ponta das de tristeza e pesar, a experiência se mostrava estimulante. A maio ria dos soldados que participaram dos combates não lamen tava a experiência, a despeito de sua amargura sobre a con dução oficial da guerra. 294
Homens como Drieu e Jünger positivamente se delicia vam com a situação. Ambos glorificavam a guerra como mani festação de Força. Drieu até agradecia ao inimigo por ter arrancado a França de seu torpor e tê-la levado a uma solene afirmação — “uma solenidade em nossa vida pela qual não esperávamos mais”. Ele não sentia pesar algum. Quando cessaremos de chorar o desmoronamento dos velhos templos?
A história não estava no passado; a história era um sonho mágico que conduzi co nduziaa os homens à ação no presen pre sente. te.114 Nas trincheiras as barreiras barrei ras sociai sociaiss vinham abaixo quando os intelectuais se tornavam dependentes de trabalhadores e os aristocratas de lavradores. “Foi na guerra que aprendi o que sei sobre os homens”, confessou André Bridoux; “antes disso, minha classe social escondia de mim o gênero humano”. Na guerra todos ficavam “nus, isto é, a humanidade passava a ser consider c onsiderada ada do ponto de vista ,da natur n atureza eza e não do ponto de vista da classificação social” soci al”.1 .15 Marc Boasson Boasson,, que discutia disc utia Zola, Wagner, Brueghel e o jansenismo na correspondência com sua mulher, também lhe falava de seu grande afeto pelos “meus poilus. poilus. Estão exaustos e são gentis”. Ém seu entusiasmo enaltecia-lhes a simplicidade, a linguagem, o senso de humor e o bom senso senso instintivo.16 instintivo.16 O regimento era a unidade axial para este espírito de camaradagem, e o orgulho do regimento parecia capaz de so breviver a qualquer qualque r desastre. De fato, os desastres desastres uniam os homens. Robert Graves observou que os homens demonstra vam mais interesse por conhecer mais a história de seu regi mento do que a luta nas outras frentes da guerra ou até as causas da guerra.17 Depois Depois de uma estada de três semanas semanas na linha e de alguma ação “fétida”, um cansado Herbert Read refletiu: Seria 'um pesadelo para qualquer indivíduo. Mas criamos entre nós uma maravilhosa camaradagem que acredito su peraria pera ria qualquer qualq uer horror hor ror ou adversidade. É unicamente esta camaradagem que me faz tolerar o Exército. Criar um 295
laço entre você mesmo e um grupo de homens, e um laço que se mantenha firme no momento crítico, isto é trabalho digno de qualquer homem e, quando realizado, um feito de que pode se orgulhar. Como Boasson, Read passou a elogiar o “homem simples”. É o único em quem você pode con fiar numa hora de aperto. Linguagem bombástica e osten tação não levam ninguém a lugar algum por aqui. Na Inglaterra significam tudo. Nem o intelecto, do qual mui tos de nós costumávamos nos orgulhar tanto, é de muita utili ut ilida dade de.... Empalidece Empalidece na presença de um coração des temi te mido do.1 .18 Um soldado francês disse que a camaradagem nas trin cheiras foi “a mais terna experiência humana” que já tinha desfrutado. Um soldado britânico, pensando em seus compa nheiros, confessou a seu diário “uma força de puro afeto que nunca senti por mais ninguém”. Muitos tornavam-se líricos so bre o assunto. Para o escritor-filó escritor-filósofo sofo Émile Émile Chartier, que ficou conhecido pelo pseudônimo de Alain, a guerra era “um poema à amizade”. “Meus brutos grandalhões”, ele escreveu, “se dei xarão matar, não por causa de qualquer retórica acadêmica, mas pelo 've 'velho lho Ch Char artie tier’ r’ ” .19 Na literatura liter atura do pós-guerra, pós-guerra, muitos muitos personagens personagens masculi nos preferiam a companhia de homens à das mulheres, cujos afetos achavam banais e sentimentais. “A guerra”, disse Henry de Montherlant, “era o único lugar em que era possível amar os homens homens apaixonadamente”.2 apaixonadamente”.20 Herbert Read ficou embria embria gado com essa atmosfera de fraternidade. Apesar de seu ódio ao exército como instituição, em maio de 1918 ele se per guntava se não deveria continuar no exército depois de termi nada a guerra: “Gosto de sua virilidade, da coragem que exige, do companheirismo companheiris mo que oferece.”2 oferec e.”21 E depois depois da guerra guer ra G. L. Dickinson recebeu uma carta de um jovem oficial que con seguiu captar toda uma série de importantes sentimentos nes te trecho: 296
Não há como como exagerar o horror hor ror da guerra para aqueles aqueles que realmente tomaram parte nela. Sei que minhas expe riências se deram com um grupo de homens excepcional mente unido e bem-sucedido, e que para muitos a guerra foi um verdadeiro inferno. Mas, para muitos de nós, não era pouco o que havia em contrapartida. Não se tratava de alegria pela luta em si, nem de fascinação por uma aventura espalhafatosa. Havia coisas mais elevadas. Podese dizer que estávamos espiritualmente drogados e pateti camente iludidos. Mas nunca antes, nem desde então, ex perimentamos tais sentimentos. Naqueles dias de compa nheirismo e dedicação havia uma exaltação que dificil mente teria acontecido em outras circunstâncias. Assim, para aqueles aqueles que cavalgaram com com Dom Quixote de um lado e Rupert Brooke do outro, a Linha é terreno sa grado, grad o, pois ali vislumbr vislu mbramos amos a visão magnífica. magníf ica.2 22 O laço espiritual forjado entre os soldados no isolamento das trincheiras não era, entretanto, muito resistente fora da zona da batalha, quando os homens se viam forçados a en frentar as complexidades do mundo "real”. A intensidade de sentimento e companheirismo pertencia a um tempo e lugar singulares. Isso explica por que alguns soldados ficavam an siosos para voltar às trincheiras, quando de licença ou até nos alojamentos de descanso. Herbert Read, de licença na Ingla terra, perdeu um ataque em que seu regimento esteve envol vido: “Sinto-me um pouco envergonhado de ter escapado de tudo isso. Há sempre um remorso de não ter compartilhado os perigos com os amigos. Talvez seja ciúme de suas expe riênc riê ncia ias.”2 s.”23 Se os soldados nas fileiras, incapazes de formar uma ima gem coerente da guerra como um todo, se mostravam perple xos com a situação geral, os estados-maiores, incapazes de pro jetar qualquer qualqu er abordagem estratégica e tática bem-sucedid bem-sucedida, a, estavam igualmente descon des concer certad tados. os.'' Alguns, Alguns, como como Haig e Fayolle, voltavam-se para a religião em busca de arrimo. “Es tou convencido de que Deus salvará a França mais uma vez”, confidenciou Fayolle a seu diário em fevereiro de 1918, “mas Ele terá de se se envolver na luta diretame diret amente” nte”..24 A guerra pa 297
recia ter escapado ao controle de mãos humanas há muito tempo. Para alguns comandantes, os repetidos desastres nunca poderiam ser explicados explicados em termos termos de inadequação de equi pamento ou de homens: homens: os fracassos fracassos eram projetados nos ou tros, especialmente nos agentes secretos e obscuras forças cor relatas. Teorias de conspiração floresciam. Quando os motins infectaram seus exércitos em 1917, muitos generais franceses convenceram-se de que, em última análise, os problemas não provinham de sua própria própr ia má administração da guerra, mas de sinistras forças ocultas — agents provocateurs e organi zações clandestinas financiadas pela Alemanha. Qualquer pe culiaridad culiar idadee tornava-se suspeita. Um soldado- foi investigado como possível agente da revolução porque suas cartas indi cavam que tinha noções noções de inglês e alemão.25 Se Pétain não tivesse sido admiravelmente sensato ao tentar retificar as in justiças justiças administrativas que atormentavam a existência do poilu po ilu ; se os exércitos franceses tivessem entrado em colapso; se os franceses não estivessem no lado “vitorioso” da guerra, é mais do que provável que tivessem tido uma versão da caça às bruxas, no caso, sabotadores, que ocorreu na Alemanha nas décadas de 1920 e 1930. Na Grã-Bretanha havia análoga análoga corrente oculta de para par a nóia. No quarto aniversário da deflagração da guerra Richard Stokes ainda escrevia: “Como eu gostaria que internassem to dos estes estes porcos estra es trange ngeiro iros. s.”2 ”26 A guerra impôs aos soldados uma “viagem interior”, mas os civis empreenderam uma viagem paralela no país natal. A censura e a propaganda desempenharam o papel principal neste processo, processo, dissimulando, dissimulando, como como era seu propósito, a realidade da guerra. O front fron t interno nunca soube com precisão como a guer ra se desenrolava. As derrotas eram apresentadas como vitó rias, o impasse como manobra tática. Â verdade tornava-se mentira, e a mentira, verdade. Como o eufemismo se tornou a ordem do dia oficial, à linguagem foi virada de cabeça para baixo e de dentro para fora. Inventavam-se Inventavam-se histórias de atro cidades, e calava-se sobre atrocidades reais. A intenção dos líderes civis e militares era, é claro, manter o moral, divulgar, interna e externamente, a imagem de sociedades que com entu siasmo se dedicavam à “causa”. Os jornais estavam proibidos 298
de publicar fotografias de soldados mortos, ou, mais freqüentemente, de imprimir histórias sobre desastres de trens e aci dentes industriais. Entretanto, qualquer coisa que elevasse o moral era encorajada. No começo da guerra circulavam his tórias na imprensa francesa sobre armas alemãs que negavam fogo, metralha que caía como chuva inofensiva, balas que não eram perigosas porque atravessavam a carne sem dilacerá-la. Ao verem o arsenal alemão, “nossos soldados de infantaria desataram a rir”, insistia U Intransigeant.27 A mesma publi cação tinha apresentado a seguinte manchete em 4 de agosto de 1914: AS GUERRAS DE HOJE SÃO MENOS ASSASSI NAS DO QUE AS DO PASSADO. Com a continuação da guerra, este bourrage de crâne, como os soldados franceses rotulavam a propaganda, não cessou. “Nossos soldados não fazem caso do gás venenoso”, escrevia L’Êcho de Paris em 16 de dezembro de 1916. “Entre as muitas vítimas do gás”, informava o Petit Journal em 24 de agosto de 1917, “é difícil encontrar uma única morte”. Os soldados eram dissuadidos de manter diários, e não se permitiam máquinas fotográficas pessoais nas linhas de frente, pelo receio de que provas dos planos e preparativos militares pudessem cair nas mãos dos inimigos. Tal raciocínio era normal. Mas à medida que a guerra continuava, uma razão igualmente importante para tais proibições veio a ser o medo de que as más notícias, de forma documentada, pudessem che gar até o país natal e perturbar o ânimo de todos. Os cen sores investigavam cuidadosamente todas as cartas enviadas do front. Parte da correspondência que chegava ao front tam bém era examinada. “Somos atormentados por uma censura de terrível escrupulosidade”, reclamava John Harvey, sem es tar seguro de que esses comentários chegariam ao seu destino; e acredito que outras cartas minhas sofreram severamente nas mãos do censor. . . Se você visse toda a lista de coisas proibidas que não podemos dizer, compreendería que requer algum esforço planejar uma carta que não será riscada e retida.28 O poder do ceíisor de intervir no discurso e na emoção, tanto em casa quanto no front, fica evidenciado num exemplo in 299
cisivo e, para os seres humanos envolvidos, de grande influên cia. “Um de nossos oficiais”, escreveu John Walker, "notou, ao censurar a correspondência, que o mesmo homem escre vera duas cartas a duas garotas — cartas de amor que tinham o objetivo de solicitar pacotes. Ele colocou a carta de Ethel no envelope de Meg e vice-versa”.29 Ê curioso que essa pequena história tenha chegado a público. O efeito desse tipo de interferência dos oficiais — em grande escala ou afetando apenas uma Ethel ou uma Meg — era desencadear fantasias, medos, neuroses. Ao verem negado o seu direito ao conhecimento dos fatos, as pessoas’voltavamse para dentro de si. Criavam-se mitos, alguns de assombrosa magnitude: os anjos que protegeram a retirada britânica em Mons; as legiões de russos que, destinados à Frente Ocidental, viajaram "com neve cobrindo suas botas” desde Archangel até a Escócia e depois, em centenas de velozes vagões fecha dos, aos portos do Canal da Mancha; os canadenses literal mente crucificados pelos alemães. Além disso, em meio ao si lêncio forçado, achava-se que traidores, espiões e inimigos se escondiam embaixo de cada cama. As fronteiras entre a verdade e a mentira tornaram-se tão indefiníveis que se tomavam os desmentidos oficiais de boatos por tentativas de desorientar o inimigo. Henry James, por exem plo, acreditou piamente na história das tropas russas destinadas à Frente Ocidental. No começo de setembro de 1914 enviou a Edith Wharton nos Estados Unidos uma fotografia, recortada do Daily Mail de 1° de setembro, na qual se viam soldados que pareciam russos desembarcando em Ostend: "se eles não saíram diretamente de uma página histórica ou até fictícia de Tolstoi, comerei o maior par de botas de mujique da coleção!” Para James, a foto era "uma prova preciosa”. Alguns dias mais tarde, entretanto, o Ministério da Guerra negou as informa ções. James, porém, mostrou-se cético: Persiste um extraordinário resíduo factual que deve ser levado em conta: é indiscutível, dada a incrível conver gência de testemunhos, que muitos trens repletos de sol dados vistos à luz do dia por inumeráveis observadores e indivíduos espantados que não os reconheceram como 300
ingleses atravessaram do norte para o leste durante o fim da semana passada e o início desta. Parece difícil que tenha ocorrido esta quantidade tão heterogeneamente dis persa de alucinação, falsa interpretação, invenção fantás tica ou o que quer que seja — mas me dou por vencido!30 Outros, entretanto, não se "davam por vencidos” tão facil mente e continuavam a acreditar no transporte de soldados russos, mesmo depois que um segundo desmentido foi emi tido na metade de setembro. Qual era a origem da história? Uma teoria dizia que tudo começara quando um comerciante de provisões recebeu um telegrama da Rússia afirmando: "Du zentos mil russos estão sendo despachados via Archangel.” A mensagem não se referia a soldados mas a ovos. Qualquer que tenha sido a origem, o fato é que as pessoas precisavam desesperadamente de ajuda e estavam prontas a aceitar as histórias mais loucas. Vivendo sob tensão, as pessoas inventavam o auxílio, mas também imaginavam o perigo. Em todos os países beligerantes circularam, durante a guerra, histórias bizarras de agentes que destruíam trens dominando os sinaleiros, sentinelas ou guar das; espiões que faziam sinais com luzes para os navios e os submarinos; traidores que usavam pombos-correio para enviar mensagens ao inimigo. Havia moinhos de vento que giravam quando o inimigo se aproximava, ou ficavam parados quando as condições para atacar eram consideradas favoráveis. Até o mau tempo se devia a feitiçarias do inimigo. E quando, em junho de 1915, chegou a Londres a notícia de que Kitchener tinha morrido afogado depois que*seu navio afundara no Mar do Norte, espalhou-se rapidamente um boato de que a in formação não passava de invenção para confundir os alemães. Kitchener estava supostamente vivo, em boas condições de saúde e viajando para a Rússia por uma rota diferente. Se os britânicos foram encorajados a acreditar que os alemães esmagavam os crânios de bebês belgas e franceses com suas botas de montaria, que o kaiser participava pessoal mente da tortura de crianças de três anos em rituais satâni301
cos, e que os cadáveres eram reciclados na Alemanha para produzir gordura, óleo e forragem de porco, os alemães ou viam dizer que soldados Gurkha e Sikh se arrastavam pela terra de ninguém à noite, introduziam-se nas trincheiras adver sárias, cortavam as gargantas, dos alemães e depois bebiam o sangue das vítimas, e que os senegaleses que lutavam ao lado dos franceses eram canibais. A imprensa liderava o esforço de propaganda, mas clé rigos, educadores, artistas, músicos e autores o reforçavam. Todos os beligerantes se envolveram na criação de mitos e na distorção da realidade. A realidade, o senso de proporção e a razão — eis as principais baixas da guerra. O mundo tornou-se uma invenção da imaginação, ao invés de ser a ima ginação uma invenção do mundo. O fundamento alemão para a guerra teve desde o início uma orientação metafísica; o argu mento dos Aliados foi inicialmente mais prático: defesa contra o ataque alemão. Mas com a continuação da guerra, quando as provocações imediatas — o ataque austríaco à Sérvia e a in vasão alemã da Bélgica — se tornaram insignificantes, quando até os valores civilizados perderam o seu brilho em face da matança interminável, era às vezes impossível distinguir a retó rica aliada daquela utilizada pelos alemães. “Matem os alemães! Matem-nos!” berrava o Reverendíssimo A. F. Winnington-Ingram, bispo de Londres: . . . não por matar, mas para salvar o mundo. . . matem os bons e não só os maus. . . matem os jovens e os ve lhos. . . matem aqueles que foram bondosos com os nossos feridos e também aqueles demônios que crucificaram o sargento canadense. . . Como já disse mil vezes, considero esta uma guerra pela pureza, considero mártires todos os que nela morrerem. . . 31 Clérigos vestiam Jesus de cáqui e faziam-no atirar com metra lhadoras. A guerra tornou-se uma guerra não de justiça mas de virtude. Matar os alemães era livrar o mundo do Anticristo, a grande besta saída do abismo, e anunciar a Nova Jerusalém. 302
Na Igreja Batista de Madison Avenue, em Nova York, o Reve rendo Charles Aubrey Eaton atacou Woodrow Wilson por não vingar o Lusitania. Era preciso vigiá-lo, "mesmo que isso custasse a vida de dez milhões de homens, mesmo que nossas cidades fossem destruídas e tivéssemos de retroceder uma cen tena de anos”.32 Desde as guerras de religião do século XVII, e talvez desde as cruzadas, os membros do clero não tinham encorajado com tanto entusiasmo o ato de matar para a maior glória de Deus. A propaganda, de natureza tanto positiva quanto negativa, evocava extremos de emoção: ódio apaixonado e visões irrea listas do futuro. Nesse processo, as esperanças se tornavam apocalípticas e o passado era posto de lado, por muitos de forma cruel. E para muitos no campo dos Aliados, assim como para os alemães, o conflito tornou-se uma guerra que buscava alcançar a utopia, não uma guerra para preservar realizações. Muitos sentiam que o equilíbrio havia se deslocado. Glorifi cava-se agora o futuro em lugar do passado; mas o futuro era um produto da imaginação, mais uma questão de desejo deses perado do que de planejamento construtivo. Quando a guerra finalmente terminou, Isadora Duncan, em Paris, teve a sen sação de que "no momento somos todos poetas”.33 Embora as diferenças entre as motivações anglo-francesas e as alemãs, que enfatizamos antes, permanecessem distintas para os soldados e os civis durante toda a guerra, a sensi bilidade de britânicos e franceses tinha se aproximado da alemã. Nesse sentido, no mesnfo dia em que os alemães pela primeira vez usaram gás em Ypres, 22 de abril de 1915, Louis Mairet, sem saber das novas ocorrências, exigia uma ética do olho por olho, dente por dente: "É com selvageria que derrotaremos os sel vagens.”34 Depois da guerra, o general Sir Ian Hamilton, que tinha comandado o malfadado empreendimento dos Dardanelos, admitiu: "A guerra nos forçou a plagiar o inimigo.”35 Referiase principalmente à organização e à disciplina militar, mas sua afirmação era igualmente válida em nível social e cultural mais amplo. Durante a guerra as nações ocidentais caminharam em direção a um controle social mais forte, mas também rumo a uma nova liberalidade espiritual. Nesse paradoxo, enquanto 303
as esferas social e cultural pareciam se afastar uma da outra, a essência da experiência moderna permaneceria. Socialmente o Estado apertou seu controle sobre cada indivíduo durante a guerra. A classe operária e a economia foram arregimentadas, os impostos aumentaram, o comércio internacional foi interrompido, introduziram-se os passaportes para viajantes, impôs-se o racionamento e o Estado se envol veu até em patrocínios artísticos. O Leviatã imaginado por Hobbes tornou-se realidade. Espiritual e moralmente, entre tanto, os soldados e os civis na Grande Guerra, seguindo ro tas paralelas, afastaram-se de um mundo exterior — horrível demais para suportar — em busca de uma paisagem visionária. Esta paisagem imaginária criada pela guerra estava fadada a desaparecer quando o conflito terminasse, e, com a sua desapa rição, o modernismo, que em sua forma pré-guerra fora uma cultura* de esperança, uma visão de síntese, resultaria numa cultura de pesadelo e negação. Robert Graves falava do "grito interior” que a guerra provocou, "o dever de ficar louco”.36 A Grande Guerra seria o eixo em volta do qual o mundo mo derno girava. No dia 11 de novembro de 1918, num hospital perto de Étaples, um oficial do corpo médico escocês assinou uma or dem que foi afixada nas enfermarias: "Para celebrar o fim das hostilidades cada paciente terá direito a um pedaço extra de pão e geléia com seu chá.”37 René Hemery, oficial do 48° Regimento de Infantaria da França, estava em St. Dizier no Marne, no dia em que o Armistício foi finalmente assinado um pouco mais ao norte, em Compiègne. Em St. Dizier, como em todas as outras re giões das nações vitoriosas, os sinos das igrejas repicavam e as ruas se enchiam de multidões que cantavam e dançavam. Mas* Hemery, como a maioria dos veteranos, achou difícil se en tregar a qualquer forma de celebração e, enquanto caía a es curidão, saiu caminhando em busca de ar puro na orla da cidade, onde havia um pequeno cemitério. Ao se aproximar do campo-santo escutou soluços. Chegou mais perto. E final mente pôde ver figuras. Uma era um menino pequeno brin cando com uma bandeira, uma Tricolor. A outra era uma 304
mulher, de joelhos, a fronte no chão, dominada pelo sofrimento. Agarrando seu “emblema de glória”, como Hemery descreveu a bandeira em seu diário, a criança de repente gritou: “Papa, c'est la Victoire!”3* Agora todas as estradas levam à França E pesados são os passos * Dos vivos; mas os mortos Voltam leves, dançando ,39
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TERCEIRO ATO
V III
DANÇARINO NOTURNO
Tinhas dançado toda aquela noite, E partiste, na aurora inquieta, Como Alan Seeger, menos criança que ele, Mas também poeta! Ma u r i c e
Ro s t a n d
Maio de 1927
Não cabe falar de arte quando entra em cena a idéia de bater recorde. An d r é Gi d e
1910
O cadáver que plantaste ano passado em teu jardim Já começou a brotar? Dará flores este ano? Ou foi a imprevista geada que o perturbou em seu leito?* T. S. El i o t
The Waste Land, 1922
Sem pudor e sem desonra Durmo com o bando todo, Não com um sujeito só. Moderno é não ter limites. Canção cantada por ILSE BOIS, artista de cabaré
O NOVO CRISTO Sábado, 21 de maio de 1927. Paris. Os matutinos predizem que ele talvez chegue, se é que vai chegar, pouco depois das nove da noite. Le Temps acredita * Tradução de Ivan Junqueira, em T. S. Eliot, Poesia, trad., introd.. e notas de I. J, 2^»ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1981, p. 91.
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que chegará mais cedo. Le Matin diz que não antes de uma ou duas da madrugada de domingo. Os cafés de Montmartre e Montparnasse fervilham de conversas excitadas. durante todo o dia. Mas domina o pessimismo. Ao entardecer, as estradas para Le Bourget, que fica a quinze quilômetros do centro de Paris na direção norte, estão entupidas. O primeiro engarrafamento moderno está em formação. Por volta das nove da noite o trá fego está totalmente interrompido e até os ônibus especiais, que naquela noite partem da Place de 1’Opéra apinhados de passageiros a cada dois ou três minutos, não podem prosse guir. Só aqueles que vão de bicicleta ou a pé conseguem avan çar passando pelos veículos parados, muitos dos quais a esta altura foram abandonados nas laterais das várias estradas de acesso, enquanto seus ex-passageiros correm em bandos na di reção das luzes de Le Bourget. O correspondente em Paris de um jornal alemão, o Deutscher Tageszeitung, acha o tráfego em Porte de la Villette tão ruim por volta das oito da noite que tem de fazer a pé todo o resto do percurso, aproximadamente oito ou nove quilôme tros.'Isadora Duncan, a caminho de um,jantar em Chantilly, dezoito quilômetros mais ao norte, fica presa no trânsito, de siste de seus planos para aquela noite e se junta à multidão curiosa, cujo tamanho nenhum estádio em Paris e nem mesmo o Wembley de Londres, construído alguns anos antes para acomodar 100 mil espectadores, podia comportar. Muitos dos jornalistas enviados para fazer a cobertura do espetáculo não chegam a seu destino e acabam por entregar reportagens de segunda mão, cheias de imprecisões e de boatos. Mesmo os repórteres que conseguem chegar ao local têm dificuldade de se moverem no meio da multidão, de serem admitidos no pró prio campo com seus passes de imprensa, e de observarem os acontecimentos principais. Algumas estimativas da multidão que comparece a Le Bourget atingirão a cifra de um milhão; a maioria se manterá entre 150 mil e 200 mil pessoas. Montmartre, o ponto mais alto de Paris, do qual as pes soas esperam ver pelo menos as luzes de Le Bourget, parece um formigueiro em comoção por volta das nove e meia. Na Place du Tertre, perto do Sacré Coeur, o acotovelamento hu mano é de tal ordem que o movimento se torna quase im 310
possível. possível. Na Place Place de POpéra, POpéra , uma multidão, estimada por um jornalista em dez mil pessoas, remoinha expectante. Nos grandes bulevares, por toda a cidade, o tráfego, triturado, tem que parar. Certos cafés começam a colar telegramas nas pa redes depois das nove e meia. Em alguns teatros as represen tações são interrompidas com boletins de notícias. Em Le Bourget a multidão densamente compacta faz pres são contra as cercas que circundam o campo. Luzes, verme lhas e verdes, lampejam, e holofotes de acetileno sibilam en quanto esquadrinham o céu. Um sudoeste frio sopra o tempo todo. De vez em quando grupos na multidão começam a cantar. Harry Crosby, veterano de Verdun e agora um expatriado ame ricano que vive em Paris, chegou cedo, por volta das oito da noite, com sua mulher, Caresse, e um grupo de amigos. O evento, mais do que qualquer outra coisa desde a guerra, deixa Crosby emocionado. São dez e vinte da noite. E de repente o som som inconfundível de um aeroplano (si lêncio absoluto) absoluto) e então à nossa esquerda um clarão branco b ranco contra cont ra o céu negro (escuridã (es curidão) o) e outro clarão (como um tubarão em disparada na água). Depois nada mais. Ne nhum som. Expectativa. E novamente um som, desta vez em algum lugar perto à direi dir eita ta.. . . Então, veloz veloz e rá pido no brilho dourado dos dos holofotes, holofotes, um pequeno aero plano branco mergulha como como um gavião gavião e corre pelo cam po — C'est lui, Lindbergh, LINDBERGH! e há pande pan de mônio animais selvagens soltos em disparada e um es touro de boiada em direção ao aeroplano e C e eu agar rados um ao outro correndo pessoas à frente correndo pessoas pessoas por toda parte ao nosso nosso redor correndo e a mul tidão atrás resfolegando como búfalos empurrões e encon trões e onde está ele onde está ele Lindbergh onde está ele e a extraordinária impressão que eu tive das mãos milhares de mãos se agitando como larvas sobre as asas prateadas prateada s do Spirit of Saint-Loui Saint-Louiss e é como como se todas as mãos do mundo estivessem tocando ou tentando tocar o novo Cristo e còmo se a nova Cruz fosse o Avião e facas retalham a fuselagem mãos multiplicam-se mãos por toda 311
parte arranhando arranh ando rasgando e é quase meia-noite meia-noite quando começamos a lenta viagem de volta a Paris.1 O "novo Cristo” tinha chegado! Contra todas as proba bilidades. Sozinho. Sozinho. Completamente Completamente só. só. Do Novo Mundo ao Velho. De Roosevelt Field em Nova York a Le Bourget em Paris. Tinha deixado para trás até a gatinha cinzenta, Patsy, que algumas reportagens diziam que ele trazia consigo. A via gem teria sido perigosa demais para ela; esta foi a explicação atribuída ao herói. O comentário acentuava, assim todos sen tiam, a magnífica simplicidade, o verdadeiro heroísmo do ho mem. Ele não tinha instrumentos especiais no aeroplano, nçm mesmo um rádio, apenas uma bússola magnética. Os parisienses ansiavam por vê-lo. Queriam aclamá-lo, tocá-lo, tocá-lo, carregá-lo nos ombros, adorá-lo. Derru De rruba baram ram os os por por tões de ferro e as cercas de arame farpado do aeroporto; esmagaram-se uns contra os outros. O correspondente em Paris do Daily Mail, provavelmehte num estado semelhante ao das pessoa pessoass que descrevia, descrevia, passou um cabograma para par a seu seu jornal: Milhares de pessoas lutaram entre si e com corpulentos policiais policiais para par a chegar perto de Lindbergh e apertar-lhe a mão. Mulheres que tinham jurado beijá-lo tiveram seus casacos de pele reduzidos a farrapos e saíram da briga sem os seus chapéus, com os cabelos desgrenhados e os vestidos amarfanhados e rasgados.2 Dez pessoas foram levàdas para o hospital, uma mulher e uma criança em estado grave. As pessoas atacaram o aeroplano em busca de lembranças. Mãos Mãos puxaram e romperam a lona das das asas; canivetes foram utilizados, com melhores resultados. A iniciativa de funcionários locais e de alguns admiradores salvou o aviador. Um carro partiu em alta velocidade para o aero plano, e Lindbergh foi resgatado por pilotos pilotos e soldados soldados que usavam a coronha dos fuzis para abrir caminho. Deram-lhe prontamente prontam ente uma túnica militar francesa para par a usar usa r como como dis farce, e ele correu até um hangar distante, onde recebeu os cumprimentos oficiais. A fim de desviar a atenção da multidão, impostores eram carregados nos ombros, e a turba venerava os 312
chamarizes chamarizes.3 .3 Um pai levantou levantou seu seu filho para que o menino menino pudesse ver, e a massa massa aclamou a criança. Na escuridão, LindLind bergh se tornara torn ara Todo Mundo, e Todo Mundo se tornara torn ara Lindbergh. Nos Nos dias que se seguiram Lindbergh foi festejado como como nenhuma outra pessoa antes na história, nem reis ou rainhas, estadistas ou religiosos. Da noite para o dia ele se tornara o homem mais famoso de todos os tempos. Da noite para o dia! Um dia antes era apenas “o bobo voador” e “Lindy sortudo” para os seus seus companheiros, um piloto do correio aéreo e ca pitão da reserva da Força Aérea Americana, um avéntureiro jovem que, em geral, geral, tinha co como mo platéia pombos pombos ou curiangos. Agora, era LINDBERGH! — komme de rêve, komme oiseau —, um ícaro moderno que, ao contrário de seu antepassado mí tico, dispensara a tragédia. Do mundo inteiro chegavam con gratulações à embaixada dos Estados Unidos em Paris e ao Departamento de Estado em Washington, de monarcas e che fes de Estado, bem como de pessoas comuns. Em Paris, ban deiras americanas ondulavam por toda parte, até naquele bas tião de introspecção e sangue-frio gaulês, o Quai d'Orsay, que no passado tinha reservado essa honra para os chefes de Es tado em visita à cidade. Todos pareciam querer escrever odes a Lindbergh. Apeli davam drinques em sua homenagem e batizavam crianças com o seu nome. Charles Augustus Lindbergh. O nome do meio pressagiava a realização imperial. As multidões multidões que o sauda vam eram intermináveis — provavelmente meio milhão numa tarde de quinta-feira, dia vinte e seis, quando seu corso saiu da embaixada americana, onde ele tinha se hospedado, e se guiu pela Avenue dTéna, Rue Pierre-Charron, Champs-Élysées, Place de la Concorde, Rue de Rivoli até o Hotel de Ville —, e seu entusiasmo, inexorável. Mãos onipresentes procuravam alcanç alc ançá-l á-lo. o. mais mais uma vez, atiravam flores e acenavam lenços lenços e chapéus. Durante uma semana Paris se entregou ao que foi provavelmente a mais mais extraordiná extrao rdinária ria efusão de emoção emoção que já havia demonstrado. E tudo isso para um americano de Little Falis, Minnesota, que aos vinte e cinco anos e com seus ca belos belos em desalinho, seus seus olhos olhos azuis, sua sinceridade e suas suas roupas mal-amanhadas parecia ser muito mais moço do que era 313
e personificar a própria antítese da grandeur e gloire que os franceses cultivavam com tanto empenho. O mundo oficial tentou acompanhar o sentimento público. Figurões respeitáveis competiam entre si para conceder honras e mais honras ao jovem americano. Praticamente todos os pi lares do establishment francês lhe dirigiram saudações e elo gios. O presidente francês, Doumergue, prendeu a cruz da Légion dTíonneur em seu peito, a primeira vez em que um americano recebia essa honraria. As autoridades nacionais e municipais fizeram fila para festejá-lo — Briand, Poincaré, Painlevé, Doumer, Godin, Bouju, Chiappe. Ele almoçou com Blériot, o primeiro homem a sobrevoar o Canal da Mancha em 1909. Foi recebido pelos Marechais Joffre e Foch. O em baixador francês em Washington, Paul Claudel, Claudel, poeta-dip poeta-diplolomata, esteio da sensibilidade clássica francesa, que tinha re tornado à Europa de licença em abril, propôs um brinde à mãe de Lindbergh. E com gestos simbólicos, numa tentativa evidente de afrancesá-lo e poder considerá-lo um dos seus, dois restaurantes de Paris ofereceram-se para servi-lo e um alfaiate propôs vestilo grátis pelo resto da vida; depois, numa brincadeira deli ciosa, um estudante da École Normale telefonou à imprensa para proclamá-lo proclamá-lo um élève honorário da instituição, que era um degrau tradicional para os escalões superiores da hierar quia administrativa francesa. A França, é claro, não tinha uma monarquia desde 1870; portanto, portan to, para ter o reconhecimento dos símbolo símboloss supremos supremos da historicidade da Europa, suas monarquias, Lindbergh tinha de ir para o norte ou para o sul. Tomaram a decisão por ele, que teve de seguir para o norte, para as cortes das nações aliadas que não tinham vacilado na guerra: Bruxelas e Lon dres. No sábado, 28 de maio, Lindbergh voou num remendado Spirit of St. Louis até Bruxelas, onde o Rei Alberto o con decorou com a insígnia de Cavaleiro da Ordem de Leopoldo, e no dia seguinte, domingo, 29 de maio, prosseguiu viagem para par a Londres. Londres. Ali, no campo de aviação de Croydon, a recepção foi ainda mais frenética e carnavalesca do que em Le Bourget uma se mana antes. As pessoas começaram a chegar ao campo pelo 314
meio da manhã, e à tarde já se reunira uma multidão que muitos estimavam em mais de 100 mil. Ao redor de todo o perímetro do campo, campo, cobertores tinham sido sido estendid estendidos^ os^ sobre sobre a grama e as pessoas faziam piqueniques festivamente. Excur sões aéreas para os ousados e abonados eram oferecidas a cinco xelins o passeio, e cinco aeroplanos fizeram bons ne gócios durante todo o dia. Pouco depois das quatro horas, um desses aeroplanos sofreu um desastre diante dos olhos dos aterrorizados espectadores. Quando se preparava para aterris sar, o motor parece que enguiçou e o avião mergulhou de bico no chão, esmagando esmagando o trem de aterrissagem. aterrissagem. Embora os quatro passageiros não tivessem se ferido gravemente, o aci dente, como se fosse uma ,deixa, tornou bem claro aos especta dores o perigo e a imensidade da façanha de Lindbergh. Quando o avião de Lindbergh foi finalmente avistado, al guns minutos antes das seis da tarde, todo o autocontrole britânico se dissolveu, dissolveu, e a massa humana foi tomada de uma fúria cega, rompendo as pesadas barreiras de madeira, as cer cas de arame e os cordões de policiais — os quais, reforçados depois do episódio de Le Bourget, tinham sido considerados adequados para refrear a turba —, pisando uns nos outros e precipitando-se para a pista. Lindbergh teve de abortar abo rtar a sua primeira tentativa de aterrissagem com com receio receio de abrir abr ir um sulco no mar de pessoas que lhe davam as boas-vindas. Na segunda tentativa aterrissou mais adiante na pista e começou a taxiar em direção à torre de controle da Imperial Airways, mas a multidão não se conformou. Rapidamente cercou o avião e tornou impossível qualquer avanço. Lembrando-se dos estra gos què seu aeroplano tinha sofrido em Le Bourget, Lindbergh lutou para manter as pessoas a distância, empurrando e dando encontrões, mas sem resultado. Mãos, mãos e mais mãos. Elas arrastavam o avião, puxavam as roupas do aviador, agarravam seu capacete. Uma testemunha ocular: A polícia mais de uma vez atacou a multidão, tentando abrir espaço ao redor da máquina, e os gritos e vivas das pessoas pessoas se misturavam ao frenético silvo silvo dos dos apitos dos dos policiais. policiais. Carros buzinando sem parar pa rar tentavam passar pela turba turb a a fim de resgatar resgata r Lindbergh.4 315
O ardil que tinha funcionado à noite em Le Bourget — um chamariz usando um capacete de aviador — não conseguiu enganar a multidão diurna em Croydon. No aperto pessoas desmaiavam. Dez foram levadas a hospitais da localidade. Umas cinqüenta pessoas tinham subido no telhado de um pré dio em ruínas fora do campo de aviação, mas o telhado cedeu e algumas caíram, embora ninguém tivesse se ferido gravemente. Finalmente Lindbergh foi resgatado. Quando subiu na torre de controle para saudar a multidão, esta começou espontanea mente a canção tradicional de aceitação e aprovação: "For He's a folly fol ly Good Fellow!" Depois de uma breve cerimônia na qual o americano reconheceu que sua recepção em Croy don, embora agradável, tinha sido ainda mais angustiante que a de Le Bourget, Lindbergh entrou com o embaixador Houghton na limusine da embaixada, mas o acotovelamento dos admira dores era de tal ordem que duas janelas do carro foram que bradas e, ao retira ret irarr pontas de vidro de um caixilho, o herói sofreu um corte superficial. O correspondente do Berliner Berliner Tageblatt em Londres informou: Já fui testemunha do potencial de entusiasmo britânico na abertura de Wembley, na Final da Taça, na corrida de barcos barc os e no retorno reto rno de Allan Cobham da* Austrália. Austráli a. Mas 'a recepção dada a Lindbergh ontem ofusca tudo isso.5 No programa de Londres Lindbergh foi recebido jpel jpelo o Rei Jorge no Palácio de Buckingham e agraciado com a Cruz da Força Aérea. Na Câmara dos Comuns teve como anfitriã Lady Astor, americana de nascimento. No Derby Eve Ball foi um convidado do Príncipe de Gales e, em Epsom Derby, do Conde de Lonsdale. Depois de sua visita a Londres Lindbergh retornou por alguns dias a Paris, embarcando em Cherbourg no navio que o levaria de volta a Nova York. Ali, no dia 13 de junho, foi submetido ao inevitável desfile na Broadway, durante o qual aproximadamente quatro milhões e meio de americanos o aplau diram, festejando a volta de seu herói com mil e oitocentas toneladas de serpentina. Em Washington o presidente Coolidge 316
lhe concedeu a Cruz do Mérito Aeronáutico. Lindbergh estava em casa. Entretanto, sua agonia como o "último herói” tinha apenas começado.
ESTRELA
Que nervo na sensibilidade do mundo ocidental Lindbergh ti nha tocado? Ele era literalmente venerado e adorado. Todos procuravam procura vam relíquias de sua pessoa e de seu avião, como como se ele fosse um novo deus. Foi reverenciado mais abertamente em 1927 do que os astronautas americanos que caminharam sobre a lua em 1969. Sua fama repentina e fabulosa, da noite para par a o dia, nunca foi igualada. Sua façanha justificava tão extraordinária reação? Ou es taria Lindbergh satisfazendo alguma enorme necessidade? Seria talvez criação de um público desejoso de espetáculo? Ou cria ção, como alguns gostavam de pensar, de uma imprensa ávida de sensacionalismo, que ele em breve passaria a abominar, cul pando-a pelo rapto e assassinato assassinato de seu primeiro filho, e da qual tentou escapar indo morar por algum tempo na Ingla terra na década de 1930? Seu feito não pode, é claro, ser negado. Outros tinham sobrevoado o Atlântico antes dele várias vezes, desde que ‘John Alcock e Arthur Whitten Brown cruzaram pela primeira vez o norte, indo da Terra Nova até a Irlanda em junho de 1919. Mas ninguém jamais tinha tentado realizar a travessia sozinho, e sem um rádio. O feito exigia uma audácia assombrosa ou uma insensibilidade inacreditável, e o caráter de Lindbergh, como se revelou depois, indicava que, embora certamente obsti nado, ele era tudo menos insensível. Ele logo demonstrou ser, de fato, um magnífico diplo mata. Durante as duas semanas que passou na Europa em 1927, apesar do cansaço que aos poucos o dominou, apesar da tensão do redemoinho social a que foi submetido, ele in contestavelmente encantou os diplomatas profissionais, os esta distas, os monarcas e as outras autoridades que o saudaram. 317
O jovem parecia incapaz de dar um passo em falso. Myron T. Herrick, embaixador americano em Paris — diplomata expe rimentado que desde 1920 era pela segunda vez embaixador em Paris, depois de ali ter servido na deflagração da guerra em 1914 —, ficou deslumbrado com o equilíbrio de Lind bergh. Seus Seus discursos discursos de improviso improviso não poderiam ser aperfei çoados por um manual de treinamento para diplomatas, e os telegramas de Herrick para a América cantavam louvores a Lindbergh com uma admiração sem limites, referindo-se a seu “temperamento divino e à sua simples coragem” e chamando-o de “embaixador sem pasta”. As comparações que Herrick, em seus discursos públicos, fazia sobre Lindbergh e Joana d’Arc, Lafayette e até um bíblico Davi parecem forçadas, vistas agora em retrospecto, mas foram emitidas, ao que parece, sem traço algum de hipocrisia. Nenhum estadista, nenhum político, nem mesmo Woodrow Wilson — tal era a inferência — jamais tinha feito tanto pela imagem americana na Europa. “Alguém já viu um embaixador embaixado r desse desse qu quila ilate te?” ?” perguntava pergunta va Herrick Her rick reretoricamente.1 toricamente. 1 Ernest Hemingway Hemingway comentou: “Não “ Não é ótimo ótimo o que a embaixada americana está fazendo por Lindbergh? É como se tivessem pego um anjo que fala como Coolidge.”2 Os jornalistas de Paris e Londres, que não eram princi piantes na arte de lidar lida r com visitantes eminentes, concordaram com a opinião oficial. Sem exceção, cumularam de elogios o desempenho de Lindbergh como personalidade pública. “Lind bergh está fazendo mais mais pela reconciliação reconciliação das nações nações do que nouvell e.3 todos os diplomatas”, observou uma exultante Ère nouvelle A direita conservadora estava tão fascinada quanto a esquerda comunista e socialista. E a imprensa liberal estava em êxtase. O conservador Times de Londres ficou encantado com o comportamento de Lindbergh no Palácio de Buckingham, particularihente com seu gesto gentil para com a Princesa Eliza beth que, ainda aprendendo apren dendo a caminhar, tinha sido sido trazida pela babá bab á para par a ver a chegada dele. dele. “ O capitão Lindbergh cruzou a sala na sua direção, tomou-lhe a mão e acariciou-a no rosto.” Quando partiu, Lindbergh mais úma vez se lembrou da prin cesa, aproximou-se da menina e apertou-lhe a mão num gesto de despedida.4 318
O órgão comunista francês UHumanité foi mordaz com as extravagâncias do mundo oficial. LINDBERGH, VITIMA DAS AUTORIDADES, A ÁGUIA DEVORADA POR ANÕES, O HOMEM PÁSSARO LINDBERGH PRESO NA CLOACA PARLAMENTAR — estas foram algumas de suas manchetes durante a semana de Lindbergh em Paris. Mas para o próprio Lindbergh e para as multidões entusiásticas não houve uma única palavra sarcástica. Ao contrário, "Em Lindbergh sau damos UM HOMEM, da melhor espécie”, julgava o jornal.5 Na sua entrevista coletiva à imprensa Lindbergh foi, é claro, assessorado por autoridades americanas. Em Paris Herrick interceptou algumas das perguntas mais difíceis, mas durante todo o tempo Lindbergh manteve o equilíbrio, mesmo que às vezes parecesse inseguro, como afirmou Waverley Root, da equipe da edição parisiense do Chicago Tribune. Quando Hank Wales, antigo repórter policial em Nova York, conhecido por sua grosseria* e por seus charutos, e agora principàl corres pondente em Paris do Tribune, perguntou abruptamente: "Diga, Lindy, você tinha uma latrina naquele avião?” — tanto Herrick como Lindbergh não perderam a compostura e simplesmente contornaram a pergunta indelicada.6 A Europa e a América ficaram histéricas com relação a Lindbergh em 1927. Quando ele retornou a Nova York, a manchete da reportagem do Observer de Londres incluía as palavras O HERÓI INCÓLUME.7 Lindbergh foi, de alguma forma, uma criação da im prensa? pren sa? A imprensa estava no seu apog apogeu eu na década de 192 1920. 0. Nunca antes ou desde então foram tantos os jornais, nem tan tan tos os leitores da palavra impressa. A imprensa era a fonte de notícias, informações e entretenimento. Toda capital euro péia tinha dúzias dúzias de jornais. Além disso, disso, muitos editores con sideravam o voo de Lindbergh a história mais sensacional des de a guerra. Mas, embora desempenhasse o papel importante de di vulgar a façanha de Lindbergh e os aplausos com que foi acla mada, dificilmente se pode atribuir à imprensa a criação da fama do americano. Quando muito pode-se dizer que a pala vra impressa e a escassez de material ilustrativo encorajaram muita gente a se aventurar até os campos de aviação e as ruas 319
numa tentativa de ver com os próprios olhos o herói mo derno. Em geral a imprensa mais acompanhou a excitação do que a criou. Waverley Root mostrou como os profissionais estavam de fato pouco preparados: diplomatas, funcionários do aeroporto, jornalistas.8 Antes de Lindbergh partir de Nova York pouco se falava na imprensa européia da aventura iminente. A história sensacional floresceu nas mentes das pessoas antes de chegar às primeiras páginas, enquanto Lindbergh sobre voava o Atlântico. Portanto, os aplausos têm de ser inseridos num contexto mais amplo, para que suas dimensões sejam reconhecidas. Com sua façanha e seu caráter, Lindbergh parecia satisfazer dois mundos, um na agonia do declínio e o outro em processo de nascimento. Um era um mundo de valores, decoro, realiza ções positivas, elegância. Era um mundo que tinha espaço e pronto reconhecimento para a realização individual baseada em esforço, preparo, coragem, poder de resistência. Um mundo em que o homem usava a máquina e a tecnologia para con quistar a natureza, em que os meios estavam subordinados aos fins. Üm mundo de valores positivos, girando ao redor da família, da religião, da natureza e da vida honrada e moral. Um mundo cujos valores tinham sustentado os exércitos fran ceses e britânicos durante a guerra. Para este mundo, que herói não era Lindbergh! Simples até a medula. Solícito com mães, crianças, animais. Não be bia, não fumava, sequer dançava. Leite e água eram suas po ções. Quando chegou a Le Bourqet e foi levado a um lugar seguro, ofereceram-lhe café e vinho. Ele pediu água. Em sua coluna social, “The Talk of London”, o Daily Express fofocou, em 31 de maio, sobre o Derby Eve Bali naquela noite em Albert Hall. “Ouvi dizer que muitas mulheres vão com o desejo expresso de dançar com ele”, escreveu excitadamente o repórter: “Se conseguirem realizar seu objetivo, receberão sem dúvida algumas lições úteis sobre os passos mais recentes usa dos do outro lado do Atlântico.” O embaraço que se seguiu à gafe saltava das entrelinhas da coluna do mesmo repórter alguns dias mais tarde: “O capitão Lindbergh não dançou, o que deve ter sido um desapontamento para muitos [espe cialmente para o repórter!], mas fez um discurso divertido.”9 .320
Lindbergh recusou todas as recompensas e tentações ma teriais e monetárias com que lhe acenaram: não apenas rou pas, refeições, mas casas e enormes somas de dinheiro ofere cidas para que aparecesse em filmes, no palco, no rádio ou em anúncios comerciais. Um correspondente calculou que, nos dois dias seguintes ao voo, foram oferecidos a Lindbergh cerca de 650 mil dólares. O mundo conservador a adorava por seu co medimento. Até o associava indiretamente ao estancamento ou, pelo menos, à suavização de algumas das manifestações mais indecorosas da cena moderna. No Derby Ball> "a dança”, co mentou um observador, “foi inusitadamente calma, e dezenove em cada vinte homens estavam de casaca”. Os vestidos, é claro, eram longos, pouco apropriados à versão frenética clássica do charleston. “Mas é uma dança adaptável”, continuou nosso observador. “Ontem à noite, dois indianos, em trajes de noite rigorosamente ingleses, dançavam o charleston de maneira en cantadora e calma, formando um quadro perfeito.”10 Era o mundo antigo adaptando-se aos novos tempos, e interpretavase Lindbergh como um modelo em que a ordem antiga devia se inspirar para enfrentar e superar os desafios da era mo derna. Portanto, monarcas, patriarcas e todo o mundo oficial homenageavam o jovem americano. A sensibilidade moderna, entretanto, estava igualmente inebriada. Sobretudo encantada com a façanha. Lindbergh não tinha cruzado o Atlântico a nado, nem remando, nem fora lançado por uma catapulta sobre o oceano. Ele tinha voado! O homem e a máquina tinham se tornado uma coisa só neste ato de ousadia. O objetivo não contava. O ato era tudo. Quase captava a noção, apresentada por Gide no período de préguerra, de um acte gratuit , um ato perfeitamente livre, des tituído de qualquer outro significado que não fosse sua in trínseca energia e realização. E Lindbergh tinha voado sozi nho, completamente só, livre da civilização e de suas restri ções, em comunhão com os oceanos* e as estrelas, os ventos e as chuvas. Não voou para ninguém, nem mesmo para a humanidade. Voou para si mesmo. Esta foi a grande audácia — voar para si mesmo. O fato de ser jovem, de não ser ca sado, de sequer ter uma namorada, de ser bonito — tudo isso 321
aumentava o encantamento. Ele não era a criação de um mundo antigo; era o precursor de uma nova aurora. O romantismo, no século anterior, tinha associado o ar tista ao voo, ao pássaro planando livre nas alturas, à cotovia — a uma transcendência do mundo real. Na segunda metade do século Nietzsche, entre outros, ficara fascinado com a idéia de voar. Tinha dado à passagem final de Aurora o título de "Nós Aeronautas do Intelecto”. Na virada do século outros modernos também foram cativados pela idéia e, mais tarde, pela realidade do voo. O aeroplano chamou a atenção de Kafka em 1909; figurou no manifesto futurista de Marinetti no mes mo ano. Robert Delaunay prestou homenagem à travessia aérea de Blériot sobre o Canal da Mancha num de seus quadros. Em 1912 o Grand Palais em Paris apresentou a exposição "Lo comoção Aérea”. Léger, Brancusi e Duchamp a visitaram. Aos outros Duchamp observou: "A pintura está acabada. Quem poderia fazer melhor do que esta hélice? Vocês poderiam fazer isso?”11 Em suma, Lindbergh tinha se tornado o "aeronauta” nietzschiano que realizara uma paixão pessoal, que voara não rumo ao sol poente, mas em direção à manhã. Harry Crosby o idolatrava. No que era secundado por Maurice Rostand, filho de Edmond, o dramaturgo criador de Cyrano. Maurice, pálido e encolhido, sempre vestido de preto e branco, com sapatos de salto alto e cabelos compridos enca racolados, escreveu um poema a Lindbergh, de treze estrofes, que datou de 21 mai 1927, onze heures du soir. Como Lind bergh só chegou às 10:22h, isto significava, como Janet Flanner apontou em sua "Letter from Paris” para o The New Yorker, que Rostand deve ter composto um verso por minuto e 'que, portanto, deve ter sido "quase tão veloz quanto The Splrit of St. Louis”. Anna, Comtesse de Noailles, poeta de estatura e patrocinadora de Diaghilev e dos Ballets Russes, referia-se a Lindbergh como um enfant sublime.12 E assim foi. Os modernos estavam tão extasiados quanto os antigos. Uns e outros adotavam como um dos seus este indi víduo homérico, de uma pequena cidade do meio-oeste ame ricano. Em seu entusiasmo, entretanto, os dois lados falavam sem se entenderem. Ninguém podia explicar com convicção por que Lindbergh tinha excitado imaginações e desejos em 322
tão alto grau. Mas se olharmos além da excitação imediata, ve remos um motivo que se repete mais de uma vez — no itine rário do americano, na linguagem dos repórteres e comenta ristas, e em outros eventos que emolduraram a conquista da Europa por Lindbergh; um motivo que ninguém discutiu deta lhadamente na época, mas que atravessa toda a paisagem cul tural como um fio preto. A guerra.
PARA QUE NÃO ESQUEÇAMOS Oficialmente, a guerra terminara oito anos e meio antes, no dia 11 de novembro de 1918. Os civis, aqui e ali, haviam ce lebrado com algumas festas da vitória. De modo geral os sol dados tinham sentido pouca emoção. O fim chegara, como para os “Homens 00 )8” de T. S. Eliot, “não com uma explosão, mas com um suspiro”. Um rancoroso tratado de paz, amargamente debatido, fora apresentado aos alemães sob a forma de ultimato. Na Alema nha, o novo governo democrático e republicano — eleito na esteira dos distúrbios que tinham tomado conta do país em novembro e dezembro de 1918, induzindo o kaiser a abdicar — caiu quando confrontado com o tratado; mas o governo substituto provisório não viu outra alternativa senão aceitar os termos de Versailles. O “bloqueio de fome”, imposto ao país pela armada britânica, tinha se tornado mais rigoroso no final da guerra. O Reno foi bloqueado, e tropas francesas, americanas e britânicas ocuparam cabeças-de-ponte sobre o rio — em Colônia, Coblença e Mogúncia, respectivamente. A amea ça era de fome e colapso social. Ninguém, em nenhum dos lados, estava satisfeito com o tratado, que tentava conciliar o idealismo de Woodrow Wilson, o desejo de vingança de Georges Clemenceau e o pragmatismo de David Lloyd George. Os alemães consideravam os termos duros demais; as popula ções aliadas, suaves demais. Lançou-se sobre a Alemanha uma culpa pela guerra que ela se recusava moralmente a aceitar. Mas o que poderia ela fazer? A levée en masse que nos últi mos dias da guerra a imaginação apocalíptica de Walter Ra323
thenau tinha invocado como defesa contra a invasão estrangei ra do sagrado solo alemão era, no verão de 1919, não só im praticável como impossível. Em 14 de julho de 1919, dia da queda da Bastilha, Paris produziu um desfile oficial da “vitória”. Seu tamanho foi gran dioso; suas emoções, não. A América se recusou a ratificar o tratado e até a adotar a cria política de Woodrow Wilson, a Liga das Nações. Os Estados Unidos se recolheram no isolacionismo, abandonando a Europa à sua cadeira de rodas. O esforço gigantesco, especialmente a intensidade emo cional, da guerra não podia perdurar na manutenção da paz, e a Europa afundou numa monumental melancolia. Os lares prometidos a seus heróis continuaram a ser palácios fictícios, e os sonhos sociais utópicos evocados pela retórica da guerra foram brutalmente eliminados pela inflação, pelo desemprego e pelas privações generalizadas, sem falar numa epidemia de gripe que devastou o mundo em 1918-1919, matando mais gente do que a própria guerra., A desilusão foi o desfecho inevitável da paz. Confrontadas com a idéia horrenda de que a guerra talvez não tivesse valido a pena, as pessoas simplesmente enterra ram esse pensamento por uns tempos. E, se esse pensamento devia ser enterrado, tinha-se de enterrar a guerra também. Que assim fosse. A guerra foi enterrada. Robert Graves e T. E. Lawrence fizeram um pacto em Oxford, prometendo que não discutiriam a guerra. Edmund Blunden tentou escrever suas memórias em meio às conseqüências imediatas da guerra e descobriu que a tarefa era simplesmente impossível. Por isso, depois de compor um fragmento, interrompeu o trabalho. Cho rava-se pelos seres amados, mas evitava-se pensar no objeto pelo qual se pagara esse preço. Nove milhões de mortos. Vinte e um milhões de feridos. Economias em ruína. O bolchevismo ateu na Rússia e ameaçando a Europa central. Guerra civil na Rússia, na Alemanha, Hungria, Polônia, Irlanda, Itália — por toda parte, ao que parecia. Turquia e Grécia em guerra. O Oriente Médio em chamas. “Para que não esqueçamos” foi entoado em toda ocasião imaginável, mas esquecer era exata mente o que todos queriam. 324
Organizações de veteranos tinham sido fundadas, mas re lativamente poucos veteranos quiseram tornar-se membros. Os empregadores foram encorajados a contratar antigos soldados, mas muitos os achavam um risco desagradável. A incidência de desemprego entre ex-combatentes era deploravelmente ele vada. Quando o diplomata soviético Ilya Ehrenburg chegou a Berlim no outono de 1921, descobriu que as pessoas estavam claramente tentando reprimir a guerra, mesmo que as cicatri zes do conflito estivessem por toda parte. Viu, conforme sua expressão, “a catás trofe ... apresentada como uma existência bem ordenada”, e notou que os membros artificiais dos mutilados de guerra não ran giam, as mangas vazias eram presas com alfinetes de se gurança. Homens cujos rostos tinham sido chamuscados por lança-chamas usavam grandes óculos pretos. A guerra perdida tratava de se camuflar enquanto perambulava pelas ruas.1 Nos países vencedores a mascarada não era menos requintada. Tinham vencido, sim, mas o que haviam ganho? O repúdio pelos administradores da guerra e pelos polí ticos militares veio rapidamente. Wilson, Lloyd George, Clemenceau, Orlando, Ludendorff, Hindenburg, todos foram logo forçados a se refugiarem num isolamento frustrado ou na opo sição. (Hindenburg iria se tornar a única exceção, quando foi persuadido a sair de seu recolhimento em 1925 para ser eleito presidente da república alemã.) Por toda parte a esquerda ganhava terreno. Na Grã-Bretanha, o Partido Liberal foi dizi mado, e em 1924 o Partido Trabalhista, de ascensão meteórica tão rápida quanto a extinção assombrosa dos Liberais, formou pela primeira vez um governo. Na França, no mesmo ano, uma coalizão de centro-esquerda chegou ao poder. Na Alemanha, os sociaisdemocratas foram de longe o maior partido na década após a guerra, e o Partido Comunista, fundado em dezembro de 1918, também ganhou força. O crescimento da esquerda refletia um desejo de mudança radical na esteira do que se considerava a bancarrota da velha ordem. O efeito desta rápida ascensão da esquerda foi reforçar 325
a visível inclinação do conservadorismo para uma posição mais extrema à direita, um “novo conservadorismo”. Tal mudança não foi, entretanto, apenas uma reação contra a esquerda; era movida pelo reconhecimento de que o conservadorismo tinha agora de fazer algo mais do que conservar: a tarefa não era conservar, mas reconstruir. A direita também tinha de se enga jar na reforma radical se quisesse endireitar o mundo. A polarização política, que devia ser por toda parte a marca do período entre as duas guerras, confirmava o desa parecimento de uma normalidade que todos desejavam, mas que ninguém sabia como produzir. A guerra era o estimulante crítico na esfera política, não aa questões sociais ou os proble mas econômicos. Apesar de visíveis e agudos, eles ainda esta vam subordinados a uma única pergunta: Qual foi o real sig nificado da guerra? Esta era a pergunta central por trás de toda a atividade política, na verdade por trás de toda a ativi dade no período de pós-guerra que foi chamado de paz. Mas poucos atacavam a questão diretamente. A guerra “tratava de se camuflar” enquanto perambulava não só pelas ruas mas pelos corredores do poder. Histórias oficiais da guerra em geral e histórias parciais das forças armadas e dos regimentos saíam em profusão dos prelos no começo da década de 1920, mas depois das rese nhas formais e amabilidades comemorativas nos periódicos apropriados, iam para as estantes das bibliotecas e das casas de ex-combatentes ou desolados familiares de soldados mortos, sem serem lidas ou, se lidas, sem serem discutidas. Os alemães estabeleceram um comitê legislativo, em agosto de 1919, para examinar as causas de sua derrota, e os trabalhos do comitê levaram mais tempo do que a guerra, tanto tempo, de fato, que ele foi esquecido pelo público e, durante longo período, pela imprensa. Erigiam-se cenotáfios, arrumavam-se cemitérios, manufatu ravam-se pedras tumulares. Entre 1920 e 1923 as remessas bri tânicas de pedras tumulares para a França chegaram a quatro mil por semana. No dia 11 de novembro de 1920 o soldado desconhecido foi transportado da França e enterrado na Abadia de Westminster, e em dois dias 100 mil coroas de flores foram depositadas no cenotáfio de Whitehall. Ano após ano, em 326
toda ocasião possível, e não apenas no Dia do Armistício, os rituais e as frases solenes se repetiam. Para alguns talvez trou xessem algum consolo, mas o que significavam realmente o ritual e a retórica, especialmente em relação ao mundo do pósguerra? Os antigos lemas — liberdade, dignidade, justiça — soavam simplesmente ocos. Até argumentos referentes ao que fora evitado pela guerra, em contraposição ao que tinha sido realizado, ofereciam pouco amparo em relação ao sacrifício. Melhor não fazer essas perguntas. Comemorar, sim; pensar, não. Esse desequilíbrio entre a experiência da guerra e a rea ção subseqüente fez com que a guerra, em seu sentido mais importante, como problema social, político e, sobretudo, exis tencial, fosse relegada à esfera do inconsciente ou, mais pre cisamente, à do conscientemente recalcado. Atribuir a questão crucial do momento à neurose ou simplesmente à ignorância, no verdadeiro sentido desta última palavra, confirmava a via gem, iniciada durante a guerra, da sociedade ocidental como um todo — e não mais simples grupos de intelectuais, alguns segmentos da população ou até apenas um único país — para a beira de um abismo entre a consciência individual e os pro blemas tangíveis. A antiga autoridade e os valores tradicionais já não tinham credibilidade. Entretanto, nenhuma nova auto ridade nem valores novos haviam surgido em seu lugar. Não é surpreendente que o ato de recalque, individual ou coletivo, consciente ou inconsciente, dòs acontecimentos mais importantes da época exigisse exatamente o contrário: a negação do recalque. À medida que se tornavam menos ca pazes de responder à pergunta fundamental do significado da vida -— e a guerra colocava essa questão de forma brutal em nove milhões de casos —, as pessoas insistiam ainda mais rui dosamente em que o significado residia na própria vida, no ato de viver, na vitalidade do momento. Conseqüentemente os anos vinte presenciaram um hedonismo e narcisismo de pro porções extraordinárias. Todos se agarravam ansiosamente à psicologia freudiana para justificar esta negação do recalque, e tornou-se completamente fora de moda ser “recalcado”. As pessoas se entregavam aos sentidos e aos instintos, e o inte resse próprio passou a ser, mais do que em qualquer época passada, a motivação do comportamento. O crescimento do 327
radicalismo político foi apenas uma das manifestações desse estado de coisas. Os rituais da vida pública ainda estavam en raizados nas certezas positivistas do século anterior, mas o pano de fundo da representação consistia em pesadelo e alu cinação. “ A guerra tinha derrubado o soalho do salão de baile onde se desenrolava a vida da classe média inglesa”, lembrou Stephen Spender. “As pessoas pareciam dançarinos suspensos em pleno ar, mas eram milagrosamente capazes de fingir que ainda estavam dançando.”2 Mais de um historiador objetou que as gerações recen tes não se lembram dos anos vinte, mas apenàs dos sonhos dos anos vinte. Alegam que demasiada atenção tem sido dada aos exibicionistas urbanos, às “coisinhas doces”, ao dandismo ra refeito dos Sonnenkinder, aos esgares e acessos de fúria dos dadaístas, surrealistas e expressionistas; e tem sido ignorada a reàlidade do desemprego, do ressentiment urbano, da ansiedade rural, ou, em contraste, dos esforços amplamente bem-sucedi dos da parte dos empresários de classe média no sentido de reorganizar e reconstruir. A vida continuou nos anos vinte como sempre fora, assim reza o argumento, com os problemas triviais de trabalho, salários, comida, bem-estar familiar e am bição pessoal preocupando as pessoas que não tinham tempo para planos grandiosos de renovação política e cultural. Se a política se encaminhava para os extremos, isto acontecia — afirmam esses críticos — por motivos imediatos, e não por visionários. Esta crítica tem sua razão de ser e provocou algumas ex celentes análises dos fundamentos sociais e econômicos da ati vidade política. Mas a recente onda de história social não conseguiu exorcizar com sucesso os demônios, as debutantes e os sonhos dos anos vinte. Uma profunda sensação de crise es piritual foi a marca daquela década; afetou trabalhadores ru rais, latifundiários, industriais, operários, balconistas e intelec tuais urbanos. Atingiu tanto os jovens como os velhos, tanto as mulheres como os homens. Os desastres econômicos e a inse gurança social simplesmente acentuaram e intensificaram o que era antes de tudo uma crise de valores provocada pela guerra e particularmente pelas consequências da guerra, quando a paz claramente deixou de satisfazer aquelas expectativas enuncia328
das pelos líderes durante o conflito. "A tempestade se extin guiu”, disse Paul Valéry numa conferência em Zurique em 1922, “e ainda estamos inquietos, desassossegados, como se a tempestade estivesse por irromper. Quase todas as atividades do homem continuam numa terrível incerteza.” Ele falou de tudo o que tinha sido danificado pela guerra: as relações eco nômicas, os negócios internacionais e as vidas individuais. “Mas no meio de todas estas coisas danificadas encontra-se a mente”, afirmou. “A mente foi na verdade cruelmente feri da. . . Duvida profundamente de si mesma.”3 A parceira inevitável dessa dúvida foi a fuga, uma fuga da realidade. Se o novo tinha sido um forte interesse alemão antes de 1914 e durante o conflito, depois da guerra tornou-se uma preocupação universal no Ocidente, aceito por socialistas e conservadores, ateus e fundamentalistas, hedonistas e realis tas. O desejo do novo estava arraigado no que os radicais con sideravam a bancarrota da história e os moderados julgavam ser, pelo menos, o descarrilhamento da história. Até entre aque les que chafurdavam na nostalgia de uma idade de ouro ante rior à guerra havia o reconhecimento básico de que qualquer tentativa de resgate requereria um enorme esforço de recons trução. Mas a devastação era tão ampla e a tarefa de recons trução tão esmagadora que as idéias de como isso deveria ser realizado dissolviam-se freqüentemente em fantasias e pensa mentos desider ativos. As modas e o comportamento avoado da geração jovem dos anos vinte eram motivados em grande parte pelo cinismo em relação à convenção sob todas as suas formas e particular mente em relação ao idealismo moralista que mantivera em atividade o matadouro que foi a Frente Ocidental. Quer a atividade fosse socialmente circunscrita, como as desvairadas festas de caça ao tesouro promovidas pelas “coisinhas brilhan tes” no Mayfair de Londres, ou mais difundida como o culto nudista, ou ainda mais geral, como a mania do ioiô, ou o novo interesse pelas viagens ou a fascinação pelas estrelas de cine ma, seria tolo tentar explicar essas preocupações unicamente em termos de mais tempo de lazer com o advento do dia de trabalho de oito ou nove horas. Intrínseca à atividade era a celebração da vida, não num sentido social ou de grupo, mas 329
como afirmação individual contra as normas e os costumes so ciais. A inspiração era anárquica. Quando Josephine Baker fez a sua estréia parisiense em 1925 no Théâtre des Champs-Elysées, entrando no palco com a cintura rodeada de bananas e carregada de cabeça para baixo enquanto as pernas se abriam e fechavam, ela simbolizava a extravagância não só da boêmia urbana, mas de uma cultura ocidental que, de modo geral, tinha perdido as suas amarras. Alguns achavam essa "libera ção” excitante, -outros, inquietante, mas a cultura como um todo estava à deriva. Tornou-se costumeiro argumentar que como o lamento do saxofone, os passos frenéticos do charleston, os ritmos sinco pados do jazz e a figura da melindrosa embebedando-se de gim eram fenômenos principalmente urbanos, o campo se man tinha incólume e ainda arraigado aos costumes tradicionais. Mas a melhora dos serviços de trem e ônibus, a difusão do cinema nas cidades pequenas e o advento do rádio fizeram com que as barreiras entre a cultura rural e a urbana começassem a desabar. Além disso, ao voltarem da guerra,. os veteranos retornavam não apenas às cidades, mas também a fazendas e vilas; e realmente, agora que tinham visto “Paree”, era difícil mantê-los sob controle. Quando esses jovens "heróis” caiam na farra nas tabernas locais, quebravam janelas e cadeiras, ata cavam as garotas ou causavam um começo de escândalo, a reação invariável dos cidadãos consistia em abafar a ofensa, demonstrar tolerância e dizer: "Estes são os nossos heróis de guerra. Temos de ser indulgentes e tentar compreender.” En quanto as crises econômicas dos anos vinte chegavam às cida des em ondas — ondas de maré, certamente —, o campo sofreu séria depressão durante toda a década, sem ter nunca partici pado verdadeiramente do modesto desenvolvimento dos mea dos da década. Atormentados pela falta de crédito, pela obso lescência da maquinaria e das técnicas, e pelo esfacelamento dos mercados, os fazendeiros lutavam para sobreviver e mui tos não conseguiram. Subproduto desse estado de espírito foi* uma certa sensa ção de transitoriedade. Fosse na moda, na arquitetura ou nos quadros de Piet Mondrian, as curvas foram abandonadas em favor das linhas retas, linhas que sugeriam movimento, uma 330
nova simplicidade e um novo começo. As mulheres foram libe radas dos vestidos de gola alta e saias compridas até o tornoze lo, que deram lugar a "trapos alegres” e ao "jeito de menino”. Pela primeira vez na história os seios foram considerados um defeito, e o sutiã mais os achatava que realçava. Eliminou-se a forma natural da cintura, passando os cintos a envolver os quadris. Desde que se ridicularizava a mais leve sugestão de curva como prova de incontinência alimentar, as dietas se tor naram moda. As nádegas também desapareceram. Como se associava a opulência à decadência, Coco Chanel introduziu o "estilo pobre” do chique digno — le luxe dans la simplicité : trajes simples de lã, com jaquetas de malha de lã e saias sim ples ou pregueadas. Cabelos curtos tinham surgido antes da guerra — Irene Castle adotou-os em Nova York e Isadora Duncan encurtava os cabelos à medida que encurtava as saias — , mas tQrnaram-se, cortados bem curtos ou à la garçonne, uma parte do jeito de menino dos anos vinte. Sobre íris Storm e seu cabelo à la garçonne, Michael Arlen escreveu em The Green Hat : Seu cabelo era grosso e castanho. .. Como o cabelo de um menino, penteado para trás desde a te sta ... Sobre a nuca seu cabelo morria uma morte muito masculina, uma morte mais masculina que a de qualquer outro ca belo cortado bem curto.4 Seria acidental a metáfora do cabelo a morrer "uma morte muito masculina”? As imagens e o vocabulário da guerra per meavam todas as formas de cultura nos anos vinte. O mundo ainda não terminara sua farra com a morte. Na arquitetura e no desenho industrial começou a vigo rar nos anos vinte um novo "estilo internacional” que enfa tizava não apenas as1linhas retas mas uma honestidade geral no uso dos materiais; empregando vidro e laca, o estilo suge ria, através de transparência e reflexos, que as barreiras entre o homem e a natureza, p sujeito e o objeto, eram menos rígidas do que a antiga ordem fizera crer. Na busca de uma nova fluência e harmonia estava im plícita uma profunda revolta contra a geração mais velha, con 331
tra os pais que tinham conduzido seus filhos à matança. O culto da juventude teve o seu primeiro florescimento nos anos vinte. A literatura, o cinema, a propaganda comercial e até a política da época estavam dominados por essa adoração da juventude. O parricídio e o ato de regeneração moral que o assassinato do pai acarretava fascinavam a nova geração lite rária. Só os jovens eram genuinamente humanos; os velhos eram invariavelmente feios, venais e hipócritas. Em Contrapon to de Aldous Huxley, Lucy Tantamount chama as gerações mais velhas de “alienígenas”: O que torna os velhos tão parecidos com um chá árabe são as suas idéias. Eu simplesmente não posso conceber que a arteriosclerose me faça um dia acreditar em Deus, na moral e no mais que segue. .. Saí do meu casulo du rante a Guerra, quando tudo estava fora dos eixos. Não vejo como nossos netos possam fazer uma derrubada mais completa do que a que se fez naquela época.5 Robert Musjl em O Jovem Tõrless, Hermann Hesse em Demian e Henry de Montherlant em La Relève du matin estavam entre aqueles que se voltaram para a descrição da infância a fim de evocar, à la Rousseau, visões da nobre inocência sujeita aos ardis e trapaças da civilização adulta. Paul Klee encontrou ins piração para suas telas surrealistas nos borrões inconscientes de crianças. A geração mais velha, triste e culpada da matança da juventude na guerra, quase não protestou. “Uma turma frí vola, esses modernos”, foi a resposta suave de H. G. Wells.6 En tretanto, embora alguns os considerassem uma turma frívola, a maioria cortejava e mimava os jovens rebeldes, particular mente os partidos políticos que se esforçavam por formar or ganizações de juventude e se engalfinhavam a fim de atrair jovens membros. O radicalismo levava a melhor nesse esforço. A juventude dos anos vinte inclinava-se a rejeitar com desprezo a política tradicional. Para Christopher Isherwood e seus ami gos de Cambridge, “política” era uma “palavra em extinção”, e essa atividade era “automaticamente descartada como aborre cida e desprezível”.7 332
Entretanto, ao rejeitar o ornamento, figurado e literal, e ao enfatizar uma nova simplicidade, a cultura dos anos vinte mais desacreditava os sistemas de valores antigos do que esta belecia novos. A ênfase recaía na desestabilização, por um lado para simplificar a função' e, por outro, para liberar a criatividade, mas as duas áreas de esforço — apesar das espe ranças, aspirações e do sucesso limitado de alguns grupos, como a escola da Bauhaus — usualmente não se conciliavam. A antiga dicotomia, tão predominante no pensamento alemão do século XIX, entre Geist e Macht (Espírito e Poder ) se tor nara agora uma feição marcante da cultura ocidental em geral, mas com uma intensidade e envolvimento emocional com as partes constituintes ainda maior do que era evidente na Ale manha de pré-guerra. Porém, a maior ênfase na espiritualidade, na interioridade e no inconsciente, tão visível na fascinação do público com a psicologia freudiana, o misticismo, o evangelismo fundamentalista e o sentimentalismo do cinema americano — Ilya Ehren burg listou vinte e dois filmes de 1927 com a palavra Amor no título8 — não podiam esconder a profunda dúvida que cercava até mesmo a nova fase do subjetivismo. Se no átomo de Einstein as moléculas estavam em movimento constante e a matéria era apenas energia, então na psique de Freud os componentes também sofriam constante mutação. Sanidade mental e razão eram constructos psicológicos e filosóficos de uma antiga época de fixidez e fé. A fé desaparecera e, junto com ela, a fixidez. Restaram o movimento, a melancolia e a neurose. Isherwood falava do “imenso museu teratológico de nossa geração neu rótica”.9
ITINERÁRIO E SÍMBOLO
Depois de sua chegada a Le Bourget e das cerimônias que se seguiram, Lindbergh embarcou, por volta de meia-noite e meia, num carro que partiu com as luzes apagadas e, para chegar a Paris, fez um desvio por Dugny e St. Denis, ao invés de pegar a estrada que passa por Aubervilliers. Lindbergh devia ficar 333
hospedado num dos grandes hotéis da cidade, o Majestic, perto da Étoile, de modo que o carro, depois de percorrer toda a Rue Lafayette e passar pela Madeleine, rumou para os ChampsÉlysées a partir da Place de la Concorde. No meio desta grande avenida, parou no Hotel Claridge, onde foram comprados vá rios buquês de flores — rosas e centáureas.1 O carro continuou depois pelos Champs e se deteve no Arco do Triunfo, onde Lindbergh desceu e colocou as flores no túmulo do soldado desconhecido. Portanto, seu primeiro ato oficial em Paris, à uma hora da madrugada, foi prestar home nagem aos mortos da guerra. Quando o carro partiu depois em direção à pequena rua transversal que é a Rue Dumont d'Ur ville, a um passo da Étoile, a imensa multidão reunida na frente do Majestic e já se derramando pela Avenue Kléber dei xou claro que Lindbergh não teria sossego num hotel, sendo levado então para a embaixada americana. Em Bruxelas, no sábado seguinte, repetiu-se a mesma ro tina. No caminho do aeroporto até a embaixada dos Estados Unidos, antes mesmo de mudar de roupa, Lindbergh depositou uma coroa de flores no túmulo do soldado desconhecido na capital belga. Na manhã de segunda-feira, seu primeiro dia inteiro em Londres, assistiu a uma cerimônia em memória dos mortos da guerra na igreja de St. Margaret, Westminster, e depois foi prestar sua homenagem na tumba do soldado des conhecido na Abadia de Westminsterv Em todas as três capi tais foi recebido e aplaudido por organizações de veteranos. As autoridades tiveram o cuidado especial de apresentar a Lindbergh representantes dos mutilados da guerra e dos cegos. Em Bruxelas, durante sua visita à Prefeitura, também foi sau dado pelos Vieux Volontaires de la Grande Guerre, aqueles que, apesar de já terem mais de cinquenta anos na época, tinham conseguido, por bem ou por mal, participar do conflito. Organizações de veteranos de todo o mundo enviaram a Lind bergh telegramas de congratulações. Até grupos alemães se associaram a essas demonstrações. Os discursos e outros pronunciamentos públicos em ho menagem a Lindbergh, feitos em Paris, Bruxelas e Londres, estavam cheios de referências à guerra, à amizade franco e anglo-americana, aos aviadores americanos da Esquadrilha La334
fayette, e à contribuição americana em geral para o esforço de guerra dos Aliados. O embaixador Herrick fez comparações místicas entre o voo de Lindbergh e as façanhas no Marne; um sublime destino regia ambas as vitórias. E Maurice Rostand, em sua ode a Lindbergh, declarou que a visita do avia dor aos túmulos das vítimas tinha sido predeterminada. Em 1927, de fato, a comemoração ritualista da guerra chegou ao apogeu quando numerosos memoriais de guerra, grandes e pequenos, nacionais e de regimentos, regionais e municipais, em Douaumont, Tannenberg, Passchendaele, Ypres, bem como cemitérios por toda a Bélgica e França, em vilas e cidades de todos os países beligerantes foram inaugurados. Em 24 de maio o Scotsman de Edimburgo, por exemplo, pu blicou duas fotos na mesma página, uma do embaixador Her rick congratulando Lindbergh e a outra da consagração do memorial de guerra do Regimento Seaforth em Fampoux, perto de Arras. No Daily Herald de 31 de maio, no pé de uma co luna registrando o dia anterior de Lindbergh em Londres, um pequeno tópico anunciava: “Cem viúvas de guerra, órfãos e ex-combatentes da Grã-Bretanha devem visitar os cemitérios de guerra da Bélgica no próximo mês.” Não houve comentário algum sobre as conexões entre esses acontecimentos — entre o voo de Lindbergh e a guerra. Na verdade, não havia uma conexão óbvia. Mas sem a guerra, o fenômeno Lindbergh não pode ser compreendido. Embora ele não tivesse participado dela, a guerra deu ao feito de Lind bergh suas extraordinárias dimensões. Sem a guerra, a façanha teria sido sem dúvida celebrada, mas figuras públicas amadu recidas e responsáveis não teriam recorrido a hipérboles, como a de Mackenzie King, primeiro-ministro canadense, que cha mou o voo de Lindbergh de “o maior feito individual da his tória do mundo”. Nem o público teria sido tão delirante na aclamação. A guerra seguia Lindbergh por toda parte — não somente a guerra passada, mas também a guerra futura. Como era na tural, os militares demonstraram interesse especial pelo feito de Lindbergh. Atrás da observação de um certo general Girod, que presidia a subcomissão do exército na Câmara dos Depu tados da França, declarando o voo de Lindbergh “o ato mais 335
ousado já visto em todos os séculos”, havia um reconhecimento do potencial militar da façanha.2 Os críticos dos militares, en tretanto, invocàvàm visões de uma guerra aérea em que bom bas de gás choveriam sobre os civis. Cartas aos editores de jornais revelavam que o público estava intensamente preocupa do com esta aterrorizante implicação do progresso da aviação. Mas outros comentaristas aproveitavam a efusão de emoção pú blica em relação a Lindbergh para mostrar que, mais do que os militares, a humanidade era a principal beneficiária do voo transatlântico. O jornal parisiense Populaire chamou o feito de Lindbergh de “a maior façanha do heroísmo pacifista na história”.3 De qualquer forma, a guerra fornecia o contexto para o julgamento da questão. Se milhões de mortos da guerra cercavam Lindbergh du rante sua visita à Europa, a morte contemporânea, especial mente a alta taxa de fatalidade entre os aviadores, também o rondava. Ele próprio tinha sobrevivido a dois acidentes em anos anteriores, quando tivera de saltar de pára-quedas para salvar-se. Um dos fatores que contribuíram para a reação emo cional dos franceses com relação a Lindbergh foi o desapare cimento, havia menos de duas semanas, de dois ases de guerra franceses, Charles Nungesser e François Coli, que tinham de colado de Paris a 8 de maio com o intento de voarem até Nova York. Haviam desaparecido sem deixar vestígios. A ex citação, a expectativa e a tensão geradas por esta aventura e seu desfecho foram transferidas para Lindbergh. Um de seus primeiros atos no domingo de manhã, o dia seguinte ao da sua chegada, foi visitar a mãe de Nungesser no Boulevard du Temple, para lhe manifestar a esperança de que os dois heróis de guerra ainda fossem encontrados com vida. Dois aviadores britânicos, Carr e Gilman, que, tentando quebrar o recorde de voo de longa distância sem escalas, partiram com destino a Karachi na sexta-feira, 20 de maio, o mesmo dia em que Lind bergh decolou de Nova York, foram forçados a pousar na água perto do porto persa de Bandar Abbas dois dias mais tarde. Sobreviveram, como o aviador italiano de Pinedo, que, no meio da semana de Lindbergh em Paris, desapareceu a cerca de 240 quilômetros dos Açores durante seu voo da Terra Nova a Por 336
tugal, sendo resgatado vivo no oceano, uma semana mais tarde, por um navio que passava. Em 27 e 28 de maio, sete pilotos morreram em desastres de avião, inclusive quatro num espetáculo aéreo em Augusta, Geórgia. Perto de Chartres, um aeroplano militar pegou fogo durante uma demonstração: seus dois ocupantes saltaram; um desceu em segurança, mas o outro morreu porque o páraquedas não se abriu. Na primeira semana de junho homre pelo menos dez mortes em acidentes aéreos em Essen, Wa/nemünde, Leipzig e Bournemouth. Na cidade inglesa dois pilotos bri tânicos morreram numa colisão aérea diante de milhares de espectadores, quando as asas de seus aviões se tocaram numa curva e as duas máquinas mergulharam no solo e explodiram em chamas. E várias semanas mais tarde, quando Lindbergh visitou Ottawa em sua viagem pela América do Norte, um dos doze aviões militares americanos que o acompanhavam despedaçou-se ao aterrissar, matando o piloto. Estes incidentes deixavam bem claro para todos que voar tinha os seus riscos. Assim, a morte, comemorada ou contemporânea, espreitava Lindbergh onde quer que ele fosse e tornava o seu feito — que equivalia a uma afirmação da vida no meio da morte — ainda mais notável, dando-lhe o seu significado metafórico. O Manchester Guardian esperava que triunfasse este significado positivo, mas a própria necessidade de expressar esta esperan ça tinha como seu contexto geral um ar de dúvida, ansiedade e insegurança: Já é hora de parar de aumentar os perigos dos voos com a ousadia desnecessária que acompanha o impulso de bater recordes, e é de esperar que a justa admiração des pertada pela coragem e resistência de Lindbergh não au mente os planos, já numerosos demais, de repetir a sua façanha ou ir além daquilo que ele realizou.4 Como os rituais de um velho mundo cercavam as realiza ções do novo, o estado de espírito era de melancolia e pesar, acompanhada por uma trêmula e ansiosa excitação. Voar sem pre possuiu um enorme simbolismo para o homem; durante a guerra esse simbolismo se intensificou. O ás da aviação era 337
objeto de ilimitada inveja entre os soldados da infantaria, ato lados na lama e aparentemente indefesos. Os soldados levan tavam os olhos de suas trincheiras e viam no ar uma pureza de combate que a guerra terrestre tinha perdido. Os “ cavalei ros do céu” estavam envolvidos num conflito em que o esforço individual ainda contava, em que as noções românticas de honra, glória, heroísmo e bravura ainda se mantinham intatas. No ar, a guerra ainda tinha significado. Os aviadores consti tuíam a “aristocracia do ar” — “a ressurreição de nossa per sonalidade”, como se expressou um escritor.5 Associava-se o ato de voar à liberdade e à independência, uma fuga da hor renda matança coletiva de uma guerra de equipamentos. Na guerra aérea podiam-se conservar valores, inclusive o respeito pelo inimigo, valores que jaziam nos fundamentos da civiliza ção e que a guerra terrestre parecia estar negando. Desta for ma, a realização tecnológica mais significativa do mundo mo derno também era vista como um meio de afirmar valores tra dicionais. Durante a década do pós-guerra voar continuou a ter essas associações. As honrarias recebidas por Lindbergh pare ciam fazer renascer todo um vocabulário. O entusiasmo com que os franceses usavam palavras como héros, gloire, victoire e chevalier para descrever Lindbergh e seu feito sugeria que desejavam usar esta linguagem de forma inequívoca mais uma vez. O Daily Express notou uma necessidade semelhante no público britânico: Servir ao herói é tão maravilhoso e consolador que é em si uma das principais alegrias da vida. Milhões descobri ram isto durante a guerra. Tiveram oportunidade de cui dar de algum soldado, marinheiro ou aviador e ficaram felizes com esse serviço. Conseguiram também uma par ticipação no sacrifício que o homem oferecia e sentiram-se unidos a ele. Temos necessidade permanente de heróis que nos elevem acima do cotidiano de nossa vida.6 Esta última expressão, “o cotidiano de nossa vida”, ou, na sua versão francesa, notre médiocre condition humaine, apare cia constantemente em comentários nos dois lados do Canal 338
da Mancha. Lindbergh tornou-se um símbolo do desejo de uma reafirmação de valores mas ao mesmo tempo de uma profunda insatisfação com a existência contemporânea. Da mesma forma, a fascinação pelo voo era um indício da vontade de escapar da banalidade da época, uma época que tinha perdido sua fé. Paul Claudel estava consciente das ilusões que cercaram a recepção oficial dada a Lindbergh. A anotação do dia 23 de maio em seu diário é enigmática mas sugestiva: Na emb[aixada] am[ericana] aperto a mão do jovem Charles Lindbergh, magro, rosado, louro, tímido. Unam Omnium rempublicam agnoscimus, mundum (Tertuliano) .* Profundo nojo pela glória e por todos estes cumprimen tos nauseantes.7 Lindbergh representava sem dúvida uma realização impor tante, mas também se tornou um produto poético de um mun do virado para dentro de si. Foi o que virtualmente disse Pierre Godin, presidente do Conselho Municipal de Paris, na recepção dada na Prefeitura: Pensamos muito menos em homenageá-lo, senhor, do que em homenagear a nós mesmos através de sua pessoa. O senhor é um destes homens cujo exemplo preservará a hu manidade se ela algum dia for tentada a duvidar de sua grandeza e a desesperar de seu futuro. O senhor é um daqueles homens em quem uma grande nação reconhece a imagem de seus ideais.8 As palavras de Godin devem ser lidas, acima de tudo, como uma declaração de dúvida acerca da humanidade, mais do que de afirmação, de defesa mais do que de promessa. O senador Dherbécourt, presidente do Conseil Général de la Seine, disse ser a façanha de Lindbergh "um feito que só a mente de um poeta poderia ter concebido e cuja magnificência só o verso entusiástico poderia suficientemente exaltar”. E o prefeito de
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Reconhecemos apenas um estado, o universo.
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polícia, Chiappe, referiu-se à “incomparável beleza” da proeza de Lindbergh.9 A linguagem destas autoridades públicas é a do desejo, da vontade de estetizar o mundo, de transformar a vida em poesia. Os Langbehns e os Chamberlains da Alema nha de pré-guerra tinham falado e escrito exatamente no mes mo espírito. Os poetas faziam coro, exprimindo sentimentos análogos. Lindbergh, “belo primogênito de Sagitário... vencedor do vazio”, conquistara a morte! Tu foste aquele por meio de quem os homens De repente veem amanhecer um dia mais belo. Fora das trevas em que nos encontramos A águia enfim caça o corvo ! . . . Oh! nós vivemos um tempo augusto , Pois nasceram os novos dias! A morte nada é!
“A morte nada é!” Assim escreveu Alexandre Guinle em sua “Ode a Charles A. Lindbergh”.10 No sábado, 28 de maio, Le Figaro publicou em seu suplemento literário três poemas, de Pierre de Regnier, Maurice Levaillant e André David. Levaillant referiu-se a Lindbergh, como “o homem-Titã”; David chamou-o de “poeta do azul. . . criador de um novo mito”. E no Journal des débats politiques et littéraires, Marcei Berger qua lificou o feito de Lindbergh de “uma obra de arte” por ser “belo em si mesmo”.11 O poeta alemão Ivan Goll, radicado em Paris, publicou uma ode extasiada no Berliner Tageblatt em 25 de maio. A chave para compreender Lindbergh era o fato de sua meta estar “nele mesmo”. Paris vivia em sua mente, a mente de um jovem feliz que nunca tinha lido uma linha de Kant e cuja imaginação não estava enterrada entre as ruínas do Egito ou sufocada nos tristes corredores das universidades. O tema em todos esses comentários e reações é o de uma revi vescência da imaginação — “o sorriso louro de sua juventude nos cega como os holofotes de Roosevelt Field” — em meio a uma civilização em ruínas, de uma revivescência da vontade e do espírito individual. Só isso arrancaria a Europa de seu pessimismo e desânimo. Mas por toda parte o tom é mais de 340
pesar que de esperança. O individualismo perdeu sua dimensão social; a verdade não será encontrada numa realidade. social mas na imaginação individual, na energia e vontade dionisíaca. Os aplausos a Lindbergh eram um elogio a uma época pas sada de individualismo social e, ao mesmo tempo, um reco nhecimento, ainda que inconsciente, de que no mundo moder no o indivíduo estava sozinho, em permanente fuga, privado de apoio, privado até da segurança sentimental de uma gatinha. O homem fora deixado solto. A liberdade já não era uma questão de ser livre para fazer o que é moralmente correto e eticamente responsável. A liberdade tornara-se uma questão pessoal, uma responsabilidade sobretudo para consigo mesmo. O impulso moderno antes da guerra possuía um alto grau de otimismo, oriundo da religião burguesa do meliorismo. Esse oti mismo não tinha desaparecido por completo nos anos vinte, mas era então mais desejo do que predição confiante. Sua pai sagem era de destruição e desolação, não apenas a da aridez que a vanguarda tanto desprezara antes da guerra.
NOVOS MUNDOS E O ANTIGO
O episódio Lindbergh revelou que a forma de modernismo jdo período de pré-guerra, com seu ímpeto positivo, se mudara para a América. A Europa reconheceu o fato. Lindbergh era constantemente mencionado como um símbolo do "alto grau de coragem e vigor da jovem América”, um representante da energia sem limites da América. Esta energia — tão óbvia nos artefatos, nas formas e personalidades culturais que a América exportava, fossem épicos ou comédias-pastelão de Hollywood; fossem o ragtime, o jazz ou o charleston; as me lindrosas de cabelos curtos que se encharcavam de gim e fumavam cigarros; sensualistas exóticas como Josephine Baker; ou expatriados de vida dura como Ernest Hemingway e F. Scott Fitzgerald —, esta energia implacável e contumaz era inevitável. Ruidosa e atrevida. A maioria dos modernos es tava encantada. 341
Maurice Ravel introduziu um provocador ritmo de foxtrote em seu L ’Enfant et les sortilèges. Francis Poulenc pro duziu uma Rhapsodie nègre; e tanto Georges Auric como Igor Stravinsky compuseram obras intituladas Rag-Time. O onestep e o two-step apareceram no palco das Folies Bergères. No Mayfair de Londres as “coisinhas brilhantes” dos anos vinte adotaram um sotaque americano, e, no rastro da estada de Lindbergh, “visitas voadoras” aqui e ali se tornaram parte de seu estilo. Em Paris o arrastado francês americanizado de Joséphine Baker, usualmente tão desagradável à sensibilidade gaulesa, transformou-se de repente na grande mania. O local noturno favorito de Nancy Cunard em Paris era o Plantation, com seus murais de navios a vapor do Mississippi e “pretos”. Mas o fulgurante sonho americano também fascinou as classes trabalhadoras da Europa, que viam em toda história de pobres que ficam ricos o final feliz de suas próprias vidas. Aos críticos que diziam ser a América nada mais que um símbolo do materialismo grosseiro, desprovido de valores espi rituais, os defensores da América respondiam que esse era um julgamento superficial que deixava de fora o que era im portante. O significado da América era, em primeiro lugar, espiritual. Wall Street, dizia Fernand Léger, simbolizava a “América audaciosa, que sempre age e nunca olha para trás”. Nova York e Moscou, ele dizia, eram os centros da atividade moderna. Paris tornara-se simplesmente um observador.1 Segundo outro francês, Lucien Romier, a América repre sentava juventude, vibração, espírito de iniciativa e magnani midade. “Os Estados Unidos parecem ser hoje”, insistia em 1927, o único grande país cujos cidadãos declaram incessante mente seu amor pela sociedade a que pertencem, trabalham juntos com entusiasmo pelo aperfeiçoamento dessa socie dade e, num mundo conduzido ao pessimismo extremo pelos problemas sociais, se revelam otimistas nas ques tões sociais. A América, dizia ele ainda, tinha conseguido “desproletarizar” suas massas: “A democracia americana eleva as massas com seu moralismo, mas as democracias européias saturam seus po 342
vos de intelectualismo.” E, com muitos outros, Romier assina lava o domínio das mulheres na família americana. A inexis tência de medo dos homens, a rejeição do patriarcado, era eminentemente moderna e libertadora, segundo ele.2 Para Henry W. Nevinson, londrino, romancista e pai do pintor C. R. W. Nevinson, até o brilho e o materialismo da América significavam imaginação e vigor. Ao sair de Nova York, ele escreveu: Adeus aos escritórios empilhados no céu, tão limpos, tão aquecidos, onde encantadoras estenógrafas, com meias de seda e rostos empoados, trabalham comodamente sentadas ou conversam com uma tranqüilidade encantadora!. . . Estou indo para uma cidade antiga de ruas miseráveis e decadentes, de abrigos ignóbeis para a humanidade, que se estendem monotonamente por muitos quilômetros; cheia de fumaça imunda que adere mais à pele do que um co bertor; de datilógrafas sujas que pouco sabem de seda ou pó-de-arroz, e muito menos de comodidade e tranqüili dade encantadora. .. Adeus ao aquecimento central e aos radiadores, símbolos adequados dos corações que aque cem! Adeus aos numerosos e bem equipados banheiros, viva a arte do encanador!. . . Adeus ao longo fluxo de automóveis — "limusines” ou "baratinhas” ! . . . Adeus América! Eu vou para casa.3 Quer admirassem ou menosprezassem a efervescência da Amé rica, muitos concordavam que o futuro da humanidade estava nesse continente. Os americanos, dizia a escritora britânica Mary Borden, deveriam ser observados por qualquer pessoa interessada no futuro da humanidade, pois os andaimes do mundo do futuro se erguem contra o céu da América, um mapa tosco do que há de vir está aberto sobre esse continente, cuja voz martela e grita as notícias do que vai acontecer sobre a terra.4 Alguns modernos sentiam-se, no entanto, divididos diante desta perspectiva. Ivan Goll elogiou Lindbergh, mas não tinha 343
certeza de que a América poderia oferecer uma panacéia para a Europa. "Sem dúvida a Europa está morrendo de senilidade, do ‘eurocoque’. Mas vossa pílula ‘Ameriçoon’ ”, disse ele aos americanos, "nada mais é do que bicarbonato de sódio”.5 Diaghilev revelou a mesma ambivalência. "Á América terá muito a dizer na arte do futuro”, admitiu em 1926. Sua influência já se faz sentir por toda parte — na pin tura, no teatro e na música. Compositores franceses apro veitaram o idioma do ]azz, e a América impôs a sua voz até na antiga e conservadora instituição do balé.6 Mas ele também ficaria muito irritado com a vulgaridade ame ricana. Em agosto de 1926, em Veneza, seu estado de espí rito maldoso: Nós nos hospedamos no Hotel des Bains porque a alga zarra no Excelsior torna a vida impossível. Veneza inteira está em pé de guerra contra Cole Porter por causa de seu jazz e de seus negros. Ele inaugurou uma casa no turna idiota num barco ancorado diante da Salute, e agora o Grande Canal está fervilhando dos mesmos negros que nos fizeram fugir de Londres e Paris. Estão ensinando o charleston na praia do Lido! É terrível! Os gondoleiros ameaçam massacrar todas as velhas americanas daqui.7 Os tradicionalistas franziam as sobrancelhas, reclamavam e suspiravam diante da "americanização” da Europa. A Amé rica, como os seus filmes, era só energia brilhante e nenhuma substância. A nação constituía uma gritante contradição, di ziam. Ao patriotismo insensato dos americanos cabia contrapor a falta de unidade física do país; à grandiosidade arquitetô nica de Nova York, a incrível sujeira dessa cidade; ao recato e puritanismo da América, sua criminalidade e indecente sexua lidade; ao humanismo de seus ideais, seu racismo e seus lin chamentos; à devoção de sua religião, o caráter burlesco de seus evangelistas esgrimidores de bíblias. Os adjetivos e sí miles que os britânicos e franceses tinham reservado para os alemães durante a guerra eram agora dirigidos aos americanos. 344
Aos olhos de muitos ingleses, como notou Margaret Halsey, os americanos “corriam emparelhados com os macacos antro póides”.8 Muitos achavam que a Europa, especialmente a sua ju ventude, estava adotando o pior lado da América. Numa reu nião da Associação Nacional dos Clubes de Moços realizada na Grã-Bretanha em junho de 1927, todos os oradores lamen taram a influência americana. “A agitação americana chegou até aqui”, disse um deles. Uma incrível mania de piruetas, emoção e mudança to mou conta de nossa juventude, e o grande problema é como tornar a atração interna dos clubes mais sedutora do que as atrações externas do cinema, do salão de bai le, do music-hall e das garotas. Ele recomendava recreação física e estudos de música, litera tura e arte! Além disso, exortava os clubes a banirem as últimas danças americanas. A juventude deveria dançar, disse ele com toda a seriedade, como se dança em Park Lane e não da maneira que se via habitualmente “no distrito de ElephanL and Castle”.9 No entanto, a fascinação continuava, na verdade aumen tava, e a influência da América sobre uma Europa dividida pela guerra, vulnerável, a duvidar de si mesma, não deve ser negada. “Nossa impressão é de que fomos colonizados”, obser vou um francês.10 Por toda parte havia um ceticismo natural quanto à americanização, mas no final foi a Alemanha que demonstrou me nor resistência. Ali a dúvida reinante no país era muito pro funda, e a América capitalizou esta dúvida, em sentido figu rado e literal. A energia americana era bem-vinda, assim como o dinheiro americano, público e privado. Em 1923 a economia alemã girava numa espiral inflacionária cujas proporções ne nhuma outra sociedade havia experimentado até então. No verão daquele ano, o marco alemão não valia absolutamente nada. Seguindo o exemplo do empréstimo Dawes de 1924, os investidores americanos penetraram na economia alemã. Ao mesmo tempo, os magnatas da indústria cinematográfica ame 345
ricana começaram a estender os seus tentáculos e exerceram na Alemanha uma influência maior do que em qualquer outra parte da Europa, comprando participação em companhias ale mãs, adquirindo cinemas e fazendo filmes no país para o mer cado alemão. Escritores como Hemingway faziam mais su cesso na Alemanha do que em todo o resto do mundo, exceto os Estados Unidos.11 Talvez a Lei Seca tenha sido a única experiência americana que os alemães não imitaram na dé cada de 1920. “A Alemanha hoje é uma espécie de América”, escreveu Hermann Hesse. “É preciso nadar e fazer grande alvo roço para não se afogar. Se alguém consegue agir assim, está são e salvo.”12 Muitos alemães, freqüentemente com hesitação e má consciência, mostravam-se dispostos a declarar, em 1927, que se sentiam muito mais próximos dos Estados Unidos do que da Grã-Bretanha ou da França. Thomas Mann, como Hesse, não tinha certeza de que isso fosse bom, mas parecia ser real mente uma característica da vida alemã. Até os monumentos da cultura alemã pareciam estar submetidos à americanização, protestou Mann: “Não tenho dúvida alguma de que Bayreuth interessa hoje mais ao cavalheiro de São Francisco do que ao espírito alemão e seu futuro.”13
ASSOCIAÇÕES No dia 26 de maio, na noite de quinta-feira da semana que Lindbergh passou em Paris, foi organizada uma festa de gala em sua homenagem, e, dentre todas as alternativas possíveis, o local escolhido foi o Théâtre des Champs-Élysées na Avenue Montaigne. Quando chegou ao teatro, que, convém lembrar, na opinião de um crítico fora construído em estilo zepelim, Lindbergh foi saudado na entrada pelo marechal Franchet d’Espérey, que fora um dos generais franceses mais bem-suce didos na Grande Guerra e que agora desempenhava a função de presidente do fundo de bem-estar dos aviadores. O pú blico da festa de gala consistia em ases da aviação francesa, do passado e do presente, e do programa constavam discursos 346
c leituras aclamando Lindbergh e a conquista do ar em geral. Neste acontecimento, o herói moderno, a guerra e a estética moderna se fundiram simbolicamente. Na noite seguinte, sexta-feira, 27 de maio, Diaghilev ini ciou sua nova temporada de Paris. O evento celebrava o vigé simo aniversário da fundação de sua companhia de balé. O local, porém, não era o Théâtre des Champs-Élysées, e sim o teatro Sarah Bernhardt em Châtelet. Estavam programadas dez representações até 9 de junho. Na noite de estréia o pro grama consistia em The Triumph of Neptune, balé “ inglês ” que tivera uma première de sucesso em Londres no mês de dezembro anterior, com música de Gerald Berners, libreto de Sacheverell Sitwell e coreografia criada pela mais recente des coberta de Diaghilev, George Balanchine; La Chatte, um novo balé, com música de Henri Sauguet, cenário de Naum Gabo e coreografia, especificamente idealizada para Olga Spessivtseva, mais uma vez de Balanchine; e finalmente um revivido Pássaro de fogo, com o próprio Stravinsky na regência, cenário e figu rinos de Goncharova e Larionov, futuristas russos, e coreogra fia de Fokine. A imprensa parisiense não deu muita atenção à nova tem porada, apesar do aniversário que ela assinalava, e houve poucos artigos de crítica. Lindbergh dominava a atenção de todos. Que ele, a própria encarnação do “pássaro de fogo”, fosse agora festejado no Théâtre des Champs-Élysées, e por um público de aviadores, era uma indicação reveladora de como o mundo havia mudado. O balé russo era velharia. A América era o novo. Lindbergh estava no palco que Jose phine Baker e La Revue Nègre tinham conquistado alguns meses antes. (Quando Lindbergh aterrissou, Mademoiselle Bakér, ainda a paixão da vida noturna parisiense, interrompeu seu espetáculo no Folies para anunciar a chegada de seu co lega americano.) No entanto, Le Figaro, que tinha criticado Le Sacre de forma tão sarcástica em 1913, não deixou de fazer, apropriadamente, uma avaliação da noite de estréia em 1927. Sobre Diaghilev, P. B. Ghéusi escreveu: Este animador russo tem sido o Antoine da moderna arte coreográfica. Sua silenciosa tenacidade, sua fé mística em 347
seu próprio sucesso, que o demônio perverso do teatro não lhe vendeu barato, o fanatismo sorridente de sua arte, muito mais pessoal do que eslava — tudo isso criou uma nova escola de pensamento, agora aceita tanto pelo pú blico quanto pelo mundo profissional. Stravinsky também foi lisonjeado por Ghéusi.1 Como Paris e o mundo ocidental tinham mudado desde 1913! Pavlova se apresentava em Estocolmo no final de maio. Chaliapin em Viena. Os críticos mal os notavam. Os que lhes davam atenção eram bondosos. A voz de Chaliapin tornara-se menor desde os primeiros tempos, disse um crítico, mas o ar tista que ele era tinha crescido.2 E Nijinsky? O que lhe acontecera? Em seu último re cital, no começo de 1919, antes de ser internado num sanató rio, ele tinha tentado, diante de um público restrito em St. Moritz, captar a guerra na dança. "Agora dançarei para vocês a guerra”, anunciou, "com seu sofrimento, sua destruição, sua morte”.3 Em seu diário daqueles dias ele se identificava com Deus, como Nietzsche já o fizera em suas últimas declarações antes que a escuridão completa da loucura o envolvesse. Em dezembro de 1928, dias depois do Natal, Harry Kessler assistiu a uma representação da companhia de Diaghilev no Opéra de Paris. Depois, quando eu esperava por Diaghilev no corredor atrás do palco, ele se aproximou junto com um jovem baixo e macilento, metido num casaco esfarrapado. "Não sabe quem ele é?” perguntou. "Não”, respondi, "real mente não faço idéia”. "Mas é Nijinsky!” Nijinsky! Fi quei estupefato. Seu rosto, tantas vezes radiante como o de um deus, para milhares uma experiência inesquecível, estava agora cinzento, flácido, vazio, só fugazmente ilu minado por um sorriso sem expressão, o brilho brevç de uma chama quase apagada. Não saiu uma só palavra de seus lábios. Diaghilev segurava-o por baixo de um dos braços e, para descer os três lances de escada, me pediu que o apoiasse sob o outro, porque aquele que outrora parecia capaz de saltar por cima dos telhados, agora avan 348
çava às apalpadelas, incerto, ansioso, de degrau em de grau. Eu o segurei, apertei-lhe os dedos finos e tentei animá-lo com palavras amigas. Sem compreender, ele me fitava com grandes olhos infinitamente comovedores que me lembravam um animal doente.4 E o que acontecera à primavera? Em 1913, pouco antes da estréia de Le Sacre, os filhos de Isadora Duncan tinham morrido; o carro em que se encontravam desacompanhados rolara para dentro do Sena. Agora, em 1927, em Nice, a "divina Isadora” entrou num Bugatti para um passeio pela Promenade des Anglais. Arrastava atrás de si uma longa e elegante echarpe. Que ficou presa. Numa roda. Isadora mor reu instantaneamente. Havia quebrado o pescoço. T. S. Eliot tinha uma resposta para o problema da pri mavera. Ele era de St. Louis, como Josephine Baker. E Lind bergh voou no Spirit of St. Louis. Eles todos tinham ido para a Europa. Abril é o mais cruel dos meses, germina Lilases da terra morta, mistura Memória e desejo, aviva Agônicas raízes com a chuva da primavera.5
349
IX
MEMÓRIA Nós que fizemos a guerra não devemos esquecer a guerra nunca. E é por isso que tenho uma foto do cadáver de um soldado pregada na porta da minha biblioteca. H a r r y Cr o s b y
Sejamos, por nossa vez, a primavera que reverdece as terras cinzentas de morte, e de nosso sangue derramado pela, justiça façamos surgir, depois das vigílias de horror, belos amanhãs. Jo s é
Ge r m a i n 1923
Na escola, e nos livros escritos para meninos, éramos tão insistentemente lembrados de que tínhamos ganho a guerra que meus amigos de escola e eu sentíamos a curiosidade aguçada a respeito daqueles que a tinham perdido. Perder parecia muito mais original e estimu lante do que ganhar. R i c h a r d Co b b 1983
Quem teria pensado, há dezessete anos, que se poderia elogiar a harmonia do Sacrel É um fato. Não se pensa mais em suas audácias, admiram-se suas perfeições. A n d r é Ro u s s e a u Fevereiro de
1930
A VALORIZAÇÃO DA GUERRA Im Westen nichts Neues ou Nada de novo no front, de Erich Maria Remarque, foi publicado pela primeira vez em Berlim
350
pela editora de Ullstein, no final de janeiro de 1929. Vinte meses depois, em outubro de 1930, o Nouvelles littéraires de Paris se referia a Remarque como o “ autor que tem hoje o maior público do mundo”.1 Quando o livro foi publicado, precedido de uma cam panha publicitária maior do que qualquer outra até então lançada por uma editora alemã, já tinham sido feitas umas dez mil encomendas. Durante semanas os pilares de anúncios comerciais em Berlim estiveram cobertos de cartazes, cada semana um cartaz diferente. Primeira semana: “Vem aí.” Se gunda semana: “O grande romance da guerra.” Terceira se mana: “Nada de novo no front.” Quarfa semana: “De Erich Maria Remarque.” A esta altura o romance tinha sido pu blicado em folhetim no jornal mais importante de Ullstein, o Vossische Zeitung, de 10 de novembro, um dia antes do décimo aniversário do Armistício, até 9 de dezembro. Embora a circulação do jornal não tenha aumentado vertiginosamente, como alguns alegaram, as vendas subiram realmente um pouco, e as edições diárias em geral se esgotavam. Mas, depois da publicação, cohieçou a corrida. Em três semanas, foram vendidos 200 mil exemplares. A venda de 20 mil exemplares em um só dia não era incomum. No co meço de maio 640 mil exemplares tinham sido vendidos na Alemanha. Traduções inglesas e francesas foram preparadas às pressas. A edição inglesa apareceu em março, a americana no final de maio, e a francesa em junho. O Clube do Livro-doMês Americano fez do romance o escolhido de junho e enco mendou 60 mil exemplares para os seus 100 mil assinantes. A Sociedade do Livro, um equivalente do clube do livro na Grã-Bretanha, “recomendou” o romance a seus sócios. No fi nal do ano, as vendas chegaram a quase um milhão de exem plares na Alemanha, e a um outro milhão na Grã-Bretanha, França e Estados Unidos juntos. Na Alemanha os Ullsteins es tavam utilizando os serviços de seis gráficas e dez firmas de encadernação para tentar dar conta da demanda. Na GrãBretanha a biblioteca pública de Bàrrow anunciou a seus usuá rios em novembro que Nada de novo no front tinha reservas antecipadas para dois anos! No espaço de um ano o livro fora traduzido para cerca de vinte línguas, inclusive, chinês e espe351
ranto, e os Ullsteins, em seu notável esforço promocional, mandaram até preparar uma edição alemã em Braille, que era enviada sem ônus para todo veterano cego que a solicitasse.2 Quase da noite para o dia o romance de Remarque se tornara, como dizia um comentário, "o fenômeno da venda de livros no pós-guerra”. Mas isso era dizer pouco. O su cesso de Remarque não tinha precedentes em toda a história editorial. Na Inglaterra e na Alemanha o comércio livreiro, que havia sofrido durante toda a década mas àquela altura se encontrava em apuros ainda maiores devido ao declínio geral da economia em 1928-1929, agradeceu. “Remarque é o pão nosso de cada dia”, gracejavam os* livreiros de Berlim.3 O sucesso espetacular de Remarque provocou uma en chente de livros de guerra e de outros textos que tratavam da guerra, introduzindo o que veio a ser conhecido como a “valo rização da guerra” de 1929-1930. Romances e memórias de guerra dominaram de repente as listas das editoras. Robert Graves, Edmund Blunden, Siegfried Sassoon, Ludwig Renn, Arnold Zweig e Ernest Hemingway, entre outros, tornaram-se nomes familiares. Eram tão requisitados, para falar em pú blico e no rádio, que não conseguiam atender ao excesso de convites. O repentino interesse público pela guerra fez. com que manuscritos mofados, antes rejeitados por editores caute losos que achavam que a guerra não venderia, fossem im pressos às carreiras. Novos livros também eram rapidamente encomendados e redigidos em ritmo veloz. Os tradutores eram muito solicitados. O palco logo abriu espaço para o drama de guerra, e Fim de jornada, de R. C. Sherriff, no qual Laurence Olivier desempenhou o papel prin cipal na última parte da temporada londrina, tornou-se um sucesso internacional. Em novembro de 1929 a peça estava sendo representada em doze países estrangeiros. O cinema, que não se mostrara tão relutante quanto as editoras em aproveitar o filão da guerra — Hollywood começara uma pequena onda em 1926 através de filmes como What Price Glory?, O grande desfite e Asas —, o cinema veio então se juntar à nova voga com uma série de filmes de guerra. As galerias expunham pinturas e fotografias da guerra. Os jornais e periódicos da vam muito espaço a discussões sobre a guerra, passada e fu 352
tura. Rompia-se vingativamente o que alguns sentiam ter sido um silêncio deliberado sobre a guerra. O que provocou o repentino ressurgimento do interesse pela guerra no final dos anos vinte? E o que a valorização da guerra revelava? Um exame das motivações que levaram Remarque a escrever seu romance talvez nos dê algumas pistas.
VIDA DA MORTE
Até a publicação de Nada de novo no front, Erich Maria Re marque tinha levado uma vida moderadamente bem-sucedida, embora instável, como um intelectual diletante e aspirante a escritor. Nasceu em 22 de junho de 1898, em Osnabrück, filho de um encadernador católico, Peter Franz Remark, e de sua esposa, Anne Maria. Batizado Erich Paul, adotou um pseu dônimo depois da guerra, abandonando o Paul — o perso nagem principal de Nada de novo no front chama-se Paul e morre perto do fim da guerra —, acrescentando o nome dc sua mãe e afrancesando o sobrenome. Remarque não teve uma infância feliz. Seu ambiente de classe média baixa aparente mente o deprimiu. Como disse mais tarde, ficou profundamente comovido quando jovem com os sofrimentos do Werther sen sível e neurastênico de Goethe; dizia-se um romântico; e freqüentemente brincava com a idéia de suicídio. Esse ânimo de dúvida existencial nunca o abandonaria. Impregna toda a sua oeuvre. Em público, apesar de desejar claramente o reco nhecimento, sempre assumia os modos de um recluso. Embora acabasse por se casar com Paulette Goddard, estrela de cinema e ex-mulher de Charles Chaplin, e levasse uma vida extra vagante em Nova York, rodeado de todos os sinais exteriores do* sucesso, continuaria — segundo as aparências — desespe radamente infeliz, um fumante inveterado, um bêbado contu maz, fixado em carros velozes, lanchas e fuga. A origem social de Remarque não pode ser desconside rada. Ele era produto de um grupo social fortemente afetado pelas mudanças tecnológicas e sociais. John Middleton Murry, 353
que também sofrera em sua juventude de uma intensa ansie dade que ele suspeitava provir de sua origem social, dizia que a baixa classe média urbana era “o segmento mais com pletamente deserdado da sociedade moderna”.1 Era uma ca mada que a guerra e especialmente a instabilidade econômica dos anos vinte atacariam com ferocidade. Um mistério enorme cerca a experiência de guerra de Remarque. Com dezesseis anos quando irrompeu a guerra, em agosto de 1914, ele foi convocado dois anos mais tarde, em novembro de 1916, enquanto estudava para ser professor, e enfrentou pela primeira vez o combate na linha de frente em Flandres, em junho de 1917. No frcnt foi ferido, segundo seu próprio testemunho, quatro ou cinco vezes, mas conforme ou tras fontes, apenas uma vez gravemente. O Ministro do Exér cito alemão, general Groener, informaria a seus colegas de gabinete em dezembro de 1930 que Remarque tinha sido fe rido no joelho esquerdo e sob um dos braços em 31 de julho de 1917, permanecendo num hospital em Duisburg de 3 de agosto de 1917 até 31 de outubro de 1918. O ministro rejeitou como falsas as informações de que Remarque tinha sido con decorado ou promovido.2 Não se sabe muito mais sobre os dias de soldado de Remarque. Depois que foi catapultado para a fama interna cional, mostrou-se relutante em dar entrevistas, e menos ainda informações precisas sobre sua carreira na guerra. Demons trou pouco interesse em rebater qualquer um dos boatos gros seiros que circulavam sobre sua vida anterior, e muitos de seus críticos achavam suspeita suá aversão à notoriedade. Em 1929 e 1930 houve uma tentativa sistemática de desvendar o “verdadeiro” Remarque, especialmente para refutar a afirma ção de seu editor, Ullstein, de que Remarque era um sol dado tarimbado. Um homem chamado Peter Kropp contou ter passado um ano no hospital junto com o autor durante a guerra e ter sido o modelo para Albert Kropp, um dos perso nagens de Nada de novo no front. Kropp disse que o feri mento na perna que hospitalizou Remarque tinha sido feito pelas próprias mãos do escritor, e insistia em que, uma vez curado o ferimento, ele se tornara funcionário do hospital. No final das contas, afirmava Kropp, Remarque não tinha 354
qualificações especiais para representar os sentimentos e o comportamento do soldado do front .3 Embora muitas das ale gações dos críticos e adversários de Remarque fossem mal dosas e inspiradas pela inveja, pelo oportunismo e pelo pro pósito político, parece haver realmente motivos para suspeitar que a experiência de guerra de Remarque não foi tão ampla quanto sugeria seu romance e, particularmente, o esforço pro mocional que o cercou. Depois da guerra, Remarque retornou brevemente ao se minário católico para professores, de Osnabrück, e no início de 1919 tornou-se mestre-escola de aldeia. Logo abandonou esta ocupação, passando a atuar como jornalista free-lance e a realizar outras tarefas extras para enfrentar suas necessidades financeiras. Publicou artigos sobre carros, barcos, receitas de coquetel; trabalhou por algum tempo numa firma de manufa tura de pneus em Hanover, escrevendo jingles de propaganda; finalmente tornou-se editor de fotografia em Berlim para uma publicação de propriedade de uma firma de tendência direi tista, Scherl. Apesar de seu título enganador, a revista lu xuosa, da alta sociedade, Sport im Bild era uma versão alemã de The Tatler. Enquanto isso, Remarque tentava escrever seria mente, trabalhando em romances, poesias e numa peça de teatro. Dois de seus romances foram publicados, Die Traumbude (O quarto dos sonhos) em 1920 e Station am Horizont (Es tação Horizonte) em 1928, mas não parece ter ficado muito satisfeito com o resultado. O sentimentalismo b^nal relegava a primeira obra à categoria de ficção barata. Sobre Die Traum bude Remarque diria mais tarde: Um livro realmente infame. Dois anos depois de o pu blicar, tive vontade de comprar todos os exemplares e tirá-lo de circulação. Infelizmente não tinha dinheiro sufi ciente. Os Ullsteins fizeram isso por mim, mais tarde. Se não tivesse escrito nada melhor depois, o livro teria sido uma razão para me suicidar.4 Em 1921 enviou alguns poemas a Stefan Zweig para que este os comentasse, anexando uma carta de quase desespero: "Lem bre-se de que esta é uma questão de vida ou morte para mim!” 355
Uma tentativa de escrever uma peça de teatro deixou-o pro fundamente deprimido.5 O motivo da morte aqui é impressionante: pensamentos sobre suicídio na juventude e ameaças de consumá-lo quando adulto. Junto com o romantismo resultante e a existência nô made, o motivo indica um homem profundamente desconsolado, procurando uma explicação para sua insatisfação. E nesta busca; Remarque finalmente encontrou a Kriegserleben, a experiên cia de guerra. A idéia de que a guerra era a fonte de todos os males lhe veio de repente, confessou. “Todos nós estávamos”, disse de si mesmo e de seus amigos numa entrevista em 1929, “e ainda estamos, inquietos, sem rumo, às vezes excitados, às vezes indiferentes e vessencialmente infelizes”. Mas, num mo mento de inspiração, ele tinha pelo menos descoberto a chave para o mal-estar. A guerra!6 Numa resenha que escreveu em junho de 1928 para Sport im Bild , sobre os livros de guerra de Ernst Jünger, Franz Schauwecker e Georg von der Vring, entre outros, pode-se ver que, depois de sua “descoberta”, ele não estava verdadei ramente interessado em explorar a variedade da experiência da guerra, sendo o seu objetivo principal apenas descrever os terríveis efeitos da guerra sobre a geração que cresceu durante o conflito. É até possível que esses livros tenham sido a fonte de sua inspiração. O vitalismo efusivo e inebriante de Jünger e sua grandeza brutal, o nacionalismo místico e ansioso de Schauwecker e a simplicidade lírica de von der Vring foram reunidos numa análise um tanto vaga que demonstrava poucaestima por essas interpretações distintas da experiência da guerra.7 Deve-se concluir que Remarque estava mais interessa do em justificar o desequilíbrio emocional de uma geração do que em oferecer um relato abrangente ou mesmo preciso da ex periência e dos sentimentos dos homens nas trincheiras. Mui tas das metáforas e imagens que Remarque utilizou em seu livro‘são impressionantemente semelhantes às empregadas pelos autores que tinha discutido, Jünger em particular, e não é desarrazoado sugerir que tenha tirado muitas de suas idéias dessas fontes. 356
Em julho de 1928 Remarque publicou um outro artigo em Sport im Bild que lança ainda mais luz sobre seu modo de pensar na época. Era um texto curto e um tanto ingênuo sobre a fotografia moderna, no qual ele lamentava a injustiça que a maioria dos fotógrafos profissionais cometia em relação à realidade. Ao isolarem seus temas de um contexto mais am plo, ao transformarem o mundo num "formato 9 x 1 2 ou 10x15” limpo e róseo, os fotógrafos criavam um mundo ilu sório.8 A tese era simples e honesta, mas vindo de um editor de fotografia de uma revista cara e esnobe, tinha uma pungên cia patética; indicava como o autor estava infeliz no seu tra balho e ambiente. Tendo-se fixado na "experiência da guerra”, Remarque sentou-se para escrever em meados de 1928. Trabalhando à noite e nos fins de semana, completou seu livro, segundo afir mou, em seis semanas. A subitaneidade da inspiração, a velo cidade da composição e a simplicidade do tema indicam que o livro de Remarque não foi o produto de anos de reflexão e ponderação, mas de um impulso nascido da exasperação pessoal. Remarque enunciou o objetivo de Nada de novo no front num breve e enérgico comentário preliminar: Este livro não pretende ser um libelo nem uma confissão, muito menos uma aventura. . . Apenas procura mostrar o que foi uma geração de homens que, mesmo tendo escapa do às granadas, foram destruídos pela guerra.9 A história relata então as experiências de Paul Bàumer e seus companheiros de escola, que saem das salas de aula para as trincheiras, cheios de energia e convicção, cavaleiros entusias tas de uma causa pessoal e nacional. Um a um, eles são ani quilados no front , não apenas pelo fogo do inimigo mas tam bém por um crescente sentimento de inutilidade. A guerra deixa de ser uma causa para se tornar um Moloch inexorável e insa ciável. Os soldados não têm como escapar da matança roti neira; são homens condenados. Morrem gritando, mas sem serem ouvidos; morrem resignados mas em vão. O mundo para além dos canhões não os conhece; não pode conhecê-los. "Acredito 357
que estamos perdidos”, diz Paul. Só resta a fraternidade da morte, a camaradagem dos condenados. No final Paul morre, infeliz mas estranhamente em paz com seu destino. A última cena da versão cinematográfica americana do romance iria ser uma evocação magistral da atmosfera da obra de Remar que: a bala de um atirador de tocaia atinge o-alvo quando Paul se ergue na trincheira para tocar o que a guerra tornara intan gível, uma borboleta. Todos os lemas perdem seu significado quando os homens sofrem mortes violentas — patriotismo, de ver nacional, honra, glória, heroísmo, bravura. O mundo ex terior consiste apenas em brutalidade, hipocrisia, ilusão. Até os laços íntimos da família foram despedaçados. Resta o homem só, sem um ponto de apoio no mundo real. A simplicidade e a potência do tema — a guerra como força aviltadora e totalmente destrutiva, na verdade niilista — adquirem áspera expressividade graças a um estilo incisivo e mesmo brutal. Cenas breves e frases curtas e vivas, na primei ra pessoa e no presente do indicativo, criam uma instantaneidade inescapável e absorvente. Não há delicadeza. A lingua gem é freqüentemente rude, as imagens quase sempre medo nhas. O romance tem uma consistência de estilo e propósito que faltara à obra anterior de Remarque e que poucas de suas obras subseqüentes alcançariam. Apesar do comentário introdutório de Remarque e de sua reiteração da idéia em declarações posteriores, poucos críticos contemporâneos notaram, e os que vieram depois geralmente ignoraram, que Nada de novo no front não era um livro sobre os acontecimentos da guerra — não era uma memória, muito menos um diário10 —, mas uma denúncia irada dos efeitos da guerra sobre a jovem geração que viveu o conflito. Cenas, inci dentes e imagens foram escolhidos para mostrar como a guerra tinha destruído os laços psicológicos, morais e reais entre a geração no front e a sociedade nacional. “Se voltarmos”, diz Paul, “estaremos cansados, alquebrados, destruídos, sem raízes e sem esperanças. Não seremos mais capazes de encontrar nosso caminho”. A guerra, declarou Remarque em 1928, tinha des truído a possibilidade de levar o que a sociedade consideraria uma existência normal. 358
Portanto, Nada de novo no front é mais um comentário sobre o espírito do pós-guerra, sobre a visão da guerra no pós-guerra, do que uma tentativa de reconstruir a realidade da experiência da trincheira. De fato, aquela realidade é distor cida, como insistiram muitos críticos — embora com pouca influência sobre a aclamação inicial que o romance recebeu. Os críticos de Remarque diziam que no mínimo ele represen tava erroneamente a realidade física da guerra: um homem com as pernas ou a cabeça arrancadas não podia continuar a correr, protestavam veementemente, referindo-se a duas das imagens que Remarque tinha usado. Mas muito mais séria do que essas inabilidades, alegavam, era sua falta de compreensão dos as pectos morais do comportamento dos soldados. Os soldados não eram robôs, destituídos de qualquer senso de finalidade. Apoiavam-se num amplo espectro de valores firmemente esta belecidos.11 Embora seu editor não gostasse dessas restrições, porque minavam a credibilidade do romance, Remarque estava pronto a afirmar que seu livro tratava fundamentalmente da geração do pós-guerra. Em 1929, numa discussão pela imprensa com o general Sir Ian Hamilton, comandante britânico em Gallipoli em 1915 e agora comandante da Legião Britânica, Remarque expressou seu "espanto” e sua "admiração” pelo. fato de Ha milton, por exemplo, ter compreendido as suas intenções ao escrever Nada de novo no front : Eu queria simplesmente despertar compreensão para uma geração que, mais do que todas as outras, achou difícil, depois de quatro anos de morte, luta e terror, encontrar o caminho de volta aos campos pacíficos do trabalho e do progresso.12 Foi em parte a interpretação errônea de seu objetivo que levou Remarque a escrever uma continuação de Nada de novo no front. Der Weg zurück (O Caminho de Volta), romance pu blicado em 1931, discutia explicitamente o caso da "geração perdida”. Pode-se ver Nada de novo no front não como uma expli cação mas como um sintoma da confusão e desorientação do mundo do pós-guerra, particularmente da geração que atingiu 359
a maturidade durante a guerra. O romance era uma condenação emocional, uma afirmação do instinto, um cri d'angoisse de um insatisfeito, um homem que não conseguia encontrar seu lugar adequado na sociedade. Que a guerra contribuiu grande mente para a inépcia de grande parte da geração do pós-guerra é inegável; que a guerra foi a causa básica deste transtorno social é pelo menos discutível; mas Remarque nunca participou diretamente do debate. Para Remarque a guerra se transforma ra num veículo de fuga. Remarque e seu livro eram, tomando emprestadas as palavras de Karl Kraus, sintomas da doença que afirmavam diagnosticar. Apesar da declaração inicial de imparcialidade por parte de Remarque — de que seu livro não era "nem uma acusação, nem uma confissão” —, o romance era de fato as duas coisas. E mais. Era uma confissão de desespero pessoal, mas era tam bém uma denúncia indignada contra uma ordem social e polí tica insensata, inevitavelmente contra aquela ordem que produ zira o horror e a destruição da guerra mas particularmente contra aquela que não conseguia liquidar a guerra e lidar com as aspirações dos veteranos. Através de personagens identificá veis com o Estado — o mestre-escola com suas fantasias imu táveis sobre patriotismo e bravura, o ex-carteiro que funciona como um robô sem sentimentos em seu novo papel de sargento instrutor, os funcionários e médicos do hospital que não tratam do sofrimento humano, apenas de corpos — Remarque acusava. Acusava uma civilização mecanicista de destruir valores huma nos, de negar a caridade, o amor, o humor, a beleza e a indi vidualidade. Porém, Remarque não oferecia alternativas. As personagens de sua generazione bruciata — a idéia italiana de uma "geração queimada” é apropriada — não agem; são ape nas vítimas. De todos os livros sobre a guerra publicados no final dos anos vinte — os romances de Arnold Zweig, Renn, R. H. Mottram, H. M. Tomlinson, Richard Aldington, Heming way, e as memórias de Graves, Blunden, Sassoon, para citar apenas algumas das obras mais importantes — o de Remarque demonstra, de uma forma muito direta e emocional, até espa lhafatosa, que a sua era uma geração verdadeiramente perdida, e esse estilo direto e passional estava no âmago de seu apelo popular. 360
Porém havia mais. A “agonia romântica” era um grito selvagem de revolta e desespero — ‘e um grito de regozijo. Na perversão podia haver prazer. Na escuridão, luz. A relação de Remarque e de sua geração % com a morte e a destruição não é tão singela como parece. Em sua vida pessoal e em suas reflexões sobre a guerra, Remarque parecia estar fascinado pela morte. Toda a sua obra posterior transpira esta fascinação. Co mo um crítico disse mais tarde, Remarque “provavelmente ga nhou mais com a morte do que os mais elegantes agentes fune rários”.13 Como os dadaístas, ele se deixou enfeitiçar pela guer ra e*seu horror, pelo ato de destruição, até o ponto em que a morte deixa de ser a antítese da vida e passa a ser a expres são máxima da vida, em que a morte se torna uma força cria tiva, uma fonte de arte e vitalidade. Ao conhecer Remarque, um jovem, Michel Tournier, notou a natureza paradoxal deste autor-herói moderno: famoso mundialmente por seu antimilitarismo, Remarque, “com sua postura rígida, seu rosto severo e retangular e seu inseparável monóculo”, parecia um oficial prussiano em tamanho maior que o natural.14 Muitos da geração de Remarque compartilhavam a sua visão apocalíptica pós-cristã de vida, paz e felicidade na morte. Quando se apresentava num concerto para executar sua pró pria música, George Antheil carregava uma pistola no casaco de seu traje a rigor. Ao se sentar para tocar, tirava a pistola e a colocava sobre o piano. O revólver belga de calibre .25 que Harry Crosby usou em dezembro de 1929 para matar a sua amante e se suicidar tinha um símbolo do sol gravado no lado. Um ano antes, ao saudar Dido, Cleópatra, Sócrates, Modigliani e Van Gogh entre outros, ele tinha prometido que em breve “gozaria um orgasmo com a sombria Escrava da Morte, a fim de renascer”. Ele ansiava por “explodir. . . na fúria frenética do Sol, na loucura do Sol nos quentes braços dourados e nos quentes olhos dourados da Deusa do Sol!”15 O sucesso não suavizaria Remarque nem acalmaria sua ansiedade crônica. Até* a vivaz Condessa Waldeck, nascida Rosie Gráfenberg, que em 1929-1930 era a mulher de Franz Ullstein, tinha mais tarde o seguinte a dizer sobre o jovem autor no auge de seu sucesso: 361
Rçmarque estava na faixa dos trinta anos. Tinha um rosto de menino bonito com uma boca desafiadora e macia. Os Ullsteins o achavam um pouco difícil. Mas isso se devia apenas ao fato de Remarque ter quase recusado o carro que a firma agradecida lhe deu de presente, porque fal tavam as malas de viagem que, em sua opinião, faziam parte do porta-malas. Eu mesma achava encantadoramente infantis esta e outras características de Remarque; ele que ria o seu brinquedo exatamente como o tinha imaginado. Era um trabalhador esforçado. Freqüentemente trancavase dezessete horas a fio num quarto em que nem sequer um divã era permitido, pois poderia ser um convite à preguiça. Tinha uma pena enorme de si mesmo por tra balhar tanto — por ser Remarque.16
FAMA
Segundo Remarque, seu manuscrito pronto ficou seis meses na gaveta. Na verdade ficou provavelmente uns dois ou três meses. A firma em que trabalhava, a Scherl, parte importante do império jornalístico de tendência nacionalista de direita co mandado por Alfred Hugenberg, não podia sequer ser cogitado como um potencial editor da obra. Por fim, Remarque entrou em contato com a S. Fischer Verlag, a editora literária mais bem conceituada da Alemanha, mas Samuel Fischer ainda es tava convencido de que a guerra não venderia livros. Rejeitou o manuscrito. Através de um conhecido, Remarque ficou sabendo que Franz Ullstein sentia, ao contrário, que era hora de publicar livros sobre a guerra. Remarque tentou a Ullstein Verlag. Ali o manuscrito passou pelas mãos de vários leitores. “O tom inu sitado prendeu a atenção” de Max Krell; Cyril Soschka, chefe do departamento de produção e veterano da guerra, convenceuse de que seria um grande sucesso, porque dizia “a verdade sobre a guerra” — uma frase em torno da qual giraria a con trovérsia sobre o livro; Monty Jacobs, editor de feuilleton do Vossische Zeitung de Ullstein, aceitou o romance para ser pu 362
blicado em folhetim. Os Ullsteins adquiriram grande confiança no livro e, liderados por Franz Ullstein, um dos cinco irmãos que dirigiam o grande complexo editorial e jornalístico, lan çaram a seguir a sua ostentosa e cara campanha publicitária.1 A reação crítica inicial ao livro de Remarque foi muito entusiástica, não só na Alemanha, onde o dramaturgo Cari Zuckmayer escreveu a primeira resenha para o jornal de gran de ^circulação Berliner lllustrirte Zeitung dos Ullsteins, chaman do Nada de novo no front de um “diário de guerra”, mas tam bém quando foram publicadas as traduções francesa e inglesa. Foram elogiados com entusiasmo o retrato supostamente franco que Remarque teria delineado das reações humanas à guerra e a descrição de uma dolorosa dignidade em meio ao sofrimento. “O maior dos romances da guerra” era uma expressão que aparecia repetidas vezes nas resenhas. Sua “sagrada sobrieda de” provocaria “a reabilitação.de nossa geração”, predisse Axel Eggebrecht, famoso e respeitado crítico alemão. Herbert Read, veterano* poeta e historiador de arte, anunciou a história de Remarque como “a Bíblia do soldado comum” e fez vibrar, dessa forma, uma nota religiosa que voltaria a ser empregada com freqüência nos comentários. “Arrebatou a Alemanha como o evangelho”, escreveu Read, “e deve arrebatar o mundo todo, porque é a primeira expressão literária inteiramente satisfató ria do maior acontecimento de nosso tempo”. Acrescentou que àquela altura já tinha lido o livro “seis ou sete vezes”. Um americano exaltou “sua simplicidade explosiva” e rotulou o ro mance de o “Livro da Década”: “Gostaria de ver a venda atin gir a cifra de um milhão de exemplares”, concluiu Christopher Morley. Daniel-Rops, filósofo, teólogo e historiador, compar tilhava esses sentimentos na Suíça; era “o livro que esperáva mos” há dez anos, dissfe. Bruno Frank, Bernhard Kellermann, G. Lowes Dickinson e Henry Seidel Canby foram outras emi nentes figuras literárias entre os primeiros entusiastas. Várias pessoas sugeriram que Remarque deveria ganhar o Prêmio No bel de literatura.2 Nas resenhas iniciais, portanto, foi rara a nota de crítica enérgica, e havia unanimidade na crença de que o livro apre sentava “a verdade sobre a guerra”, ou, como disse o Sunday Chronicle de Londres, “a verdadeira história do maior pesadelo 363
do mundo”.3 A exuberância, especialmente o emprego extra vagante de superlativos e absolutos, bem como a estridente in sistência em afirmar que este livro contava “a verdade”, indi cava que Remarque havia tocado num nervo sensível e que muitas pessoas compartilhavam inteiramente a sua frustração — sua frustração pós-guerra. O tom do romance e o tom das primeiras críticas eram muito semelhantes. Mas qual era esta “verdade” a que quase todos se refe riam? Que a guerra tinha sido uma matança niilista sem fun damento lógico? Que seus protagonistas da linha de frente e principais vítimas não tinham nenhuma noção do propósito de sua luta? Que, em suma, a guerra tinha sido em vão? Poucos falavam assim sem rodeios, mas á esquerda liberal e os socia listas moderados de toda a Europa, e até de algumas partes da América e dos países da Comunidade Britânica de Nações, tendiam a ver a guerra como um conflito civil trágico e inútil na Europa, algo que não precisava ter ocorrido. Entretanto, quando as vendas cresceram durante a prima vera e o verão de 1929, uma oposição começou a se organizar e a expressar suas opiniões, de forma tão ruidosa quanto os primeiros admiradores. A esquerda comunista ridicularizava o romance por ser um exemplo da esterilidade da inteligência burguesa: a mentalidade burguesa, incapaz de localizar a fonte real da desordem social, recorria, em seu tratamento da guerra, a uma sentimentalidade lacrimosa e ao remorso. O livro e.ra visto como uma bela ilustração do “declínio” da mentalidade “ocidental”.4 Para aqueles que se encontravam na outra extre midade do espectro político, a direita conservadora, a obra de Remarque revelava-se perniciosa porque ameaçava todo o significado do conservadorismo do pós-guerra, a idéia de uma regeneração baseada em valores tradicionais. Aos olhos dos conservadores de todos os países beligerantes a guerra tinha sido uma necessidade, trágica certamente, mas ainda assim ine vitável. Caso se passasse a considerar que a gúerra fora um absurdo, então o conservadorismo como conjunto de crenças era um absurdo. Conseqüentemente, Nada de novo no front tinha de ser rejeitado — como “imundície e horror” deliberadamente “comercializados” e como a excrescência de uma mente desesperada que não soubera se elevar acima do inevi 364
tável horror da guerra para ver "as questões eternas envolvi das”, a grandeza de uma idéia, a beleza do sacrifício e a no breza do propósito coletivo.5 A oposição fascista ao romance misturava-se freqüentemente com a dos conservadores e apresentava muitos dos mes mos argumentos, mas havia uma diferença essencial no racio cínio. Para os fascistas o objetivo da guerra era menos sagra do do que a "experiência” da guerra, a própria essência da guerra, seu caráter imediato, sua tragédia, sua alegria, sua definitiva inefabilidade em quaisquer termos que não fossem místicos e espirituais. A guerra, como veremos, deu significado ao fascismo. Assim, qualquer sugestão de que a guerra fora sem propósito constituía uma censura à própria existência dessa forma de extremismo. Foi aqui, na extrema direita, que se reuniu a oposição mais ativa a Remarque e a toda a onda dos chamados livros, filmes e outros artefatos negativos sobre a guerra. Tanto ós tradicionalistas como os extremistas de direita se enfureciam com o que achavam ser um retrato inteiramente unilateral da experiência de guerra. Tinham objeções à lingua gem do romance, às imagens horripilantes, às freqüentes refe rências às funções do corpo e especialmente a uma cena que apresentava um grupo jovial empoleirado nas latrinas do campo. Little, Brown and Company' de Boston, a editora americana, eliminou de fato a cena da latrina por insistência do Clube do Livro-do-Mês, cortou um episódio que dizia respeito a uma relação sexual num hospital e suavizou certas palavras e ex pressões da tradução britânica de A. W. Wheen.6 A passagem da latrina, conservada na edição britânica, foi o alvo preferido de um grande número de críticos britânicos, que começaram a se referir a Remarque como o sumo sacerdote da "escola de lavatório” dos romancistas da guerra. Em novembro de 1929 The London Mercury sentiu necessidade de emitir sua opinião sobre esta escola. "A crítica”, escreveu Anatole France, "é a aventura da alma entre obras-primas”. A aventura da alma entre lava tórios não é convidativa: mas isto é,.de certa forma, o que. a crítica dos romances alemães recém-traduzidos deve 365
ser. .. Os alemães modernos. .. supõem que os lavatórios são intensamente interessantes. São obcecados por este assunto enfadonho, assim como são obcecados pela bru talidade.7 Um australiano, escrevendo em The Army Quarterly, pergun tava como as firmas britânicas podiam publicar "livros de guerra sujos”; na sua opinião, a tradução e a publicação de "livros estrangeiros imundos” eram um ato de traição.8 A acusação de que o livro não passava de uma peça de propaganda — pacifista, alemã ou dos Aliados, dependendo do crítico — era a outra principal forma de ataque por parte da direita. Franz von Lilienthal observou, no diário financeiro conservador, Berliner Bõrsen-Zeitung, que, se Remarque real mente recebesse o Prêmio Nobel, Lord Northcliffe, o barão da imprensa, teria de ser igualmente premiado, pois Remarque nada tinha a dizer que Northcliffe, em sua qualidade de pro pagandista magistral, já não tivesse dito. Os militares alemães consideravam o romance "uma calúnia singularmente monstruo sa contra o exército alemão” e, portanto, um caso de "refinada propaganda pacifista”. Os militares de todos os países inclinavam-se, quanto a isso, a apoiar tal opinião. Em novembro de 1929 o Departamento de Guerra Tchecoslbvaco proibiu Nada de novo no front nas bibliotecas militares. Fora da Ale manha muitos críticos conservadores julgavam o romance parte de uma inteligente campanha alemã de dissimulação cultural. Num discurso por ocasião dos festejos do Armistício em Folkestone em 1929, um ministro batista deplorou o teor dos ro mances e peças teatrais populares a respeito da guerra. Cer tamente pensava em Nada de novo no front bem como no recém-publicado Goodbye to Alt That de Robert Graves e em Fim de Jornada de R. C. Sherriff, quando disse: "Nunca pen sei qqe viveria para ler, escritos por meus próprios conterrâ neos, livros que são iguais às obras imundas dos propagan distas inimigos.”9 No começo do ano G. Lowes Dickinson, humanista de Cambridge e ardente promotor da Liga das Nações, tinha sen tido que o livro de Remarque poderia ficar sujeito a este tipo de ataque. Exortando, a lerem o livro todos aqueles "que tives 366
sem a coragem e a honestidade de desejar saber como é real mente a guerra moderna mode rna”, ”, ele acrescentou: “Não precisam te mer a propaganda alemã. O livro está bem acima de tudo isso. É a verdade, dita por um homem dotado da força de um grande artista, embora mal tenha consciência do grande artista art ista que é. é . ”10 Mas J. C. Squire e The London Mercury não queriam sa ber de nad nadaa disso. disso. “Esta não é a verda ver dade de”, ”, retrucavam, retrucav am, refereferindo-se à obra de Remarque e a outros romancistas alemães da guerra, e advertiam contra a aparente tendência do público britânico britân ico a “ sentimentalizar-s sentimentalizar-see com os alemães” e negligenciar negligenciar os franceses. Depois, com uma explosão assombrosa de feroci dade que lembrava a própria guerra, continuaram: Repetimo Repe timos. s. . . (na condição condição de cosmopoli cosmopolitas tas e pa pacif cifist istas. as.,, mas igualmente igualmente na de quem enfrenta enfren ta os fatos) que os alemães (muitos do doss .quais só só foram cristiani c ristianizados zados no sé culo XVI) contribuíram na verdade muito pouco para a cultura européia... Na guerra exageramos os defeitos do inimigo; que não sejamos levados a exagerar seus méritos em tempo de paz; acima de tudo, que, numa reação ca prichosa, não nos interessemos interessemos mais mais pelo inimigo inimigo do que pelo amigo amigo.. A verdade nua e crua é que os russos, que ainda são em grande parte bárbaros, contribuíram muito mais, na música e na literatura, para a cultura dô século XIX do que os alemães, sem falar nos prussianos de cabeça quadrada, contribuíram em centenas de anos... Paz com os alemães, sem dúvida; entendimento com os alemães, se possível; possível; mas mas não concentremos, por mero sentimentalis mo, nosso olhar nos alemães a expensas de •povos mais cultivados, produtivos e civilizados. Acolhamos, sem dú vida, tudo de bom que possa vir da Alemanha; mas a ten dência atual é pensar que qualquer coisa que vem da Ale manha deve ser boa. “Omne Teutonicum pro magnifico” parece o lema do doss editores e da imprçnsa: é um lema grot grotes esco co.1 .11 Paradoxalmente, quando em fevereiro de 1930 Wilhelm Frick, recém-nomeado Ministro do Interior nazista do governo esta dual da Turíngia, proibiu Nada de novo no front fron t nas escolas 367
do Estado, um jornal nazista, ao anunciar o decreto, comentou: “É hora de sustar a infecção das escolas com propaganda mar xista pacifis pac ifista. ta.”1 ”12 Tanto o elogio crítico como os insultos que Nada de novo no front provocou tinham, afinal, pouco a ver com a substân cia do romance. Assim como Nada de novo no front fro nt era um reflexo mais da mentalidade do pós-guerra do que da menta lidade do tempo da guerra, o comentário também era um reflexo dos investimentos políticos e emocionais do pós-guerra. Mas todos fingiam estar discutindo objetivamente a essência da experiência da guerra. O diálogo crítico era digno de perso nagens de uma peça de Tchekhov. As falas de todos passavam ao largo dos interlocutores. A reação do público em geral era semelhante. O sucesso de Remarque aconteceu durante o que agora compreendemos ter sido uma encruzilhada no período entre as duas guerras: a interseção de dois estados de espírito, um, de vaga, implorante esperança, e o outro de medo paralisador; “o espírito de Locarno” e um movimento de aparente pros peridade cruzando com uma incipiente crise econômica econômica e uma crescente introspecção nacional. Junto com os esforços em favor de uma dêtente interna cional depois de 1925, uma onda de humanismo varreu o Oci dente. Mas era um humanismo mais desiderativo que afir mativo. Em 1927 Thomton Wilder concluiu seu romance ven cedor do Prêmio Pulitzer, A ponte de San Luis R ey , com a seguinte frase: “Há uma terra dos vivos e uma terra dos mor tos, e a ponte é o amor, a única sobrevivência, o único signi ficado.” Melancolia, sentimentalismo e desejo constituem aqui a atmosfera dominante. Dois anos mais tarde, em 1929, o de sastroso colapso econômico trouxe à tona, de maneira brutal, a dúvida latente. Em sua totalidade, as atividades culturais populares do doss ano anoss vinte eram, mais mais ou menos, menos, uma saudação saudação perplexa a um tempo passado em que o indivíduo havia tido um objetivo social reconhecido. A valorização da guerra no final dos anos vinte e no co meço dos anos trinta foi um produto dessa mistura de aspira ção, ansiedade e dúvida. Todos os livros de guerra bem-suce didos foram escritos do ponto de vista do indivíduo, e não 368
da unidade militar ou da nação. O livro de Remarque, escrito na primeira pessoa, personificou para todos o destino do sol dado desconhecido. Paul Bãumer tomou-se Todo Mundo. Só neste nível é que a guerra podia ter algum significado, no nível do sofrimento individual. A guerra era mais uma questão de experiência individual do que de interpretação coletiva. Pas sara a ser uma questão de arte, e não de história. A arte se tornara mais importante do que a história. A história pertencia a uma era de racionalismo, ao século XVIII e particularmerite ao século XIX. Este último demonstrara gran de respeito pelos seus historiadores. Os Guizot, Michelet, Ranke, Macaulay e Acton eram lidos e apreciados, especialmente por uma burguesia empenhada em expansão e integração. Nosso século, ao contrário, tem sido uma era anti-histórica, em parte porque os historiadores não conseguiram se adapta ada ptarr ao aoss senti mentos de sua época, mas sobretudo porque este século tem sido mais de des-integração do que de integração. Conseqüentemente, o psicólogo tem sido mais requisitado do que o histo riador. E o artista tem sido alvo de mais respeito do que qual quer um deles. É digno de nota que, entre as montanhas de escritos sobre o tema da Grande Guerra, uma boa quantidade das tentativas mais satisfatórias de lidar com o seu significado veio da pena de poetas, romancistas e até críticos literários, e que os histo riadores profissionais produziram, de modo geral, relatos espe cializados e limitados, a maioria dos quais de pálida força evo cativa e explicativa, se comparados com os dos littérateurs. Os historiadores não conseguiram encontrar explicações para o con flito que correspondessem às horrendas realidades, à experiên cia real da guerra. A enorme quantidade de histórias oficiais e não-oficiais surgidas nos anos vinte foi em em grande parte par te igno rada pelo público. Por contraste, Nada de novo no front, fron t, de Remarque, tornou-se, quase da noite para o dia, o livro mais vendido de todo o período anterior. Foi a literatura imagina tiva, não histórica, que produziu a centelha da intensa recon sideração do significado da guerra no final dos anos vinte. A imaginação histórica, còmo grande parte do esforço intelectual do século XIX, fora dolorosamente desafiada pelos aconteci mentos da guerra; e era coerente com a subseqüente dúvida que 369
essa disciplina veio a o lamento de H. A. History of Europe, se ciados teóricos feitos
ter a respeito de si mesma o fato de que L. Fisher em 1934, no prefácio de sua tivesse tornado um dos mais citados enun por um historiador de nosso século:
Homens mais sábios e mais cultos do que eu discerniram na história um enredo, um ritmo, um padrão predetermi nado. Essas harmonias estão escondidas de mim. Só con sigo ver um acontecimento sucedendo-se a outro, assim como como uma onda ond a segue segue outra outr a onda o nda.1 .13 Se os poemas, romances e outros trabalhos imaginativos provocados pela guerra perduram perd uram como como "gran "gr ande de”” arte é uma questão discutível. William Butler Yeats, na sua idiossincrática edição de 1936 de The Oxford Book of Modem Verse, omitiu Wilfred Owen, Siegfried Sassoon, Ivor Gurney, Isaac Rosen berg, Robert Graves, Herbe He rbert rt Read e outros, àlegando que o sofrimento passivo não podia ser matéria da grande poesia, a qual precisava ter uma visão moral. Mas ele estava impondo sua visão crítica a um público que sentia de outra maneira. Dez anos depois do conflito, no meio da superabundância de romances de guerra aparecidos durante o período de valorização da guerra, o Morning Post lamentava num editorial que "o grande romance da Grande Guerra, que mostrará todas as coi sas sas numa perspectiva verdadeira, verdade ira, ainda está para ser escrito” escrito ” .14 O grande romance da guerra, explicador de tudo, era uma visão constante entre intelectuais nos anos vinte e até nos trinta. A trilogia Spanish Farm de Mottram, All A ll Our Yesterdays de Tomlinson, Death of a Hero de Aldington e, numa veia dife rente mas com intenção semelhante, Krieg de Renn e Nada de novo no front de Remarque, para citar apenas alguns, foram motivados por esse desafio e essa busca. "O testemunho de cem mil joões-ninguém”, escreveu André Thérive em Le Temps em dezembro de 1929, "não vale a semificção concebida por um grande homem”.1 homem ”.15 Esta atitude, at itude, de que a arte ar te talvez fosse fosse mais fiel à vida do que a história, não era uma noção nova, mas até então nunca tinha sido tão difundida nem tão dominante. Ironicamente, os soldados franceses é britânicos tinham se tomado durante a guerra as personalidades "limite”, identi370
ficadas com a vanguarda e com a Kultur alemã de antes da guerra; eram os homens que haviam experimentado os próprios limites da existência, que tinham visto a terra de ninguém, que haviam testemunhado o horror e a agonia, e que, devido a essa mesma experiência que os transformou em heróis, viviam à mar gem da respeitabilidade e da moralidade. Dada a incapacidade da era pós-guerra para produzir a solução apocalíptica prome tida pela propaganda do tempo de guerra, todo o objetivo social do conflito — o conteúdo de dever e devoir — começou a soar falso. Como os resultados tangíveis da guerra nunca poderiam justificar o seu custo, especialmente o ônus emocional, a desi lusão era inevitável, e os soldados no mundo do pós-guerra se afastavam das atividades e compromissos sociais. Só uma mino ria se dava ao trabalho de participar das organizações de vete ranos. Em termos relativos, poucos sabiam dar voz a seu alhea mento, mas as estatísticas falam alto: dos desempregados de trinta a trinta e quatro anos na Grã-Bretanha no final dos anos vinte, 80% eram ex-combatentes. A incidência de doen ça mental entre os veteranos também era aterradora. “O pior de tudo nessa geração de introvertidos produzida pela guerra”, disse T. E. Lawrence, “é que eles eles não conseguem refre ref rear ar seus seus malditos egos”. Aldington falava das “autoprisões”, verdadei ras armadilhas em que os ex-soldados tinham caído, e Graves escreveu sobre seus “companheiros “compa nheiros de jaul ja ula” a”.1 .16 Entretanto, embora os ex-soldados sofressem de uma alta incidência de neurastenia e impotência sexual, compreendiam que a guerra, nas palavras de José Germain, era “o eixo tre pidante pidan te de toda a história histó ria huma hu mana na”” .17 Se a* guerra como como um todo não tinha significado objetivo, então, invariavelmente, toda a história humana se condensava na experiência pessoal de cada homem; cada pessoa era a soma total da história. Ao invés de ser uma experiência social, uma questão de realidade documentável, a história era pesadelo individual, ou até, como insistiam os dadaístas, loucura. De novo vem à lembrança a afirmação de Nietzsche, à beira de seu completo colapso men tal, de que ele era “todos os nomes na história”. A carga de ter estado no centro da tempestade e de, no final, nada ter resolvido era torturante. Resultava freqüentemente na rejeição da realidade social e política e, ao mesmo 371
tempo, na rejeição tavam o sonho e a por um difundido principal da ação, ação,
até da capacidade de percepção — só res neurose, um mundo de ilusões caracterizado negativis negativismo. mo. A fantasia tornou-se tornou-se a fonte e a melancolia, melancolia, o estado de ânimo ânimo geral. geral. Nous vivons une triste é p o q u e .. . Tout Tou t est foutu fout u — Quoi? Tout un monde . . Il fait beau beau,, allons allons au cimetiè cim etière* re* Em 1930 Carroll Carstairs terminou seu livro A Génération Génération Missing Missing com as palavras: “É um mundo fatigado, e a geléia de framboesa que me me enviaram envia ram de Paris Par is agora acabou acabo u de ve vez. z.”1 ”18 O que era verdade sobre os soldados, com um caráter me nos direto e pungente também era verdade sobre os civis. As boates apinhadas de gen gente, te, a dança frenética, o extraordinário extra ordinário crescimento do jogo, do alcoolismo e do suicídio, a obsessão do voo, do cinema e das estrelas da tela, tudo isso evidenciava em nível popular estas mesmas tendências, um impulso rumo ao irracionalismo. É claro que a Europa burguesa tentava se “remodelar”, mas só era capaz de o fazer superficialmente. O temperamento moderno tinha sido forjado; a vanguarda ven cera. A “cultura do inimigo” se tornara a cultura dominante; ironia e ansiedade, o estilo de vida e o estado de ânimo. “A guerra está nos destruindo, mas também está nos dando uma nova forma”, Marc Boasson tinha escrito em julho de 1915. Quinze anos mais tarde, Egon Friedell, historiador da cultura, afirmava afirmav a enfaticame enfa ticamente: nte: “ A história histór ia não ex exist iste.”1 e.”19 Nada de novo no front fron t captou para a mente popular alguns dos mesmos instintos que estavam sendo expressos na “arte elevada”. Proust c Joyce também condensaram a história no indivíduo. Não há realidade coletiva, apenas a resposta indi vidual, apenas sonhos e mitos que perderam seu nexo com a convenção social. No atormentado e aviltado soldado soldado do front fron t alemão deli neado em Nada de novo no front — e bem que poderia ter sido um Tommy, um poilu ou um soldado de infantaria dos Estados Unidos — o público via sua própria sombra e sentia seu pró prio anonimato e desejo desejo de segurança. segurança. Um pequeno número
* Vivemos uma época t r is t e ... .. . Tudo fodido — Quê? Um mundo to d o . . . Tá bonito lá fora. fora. Vamos ao cemitéri cemitério. o.
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de críticos percebeu esse fato na época. “O efeito do livro pro vém de fato”, escreveu um comentarista alemão, da terrível desilusão do povo alemão sobre o estado em que se encontra, e o leitor tende a sentir que este livro localizou a fonte de todas as nossas dificuldades.2 dificulda des.20 Um americano observou: “Em Remarque, o sentimento da épo ca vem a flor fl ores esce cer. r.”2 ”21 Nada de novo no front parecia encerrar todo o impulso moderno tal como se manifestava no mundo do pós-guerra: a fusão de oração e desespero, de sonho e caos, de desejo e desolação. Em cada país havia uma variação específica sobre este tema geral. Na Alemanha, depois de 1925, notava-se um nítido abrandamento da tensão política, evidenciado, nas eleições na cionais de maio de 1928, as primeiras desde dezembro de 1924, pelo mais mais baixo índice de comparecimento às urnas registrado em todo o período Weimar. O governo que se formou em junho de 1928 1928 foi, como como era de esperar, uma “grande coali zão”, abrangendo desde os sociaisdemocratas à esquerda, que chefiavam o governo, até o Partido do Povo, de direita mode rada, de Gustav Stresemann. O governo começou sua vida num ânimo conciliador. Entretanto, em maio de 1930 caiu vítima de um renovado sentimento conservador e nacionalista. Mil novecentos e vinte e nove foi o ano crítico. O fato de a situação econômica se deteriorar drasticamente no ano do décimo aniversário do Tratado de Versailles foi uma infeliz coincidência. As reparações ainda estavam na mente do pú blico. blico. Alfred Hugenberg, magnata da imprensa e líder do Partido Nacionalista do Povo, de direita, fez campanha por seu referendo contra o Plano Young, a nova proposta dos Alia dos a respeito das reparações, e aceitou Adolf Hitler em suas fileiras. A direita, em sua nova e enérgica ofensiva contra a república, responsabilizou o draconiano acordo de paz e o desejo de sangue dos Aliados pelas renovadas dificuldades eco nômicas da Alemanha. As manifestações públicas contra a “men tira da culpa da guerra” cresceram em número e frenesi no começo de 1929 e atingiram o clímax num dilúvio de comícios em junho. O governo proclamou o 28 de junho, aniversário do 373
tratado, dia de luto nacional. Remarque pôde capitalizar tanto os resquícios de moderação política como a intensificada sen sibilidade à questão da guerra. Remarque responsabilizava a guerra por sua desorientação pessoal; pessoal; o público alemão alemão também supunha que seu sofrimento sofrimento era um legado direto da guerra. Nada de novo no front des pertou perto u realmente a consciência consciência dos dos alemães alemães para a questão da guerra como fonte de suas dificuldades. Na Grã-Bretanha, onde a economia economia ia muito mal no final de 1928 e onde o desemprego dominou a campanha eleitoral na primavera de 1929, o retrato do soldado da linha de frente alemã, pintado por Remarque como um peão miserável e opri mido lutando para manter alguma dignidade e humanidade, despertou simpatia. No final dos anos vinte grande parte da opinião britânica tinha-se tornado favorável à Alemanha. A mesquinharia e turbulência francesa no começo da década e mais tarde tar de o “ espírito espír ito de Loca Lo carno rno”” levaram os britânicos britân icos para par a mais longe dos franceses e mais perto dos alemães. “Nas rela ções exteriores o drama psicológico da política britânica é pre cisamente o fato de que agora gostamos mais dos alemães e menos dos franceses frances es ”, ponder po nderou ou The. Fortnightly Review , “mas com os primeiros brigamos e os outros somos obrigados a acei tar como parceiros”. Entretanto, mesmo esta parceria com a França Fran ça era questionad quest ionadaa em algumas áreas. J. C. C. Davidson, confidente do líder conservador, Stanley Baldwin, falava sobre as vantagens de afrouxar os laços com a França, uma nação “provinciana e altamente cínica cuja população está em declí nio e cujos métodos se harmonizam tão pouco com os nos sos”. Douglas Goldring, que se descrevia como um “obstinado defensor da liberdade e um inglês de arraigados instintos Tory, contrário à política imperialista”, sugeria que alguns erros ter ríveis tinham sido cometidos pelos estadistas britânicos: “Qual quer universitário inteligente, ao interpretar o passado à luz dos acontecimentos recentes, chegaria provavelmente à conclu são de que nossa entrada entra da na guerra foi um err er r o . . . Minha ge ge ração”, ele concluiu, “foi traída, enganada, explorada e dizi mada por seus superiores em 1914”. E Robert Graves, em suas memórias, Goodbye to AU That , escritas na primavera e no verão de 192 1929, 9, achou apropriado citar Edmund Blunden: Blunden: “Não 374
quero mais saber de guerras! De modo algum! Exceto contra os franceses. Se algum dia houver uma guerra contra eles, parto imediatamente.”2 imediata mente.”22 A subcorrente de suspeita e desprezo, presente na aliança anglo-francesa, naturalmente não fluía apenas numa direção. Nos anos vinte os franceses estavam convencido convencidoss de que a vitória na guerra se devia sobretudo a eles; a contribuição bri tânica nunca fora igual à francesa. Como poderia ter sido? Os franceses tinham defendido três quartos da linha na Frente Oci dental. Além disso, os interesses britânicos sempre estiveram voltados para o além-mar, não para a Europa. Mesmo durante a guerra os franceses se inclinavam a acusar os britânicos de lutarem até a última gota do sangue de outros povos. Joffre dizia dos britânicos em 1915: “Nunca deixaria que defendes sem a linha sozinhos — o inimigo abriria uma brecha e passa ria por eles. Só confio neles quando secundados por nós.” Du rante os motins de junho de 1917 ouviu-se um soldado francês dizer: “Precisamos ter os boches do nosso lado dentro de um mês, para nos ajudar a expulsar os britânicos”. Em 1922, mes mo antes da crise do Ruhr, quando os britânicos não apoiaram as medidas punitivas francesas e belgas contra os alemães no tocante às reparações, o general Huguet, antigo adido francês junto ao aoss exércitos exércitos britânicos, descrevia a Grã-Bretanha como como um “advers “ad versário” ário”..23 À medida que que a década se aproximava do fim, a relação se deteriorava ainda mais. Por isso, embora tives sem reagido geralmente com mais calma ao romance de Re marque, os franceses se sentiram atraídos por um livro que retratava o inferno mútuo pelo qual os principais combatentes, soldados franceses e alemães, tinham passado. Talvez o poilu e o boche não fossem irreconciliáveis. O sucesso de À Vouest Vouest rien de nouveau acarretou uma grande quantidade de traduções francesas de obras alemãs sobre a guerra, e, conseqüentemente, pelo meno enoss nas fases fases iniciais iniciais da valorização da guerra, os livros livros de guerra britânicos foram negligenciados pelos editores fran ceses.24 A grande descoberta que os leitores estrangeiros diziam fazer através de Nada Nada de novo• no front era a verificação de que a experiência do soldado alemão na guerra, em seus aspectos essenciais, não fora diferente da dos soldados de outras na375
ções. Ao que parecia, o soldado alemão também não quisera lutar depois que se despedaçara o cenário emocional montado pelo front interno. O romance de Remarque contribuiu bas tante para solapar a opinião de que os alemães eram “peculia res” e não mereciam confiança. Além disso, Nada de novo no front promovia em nível popular o que o revisionismo his tórico estava realizando em nível acadêmico e político: a ero são da idéia de uma culpa alemã coletiva na guerra. Mas, tam bém a esse respeito, a “arte” foi claramente mais eficaz do que a “história”. Sozinho, Remarque realizou muito mais do que todos os historiadores revisionistas juntos, da América e da Europa. Quem leu Nada de novo no front com mais interesse? Em geral os veteranos e os jovens parecem ter sido os leitores mais ávidos dos livros de guerra. No final da década a desilusão de antigos combatentes sobre a sociedade do pós-guerra tinha ama durecido e se transformado em despr.ezp injurioso pela chamada paz, não apenas nos países deríotados mas também nas nações vitoriosas. Nada de novo nojront e outros livros de “desencan to” sobre a guerra, como a precoce aventura de C. E. Montague neste gênero foi de fato intitulada, provocaram muitos aplausos em veteranos entristecidos e amargurados. Mas houve também freqüentes condenações por parte de veteranos que consideravam o espírito e o sucesso de Nada de novo no front como manifestação do mal-estar em que mergulhara o mundo do pós-guerra, como um sintoma do espírito que traíra uma geração e suas esperanças. É difícil determinar para onde pen dia a balança. Fica claro, entretanto, que o interesse dos vete ranos pelo protesto literário baseava-se em grande parte na sua experiência do pós-guerra. Reagiam ao desaparecimento, du rante a década, da visão que a guerra tinha prometido. Os jovens que haviam amadurecido após o conflito mos travam-se naturalmente curiosos da guerra. Muitos comentaris tas observavam que os pais que tinham sobrevivido ao front relutavam em falar sobre essa experiência até com suas famí lias, razão pela qual os jovens, desejando desvendar o silêncio, constituíam uma parte bastante grande dos leitores. E tendo 376
crescido à sombra do pai-herói, também ficavam fascinados pela descrição "negativa” da guerra. A literatura de desencanto oferecia um retrato menos ascético, mais humano e, portanto, mais interessante do pai-guerreiro.25 Numa votação não-oficiàl sobre autores preferidos, realizada entre estudantes de um Gymnasium superior, ou escola secundária, em Düsseldorf em janeiro de 1930, Remarque ganhou o maior número de votos, superando Goethe, Schiller, Galsworthy, Dreiser e Edgar Wallace. É digno de nota, entretanto, que, ao lado de diários e memórias da guerra, as obras sobre economia provocavam o maior interesse entre os estudantes consultados.26 É evidente que havia uma relação entre a insegurança econômica sentida pelos estudantes numa Alemanha dominada pela depressão e o fascínio pelas histórias de horror e morte nas trincheiras. A juventude também se inclinava a responsabilizar a guerra pelas perspectivas incertas de emprego. A "guerra real” deixara de existir em 1918. Depois dessa data foi devorada pela imaginação sob a forma de memórias. Para muitos, a guerra tornava-se absurda em retrospecto, não por causa da experiência da guerra em si mesma, mas devido à incapacidade da experiência do pós-guerra para justificar o conflito. Para outros a mesma lógica transformava a guerra numa experiência limite, novamente em retrospecto. William Faulkner aludiu a esse processo de metamorfose quando escre veu em . 1931: "A América foi conquistada não pelos soldados alemães que morreram nas trincheiras francesas e flamengas, mas pelos soldados alemães que morreram em livros alemães.”27 A viagem interior que a guerra proporcionou a milhões de ho mens foi acelerada pelas circunstâncias do pós-guerra. Ao contrário das afirmações de muitos de seus entusiásti cos leitores, Nada de novo no front não era "a verdade sobre a guerra”; era, sobretudo, a verdade sobre Erich Maria Remar que em 1928. Mas, da mesma forma, a maioria de seus críticos não se encontrava mais perto da "verdade” de que também fa lavam. Expressavam apenas o teor de seus próprios esforços. Remarque usou a guerra; seus críticos e o público fizeram o mesmo. Hitler e o nacional-socialismo deveriam ser, no final, os mais obsessivos e bem-sucedidos exploradores da guerra. A 377
valorização da guerra no fim dos anos vinte refletia menos um interesse genuíno pela guerra do que uma perplexa autocomiseração internacional.
O MALABARISTA DAS NUVENS
A elegia de Hart Crane para Harry Crosby chamou-se “O Ma labarista das Nuvens”. O título teria servido igualmente para Erich Maria Remarque. Crosby literalmente colocou uma pis tola contra a cabeça e puxou o gatilho. Remarque fez o mes mo em sentido figurado, mais de uma vez. A figura paradoxal da vítima fatal — contorcendo-se, contraindo-se, suplicando e praguejando diante do aniquilamento — preocupava os dois. Para ambos, a arte se tornara superior à vida. Na arte residia a vida. Praticamente tudo o que Remarque escreveu depois de Nada de novo no front dizia respeito à desintegração e à morte. Mas praticamente tudo o que escreveu foi um sucesso inter nacional. A versão cinematográfica de Nada de novo no front foi um belo trabalho, dirigido por Lewis Milestone para Univer sal Studios e lançado em maio de 1930. Foi recebido com críticas entusiásticas, passou em cinemas lotados de Nova York, Paris e Londres, e recebeu o maior prêmio de Hollywood, o Prêmio da Academia concedido ao melhor filme de 1930. Em Berlim, entretanto, depois que várias sessões foram interrom pidas por desordeiros nazistas chefiados por Joseph Goebbels, foi proibido em dezembro, ostensivamente porque difamava a imagem alemã mas na verdade porque constituía uma ameaça à segurança e à ordem interna por causa da controvérsia que provocava.1 Em 11 de maio de 1933, depois que Hitler assumiu o poder na Alemanha, os livros de Remarque estavam entre os que foram queimados simbolicamente na Universidade de Ber lim por serem "política e moralmente não-alemães”. "Abaixo a traição literária dos soldados da guerra mundial!” entoou um 378
estudante nazista. “Em nome da educação de nosso povo no espírito de bravura, lanço às chamas os escritos de Erich Maria Remarque."2 Em 20 de novembro de 1933, 3.411 exemplares de Nada de novo no front foram apreendidos na editora Ullstein pela polícia de Berlim, com base no decreto presidencial de 4 de fevereiro, promulgado “para a proteção do povo alemão". Em dezembro, a Gestapo deu instruções para que esses exemplares fossem destruídos.3 Em 15 de maio Goebbels, que era um ra pazinho durante a guerra, tinha dito a representantes do comércio livreiro alemão que o Volk , o povo alemão, não devia servir aos livros, mas os livros deviam servir ao Volk; e concluíra: Denn es wird am deutschen Wesen noch einmal die Welt genesen** Erich Maria Remarque procurara refúgio na Suíça em 1930. Depois de uma longa viagem a Nova York, a Hollywood e da volta à Europa, morreria ali em seu retiro nas montanhas em 1970, ainda belo e ainda infeliz.*
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Ver página 111.
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X
PRIMAVERA SEM FIM
Ela [a guehra] deixou sua marca nas almas, c todas essas visões de horror que fez jorrar em torno de nós, os selvagens corpo-a-corpo, os clarões que o,obus nos lançava no rosto, todas essas noites fulgurantes de Verdun, nós as reencontraremos, um dia, nos olhos de nossos filhos.
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PlERRE DE M à ZENOD 1922
Há muito tempo compreendi que os atores e artistas têm freqüentemente idéias tão fantásticas que se é com pelido de vez em quando a admoestá-los com o dedo em riste e trazê-los de volta à terra. Ad o l f Hit l
er
1942
Protestamos energicamente contra o fato de a imprensa [estrangeira] vir agora nos acusar, logo a nós, de sermos q s anarquistas que mergulharam a Europa neste terrível desastre. É o método bem conhecido de inculpar o assassinado e não o assassino.. . Vivemos em tempos tão loucos que a razão humana não serve para nada. A razão já não tem voz. Jo s e ph G o e b b e l
s
16 de março e 1 de abril de 1945
ALEMANHA, DESPERTA! Berlim, segunda-feira, 30 de janeiro de 1933. Aproximadamente às onze horas da manhã Adolf Hitler é nomeado, chanceler da Alemanha. Em seu gabinete de onze
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ministros há apenas dois outros nazistas, Wilhelm Frick e Hermann Goering. Nas últimas eleições nacionais, em novembro, o partido de Hitler, Partido Nacional-Socialista dos Trabalha dores Alemães (NSDAP), obteve um terço dos votos. O par tido manteve sua posição como o maior grupo do Reichstag. Apesar de minoritários no legislativo, Hitler e sua coorte interpretam o acesso ao poder e à responsabilidade como a vitória por fim, depois de quatorze anos de luta, o Kampfzeit , como chamariam o período, a maior parte do quaf transcorrido em isolamento político. Começa a “renovação nacional”. O estado de espírito entre os nazistas é de êxtase. Em seu diário, naquele dia, Joseph Goebbels, artista da propaganda de Hitler, anotará cheio de júbilo: “É como um sonho. . . A grande deci são foi tomada. A Alemanha se encontra num momento crítico de sua história... A nação explode! A Alemanha está des perta! . .. Atingimos nosso objetivo. A revolução alemã tem início!”1 Na manhã do dia 30, entretanto, não há tempo para diá rios. Goebbels é um dervixe na roda-viva. Entra em ação e rapidamente organiza para aquela noite um gigantesco desfile à luz de tochas. Os Camisas-Pardas e. os Camisas-Pretas, SA e SS, são mobilizados. A eles vêm se juntar membros do Stahl helm, organização paramilitar associada ao nacionalismo con servador do país. O Stahlhelm é convidado a participar porque Alfred Hugenberg, líder do Partido Nacionalista do Povo, e outros elementos da direita se incorporaram ao governo. Cerca de vinte e cinco mil homens se reúnem e marcham para o centro de Berlim vindos das áreas periféricas. Atravessam a Porta de Brandemburgo, seguem por Unter den Linden, descem a Wilhelmstrasse e passam pela Chancelaria. Começando às sete horas da noite, assim que a escuridão do inverno cobre tudo, desfilam durante cinco horas, cantando suas canções mar ciais: Es zittern die morschen Knochen. . . Heute gehört uns Deutschland und morgen die ganze Welt *
André François-Poncet, o embaixador francês em Berlim, presencia os acontecimentos. As colunas passam marchando
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Os velhos fósseis tremem. . . Hoje a Alemanha, amanhã o mundo.
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por seu escritório. Parecem-lhe intermináveis. Filas e filas de gente. Botas, tambores, canções, luzes, ritmos. Multidões se alinham ao longo do caminho. Entusiasmo sem limites. Ao des crever os eventos, dois repórteres de rádio ficam arrebatados pela excitação: “Aplausos continuam a jorrar”, dizem a seus ouvintes. Adolf Hitler está de pé junto a uma janela. .. seus olhos brilham sobre a Alemanha que desperta, sobre este mar de gente de todas as condições sociais, de todas as cama das da população, que desfila diante dele, trabalhadores intelectuais e braçais — todas as diferenças entre as clas ses desapareceram... Um quadro maravilhoso, algo que não veremos novamente tão cedo! Esses braços estendidos, esses gritos de “Heil!” . .. Espero que nossos ouvintes te nham pelo menos uma idéia, uma vaga noção, deste grande espetáculo, de como este momento é incomensuravelmente grandioso!2 Harry Graf Kessler caminha pelas ruas naquela noite e constata uma “atmosfera de carnaval”.3
O fim sobreveio doze anos e alguns meses depois. Em mea dos da década de 1930 Hitler dizia que em dez anos Berlim estaria tão transformada que ninguém a reconheceria. Durante a guerra que se seguiu, ele predisse que Berlim seria em breve a capital do mundo. Em 1945 Berlim estava irreconhecível e tornara-se um emblema da crise européia, e na verdade da crise geral do Ocidente — um panorama de entulho e devastação sem fim. No final da guerra, para cada tonelada de bombas que os alemães tinham lançado do céu sobre a Grã-Bretanha, os Aliados — principalmente a Grã-Bretanha e a América — ha viam lançado 315 toneladas sobre a Alemanha. Do drama que terminou em maio de 1945 Malcolm Muggeridge considerava “Berlim devastada” a “peça central”. “Quem tenha posto os olhos nesse extraordinário espetáculo pode 382
rá um dia esquecê-lo?” A primeira impressão era de tqtal deso lação, uma paisagem lunar árida, onde o cheiro acre de cadá veres em decomposição dominava os sentidos. Mas uma inspe ção mais cuidadosa revelava texugos humanos escavando e so brevivendo nas ruínas. Eram os "cidadãos libertados de Ber lim”. "Foi isso”, pefguntava-se Muggeridge, "a realização de nossos objetivos de guerra. . . ? Isso representava o triunfo do bem sobre o mal?”4 Os soldados britânicos, americanos e russ.os que libertaram os sobreviventes dos campos de extermínio nazistas não tive ram essas dúvidas. Em vez de montanhas de entulho, encon traram montes de cadáveres empilhados, com membros emaciados se projetando em milhares de contorções, como camadas de lenha mal podada. Os fomos ainda ardiam. O tifo era uma ameaça. Também aqui os moradores surgiram lentamente para saudar seus libertadores. Pareciam criaturas deformadas de outro planeta, esquálidos, tatuados, caminhando como brinque dos mecânicos desenhados por uma imaginação terrível. Era como se o Hades tivesse entrado em erupção e regurgitado seu conteúdo. Aos poucos as dimensões da atrocidade nazista começa ram a vir à tona. O tributo pago fora horrendo: milhões de judeus, milhões de trabalhadores escravos estrangeiros, ciganos, homossexuais, Testemunhas de Jeová, os inválidos. Auschwitz também se tornou um emblema do espírito ocidental. Segundo Theodor Adorno, depois de Auschwitz não havia mais lugar para a poesia. As palavras, até então os principais veículos da sensibilidade e do; racionalismo ocidentais, já não eram ade quadas ou apropriadas. Para muitos, o silêncio parecia a única resposta conveniente. As cenas reveladas pelos exércitos aliados em 1945 não eram a conseqüência inevitável dos acontecimentos que ocorre ram no começo de 1933, mas constituíam um provável resul tado. O nacional-socialismo foi outro produto dc híbrido que foi o impulso modernista: irracionalismo misturado com tecni cismo. O nazismo não foi apenas um movimento político; foi uma erupção cultural. Não foi imposto por uns poucos; de 383
senvolveu-se entre muitos. O nacional-socialismo foi a apo teose de um idealismo secular que, impelido por um terrível senso de crise existencial, perdeu todo e qualquer vestígio de humildade e modéstia — certamente, de realidade. Fronteiras e limites perderam o sentido. No final esse idealismo completou seu círculo, virou-se contra si mesmo e tornou-se antropófago. O que começou como idealismo terminou como niilismo. O que começou como celebração terminou como calamidade. O que começou como vida terminou como morte. Ao contrário de muitas interpretações do nazismo, que se inclinam a interpretá-lo como um movimento reacionário, como, nas palavras de Thomas Mann, uma “explosão de antiquarismo”, decidido a transformar a Alemanha numa comunidade pastoril de chalés cobertos de palha e camponeses felizes, o impulso geral do movimento, apesar de todos os arcaísmos, era futurista. O nazismo foi um mergulho de cabeça no futuro, rumo a um “admirável mundo novo”. É claro que tirou o má ximo proveito dos resíduos de desejos conservadores e utópi cos, prestou homenagens a essas visões românticas e foi buscar suas miçangas ideológicas no passado alemão, mas seus objeti vos eram, a seus próprios olhos, nitidamente progressistas. Não era um Jano de dupla face cujos rostos estivessem igualmente atentos ao passado e ao futuro, nem era um Proteu moderno, o deus da metamorfose, que duplica formas preexistentes. A intenção do movimento era criar um novo tipo de ser humano do qual surgiria uma nova moralidade, um novo .sistema social e finalmente uma nova ordem internacional. Esta era, de fato, a intenção de todos os movimentos fascistas. Depois de uma visita à Itália e de um encontro com Mussolini, Oswald Mosley. escreveu que o fascismo “produziu não apenas um novo sistema de governo, mas também um novo tipo de homem, tão dife rente dos políticos do velho mundo quanto um homem de outro planeta”.5 Hitler falava nesses termos sem cessar. O nacionalsocialismo era mais do que um movimento político, dizia; era mais do que um credo; era um desejo de recriar a humanidade.6 O nazismo implicava, talvez mais do que qualquer óutra coisa, um amor do ego, não da realidade do ego, mas do ego que é refletido no espelho. Este narcisismo foi projetado num .384
movimento político e acabou por cingir toda uma nação. O reflexo no espelho, a imagem que os nazistas tinham de si mes mos — louros de olhos azuis, fortes como o aço da Krupp, eternamente jovens, com uma vontade nieitzschiana de poder —, tal era o mito. Atrás do mito, entretanto, havia uma total inca pacidade de definir o próprio ego em quaisquer termos con vencionais. Mas no complexo narcísico, a existência se torna uma questão de estética, uma questão de transformar a vida num objeto de beleza, não da justiça ou do bem, mas de beleza. Walter Benjamin apontou nesta direção quando disse que o fascismo era a "estetização da política”.7 Mas o fascismo foi mais do que a estetização- da política: foi a estetização da exis tência como um todo. “O dia-a-dia alemão será belo”, insistia um lema nazista.8 O nazistno foi uma tentativa de mentir com beleza para a nação alemã e para o mundo. Mas a mentira bela também é a essência do kitsch.9 O kitsch é uma forma de simulação, uma forma de engano. É uma alternativa para uma realidade cotidiana que, do contrário, seria um vazio espiritual. Repre senta "divertimento” e "excitação”, energia e espetáculo, e acima de tudo "beleza”. O kitsch coloca a estética no lugar da ética. O kitsch é a máscara da Morte. O nazismo foi a expressão suprema do kitsch , de seus presságios entorpecedores da mente e manipuladores da morte. O nazismo, como o kitsch, se mascarava como vida; a reali dade de ambos era a morte. O Terceiro Reich foi a criação de "homens kitsch9*, pessoas que confundiam a relação entre vida e arte, realidade e mito, e que consideravam o objetivo da existência uma simples afirmação, desprovida de crítica, difi culdade, intuição. Sua sensibilidade se radicava na superfi cialidade, na mentira, no plágio e na falsificação. Sua arte se radicava na feiura. Tomavam os ideais, embora não a forma, da vanguarda do século XIX e do começo do século XX, e da nação alemã na Grande Guerra, e por meio da tecnologia — o espelho — adaptavam esses ideais a seu próprio objetivo. A Alemanha, o lar de Dichter und Denker* de muitas das maio-
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Poetas e pensadores.
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res realizações culturais do homem moderno, tornou-se no Ter ceiro Reich o lar de Richter und Henker* encarnação do kitsch e do niilismo.
HERÓI VÍTIMA A juventude de Adolf Hitler parece ter sido repleta de angústia, fracasso e fobias florescentes. Suas repetidas tentativas, em 1907 e 1908, de entrar, como estudante das províncias, na Academia de Artes de Viena não tiveram sucesso, e durante seis anos ele levou uma vida triste e errante na capital aus tríaca, absorvendo a atmosfera trepidante de uma cidade cuja grandeza evocava mais a glória passada do que promessas futu ras, e de uma política urbana em que uma crescente paranóia de classe média se fazia acompanhar da fuga para uma estranha mistura de estetismo e ódio. Mergulhou na arte e na música, sonhou ser um espírito livre, mas continuou dolorosamente consciente dos reveses que sofrera nas mãos da ordem estabe lecida. Se tivesse obtido algum sucesso comercial em seus esfor ços artísticos particulares, poderia ter vivido seus dias como o boêmio arquetípico que, através de talento, iniciativa e von tade pessoais, enfrenta o establishment e ganha a vida com a criatividade contracultural. Em busca de oportunidades, mudou-se em 1913 para Munique, e ali, ainda sem emprego, freqüentou as tabernas e os cafés de Schwabing, o bairro boêmio de Munique, .e as cervejarias do centro da cidade. Desde cedo, portanto, Hitler tinha certamente o tempera mento, exacerbado por suas circunstâncias sociais, para tornarse um artista da “cultura adversária”. O que lhe faltava era qualquer talento excepcional como pintor ou desenhista. Mes mo que alguns, como o arquiteto Albert Speer, o pintor e es cultor Arno Breker e o cenógrafo Gordon Craig, alegassem mais tarde que seus trabalhos revelavam um talento considerável, *
Juízes e carrascos.
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ninguém jamais sugeriu que ele tenha sido um gênio artístico em potencial, frustrado pelo establishment . A melhor nota que Hitler recebeu em arte na escola foi “bom”.1 Entretanto, seu espírito era o de um artista, e, como ele insistiria até o fim, um artista foi o que ele sempre foi. Mais tarde apenas dirigiria suas inclinações artísticas para atividades mais amplas. Trans formaria, era o que alegava, a política e a vida em arte. Foi a guerra, a Grande Guerra, que ampliou sua tela de forma tão incomensurável. Como muitos na comunidade artística, intelectual e ra dical, ele tomou a deflagração da guerra em agosto de 1914 como uma súbita libertação de restrições burguesas embrutecedoras, como a oportunidade de um novo começo, como um instrumento para provocar alguma espécie de revolução. A extraordinária foto que temos de Hitler no meio da multidão, na Odeonplatz em Munique, aplaudindo a proclamação da guerra, é muito expressiva. Ele está de pé numa das primei ras filas, o desajustado, sem amigos, sem mulheres em sua vida, sem emprego, sem futuro. Mas a expressão é de puro êxtase, radiante. Os olhos parecem brilhar. Tem um ar de ter acabado de receber — de repente, e como uma total surpresa — a informação de que todas aquelas recusas da Academia de Artes de Viena tinham sido um terrível engano, e de que ele, Adolf Hitler, de fato apresentara, com suas propostas, os mais belos trabalhos que a academia já recebera. “Para mim aquelas horas”, declarou mais tarde, pareciam uma liberação dos dolorosos sentimentos de mi nha juventude. Mesmo hoje não me envergonho de dizer que, dominado por um. poderoso entusiasmo, òaí de joe lhos e agradeci ao céu, com um coração transbordante de emoção, por ter me concedido a sorte de estar vivo num momento desses.2 No dia 3 de agosto pediu para alistar-se, apesar de sua cida dania austríaca, num regimento bávaro. A resposta veio no dia seguinte. Tinha sido designado para o 16? Regimento de Infantaria da Reserva da Baviera. “Foi”, disse ele, “com sen timentos de puro idealismo que parti para o front em 1914”.3 387
A guerra devia ser, em suas próprias palavras, "o tempo mais grandioso e inesquecível de minha experiência terrena”.4 Todas as evidências disponíveis sugerem que ele continuou a ser um solitário em seu regimento e até em silas tarefas na linha de frente, preferindo estar sozinho, recebendo pouca cor respondência enquanto seus companheiros ficavam freqüentemente soterrados pelas cartas de casa1, e recusando-se, até no Natal, quando não recebeu pacote algum, a aceitar presentes de seus colegas.5 Serviu durante a maior parte da guerra como mensageiro, levando e trazendo mensagens entre as posições do estado-maior na retaguarda e as linhas de frente. Era alta entre os mensageiros a taxa de baixas, especialmente em Flandres, Artois, Champagne e no Somme, as áreas emf que o regimento de Hitler passou a maior parte da guerra, porque muitas vezes tinham de se mover em espaço aberto para con tornar trincheiras de comunicação inundadas ou intransitáveis. Ele chegou ao front de Ypres em outubro de 1914, foi ferido na perna esquerda em outubro de 1916 e sofreu o efeito do gás num ataque britânico um mês antes do Armistício; por tanto, com a exceção de nove meses, gastos em treinamento, recuperação e licença, passou toda a guerra no serviço ativo, e todo esse tempo no inferno da Frente Ocidental. Foi con decorado três vezes por bravura, recebendo a Cruz de Ferro de Segunda Classe ainda em dezembro de 1914, um certifi cado do regimento em maio de 1918 e a Cruz de Ferro de Primeira Classe em agosto do último ano da guerra. Não foi um Erich Maria Remarque que extrapolou a experiência de alguns meses, transformando-a numa narrativa geral da guerra. Nunca houve qualquer insinuação de que Adolf Hitler tenha sido relapso ou covarde. Ele viveu a experiência da linha de frente quase do início até o fim. Investiu nessa experiência emoção, coragem e inquestio nável dedicação, obtendo dela, por sua vez, um sentimento de finalidade, integração, aceitação, e o mais alto reconhecimento de fortaleza e excelência a que um soldado alemão podia as pirar. Não é de admirar que tenha passado a considerar sua experiência da guerra como sua educação, seu treinamento para a vida, mais valioso do que qualquer número de anos de es tudos universitários, assim como não é de admirar que mais 388
tarde suas descrições dessa experiência fervilhassem de excla mações exuberantes: "poderosa impressão”, "esmagador”, "tão feliz”.6 Hitler tirou dessa experiência formativa da guerra a ins piração básica e as diretrizes organizacionais para sua visão de uma sociedade do futuro: "Só compreendendo a Fronterlebnis [a experiência do froni\ é que se pode compreender o nacional-socialismo”, disse um de seus seguidores.7 A mobili zação total da sociedade em prol de um bem metafísico maior, a pátria, iria servir como seu projeto geral de uma futura or dem alemã. As especificidades daquele bem, como os objetivos alemães durante a guerra, eram considerações secundárias, se não irrelevantes. Aquele bem não compreendia pedaços de ter ritório ou fronteiras ou indivíduos. O importante era a Idéia. O importante era o ato de afirmação, de conquista, de vi tória, de luta e de vida dinâmica na guerra. O importante era a destruição de tudo o que se interpunha no caminho desse dinamismo — os materialistas, os pedantes, os. inválidos, os irresolutos. A moralidade tradicional, equivalente à moralidade burguesa ou escrava, deixava de ter uma função nesta forja do futuro. Sua pedagogia é dura, diria Hitler. Ele queria treinar os jovens para serem violentos e cruéis, para aterrori zarem o mundo. Seriam livres — livres como animais de ra pina — esses jovens. Não apresentariam vestígio dos séculos de domesticação, de escravidão. É claro que as restrições da prática política e, mais tarde, da responsabilidade governamental levariam a recuos táticos, por vezes a uma moderação da retórica bombástica, a uma dissimulação da energia, mas a visão nunca mudaria. A expe riência de guerra, mais do que qualquer outra coisa, tornou-se o modelo de Hitler e seu reservatório de inspiração. Suas opiniões sobre a organização social — o nicho no sistema exigido de todo mundo; sobre a economia — a necessidade de auto-suficiência nacional; sobre a política — a necessi dade de eliminar a crítica subversiva e todas as manifestações decadentes de indecisão, fraqueza, pacifismo; sobre o lazer — como forma de licença do dever na linha de frente; sobre a tecnologia — como meio de liberação da esterilidade da imaginação burguesa; sobre a raça — "aprendi que a vida 389
é uma luta cruel e não tem outro objetivo senão a preser vação da espécie”;8 todas essas opiniões foram formadas pelo que ele experimentou entre 1914 e 1918. Até o uso do gás contra os inimigos do Reich se radi cava em sua experiência pessoal. O fato de ter sido vítima do gás tivera efeito traumático, física e emocionalmente. Ele, uma criatura visual, um artista dependente de seus olhos, fi cara temporariamente cego. A passagem de Mein Kampf, mui tas vezes citada pelos historiadores, mas raramente sublinhada pelos contemporâneos, assume um significado especial neste contexto: f
Se, no começo e durante a guerra, alguém tivesse subme tido ao gás venenoso cerca de doze ou quinze mil desses hebreus destruidores do povo — algo que centenas de milhares de nossos melhores trabalhadores de todas as classes e de todas as condições sociais sofreram no campo de batalha —, então o sacrifício de milhões no front não teria sido em vão.9 Hitler referia-se constantemente aos judeus como “parasitos”. E lembrava-se de que durante a guerra o instrumento mais eficaz contra os parasitos — ratos e outras pragas — tinha sido o gás. O extermínio dos judeus por meio do gás, Hitler descreveria como uma forma de “espiolhar”. Para Hitler a guerra não terminou em, 1918. Ele era simplesmente incapaz de aceitar que a experiência mais fortalécedora de sua vida acabasse em derrota. Embora, por mais de uma década, a maioria dos alemães não visse nenhuma alternativa prática à aceitação da derrota, em seus corações todos os alemães se inclinavam a simpatizar com os elemen tos radicais que pelo menos tinham a coragem de vir a pú blico negar vigorosamente que o esforço de guerra tinha sido em vão. Todos os partidos políticos de Weimar, sem exceção, atacavam o Tratado de Versalhes, mas só a direita radical afir mava ser o tratado de paz produto dos mesmos elementos domésticos traiçoeiros, mancomunados com o inimigo, que ti nham solapado o esforço de guerra alemão e apunhalado o exército vitorioso pelas costas. Se fosse possível derrubar os 390
traidores, os "criminosos de novembro”, que tinham arquite tado a derrota e criado a república da vergonha, então podiase começar a erradicar a praga que havia atacado as "idéias de 1914”, o "espírito do front” e a "comunidade das trinchei ras”. Friedrich Wilhelm Heinz, veterano da guerra e iqais tarde chefe da SA na Alemanha Ocidental, afirmava: Aquelas pessoas nos disseram que a guerra estava termi nada. Foi uma gargalhada geral. Nós mesmos somos a guerra: sua chama arde com força em nós. Envolve todo o nosso ser e nos fascina com o sedutor impulso de destruir.10 Tinha-se de voltar de algum modo àquele supremo júbilo que foi a guerra antes da derrota. Para tal, tinha-se de empregar métodos ensinados pela guerra: tinha-se de destruir. Se nos primeiros anos depois da guerra as pessoas ainda estavam chocadas com os horrores, viria o tempo, escreveu Ernst Jünger em 1921, em que a guerra assumiria o caráter dos "quadros da crucificação pintados pelos velhos mestres: uma idéia grandiosa cujo brilho domina a noite e o sangue”.11 Para os nazistas, entretanto, e para outros grupos de direita, a guerra já era uma inspiração. "O nacional-socialismo é, em seu significado mais verdadeiro, o domínio do front ”, insistiu Gottfried Feder, um dos membros originais do partido. O socialismo do nacional-socialismo, dizia Robert Ley, tinha a intenção de reproduzir a comunidade das trincheiras. Gregor Strasser, assessor de Hitler em Berlim, exaltava constantemente o soldado do front , a quem prometia liderança no novo Reich. Tudo isso era comparável à noção, sugerida por Mussolini, de uma trincerocrazia, uma "trincheirocracia”, que seria a elite do fascismo. E Hitler pessoalmente se considerava a en carnação do soldado desconhecido, a personificação daquela força anônima que tinha sido desencadeada e depois mode lada pela guerra.12 Reanimar aquele espírito e senso de compromisso era o objetivo de todos os elementos de orientação nacionalista na 391
Alemanha de Weimar, até de políticos moderados do centro, mas foram os radicais da direita que buscaram atingir esta meta da forma menos equívoca. A valorização da guerra no final dos anos vinte, com sua onda de desencanto literário, teve o efeito paradoxal de preparar o caminho para um re vide nacionalista. Em 1930, quando a depressão econômica se aprofundou, floresceu uma literatura do “redespertar nacional”. Ernst Jünger começou a ser lido com avidez. Franz Schauwecker ganhou um numeroso público. E um bando de autores nacio nalistas de menor importância também prosperou. Foi neste contexto de crescente desespero econômico e de um recémexpresso interesse pela guerra que os nazistas registraram suas formidáveis vitórias nas eleições estaduais e locais de 1929 e 1930, e especialmente nas eleições nacionais de setembro de 1930. Depois, no meio da nova respeitabilidade que o sucesso trouxe consigo, embora alguns dos pontos programáticos do partido — sobre a questão judia, por exemplo — fossem atenuados, foi apregoada para um público cada vez maior a necessidade urgente de eliminar a república da vergonha, da corrupção e da renúncia nacional, substituindo-a por uma verdadeira Volksgemeinschaft que ressuscitaria o ânimo e a unidade de 1914 e das trincheiras. A palavra Kultur era cons tantemente usada pelos nazistas para invocar o espírito da guerra., Eles se diziam legítimos herdeiros desta Kultur, de um espírito de dedicação altruísta à idéia da nação e do des tino alemão. Quando Hitler decidiu se candidatar à presidên cia da república na primavera de 1932, a única maneira que os seus adversários encontraram de contra-atacar seu apelo popular foi persuadir o velho líder da guerra Hindenburg a se candidatar mais uma vez, apesar de seus oitenta e quatro anos. Só o marechal-de-campo tinha estatura para derrotar o "cabo boêmio”. Hindenburg derrotou realmente Hitler na quela eleição, mas o apoio aos nazistas continuou a crescer. Nas eleições nacionais de julho o partido tornou-se, com 37,4% dos votos e 230 cadeiras de deputados, o maior par tido isolado a ter assento num Reichstag alemão. Seis meses 392
mais tarde Hitler foi nomeado chanceler pelo mesmo Hinden burg que fora recrutado para mantê-lo longe do cargo. Assim, finalmente, em 30 de janeiro de 1933, atingiu-se o primeiro patamar importante do rejuvenescimento da Alemanha, do des pertar nacional. Semanas depois da nomeação de Hitler, Philipp Witkop lançou uma nova edição, uma Volksausgabe ou edição po pular, das cartas de estudantes alemães que morreram na guerra. Seu novo prefácio afirmava: Estas cartas são para nós um legado para que possamos realizar aquela pátria ideal que os autores ardentemente imaginaram e pela qual sacrificaram suas vidas. Estes jovens mortos são os mártires não de uma Alemanha per dida mas de uma nova Alemanha, da qual nos tornaremos os criadores e os cidadãos. Assinalava que as cartas continham uma "verdade pessoal e histórica indubitável”, muito mais profunda do que a que se podia aprender em qualquer romance ou história da guerra. E acrescentava: Nestes dias de autoconsciência nacional nós nos incli namos diante desses estudantes e juramos pela sua me mória que eles não morreram em vão, que cumpriremos seu testamento e que, através de incessantes esforços, $eremos dignos deles.13 Christopher Isherwood descia a Bülowstrasse em Berlim pouco depois que os nazistas assumiram o poder quando .ssistiu a um assalto nazista a uma editora liberal. Livros eram colocados num caminhão e os títulos lidos em voz alta. “Nie wieder Krieg”, gaitou um camisa-parda, segurando o livro por uma ponta com dedos rígidos e compridos. "Guerra nunca mais!” repetiu uma mulher gorda e bem vestida, com um sel vagem riso de desprezo. "Que idéia!”14 Quatro anos mais tarde Thomas Mann refletia sobre todo o empreendimento nazista: "Se a idéia da guerra, como fim 393
em si mesma, desaparecesse, o sistema nacional-socialista per deria. .. totalmente o sentido.”5
A ARTE COMO VIDA
O nazismo foi uma variante popular de muitos dos impulsos da vanguarda. Expressava em nível mais popular muitas das mesmas tendências e propunha muitas das mesmas soluções que a vanguarda propunha no nível da "arte elevada”. Acima de tudo, como os modernos que dizia desprezar, o nazismo tentava unir subjetivismo e tecnicismo. Q nazismo tomou como seu ponto de partida o ser sub jetivo, o sentimento, a vivência, Erlebnis, ao invés da razão e do mundo objetivo. Esse mundo objetivo foi simplesmente descartado. Não oferecia nenhuma esperança, nenhum calor, nenhum consolo. Quando Hitler retornou da guerra, não tinha emprego, terra natal, profissão, sequer um endereço. Em ter mos convencionais era um nada, uma nulidade. Tudo o que possuía de positivo era a convicção de seus méritos como artista e sua experiência de guerra. Não era capaz de se de finir em termos sociais normais; só podia fazê-lo em termos de emoções pessoais e de estilo — um senso estético sobre o modo como as coisas devem ser feitas e a maneira pela qual se deve dar sentido à vida. Foi o estilo de Hitler, seus talentos de orador e sua extraor dinária capacidade de transmitir emoções e sentimentos em seus discursos, que o levaram à liderança do andrajoso par tido de desajustados e aventureiros a que aderiu em Munique em 1919 e que se autodenominava Partido dos Trabalhadores Alemães. As idéias que ele e o partido expeliam eram todas esfarrapadas; não passavam de jargão herdado da paranóide política de fronteira austro-germânica da era pré-1914, que via a "germanicidade” ameaçada de ser tragada por "naciona lidades súditas”. Até a combinação "nacional-socialista”, que Hitler acrescentou ao nome do partido quando se tornou líder em 1920, foi um empréstimo tomado da mesma era e das 394
mesmas fontes. Não foi a substância — não havia substância alguma nos discursos frenéticos e neuróticos — que permitiu ao partido sobreviver e mais tarde crescer. Foi o estilo e a atmosfera. Foi sobretudo o teatro, a “arte” vulgar, as produ ções grand guignol das cervejarias e da rua. Foi a provocação, a excitação, o frisson que o nazismo era capaz de criar com as brigas, o suor, as canções, as saudações. O nazismo, quer o indivíduo usasse soqueira de latão e carregasse um cassetete de borracha, quer se limitasse a participar de modo indireto, batendo imaginariamente em comunistas e judeus, era ação. O nazismo era envolvimento. O nazismo não era um partido; o nazismo era um evento. No início, para despertar o sentimento de vinculação, de “comunidade”, o partido começou a enfatizar, acima de qual quer outra coisa, a importância do ritual e da propaganda — as bandeiras, as insígnias, os uniformes, a pompa, as sauda ções padronizadas, as declarações de lealdade e a interminável repetição de slogans. O nazismo foi um culto. O apelo dirigiase estritamente à emoção. O ataque concentrava-se nos sen tidos, principàlmente visuais e auditivos. A palavra falada ti nha precedência sobre a escrita. Dava-se mais importância ao drama, à música, à dança, e mais tarde ao rádio e ao cinema, do que à literatura. O nazismo foi um espetáculo grandilo quente, desde o começo até o fim. Num país devotado há sé culos a seus “poetas e filósofos”, tudo isso era novo. Quando o legislativo, eleito em 5 de março de 1933, teve de buscar um novo.lugar de reunião, porque o edifício do Reichstag fora incendiado durante a campanha, a escolha recaiu na casa. da Ópera Kroll. Tal escolha não foi acidental, nem certamente uma questão de mera conveniência, espaço e capacidade de acomodação. A política se tomaria “verdadeiro” teatro, em oposição à pose solene da era democrática. Durante a guerra de 1939-1945, enquanto aumentavam os bombardeios dos Alia dos sobre as cidades alemãs e a correspondente destruição, Hitler insistia na imediata reconstrução de teatros e óperas como prioridade máxima. À sugestão de que o ânimo e o moral da população exigiam outras prioridades, Hitler repli cava: “Os espetáculos teatrais são necessários exatamente por que é preciso manter o moral do povo.”1 Do começo ao fim 395
o Terceiro Reich foi um teatro absorvente e espetacular. Isso é o que ele pretendia ser. O mito tomou o lugar da história concebida objetiva mente. O mito, disse Michel Tournier, é “a história que todo mundo jà conhece”.2 Como tal, a história se torna mero ins trumento do presente, sem qualquer integridade própria. Em bora não fosse tão ignorante do detalhe histórico quanto freqüentemente se afirma, Hitler submetia esse detalhe, e o pas sado como um todo, ao teste de sua experiência pessoal. Todos os conceitos históricos eram arrastados para essa experiência — a nação, o Estado, a política, a cultura, a sociedade e a economia. Sua experiência pessoal tornava-se a estrela-guia da vida, tanto nacional como internacional. Quando o fim estava próximo, ele perdeu o interesse pela história, até pela car reira de Frederico o Grande, cujas vitórias miraculosas, arre batadas às garras da derrota, tinham lhe dado muito consolo, particularmente quando lidas na versão de Thomas Carlyle. “Mesmo os meus exemplos históricos não o impressionam muito”, escreveu Goebbels em seu diário no dia 21 de março de 1945.3 A história se tornou, portanto, mera extensão da personalidade e do destino de Hitler. Neste cor^exto o ato tomou o lugar da deliberação, a ação substituiu a ética. O programa do partido, os chamados Vinte e Cinco Pontos, lançado em 1920 e mais tarde proclamado imutável, era mais um ato declamatório do que uma declara ção de princípios e metas. Tratava-se de um gesto propagandístico e tático, e todas as subseqüentes declarações de imuta bilidade foram atos do mesmo teor. O importante era o ato, a declaração, o pronunciamento teatral, e não o conteúdo. O mesmo se podia dizer dos discursos de Hitler. Também eram mais atos do que discursos no sentido tradicional. Não é de admirar que Hitler insistisse em afirmar que o NSDAP era mais um “movimento” do que um partido. Partidos estavam ligados a regras, plataformas e agendas. Ao contrário, a pró pria essência do nacional-socialismo era um movimento perpé tuo, vitalismo, revolta. O próprio Hitler personificava esta imprecisão. Parecia congenitamente incapaz de uma rotina de trabalho metódica. Era famoso por faltar a compromissos, por tratar a papelada de modo desleixado e por trabalhar em horas 396
inusitadas — ficando acordado até o amanhecer e dormindo até tarde —, o que deixava esgotado seu círculo mais íntimo. Também se atribuía esse estilo, como o cabelo rebelde caído na testa, ao artista que havia nele. A proposta nietzschiana de “viver perigosamente” tornouse o único mandamento do nazismo. Viver perigosamente signi fica, é claro, atrair conscientemente a objeção e a resistência, transgredir normas sociais reconhecidas, rejeitar a moralidade herdada. Viver perigosamente significa não aceitar nunca o status quo; significa fazer constantemente o papel de adver sário; significa exagerar, provocar. Significa conflito perma nente. “O nazismo é”, disse Hitler, “uma doutrina do conflito”. Nessa Weltanschauung, a piedade, a compaixão, o Sermão da Montanha, tudo se torna relíquia. A piedade nada mais era do que sentimentalismo burguês, disse Goebbels, uma expres são da desigualdade que a comunidade nazista estava elimi nando. A literatura burguesa de desencanto pela guerra cha furdava na compaixão. Se esse tipo de memória da guerra e se a decadência burguesa em geral deviam ser superados, não podia haver lugar para a piedade. Em sua fase fascista, Ezra Pound também escarneceu da compaixão. E Yeats, ao orga nizar a edição de The_ Qxford Book of Modern Verse, não demonstrou tolerância para com um sentimento tão ignóbil como a piedade. Excluiu Wilfred Owen, que tinha dito de seus versos: “A poesia está na compaixão.” Para Yeats, a verda deira arte não podia se radicar num sentimento tão ignóbil quanto a compaixão. O . conceito titânico em ação aqui não é “um heroísmo da vontade”, como se alegava, mas um “heroísmo do absurdo”, um monumental egocentrismo que excluía compromisso, de bate, conciliação — qualquer reconhecimento, em suma, de uma existência dialética de “Eu e Tu”, de um mundo objetivo que estimula constantemente o desenvolvimento do caráter e da personalidade através das reações que provoca. Agora es tava-se num reino da ilusão que inventava o mundo exterior à sua própria imagem. Se a tendência do modernismo, desde suas raízes no romantismo, era “objetificar o subjetivo”, tra duzir em símbolo a experiência subjetiva, o nazismo tomou esta tendência e transformou-a numa filosofia geral da vida 397
e da sociedade. Para o colaboracionista francês Robert Brasillach, o fascismo era poesia — "a poesia do século XX".4 Para Hitler, a vida era arte, o movimento hitlerista, um sím bolo. No "dia de Potsdam”, a abertura oficial, magnificamente encenada, da nova sessão dò Reichstag em 21 de março de 1933, quando Hitler, o cabo austríaco pequeno-burguês, aper tou a mão de Hindenburg, o aristocrático marechal-de-campo prussiano e presidente do Reich, sobre o túmulo de Frederico o Grande, o novo chanceler atribuiu à arte a responsabilidade de gerar o fenômeno redentor que era o nacional-socialismo. Da arte surgia "o desejo de uma nova ascensão, de um novo Reich e, portanto, de uma nova vida".5 O esforço alemão em ambas as guerras, e a luta de seu próprio partido para ser aceito, Hitler igualaria à "beleza".6 Ele se considerava a en carnação do tirano-artista que Nietzsche havia preconizado, o executor da "ditadura do gênio" pela qual Wagner suspirara. Ao tratar da política externa, vangloriou-se de ser "o maior ator de toda a Europa”. Sua malignidade pode ter sido banal no fim das contas, mas, não menos que Tosca, ele podia dizer que viveu para a "arte”.
O MITO COMO REALIDADE
O fascismo, em sua forma alemã e em outros formatos, era certamente uma realidade política, mas era uma realidade po lítica que emanava de uma disposição de espírito. As consi derações econômicas e sociais ajudaram naturalmente a criar esse estado de espírito, mas foi, em última análise, o vazio existencial, e não interesses materiais específicos, que deter minou a reação. O nazismo não foi apenas um sistema coer citivo imposto ao povo por traficantes do poder, menos ainda por industriais, financistas ou elites reacionárias. O terror e a violência foram na verdade instrumentos políticos do sistema, mas, apesar de sua eficácia em reprimir uma séria oposição — pelo menos até julho de 1944, quando Hitler escapou por um triz de um atentado contra sua vida —, não foram fatores 398
essenciais à aceitação do nazismo pela grande massa dos ale mães. Em 1933 Goebbels tinha dito que havia duas maneiras de tratar a "revolução”: Pode-se atirar na oposição com metralhadoras até eles reconhecerem a superioridade dos artilheiros. Este é o método mais simples. Mas pode-se também transformar a nação por meio de uma revolução mental, vencendo dessa forma os opositores sem aniquilá-los. Nós, nacionalsocialistas, adotamos o segundo método e pretendemos continuar a empregá-lo.1 Os alemães não eram forçados a se tomar nazistas. Mas eram atraídos pela força do movimento. A SS, a Gestapo e outros órgãos policiais e de segurança na Alemanha, embora extremamente eficazes em eliminar e destruir a oposição potencial, eram, para a maioria dos ale mães, antes símbolos da vitalidade do regime do que instru mentos práticos indispensáveis à sua segurança. Da mesma forma, a guerra, quando finalmehte aconteceu, não foi o re sultado de uma trama de mestre executada resolutamente por um maquinador magistral, mas o produto inesperado — na quele momento particular — de um dinamismo irreprimível que trazia consigo o confronto inevitável. Os alemães esta vam convencidos de que a guerra em 1939 era uma questão de sobrevivência, uma continuação fatal do conflito de 19141918. Ou a Alemanha se afirmava, territorial e politicamente, na Europa, ou seria destruída. Tais eram as alternativas apre sentadas aos alemães não só por Hitler, mas, assim se pensava, pelos britânicos, franceses e russos, entre outros; em suma, pelas realidades históricas e geopolíticas. Em conseqüência, esta fase do conflito, que começou em setembro de 1939, foi recebida com resignação estóica, em contraste com a exube rância de agosto de 1914; mas nunca houve dúvida quanto à lealdade dos alemães. Lutaram na aguerra, com determinação, convictos de que sua existência estava em jogo. Poder mun dial ou extinção pareciam as únicas possibilidades. Entretanto, se a violência e o terror não eram instrumen tos indispensáveis de controle social no Terceiro Reich, eram 399
atributos essenciais do culto nazista. Glorificava-se a violência. O terror, como tudo o mais, foi transformado numa. forma de arte. Os nazistas mais ardorosos se deliciavam com a estética do assassinato. Depois do atentado à sua vida em julho de 1944, Hitler mandou que as execuções dos conspiradores fos sem filmadas para seu próprio prazer visual — corpos ator mentados pelas contorções mais torturantes pendendo de gan chos de açougue. Mais tarde Goebbels fez questão de que estes filmes fossem exibidos em público. Certamente destinavam-se a intimidar os opositores do regime, mas, ao mesmo tempo, pretendiam transmitir uma idéia da determinação e crueldade do nazismo. O colega de Hitler, Mussolini, e o fascismo italiano como um todo também estetizavam a violência. “Quando a Itália atacou a Etiópia em 1935 e, com bombardeiros e armas mo dernas, combateu os nativos armados muitas vezes apenas com lanças, escritores fascistas competiram entre si para evocar as “belezas” desse conflito. “Você quer lutar? Matar? Ver rios de sangue? Montões de ouro? Multidões de prisioneiros? Es cravos ? ” perguntou D ’Annunzio.2 “A guerra é bela”, berrou Marinetti por seu lado, “porque combina ò fogo de artilha ria, os canhoneios, as pausas, os cheiros e o fedor da putre fação numa sinfonia”.3’ O tema da morte exercia um domínio poderoso sobre a imaginação fascista. Grande parte do ritual nazista era reali zado à noite: tochas e piras tinham um papel importante no aparato da liturgia. As mais grandiosas cerimônias nazistas pareciam consistir em depositar coroas de flores, celebrar os heróis ou mártires, fossem eles Frederico o Grande, as vítimas da guerra, os mortos do partido no putsch de Munique de 1923 ou Horst Wessel. “Propaganda do cadáver” foi como Harry Kessler descreveu esse aspecto do nazismo.4 Um critério decisivo para a arquitetura nazista, insistiu Hitler, seria sua capacidade de sobreviver como ruína, igual às pirâmides de Luxor, e assim inspirar terror. Os prédios nazistas deviam ser mausoléus, quer tivessem realmente essa destinação ou não. E o que dizer da chamada ideologia do nazismo? Visto que o nazismo era, acima de tudo, apesar de sua fascinação pela morte, uma questão de “vivência”, uma busca de auten 400
ticidade, as especificidades do “programa” sempre foram su bordinadas à noção do movimento como energia, do conflito como liberação. Importava o confronto constante, uma pos tura inflexível de adversário, não os detalhes dessa postura. Assim o partido antes de 1933 e depois o governo do Ter ceiro Reich foram palco de uma discórdia extraordinária, carac terizada por centenas de ciúmes mesquinhos, rivalidades, desen tendimentos e uma caótica disputa de poder e influência. Goebbels desprezava Goering; Goering odiava Hess; todos eles abominavam Rosenberg; e assim seguia a voragem inter minável de rancores e animosidades intestinas. Ao contrário das impressões superficiais de unidade monolítica centrada no Führer e de eficiência, se não magia, administrativa, o partido e o Reich representavam uma “anarquia autoritária”.5 O movimento revelava contradições notáveis entre as afir mações programáticas e a prática política. O campesinato era anunciado como o “princípio vivificante da nação”, mas o des povoamento das áreas rurais continuou e a Alemanha tornouse de fato mais urbanizada durante o Terceiro Reich. Apesar das promessas de dar a cada alemão “uma pequena casa no campo”, os planos de construção nazistas se concentraram quase exclusivamente na arquitetura urbana monumental. As mulheres deviam ficar em casa e dedicar-se a seu papel de mães, mas, mesmo antes da deflagração da guerra em 1939, havia mais mulheres na força de trabalho do que até então. O pequeno empresário devia prosperar no Terceiro Reich, mas na realidade os negócios e a indústria tornaram-se mais con centrados. As contradições, como as animosidades, eram inu meráveis. Para um observador de fora, talvez a mais irônica das afirmações nazistas tenha sido a tese sobre a raça. Que a supremacia da raça ariana fosse proposta por seres como Hitler, Goebbels, Goering e o resto era simplesmente ridículo. Tomese Hitler, com seus cabelos escuros, oíhos pequenos, testa es treita, largas maçãs do rosto, gestos efeminados com as mãos, o queixo sempre prestes a se dissolver num tremor irrefreável; ou Goebbels, o “superanão” extraordinariamente feio, do pé torto; ou Himmler, o criador de galinhas que usava monóculo, veterinário fracassado, que parecia uma caricatura das cari401
caturas hollywoodianas dos nazistas; ou Goering, o bufão com ar de tio indulgente; ou Ley, o bêbado cheio de varizes que recebeu o apelido de “o beberrão do Reich”; ou Rosenberg, de quem até os colegas não paravam de troçar, dizendo que parecia judeu; ou Streicher, o bávaro imbecil, sádico e conhe cedor de pornografia. O “higienista racial” Max von Gruber declarou em 1924 que a aparência de Hitler era certamente não-nórdica, sugerindo antes a estirpe alpino-eslava.6 O resto da hierarquia nazista era igualmente inconvincente como pro paganda de pureza racial. Mas nenhuma dessas contradições ou ironias parecia ter importância. A energia e a fé fanática invocadas por Hitler anulavam todas elas. A fé nazista não tinha outra direção ou definição real além de sua vulgar afirmação do ego. Tal fé se voltava para a “nação”, mas seu lugar era o indivíduo. Embora a eugenia tivesse sido acrescentada aos currículos de escolas e univer sidades, o tema não conseguia fugir a seus argumentos cir culares. O arianismo resistia a uma definição e era pouco mais do que um artigo de fé. A teoria nazista da raça superior, com sua ênfase em protótipos fabulosamente belos, jovens e donzelas perfeitos, não passava de uma estetismo banal. Uma noção simples e estúpida de beleza era só o que havia no cerne do arianismo. O racismo tem relação com o narcisismo, e havia uma semelhança extraordinária nos caminhos seguidos por Maurice Barrès na França, Gabriele d’Annunzio na Itália e Hitler. Eram todos egocêntricos míopes e frustrados que, para tomar emprestada a terminologia de Barrès, pareciam transitar de um culte du moi a uma preocupação com Vénérgie nationale. De fato, a aparente passagem do estetismo para o nacionalismo constituía apenas uma reordenação da termino logia, em vez de uma mudança de foco, uma transferência egomaníaca das próprias ilusões do ego para a nação. E os judeus? Nietzsche tinha observado que o anti-semi tismo era a ideologia daqueles que se sentiam enganados. O judeu era o bode expiatório mais conveniente e mais visível que havia na cultura cristã ocidental para explicar os males e fracassos da sociedade e dos indivíduos. O judeu tinha afi nal matado Jesus Cristo; portanto, o judeu devia ser o Anticristo. Mas um ressentimento tão geral, predominante na so 402
ciedade ocidental durante séculos, não explica as dimensões da perversidade nazista para com os judeus e não pode co meçar a explicar o Holocausto. Neste ponto, mais uma vez, a noção de transferência é útil. Se um nacionalismo racial consistia numa projeção da fantasia e ilusão pessoal no nível nacional, o anti-semitismo era, de modo análogo, uma pro jeção do profundo ódio e dúvida de si mesmo sobre o judeu. O modelo de Hitler, Karl Lueger, prefeito de Viena, disse certa vez: “Eu decido quem é judeu.” O judeu, em outras palavras, tornou-se uma função negativa do ego. Para Hitler, o judeu acabou associado a todos os instintos' obscuros de sua própria personalidade e sexualidade. O motivo sexual em seu anti-semitismo, em seus discursos bombásticos sobre os judeus, é inconfundível. Eles são os portadores da sífilis, os organizadores da prostituição, os morenos e peludos poluidores da raça escondidos nas sombras, à espreita de ví timas louras, virginais e de olhos azuis. Se Hitler tinha um ou dois testículos, se de fato era um “ondinista” ou coprófilo que sentia prazer sexual quando as mulheres urinavam ou defecavam sobre ele, como alguns alegaram com base em provas um tanto insuficientes, é em si mesmo incidental. Mas não há dúvida alguma de que Hitler projetava seus próprios fracassos e culpa, sexuais ou de outra natureza, sobre os ju deus. O “inimigo universal” representava o que ele mais odiava em si mesmo.7 Em termos tanto pessoais como sociais Hitler foi um fra casso. Nada nele era natural ou 'franco. Não tinha senso de humor, vivia sempre desajeitado, sempre representando. Até seu erotismo, disse Putzi Hanfstaengl, era “puramente operístico, nunca operativo”.8 Tudo nele era artificial e sub-reptício. Era incapaz de amizade, amor ou até de um sorriso verda deiro. A autenticidade que ele apregoava à nação lhe era com pletamente estranha e atemorizadora. Se lhe provocavam o riso, sempre punha a mão na frente do rosto. Tomava pílulas para gases, pois ficava apavorado com a idéia de soltar tra ques. Mudava a roupa de baixo três vezes ao dia. Tudo era símbolo, substituição, abstração. No centro, nada havia, um vazio total. Só um público podia dar significado a Hitler; ele próprio não tinha nenhum. 403
Para a escuridão se tornar luz, o judeu, símbolo da es curidão, tinha de ser eliminado. Quando Walther Rathenau, ministro das Relações Exteriores judeu, foi assassinado em junho de 1922, os jovens responsáveis programaram o ato para coincidir com o solstício de verão. O judeu, agente da escuri dão, foi sacrificado ao deus solar germânico. Hitler pensava em termos semelhantes. Que forma a “eliminação” ou “extir pação” — Hitler empregava a palavra Entfernung — tomaria não estava definido durante os anos vinte e trinta e mesmo no início da guerra. Reassentamento, em Madagáscar, numa região da Polônia ou na Sibéria, e isolamento em guetos eram propostas discutidas. Mas quando, na segunda metade de 1941, depois que a Grã-Bretanha se recusou a capitular e depois que o ataque alemão à Rússia foi detido, surgiu a possibi lidade de o nazismo não alcançar seus objetivos no leste, o processo de transferência seguiu seu curso lógico. O que até o fim de 1941 não passara de matança esporádica de judeus russos e da Europa Oriental transformou-se em chacina siste matizada. Em Auschwitz os assassinatos em massa começaram em fevereiro de 1942. À medida que se acumulavam os fra cassos militares, o ritmo do genocídio se acelerava. Quando os exércitos russos avançaram sobre a Alemanha em 1944 e no início de 1945, o “problema judeu” teve precedência sobre tudo o mais; para Hitler e seus sequazes tornou-se mais im portante do que a preservação da Alemanha. Em 14 de março de 1945 Goebbels anotou em seu diário a “grotesca impressão” gerada pela notícia de que os judeus palestinos tinham convocado uma greve de um dia em soli dariedade aos judeus da Europa: Os judeus estão fazendo um jogo sujo e irrefletido. Nin guém pode dizer com certeza que nações estarão do lado perdedor e quais as que estarão do lado vencedor no fim da guerra; mas não há dúvida de que os judeus serão os perdedores.9 Dado o massacre generalizado de judeus europeus que ocorria no exato momento em que Goebbels escrevia, a anotação é totalmente incompreensível a menos que se substitua “judeus” 404
por "nazistas”. O judeu era o representante de tudo o que o nazista se recusava a aceitar sobre si mesmo. Eram os nazistas que estavam fazendo o “jogo sujo e irrefletido”, e em março de 1945 já não podia haver “dúvida” de que seriam os na zistas “os perdedores”. No final, o processo de inversão que caracterizava o nazismo fez com que a luz se transformasse em escuridão. Na bandeira nazista, a suástica, símbolo solar, era preta. A maneira pela qual Hitler executou a “solução final” foi monomaníaca mas eficiente. Havia uma gigantesca e im pessoal burocracia da morte — a burocracia final — que tal vez abrangesse uns oitenta mil “empregados”. Cada um tinha uma tarefa determinada para cumprir, e poucos eram clara mente informados do objetivo da tarefa, exceto em termos vagos e eufemísticos. Maquinistas de trem, encarregados da manutenção das ferrovias, guardas dos campos e “cientistas” faziam seu trabalho como teriam feito qualquer outro. Goebbels anotava freqüentemente em seu diário que o sigilo era essen cial para a eficiência. A tecnologia da destruição era desenvoj^ida com entusiasmo. O envenenamento por gás, primeiro em vagões móveis e depois nas câmaras de gás e nos crema tórios dos campos, logo substituiu os fuzilamentos em massa. A obsessão com a eficiência no extermínio dos judeus foi o clímax da preocupação geral do regime com a técnica. Este era o outro lado da moeda da vida como mito. Enquanto prosseguia a viagem interior, enquanto se acentuava a fan tasia, havia uma correspondente intensificação da técnica. Sem a ênfase na técnica, a ascensão de Hitler ao poder é inconcebível. O zelo em realçar o apelo do ritual, a obsessão da propaganda e o interesse pela tecnologia e pelas aplica ções, em contraste com a substância, da ciência, tudo se en caixava nessa rubrica do tecnicismo. A “amizade” que Hitler tinha com Albert Speer baseava-se na fascinação dos dois pelos instrumentos do poder. Speer criou os palácios de luz impressionantemente eficazes para os comícios-monstros dé Nuremberg, projetou vários dos edifícios monumentais do Reich, fez planos para uma futura Berlim, e mais tarde, du rante a guerra, tornou-se Ministro das Munições. Da mesma forma, o relacionamento produtivo que Hitler teve com Leni 405
Riefenstahl, a cineasta que, especialmente em O triunfo da vontade, evocou a "beleza*.do nazismo, provinha de uma fas cinação conjunta pela “arte” do controle social. A propaganda não éra para Hitler apenas um mal neces sário, uma questão de mentiras justificáveis, de exagero permissível. Para ele, a propaganda era uma arte. Mais uma vez foi a experiência da guerra que o convenceu disso. O aparato propagandístico do partido e mais tarde do regime era, por isso, verdadeiramente impressionante, e mesmo aterrador. O partido e sua propaganda se fundiram: tornaram-se indistinguí veis. Essa espécie de fusão de técnica e substância foi também a base do Führerprinzip, o princípio de chefia: o chefe e os comandados passaram a ser uma coisa só. Não é de surpreen der que, inicialmente no partido e depois no Terceiro Reich, os técnicos e os administradores passassem para o primeiro plano. Sentiam-se muito atraídos pela idéia do nacional-socia lismo, e o nazismo, por sua vez, se tornou em grande parte um movimento de técnicos, de uma espécie ou de outra. A fascinação nazista pela técnica afetou todos os aspectos da organização social e da vida institucional no Terceiro Reich, sobretudo o militar. Hitler considerava “degenerada” a ma neira pela qual a Grande Guerra fora travada, com formações em massa e ataques frontais diretos. Essa forma de guerrear não voltaria a acontecer, ele prometia. A próxima guerra seria bem diferente, o que foi sem dúvida alguma. Foi uma guerra de movimento, de divisões mecanizadas, uma Blitzkrieg , pre parada cuidadosamente de antemão.* Tanques e aviões foram a chave dessa guerra, dirigida em grande parte pessoalmente por Hitler devido a suspeitas firmemente inculcadas sobre a falta de confiabilidade do alto comando. A importância das “comunicações” para o seu movimento despertou a curiosidade de Hitler pela tecnologia de transporte e informação, o que o levou a se associar aos avanços nessa área. Era freqüentemente fotografado na sua Mercedes-Benz e gostava da sensação de dirigir, quase sempre em alta veloci dade, no meio de multidões. Nos monólogos que mantinha com seus assessores discorria horas a fio sobre a arte de dirigir um automóvel. Considerava a rede de estradas de rodagem que tinha construído na Alemanha uma de suas maiores reali 406
zações e legados, dizendo que “os primórdios de toda civili zação se expressam em termos de construção de rodovias”. A construção de rodovias, em contraposição a ferrovias, que pertenciam ao século passado, seria uma primeira prioridade numa Rússia conquistada. A este respeito, ele fez um comen tário particularmente notável sobre as Autobahnen: “Mesmo nas áreas mais densamente povoadas elas reproduzem a atmos fera dos descampados.”10 A tecnologia, é claro, era um meio de escapar dos confins da realidade, um modo de liberar a imaginação. Por essa razão, voar também despertava sua curiosidade, ainda que seu estômago tolerasse menos a sensação do que sua mente. Um dos mais bem-sucedidos slogans nazistas foi o da campanha da eleição presidencial de 1932: “Hitler so bre a Alemanha.” Baseava-se evidentemente no freqüente uso do avião no turbilhão de sua campanha naquela primavera. Voou cerca de quarenta e oito mil quilômetros e falou em aproximadamente duzentos comícios. Foi o primeiro político a empregar o avião de forma tão ampla. O ar, como arena de combate, naturalmente também inte ressava a Hitler, assim como atraíra a atenção dos soldados de infantaria da Grande Guerra, e a Luftwaffe tornou-se, de pois de spa. criação em 1935, em franca contravenção ao Tra tado de Versalhes, um ramo favorecido das forças armadas. Hitler queria a maior força aérea do mundo e os melhores pilotos. Considerava a guerra aérea uma forma germânica de combate.11 Ouando demonstrou interesse em visitar a Alemanha, Charles Lindbergh foi recebido de braços abertos, em 1936 e novamente em 1937 e 1938, não só por causa dos benefí cios propagandísticos que o regime lucraria com tais visitas mas devido a um respeito genuíno pelo ás da aviação. Em outubro de 1938, por ocasião da terceira visita do aviador, Goering condecorou Lindbergh com a Cruz de Serviços da Águia Alemã, “por ordem do Fíihrer”. A admiração era recí proca.. Em 1938 Lindbergh pensou seriamente em fixar resi dência em Berlim, e não há dúvida de que pelo menos parte de suas razões para advogar a neutralidade americana depois da deflagração da guerra provinha de uma simpatia pelo fas407
cismo. Ele considerava as democracias ocidentais degeneradas e incapazes de competir com a Alemanha. Sua mulher, Anne, iriã publicar em 1940 um eloqüente opúsculo antiintervencionista, The Wave of the Future, escrito no estilo dela mas con tendo idéias que refletiam as opiniões do marido. O livro argumentava que o fascismo era exatamente isto, a onda do futuro, e que, apesar das brutalidades de que se revelara capaz para se estabelecer, suas idéias eram corretas. O fas cismo constituía a única alternativa ao comunismo, a outra manifestação do futuro político. Resistir ao nazismo era re sistir à mudança, e "resistir à mudança é pecar contra a pró pria vida”.12 Quando a escuridão envolveu a Alemanha em 1945, Goebbels mesmo então via em Lindbergh um. lampejo de esperança. "O isolacionismo”, anotou no seu diário em 22 de março, referindo-se aos Estados Unidos, "está levan tando a cabeça de novo. Além disso, o coronel Lindbergh volta à atividade política”.13 Mussolini, Mosley e outros líderes fascistas também se enamoraram da tecnologia. Mussolini adorava voar. Mosley, depois de um período nas trincheiras, servira no Royal Flying Corps. Em comparação, os líderes das democracias "decaden tes” eram tecnologicamente antediluvianos. Neville Chamber lain e Sir Horace Wilson voaram pela primeira vez quando foram a Munique em 1938 negociar a questão dos sudetos.14 O rádio e o cinema desempenharam papel indispensável na consolidação do Terceiro Reich. A compra de aparelhos de rádio, ou "receptores do povo” (Volksempfänger ) , como eram chamados, era subsidiada pelo Reich. A produção cinemato gráfica foi centralizada e encorajada. Hitler era um espectador ávido, preferindo, como diversão, os filmes- à literatura. Enquanto os anos passavam dava-se atenção cada vez maior à encenação das comemorações do partido, particular mente aos comícios-monstros anuais de setembro em Nurem berg. Estes tornaram-se as pièces de résistance do ciclo de ^festas nazistas. "Durante sete dias no ano”, como disse François-Poncet depois de finalmente assistir à encenação de um desses festivais, "Nuremberg tornava-se uma cidade dedicada aj folias e loucuras, quase uma cidade de convulsionários” 15 O entusiasmo era despertado por uma meticulosa atenção aos 408
detalhes: desfiles de alta precisão, florestas de bandeiras, dis cursos catequéticos cuidadosamente ensaiados. Por último, vi nha Hitler. Seu discurso final era cronometrado para terminar quando a noite caísse. O comício-monstro se encerrava sob o encanto mágico da “catedral de gelo” de Speer: centenas de holofotes apontando para o céu. Da grandiosidade do comício a que assistiu, Nevile Henderson disse: “Passei seis anos em São Petersburgo antes da guerra, nos bons tempos do antigo balé russo, mas nunca vi um balé que se comparasse à beleza grandiosa desse espetáculo.”16 Não foi por acaso que foi le vado a fazer essa comparação. Albert Speer, que planejava os efeitos visuais dos comícios, interessava-se muito pelas teo rias coreográficas de Mary Wigman.17 As idéias dela a respeito de “coros de movimento” que deviam “conquistar o espaço” sofreram por sua vez a influência de Émile Jacques-Dalcroze, de quem já falamos antes, e de Rudolf von Laban, que se tornou mestre de balé dos teatros estatais prussianos. Todas essas pessoas tinham trabalhado com os russos ou haviam sido por eles estimuladas. Mas onde situar Hitler, o indivíduo, em relação ao fenô meno nazista como um todo? Deve-se dizer que o brilho diabó lico de sua perversidade não tem paralelo, e que é na ver dade impossível imaginar que o movimento teria sido o mesmo sem sua marca carismática. Certamente ninguém, mais na hierar quia nazista exerceu influência que mesmo de longe se apro ximasse da sua ou demonstrou possuir magnetismo que supor tasse comparação com o seu. Mas dito isto, Hitler continua a ser inegavelmente a criação do seu tempo, um produto mais da imaginação alemã do que, a rigor, das forças econômicas e sociais. Nunca foi considerado, em primeiro lugar, como o agente potencial da recuperação econômica e social — esta foi uma interpretação post facto —, mas antes como um símbolo de revolta e contra-afirmação por parte dos deserdados, dos frustrados, dos humilhados, dos desempregados, dos ressen tidos, dos raivosos. Hitler representava protesto. Era uma cons trução mental no meio da derrota e do fracasso, da inflação e da depressão, do caos político interno e da humilhação inter nacional. Diante de seu pódio de orador, como observou Joachim Fest, as massas realmente celebravam a si mesmas.18 409
Hitler produzia milhões de pequenos clones na religiosidade orgiástica de seu movimento. Apelava para a imagética do homem comum. Ele, Hitler, como dizia freqüentemente em seus discursos, era um “vagabundo solitário vindo do nada”. Era o “soldado desconhecido”, o “guerreiro anônimo”, o “tra balhador”, o “homem do povo”. Sua indumentária era sempre austera. Seus discursos não tinham lugar para piadas ou frivo lidades. E ele sabia da vantagem política de não se casar. Uma dedicação sincera era o que pretendia sugerir e o que evocava em seu público. E as multidões reagiam em êxtase, testemunhas de uma visão sagrada. Mas, em tudo isso, a ne cessidade e a imaginação da massa engendravam a realidade de Hitler. E até hoje, com seus poderes evocativos, como sím bolo do gênio do “mal”, ele continua a ser uma criação de nossas imaginações. Ele é de fato, como afirmou o absorvente filme de Syberberg no final dos anos setenta, o “nosso Hitler”.19 Ele é antítese. Supremo artista kitsch, encheu o abismo de sím bolos de beleza. Transformou a vítima em herói, o inferno em céu, a morte em transfiguração. A ênfase do nazismo não incidia no passado, mas no “irromper” no futuro — Aufbruch era uma das palavras pre diletas do movimento, captando a idéia de erupção, a exu berante erupção de vida que surge com o despertar da pri mavera. Falava-se da “erupção da nação”, da “erupção do espírito”. Assim, como o tema dominante de Die Meistersinger — segundo Hanfstaengl, a ópera favorita de Hitler — é o despertar da vida e da arte que vem com a primavera, assim era também o do nazismo.
“ES IST EIN FRÜHLING OHNE ENDE!”
-Gründe parte da comunidade intelectual e artística ficou enre dada no drama do nazismo e do Terceiro Reich. Em seus pri meiros tempos em Munique, o partido atraiu um número sig nificativo de membros da comunidade artística de Schwabing.1 Em 1931 os nazistas contavam com duas vezes mais apoio 410
nas universidades do que no país em geral. Em 3 de março de 1933, trezentos professores universitários se posicionaram publicamente a favor de Hitler numa declaração de voto.2 Se inúmeras pessoas de talento e renome abandonaram a Alema nha depois de janeiro de 1933, assim agiram, na maioria dos casos, porque eram judias ou porque temiam, por essa ou aquela razão, perder o seu meio de vida. Os que partiram por razões morais, como manifestação de oposicionismo, cons tituíam uma fração diminuta. Em relação aos que permanece ram, os exilados foram uma pequena minoria.3 Para cada não-judeu de estatura internacional que partiu, muitos foram os que continuaram na Alemanha, como Gottfried Benn, Richard Strauss, Gerhart Hauptmann, Emil Nolde e Martin Heidegger. Vários destes, intrinsecamente cautelosos com um franco envolvimento político por causa das conotações negativas da política, na verdade envolveram-se publicamente, pelo menos a princípio, na excitação de 1933. “Tudo o que leva à experiência é lícito”, Benn tinha escrito antes.4 Esta es pécie de amoralidade e aventureirismo, de inspiração tão nietzschiana, esteve em voga em 1933 e caracterizou a resposta inte lectual ao nazismo. Para Rudolf Binding, o advento do Terceiro Reich representava a realização de um “grande desejo”. “Este desejo não é externo mas interno, e todo aquele que o exte rioriza acaba profanando-o.”5 Como para Robert Brasillach, o fascismo constituía para Binding uma construção poética. No Terceiro Reich o poeta e o soldado se fundiam. Poucos dos intelectuais eminentes se tornaram realmente membros do par tido, sendo inegável que a organização da vida cultural foi deixada a cargo de talentos de segunda classe. Mas as mentes criativas sempre se esquivaram de envolvimentos com o mun dano e a rotina; por isso a filiação partidária não deveria dar a medida do apoio ou aceitação. Fora da Alemanha, também, havia muito interesse e sim patia entre os grupos artísticos e intelectuais pelo experimento que se realizava na Europa central, assim como tinha havido antes pelo advento do bolchevismo na Rússia e depois pelo fascismo na Itália. Todos esses experimentos pareciam captar a mística dos movimentos de vanguarda de uma época ante rior: abraçar a vida, rebelar-se contra a esterilidade burguesa, 411
odiar a sociedade respeitável e sobretudo revoltar-se — provo car uma radical revisão de todos os valores. O infortúnio tornava-se dádiva; a necessidade, salvação; o desânimo, exaltação; a fraqueza, força. Em abril de 1917 Paul Morand escutara Misia Sert, a admiradora e patrocinadora de Diaghilev, “falar entu siasticamente da revolução russa, que lhe parece um enorme balé”.6 O amigo dela, Serge Lifar, um dos primeiros protegi dos de Diaghilev, que devia se tornar diretor do Balé da Ópera de Paris sob a ocupação alemã, se referia várias vezes em suas conversas a um encontro que tivera com Hitler: “Em toda a minha vida só dois homens me acariciaram assim”, dizia en quanto deslizava a mão pelo braço de seu interlocutor, “Dia ghilev e Hitler!”7 O vitalismo, o heroísmo, o erotismo do pri meiro bolchevismo e depois do fascismo produziram uma infu são muito forte para artistas e intelectuais. Nietzsche afirmara que a única maneira de justificar o mundo era considerá-lo um fenômeno estético, e Benn achava em 1933 que a Alemanha estava prestes a compreender o significado dessa declaração.8 Maurice Mandelbaum estava com W. H. Auden em Swarthmore entre 1942 e 1945. Numa conversa, certo dia, Auden perguntou em quem se podia confiar se o fascismo chegasse à América. Os dois decidiram que seria melhor confiar em não-acadêmicos do que em acadêmicos.9 É claro que havia um constante desgaste de apoio inte lectual ao regime nazista. Jünger, Benn, Strauss, Heidegger, todos recuaram de seu primeiro entusiasmo. Muitos ficaram estarrecidos com o massacre da Noite das Longas Facas, em 30 de junho de 1934, quando os líderes da SA foram assassi nados para aplacar os mordomos do exército que viam uma ameaça nos Camisas-Pardas e em suas ambições, e quando vá rias outras contas antigas foram acertadas com os assassinatos de Gregor Strasser, do general Kurt von Schleicher e sua mul h ^ Gustav von Kahr, Edgar Jung, Erich Klausener e, por um engano de identidade, o crítico musical Willi Schmidt. A progressão constante de medidas anti-semitas, culminando antes da guerra na Noite dos Cristais, em novembro de 1938, quando sinagogas e lojas judias foram destruídas e incendiadas, apa vorou outros. Fora da Alemanha, ocorreu o mesmo processo de distanciamento. Em 1934 James Joyce observou sarcasti412
camente:' “Receio que o pobre Sr. Hitler terá em breve poucos amigos na Europa, fora meus sobrinhos e os Mestres W. Lewis e E. Pound.”10 Entretanto, a gradativa deserção foi ocasionada menos pelo que o nazismo representava como fenômeno geral do que por sua maneira de tratar a intelligentsia: a insolência dos quadros do partido para com os intelectuais, sua desconfiança e seus sentimentos de inferioridade em relação a eles. O antigo e me díocre expressionista que se transformou num nazista ardoroso, Hanns Johst, chamava o intelectualismo de combinação da “arte da persuasão e rabulice judia” .11 Speer relatou que Hitler se sentia constrangido na presença de convidados ilustres. Por isso preferia não convidá-los para audiências privadas ou mesmo para as festas do partido. As pessoas que ele de fato convidava eram mais frequentemente artistas ou estrelas do cinema do que escritores ou pensadores. Muitos destes últimos se afastavam em razão do que consideravam o estilo vulgar do regime, as táticas agressivas e oportunistas da “SA espiritual”, os jovens arrivistas que controlavam as academias e as instituições cul turais do Reich. As ambições de muitos intelectuais alemães de serem acla mados como heróis nacionais foram assim aniquiladas. Mussolini homenageou Marinetti e d'Annunzio, e o futurismo recebeu um reconhecimento quase oficial como antepassado espiritual do fascismo italiano. Muitos expressionistas alemães, entre eles Benn, esperavam que algo semelhante acontecesse na Alema nha. Não aconteceu. Em vez disso, o sarcasmo — “Quando ouço a palavra cultura, levo a mão ao revólver” — tornou-se tão popular que sua origem foi atribuída a praticamente todo chefe nazista. Captava o ressentimento pequeno-burguês do regime contra os intelectuais e também expressava a recusa do movimento a se deixar envolver com qualquer grupo social tra dicional. A Kultur devia ser despojada de todas as suas impli cações elitistas e receber um significado genuinamente populista. A cultura era um assunto do povo, do Volk , não de intelectuais. Nessa atmosfera os intelectuais começaram invariavelmente a se afastar do partido, embora não necessariamente da suble vação do país que ele simbolizava. A conseqüência foi ambigüidade e ambivalência. O partido e seus líderes começaram 413
a ser desprezados como vulgares. Seus objetivos, entretanto, continuavam legítimos. O resultado não foi oposição, mas o que os alemães vieram a chamar de “exílio interno” — afastamento da vida pública. Mas quando veio a guerra em 1939 muitos destes exilados retornaram para se alistar e lutar pela causa nacional que Hitler, é claro, ainda comandava. O divórcio não tinha sido completo. A princípio é-se tentado a aceitar a designação do nazis mo como "modernismo reacionário”,12 mas a implicação desse rótulo é que o nazismo usou os instrumentos e a tecnologia da modernidade numa tentativa de impor à Alemanha uma visão do passado. Como argumentamos, isso seria interpretar erro neamente, de fato inverter, o impulso central do movimento no contexto de sua época. A Alemanha do pós-guerra herdou da era imperial, especialmente de suas últimas décadas, titna ânsia agressiva de se expandir, de estabelecer seu predomínio, pelo menos no continente da Europa, que ainda era conside rada o centro do mundo. No período pré-1914 ela tinha encar nado a rebelião contra a época burguesa anglo-francesa do materialismo, industrialismo e imperialismo. Ao mesmo tempo, era também filha dessa época: a personificação da juventude, do rejuvenescimento e da eficiência técnica. Sua derrota na guerra correspondeu à morte de uma geração jovem, e suas frustrações eram emblemáticas das frustrações dos sobreviven tes confusos, neuróticos, rebeldes que em bandos e por toda parte nos anos vinte apanharam a tocha da vanguarda do préguerra e fizeram da rebelião contra o odiado burguês uma questão não mais de indivíduos, nem mesmo de uma nação, mas de toda uma geração. A Alemanha continuou a ser a prin cipal representante nacional dessa revolta. A Grande Guerra foi o momento psicológico decisivo para a Alemanha e para o mo dernismo como um todo. O impulso de criar e o impulso de destruir^írocaram de lugar. O impulso de destruir foi intensi ficado; o impulso de criar tornou-se cada vez mais abstrato. No final as abstrações se transformaram em insânia, e tudo o que restou foi destruição, Götterdämmerung*
Crepúsculo dos deuses. 414
“Sob os escombros de nossas cidades destroçadas”, escre veu Joseph Goebbels em 1945, com uma embriaguez ofegante que lembra as peças do teatro expressionista dos anos vinte e, na verdade, seus próprios diários daquela década, foram enterradas as últimas pretensas realizações do sé culo XIX classe média. . . Junto com os monumentos da cultura desmoronam também os últimos obstáculos ao cumprimento de nossa tarefa revolucionária. Agora que tudo está em ruínas, somos forçados a reconstruir a Eu ropa. No passado, os bens particulares nos amarravam às restrições burguesas. Agora as bombas, em vez de matar todos os europeus, apenas despedaçaram as paredes das prisões que os mantinham cativos. . . Ao tentar destruir o futuro da Europa, o inimigo conseguiu destruir o seu passado; e com isso, tudo o que era velho e gasto desa pareceu.13 Estas afirmações destinavam-se ao consumo do público do rádio e da imprensa. Em seu diário, o tom era mais sombrio, mas a substância continuava a mesma. Em meados de março, ao saber que um reide sobre Würzburg demolira o centro da cida de, comentou: Assim desapareceu a última bela cidade alemã ainda in tacta. Dessa forma damos um adeus melancólico a um passado que nunca retornará. Um mundo está vindo abai xo, mas todos conservamos uma fé firme em que um novo mundo surgirá de suas cinzas.14 Em meados de abril de 1945, quando o fim era iminente, Goebbels — que também apreciara o balé russo vinte anos antes15— ainda pensava em termos de “arte”, um grandioso fil me colorido que seria finalmente feito sobre o Crepúsculo dos Deuses em Berlim. Posso lhe assegurar que será um filme belo e glorificante e em nome dessa perspectiva vale a pena resistir. Mantenhase firme agora para que daqui a cem anos o público não vaie e assobie quando você aparecer na tela!16 415
Estaria pensando na sessão do filme Sem novidade no front, na Mozartsaal do Theater am Nollendorfplatz de Berlim, que ele ajudara a interromper de forma tão rude em dezembro de 1930? Certamente pensava em seu próprio reflexo nesse espe lho moderno da civilização, a tela de cinema. O pensamento de que o Terceiro Reich sobreviveria nessa moderna forma de arte lhe proporcionava algum consolo. Junto com Hans Sachs, poderia ter dito: Mesmo que se dissolvesse O Sacro Império Romano, Ainda nos restaria A sagrada arte alemã!
Em 1? de maio, Goebbels, o Mestre de Cerimônias Fúne bres do Reich, como era freqüentemente chamado, cujo forte sempre tinha sido o discurso fúnebre, envenenou seus seis filhos. A seguir, depois de sua mulher Magda tomar também uma dose fatal, matou-se com um tiro. Alguns dias antes, em 28 de abril, confinada no bunker do Führer por causa das lutas nas ruas, Magda redigira uma carta de despedida a Harald Quandt, filho de seu primeiro casamento. Nossa esplêndida concepção está se extinguindo e com ela tudo o que de belo, admirável, nobre e bom conheci em minha vida. Não vale a pena viver no mundo que virá depois do Führer e do nacional-sociajismo; por isso trouxe as crianças para cá também. São boas demais para a vida que virá depois de nós. . . Harald, meu querido, eu lhe dou o que de melhor a vida me ensinou: continue fiel — fiel a você mesmo, fiel à humanidade, fiel a seu país, sob todos os aspectos.17 O kitsch , a transposição de valores, a morte na vida, continua ram até o fim. No mesmo dia em que Magda Goebbels escreveu a seu filho, Hitler começou uma última série de gestos para o mundo que o tinha criado. No final do dia 28 casou-se com sua amante Eva Braun. O casamento não foi um ato de abdicação: não marcou o fim da pose. A inversão das normas continuava. O 416
casamento destina-se a marcar um começo. Aqui assinalava o fim. Na madrugada de 29, depois da cerimônia, Hitler redigiu seu testamento. Continha as velhas invectivas contra os judeus e a reiteração da necessidade de territórios no leste, mas umaf passagem interessante sugeria seus pensamentos sobre a relação entre a vida e a morte. “A morte”, dizia ele de si mesmo e de sua nova esposa, “nos compensará pelo que meu trabalho a serviço de meu povo roubou de nós dois.”18 Ao que parece, a morte devia ser considerada uma recompensa, uma “compen sação” pelo sacrifício. A morte era a antítese do trabalho. A morte era a suprema manifestação da vida. No bunker o dia e a noite se fundiam. Na madrugada do dia 30 Hitler convocou o pessoal que servia no abrigo subter râneo para a despedida final. Havia secretárias, ordenanças, ofi ciais — uns vinte homens e mulheres. Houve uma série de apertos de mão. Hitler estava calado ; Depois retirou-se. Todos sabiam que o Führer planejava se matar. Foi então que ocorreu um estranho happening. Na cantina da chancelaria, cujo ruído se podia ouvir no bunker do Führer, iniciou-se uma dança. Soldados, secretárias, ordenanças, cria dos e outros moradores do bunker começaram a se divertir. Um general deu uma palmada nas costas de um alfaiate. Con versaram. As distinções hierárquicas desapareceram. O baru lho chegou aos alojamentos do Führer, e veio um recado para moderar a agitação. Mas a dança continuou.19 Doze horas depois o cerco do Exército Vermelho se es treitara. Os russos haviam tomado o Tiergarten. Já ocupavam os túneis da ferrovia na Friedrichstrasse. Tinham alcançado a ponte Weidendammer sobre o Spree. Da suíte subterrânea do Führer ouviu-se um único tiro. Anos antes Karl Kraus havia escrito: “Quando penso em Hitler, nada me vem à mente.” Uma canção popular alemã de 1945 intitulava-se: “Es ist ein Frühling ohne Ende!”*
* É uma primavera sem fim.
417
AGRADECIMENTOS
Um livro que, como este, levou tanto tempo para ser escrito pertence a muitas pessoas além de seu autor, quer elas desejem crédito por isso ou não. É um prazer agradecer a ajuda. O Conselho de Pesquisa de Ciências Sociais e Humanidades do Canadá assegurou recursos, sob a forma de uma licença re munerada e subsídios à pesquisa, para que o trabalho na Eu ropa, em várias etapas, pudesse ser realizado. Sem este gene roso apoio não poderia ter escrito o livro. Minha sede acadêmi ca, o Campus Scarborough da Universidade de Toronto, me incentivou de várias maneiras. Aos arquivistas, bibliotecários e funcionários das institui ções listadas na nota sobre as fontes devo agradecimentos. En tretanto, é preciso mencionar algumas pessoas que interrompe ram sua rotina para ajudar: Clive Hughes, Philip Reed e Peter Thwaites no Imperial War Museum, esse extraordinário repo sitório de documentos da Grande Guerra; Général Deltnas no Service historique de 1’armée de terre em Vincennes; M. Duchêne-Marullaz, um pesquisador solitário que me deu orienta ções valiosas; Hans-Heinrich Fleischer, dos arquivos militares da Alemanha Ocidental em Freiburg; Gerhard Heyl, da seção militar dos arquivos públicos da Baviera em Munique; e Parmenia Migel Ekstrom, da Fundação Stravinsky-Diaghilev de Nova York. James Joll, George Mosse e Fritz Stern auxiliaram não só com seu exemplo mas também com encorajamentos. Robert Spencer, John Cairns e Martin Broszat estimularam meus es forços com um sorriso benévolo, talvez rindo também da minha labuta. 419
Para Martin Landy e Ruth Caleb, Nigel Thorpe e Susan Bamforth, Michael e Colette Llewellyn Smith, Russell e Lulu Hone, Suzanne Weinberg e François Bursaux, Susan Meisner e Thomas Brown, Volker Klein e Ernst-Giinther Koch, para todos estes amigos eu me inclino, agradecendo importantes fa vores. Diante de John e Valerie Bynner, entretanto, eu me prosterno. A bondade dos dois foi excepcional. Dos meus colegas destaco William Dick, que leu ps origi nais com seu olho crítico, Thomas Saunders, que pesquisou algum material, e Paul Gooch, Wayne Dowler e Paul Thomp son, que ofereceram suporte administrativo a meus esforços. David Harford ajudou nas ilustrações e Lois Pickup em várias tarefas vitais. Material de propriedade da Coroa, tanto no Imperial War Museum como no Public Record Office, é reproduzido com a permissão do Superintendente do Stationery Office de Sua Ma jestade. Pela permissão de citar trechos de vários documentos particulares, agradeço a L. W. Galer, B. C. Gregson, Paul P. H. Jones, R. McGregor, N. J. Mountfort, Sybil OT)onoghue, W. E. Quinton, F. H. T. Tatham e A. Walker. Os editores de The Journal of Contemporary History e The Canadian Journal of History tiveram a bondade de permitir que eu usasse neste livro segmentos de artigos que apareceram pela primeira vez nas páginas de suas publicações. Por sua confiança no futuro deste livro agradeço a Malcolm Lester. Mas devo ao bom senso de Beverley Slopen, meu agente, que este afortunado original tenha chegado finalmente às mãos de Peter Davison, poeta e confrade, para receber os cuidados de seu zelo e tato, e depois às de Frances Apt, preparadora de originais sans^pareil. No curso de nossos trabalhos comuns, minha mulher, Jayne, várias vezes me lembrou os sentimentos do “I P de Rudyard Kipling. Para ela cito agora as palavras de James Joyce, em 1921, endereçadas a Harriet Shaw Weaver: “Sou muito grato por sua lealdade incessante para com meu ego difícil e minha interminável composição.” M. E.
Toronto e Maussane-les-Alpilles 420
NOTAS
PRÓLOGO: VENEZA 1. 2. 3. 4.
5.
6. 7. 8.
Esta c outras citações da novela são tiradas da tradução de Death in Venice feita por H. T. Lowe-Poter (Nova York, 1954). Misia Sert, Misia (Paris, 1952), 229-30. Heinrich Mann, “Der Tod in Venedig”, März , 7/13 (1913), 478. Thomas Mann, ‘‘Lebensabriss” (1930), Gesammelte Werke , 14 vols. (Frankfurt am Main, 1960-1974), XI: 123-24; Karl Ipser, Venedig und die Deutschen (Munique, 1976), 90-91; e Peter de Mendelssohn, Der Zauberer (Frankfurt am Main, 1975), 869-73. In Carl Schorske, Fin-de-siècle Vienna (Nova York, 1980); 164; e J. E. Chamberlin, “From High Decadence to High Modernism”, Queers Quarterly, 87 (1980), 592, John Hellmann, Fables of Fact: The New Journalism as New Fic tion { Urbana, 111., 1981). John Ruskin, The Stones of Venice, in The Complete Works, 13 vols. (Nova York, s .d .) , VII: 15. In Ipser, Venedig, 93.
PRIMEIRO ATO I — PARIS
VISÃO 1.
Vera Stravinsky e Robert Craft,
Stravinsky (Nova York, 1978), 75.
29 DE MAIO DE 1913 1. 2. 3.
Le Figaro, 17 de maio de 1913. Gabriel Astruc, Le Pavillon des fantômes (Paris, 1929), 286-87. Jean Cocteau, Oeuvres complètes. 11 vols. (Genebra, 1946-1951), IX:43-49.
421
4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11.
Carl Van Vechten (ed.), Selected Writings of Gertrude Stein (Nova York, 1946), 113. Le Figaro , 31 de maio de 1913. Para Cocteau, ver n. 3 acima; para Stravinsky, seu Conversations (Londres, 1959), 46. Grifo meu. Citado in Richard Buckle, Nijinsky (Harmondsworth, 1980), 357. Carl van Vechten, Music and Bad Manners (Nova York, 1916), 34. Bronislava Nijinska, Early Memoirs (Nova York, 1981), 470. Grifo meu. Carl Van Vechten, Music After the Great War (Nova York, 1915), 88. In Nigel Gosling, Paris 1900-1914 (Londres, 1978), 217. Também John Malcolm Brinnin, The Third Rose: Gertrude Stein and Her World (Londres, 1960), 190-91.
LE THÉÂTRE DES CHAMPS-ÉLYSÉES 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.
8. 9.
J. M. Richards, por exemplo, em sua edição de Who's Who in Architecture (Nova York, 1977), 252. In Nikolaus Pevsner, Pioneers of Modern Design (Harmondsworth, 1970), 181. In Peter Collins, Concrete, the Vision of a New Architecture (Lon dres, 1959), 153. In Daniel Bell, The Cultural Contradictions of Capitalism (Nova York, 1976), 110-11. In Pierre Lavedan, French Architecture (Harmondsworth, 1956), 227; Collins, Concrete, 191. Astruc, Le Pavilion, 240-59. A pronúncia de seu nome era Greffeuille, como Jacques-Émile Blanche nos informa em La Pêche aux souvenirs (Paris, 1949), 202. Albert Flament, Le Bal du Pré Catlaan (Paris, 1946), 258; George D. Painter: Proust; The Early Years (Boston, 1959), 115. Austruc, Le Pavillon, 282. Ibid., 283-84; Blanche, “Un Bilan”, Revue de Paris, t.6 (15 de novembro de 1913), 283-84.
DIAGHILEV^E-eS BALLETS RUSSES 1. 2. 3. 4. 5.
In Arnold Haskell, Diaghileff (Londres, 1935), 87. Romola Nijinsky, Nijinsky (Nova York, 1934), 49. O Diaghilev de Richard Buckle (Nova York, 1979) contém um tesouro de deta lhes biográficos. John E. Bowlt, The Silver Age: Russian Art of the Early Twentieth Century and the “World of Art " Group (Newtonville, Mass., 1979), 166-67. Misia Sert, Misia, 151. In Janet Kennedy, The “Mir iskusstva" Group and Russian Art, 1898-1912 (Nova York, 1977), 343.
422
6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21.
In Robert Craft, “Stravinsky’s Russian Letters”, New York Review of Books , 21 de fevereiro de 1974, 17. Buckle, Nijinsky, 92. Tamara Karsavina, Theatre Street (Londres, 1981), 236. Marcel Proust, À la recherche du temps perdu , 3 vols. (Paris, 1954). Ill: 236-37. Carta de 4 de março de 1911, Marcel Proust, Correspondance, org. Philippe Kolb, 15 vols. (Paris, 1970-1987), X:258. Harold Acton, Memoirs of an Aesthete (Londres, 1948), 113. In Edward Marsh, Rupert Brooke (Toronto, 1918), 75. Le Figaro, 31 de maio de 1912. Na anotação, em seu diário, de 17 de março de 1914; Charles Ricketts, Self-Portrait, org. Cecil Lewis (Londres, 1939), 189. In Cyril W. Beaumont, Michel Fokine and His Ballets (Londres, 1935), 23-24. In Buckle, Nijinsky, 346. E. G. V. Knox, “Jeux d’Esprit at Drury Lane”, Punch, 145 (16 de julho de 1913), 70. In Vera Krasovskaya, Nijinsky , trad, de John E. Bowlt (Nova York, 1979), 91. In Revue de Paris, t. 6, 525. “Serge de Diaghilew”, Revue musicale, XI/110 (dezembro de 1930), 21. In Bowlt, Silver Age, 169-70.
REBELIÃO 1. 2.
3. 4.
5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12.
Ludwig Feuerbach, The Essence of Christianity, trad, de George Eliot (Nova York, 1957), 185. O verso de Wedekind se encontra em seu Marquis of Keith, e Eastman é citado in John P. Diggins, Up From Communism (Nova York, 1975), 5. In Leon Edel, Blommsbury (Philadelphia, 1979), 149. Ver a troca de cartas entre Gide e Paul Claudel, 2 e 7 de março de 1914, em sua Correspondance î 899-1926, org. Robert Mallet (Pa ris, 1949), 217-22. Igor Stravinsky, Memories and Commentaries (Nova York, 1960), 40. The Diary of Vaslav Nijinsky, org. Romola Nijinsky (Londres, 1937), 154. Cocteau, Oeuvres complètes, IX:42. Principe Peter Lieven, The Birth of the Ballets-Russes, trad, de L. Zarine (Londres, 1936)-, 126-7. In Charles Spencer et al., The World of Serge Diaghilev (Chicago, 1974), 51. Stravinsky, Memories, 38. In Michael Holroyd, Lytton Strachey, 2 vols. (Nova York, 1968), 11:95. Pierre Lalo in Le Temps, 5 de junho de 1913.
423
13.
14.
“The Old Ballet and the New: M. Nijinsky’s Revolution”, Times (Londres), 5 de julho de 1913, lid. Este artigo e a crítica de Jean Marnold em Mercure de France, CV (l.° de outubro de 1913), 623-30, ainda estão entre as melhores análises das realizações de Nijinsky que possuímos. Stanley J. Fay, “All the Latest Dances”, Punch, 141 (l.° de novem bro de 1911), 311.
CONFRONTO E LIBERAÇÃO Stravinsky, Memories, 29; Vera Stravinsky, Stravinsky, 76-105. In Craft, New York Review, 21 de fevereiro de 1974, 19. Ibid. Hugo von Hofmannsthal e Richard Strauss, The Correspondence , org. e trad, de Hanns Hammelmann e Ewald Osers (Londres, 1961), 150. 5. In Robert Craft, “Le Sacre and Pierre Monteux”, New York Re view of Books, 3 de abril de 1975, 33. 6. In Craft, New York Review, 21 de fevereiro de 1974, 17. 7. Ibid. A referência a la sale musique numa carta de Monteux a M. Fichefet, 28 de outubro de 1911, pode ser encontrada nos Astruc Papers, arquivo 61, p. 7, Dance Collection, New York Public Li brary. 8. In Craft, New York Review, 21 de fevereiro de 1974, 18. 9. New York Times, 23 de janeiro de 1916. 10. Buckle, Diaghilev, 88; Haskell, Diaghileff, 150. 11. In Bowlt, Silver Age, 202. 12. D. H. Lawrence, The Rainbow (Harmondsworth, 1977), 184. 1. 2. 3. 4.
O PÚBLICO William L. Shirer, 20th Century Journey (Nova York, 1976), 216. Harold Rosenberg, The Tradition of the New (Nova York, 1959), 209. 3. In Agathon, Les Jeunes Gens d'aujourd'hui (12. ed., Paris, s.d. [1919]), 4-5. ------ 4. Oliver Wendell Holmes, One Hundred Days in Europe (1891), in The Writings of Oliver Wendell Holmes, 14 vols. (Boston), 18991900), X:177. 5. Jack Kerouac, Satori in Paris (Nova York, 1966), 8. 6. Georges Clemenceau, Dans les champs du pouvoir (Paris, 1913), 82. 7. Le Crapouillet, outubro de 1931, 14. 8. Arthur Rubinstein, My Young Years (Toronto, 1973), 132. 9. In George P. Gooch, Franco-German Relations, 1871-1914 (Lon dres, 1928), 26. 10. Alexandre Benois, “Lettres artistiques: les représentations ruçses à Paris”, texto datilografado nos Astruc Papers, 30, 11-14, com a 1. 2.
424
11. 12. 13. 14.
legenda “Journal de St. Pétersbourg” e a data de 2 de julho de 1909. Samuel Rocheblave, Le G oût en France (Paris, 1914), 323-28. Jean Cocteau, Professional Secrets, org. Robert Phelps, trad. R. Howard (Nova York, 1970), 70-71. Blanche, Revue de Paris, t. 6, 279. Ibid., 276-77.
O ESCÂNDALO COMO SUCESSO 1.
2. 3.
4. 5. 6. 7. 8. 9.
O estudo de Jacques Rivière, “Le Sacre du printemps”, Nouvelle Revue Française, X (novembro de 1913), 706-30, talvez seja ainda a apreciação mais perspicaz que temos da obra. Pode-se encontrálo em inglês in Jacques Rivière, The Ideal Reader, trad. Blanche A. Prince (Nova York, 1960), 125-47. In Arthur Gold e Robert Fizdale, Misia: The Life of Misia Sert (Nova York, 1980), 151. Truman C. Bullard reproduz a maioria das críticas francesas em sua tese, apoiada em notável pesquisa, “The First Performance of Igor Stravinsky’s ‘Sacre du Printemps’ ”, 3 vols., Eastman School of Music, Universidade de Rochester, 1971. Le Figaro, 31 de maio de 1913. In Buckle, Nijinsky, 361. Louis Laloy ibid. Marie Rambert, Quicksilver (Londres, 1972), 61. Maurice Dupont, “Les Ballets russes: l’orgie du rythme et de la couleur”, Revue Bleue, 52a., II (11 de julho de 1914), 53-56. Charles Nordmann, “La Mort de l’univers”, Revue des deux mon des, t. 16 (l.° de julho de 1913), 205-16.
II — BERLIM
VER SACRUM 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8.
The Diaries of Franz Kafka, 1910-1923, org. Max Brod, trad. M. Greenberg (Harmondsworth, 1965), 145. In Georg Kotowski et al. (org.), Das wilhelminische Deutschland (Munique, 1965), 145. Vossische Zeitung, 374, 26 de julho de 1914. Nota de 27 de julho de 1914, Kurt Riezler, Tagebücher, Aufsätze, Dokumente, org. K. D. Erdmann (Göttingen, 1972). The Letters of Charles Sorley (Cambridge, 1919), 211-12. In Fritz Klein et al., Deutschlan d im ersten Weltkrieg, 3 vols. (Berlim [Oriental], 1968-1970), 1:262-63. Frankfurter Zeitung, 211, l.° de agosto de 1914. In Martin Hürlimann, Berlin (Zurique, 1981), 193.
425
9. 10. 11. 12.
13.
Frankfurter Zeitung, 212, 2 de agosto de 1914. In Frankfurter Zeitung, 213, 3 de agosto de 1914. In Dieter Groh, Negative Integration und revolutionärer Attentismus (Frankfurt am Main, 1973), 675. Nota do diário, 15 de agosto de 1914, Tagebücher. Também Kon rad H. Jarausch, The Enigmatic Chancellor (New Haven, Conn.: 1973), 177. Thomas Mann em seu prefácio de 1924 a Der Zauberberg. Cf. The Magic Mountain , trad. H. T. Lowe-Porter (Nova York, 1969), ix. Friedrich Meinecke, Strassburg-Freiburg-Berlin, 1901-1919 (Stutt gart, 1949), 137-38.
ABERTURA 1. 2.
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TÉCNICA 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.
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A CAPITAL 1. 2. 3.
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KULTUR 1. 2. 3. 4.
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426
CULTURA E REVOLTA 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13.
14. 15. 16. 17. 18. 19. 20.
21. 22.
23.
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427
A GUERRA COMO CULTURA 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8.
9. 10. 11. 12.
13.
14. 15. 16. 17. 18.
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Ill — NOS CAMPOS DE FLANDRES
UM RECANTO DE UM CAMPO ESTRANGEIRO 1. 2.
“An Armistice”, Western Times (Exeter), l.° de janeiro de 1915, 3a. “Leicestershire and the War”. Leicester Mail, 6 de janeiro de 1915, 5c.
428
3.
4.
5. 6. 7. 8.
Capitão Sir Edward H. W. Hulse, “Letters Written from the En glish Front in France Between September 1914 and March 1915”, publicadas particularmente pela família em 1916, 56-70. Excertos das cartas podem ser encontrados mais facilmente in F. Loraine Peter et al. The Scots Guards in the Great War,. 1914-1918 (Lon dres, 1925), 67; e Guy Chapman, Vain Glory, 100-103. Hulse foi morto em Neuve Chapelle, a 12 de março de 1915, tentando ajudar um colega oficial ferido. Nota de diário, 25 de dezembro de 1914, documentos de Gustav Riebensahm, Bundesarchiv-Militárarchiv, Freiburg (daqui em diante referido como BAM). In Fridolin Solleder (org.), Vier Jahre West front: Geschichte des Regiments List R. I. R. 16 (Munique, 1932), 92. “Our Day of Peace at the Front”, Daily Mail, l.° de janeiro de 1915, 4d. Numa carta de 27 de dezembro de 1914, O. Tilley, Imperial War Museum, Londres (daqui em diante referido como IWM). Ao contrário da impressão deixada por, entre muitos outros, Bar bara Tuchman em The Guns of August e Samuel Hynes em The
Edwardian Frame of Mind. 9. W. A. Quinton em suas memórias inéditas (1929), 28, IWM. 10. Memórias de R. G. Garrod, IWM.
CANHÕES DE AGOSTO 1.
2.
3. 4.
5. 6. 7. 8. 9. 10. 11.
A maioria das cifras de baixas é tirada de diários de guerra ofi ciais de regimentos, brigadas e divisões, neste caso no Public Re cord Office, Londres (daqui em diante referido como PRO). Nota de diário, 13 de setembro de 1914, in C. E. Callwell, Field Marshal Sir Henry Wilson: His Life and Diaries, 2 vols. (Londres, 1927), 1:177. Edward Grey, Twenty-Five Years, 2 vols. (Londres, 1927), 11:68. “Programme d’une Çauserie à faire aux officiers et hommes au repos”, 24N346, Service historique de 1’armée de terre, Vincennes (daqui em diante referido como SHAT). Nota do Quartier Général (QG), l.° Corps d’Armée (CA), l.° de janeiro de 1915, 22N10, SHAT. Diário, 22 de janeiro de 1915, The Private Papers of Douglas Haig, 1914-1919, org. Robert Blake (Londres, 1952), 84. Diário, 20.a Brigada de Infantaria, 26 de dezembro de 1914, W 0 9 5 / 1650, PRO. Nota de diário, 25 de dezembro de 1914, P. Mortimer, IWM. Diá rio, 7.a Divisão, 30 de dezembro de 4914, W 095/16 27, PRO. Diário, 2nd Notts and Derby, 8 de janeiro de 1915, W 09 5/16 16 , PRO. Diário, l.° Exército, W 09 5/15 4. Ten.-Gen. W. P. Pulteney, a Smith-Dorien, GOC 2.° Exército, 12 de janeiro de 1915, W095/669.
429
12. Carta* de 19 de dezembro de 1914, in Christopher Isherwood, Kathleen and Frank (Londres, 1971), 308. 13. Nota de diário, 23 de dezembro de 1914, P. H. Jones, IWM. 14. Carl Groos (org.), Infanterie-Regiment Herwarth von Bittenfeld (/. Westfälisches) Nr. 13 im Weltkriege '1914-18 (Oldenburg, 1927), 70. Também Solleder (org.), R.I.R. 16, 93; e diário, Ist Royal Irish Füsiliers, W095/1482, PRO. 15. Gustav Riebensahm, Infanterie-Regiment Prinz Friedrich der Nie derlande (2. Westfälisches) Nr. 15 im Weltkriege 1914-18 (Minden i. W., 1931), 94. 16. Diário, 6.a Divisão, 17 de janeiro de 1915^ W 095/158]. Também, carta do soldado H. Hodgetts, 2nd Worcestershires, impressa no Morning Post, de 24 de dezembro de 1914, 4.a Diário, 2.° Exército, 22 de janeiro de 1915, W 095/268. O material francês está repleto de casos semelhantes: Note de service, 4.° CA, 29 de dezembro de 1914, 22N556; relatório do 68.° Regimento de Infantaria, 24 de dezembro de 1914, 22N557; e despacho do Chef d’État-Major Louis, 30 de dezembro de 1914, 22N1134, SHAT. 17. Ordem do Comandante, II Corps, aos Comandantes de Divisão, 4 de dezembro de 1914, W095/268, PRO. 18. Sorley, Letters, 283. 19. The Scotsmah (Èdimburgo), onde a carta foi publicada em 2 de janeiro de 1915 9e, lhe deu o título de: SOLDADOS ALEMÃES QUEREM PAZ. Eis um exemplo básico de como a frente interna podia interpretar mal os fatos é tirar conclusões precipitadas e to talmente injustificadas sobre a realidade nas linhas de combate. 20. Sólleder (org.), 16 R.I.R., 88. 21. Diário, 12:a Brigada, 10 de dezembro de 1914, WO95/1501, PRO. 22. Diário, 4.a Divisão, l.° de dezembro de 1914, WO95/1440, PRO. 23. Ibid. 24. A ordem, datada de 28 de novembro de 1914, pode ser encontrada nos arquivos da 6.a Divisão de Reserva Bávara, Bd. 5, Bayerisches Kriegsarchiv (daqui em diante referido como BKA). 25. O modo como se pensava realizar esta manobra é esclarecido numa reprodução em The IllusiMted London News, de 6 de janeiro de 1915, 37. 26. Diário, ll . a Brigada, W 095/148 6, PRO. 27. Diário, 15/ Brigada, 23 de dezembro de 1914, W095/1 566, PRO. 28. S. R. de Belfort, 10 de janeiro de 1915, 18N302, SHAT. 29. Nota de diário, 24-26 de dezembro de 1914, Albert Sommer Tage buchaufzeichnungen, MSg 1/900, BAM. PAZ NA TERRA
1. 2.
Nota de diário, 27 de dezembro de 1914, P. H. Jones, IWM. Curt Wunderlich, Fünfzig Monate Wehr im Western: Geschichte des Reserve-Infanterie-Regiments Nr. 66 (Eisleben, 1939), 280-81.
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3. 4. 5.
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6. 7.
8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. O
,
PORQUÊ
1. W 095/16 57, PRO. 2. Mackenzie, 6th Gordons, 26. 3. In George Watson, The English Ideology: Studies in the Language of Victorian Politics (Londres, 1973), 61-62. 4. Ford Madox Ford, Thus to Revisit (Loiidres, 1921), 136-37; Virginia Woolf. “Mr. Bennett and Mrs. Brown” (1924), in The Captain's Death Bed and Other Essays (Londres, 1950), 91. 5. Walter Sickert, “Post Impressionists”, Fortnightly Review, 89 (ja neiro de 1911), 79. 6. Stanley Weintraub, The London Yankees (Nova York, 1979). 7. Acton estava citando Froude: Lord Acton, A Lecture on the Study of History, delivered at Cambridge, June 11, 1895 (Londres, 1895), 72. 8. In Watson, Ideology, 60. 9. Thomas Mann, “Gedanken im Kriege”, Gesammelte Werke, XIII: 530-32. O ensaio foi publicado pela primeira vez em Die Neue Rundschau, em novembro de 1914. 10. A. E. Housman, “1887”, The Collected Poems (Londres, 1962), 10. 11. A. D. Gillespie, in John Laffin (org.), Letters from the Front,'19141918 (Londres, 1973), 12.
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12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30.
31. 32.
33. 34. 35. 36.
O diário de Pattenden agora faz parte dos documentos do regi mento, 1st Hants, W095/1495, PRO. In James Walvin, Leisure and Society 1830-1950 (Londres, 1978), 85. In Tony Mason, Association Football and English Society, 18631915 (Brighton, 1980), 224. In Peter Bailey, Leisure and Class in Victorian England (Londres, 1978), 128. In Mason, Football, 228. In Donald Read, Edwardian England, 1901-15 (Londres, 1972), 5354. Carta a Sir Claude Phillips, 31 de julho de 1914, in The Letters of Henry James, ed. Percy Lubbock, 2 vols. (Londres, 1920), 11:389-92. No poema “Peace”, de Rupert Brooke, Tile Collected Poems, org. G. E. Woodberry (Nova York, 1943), 111. The Letters of Rupert Brooke, org. Geoffrey Keynes (Nova York, 1968), 625. “One Day of Peace at the Front”, Daily Mail, l.° de janeiro de 1915, 4d. “The Christmas Truce in the Trenches”, Chester Chronicle, 9 de janeiro de 1915, 5c. Jerome K. Jerome, “The Greatest Game of All: The True Spirit of the War”, Daily News and Leader, 5 de janeiro de 1915, 4ef. In Paul Fussell, The Great War and Modern Memory (Nova York, 1975), 27. Carta de julho de 1916, p. 163, R. D. Mountfort, IWM. Western Times, 19 de janeiro de 1915, 6f, baseado numa reporta gem do Berliner Tageblatt . Nota de diário, 27 de agosto de 1916, Louis Mairet, Carnet dfun combattant (11 févier 1915— 16 avril 1917) (Paris, 1919), 212-13. P. B. Ghéusi, Cinquante ans de Paris: mémoires dfun témoin, 18921942. 4 vols. (Paris, 1939-1942), IV: 185-97. Walvin, Leisure, 129. — Diário dé guerra do 17th Middlesex, W 09 5/13 61 , PRO. Também os documentos de W. G. Bailey, atacante que jogou no Reading, e também os de R. Stafford, que comandou o Footballers Battalion de agosto de 1917 a fevereiro de 1918: ambos em IWM. In Mason', Football, 225. W. R. M. Percy in H. E. Boisseau (org.), The Prudential Staff and the Great War (Londres, 1938), 18. Percy foi morto perto de Ypres, em 28 de abril de 1915. Diário, 27 de dezembro de 1914. P. H. Jones, IWM. Western Times, 11 de janeiro de 1915, 3g. Diário, 2nd Scots Guards, 25 de dezembro de 1914. W 09 5/16 57 , PRO. “The Christmas Truce in the Trenches”, Chester Chronicle, 9 de 'janeiro de 1915, 5e. ,
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37. 38.
,
8a.
SÍNTESE VITORIANA 1.
Ver Gertrude Himmelfarb, “The Victorian Ethos: Before and After Victoria”, em seu Victorian Minds (Nova York, 1968), 276-78. In H. E. Meller, Leisure and the Changing City, 1870-1914 (Lon dres, 1976), 248-49. Robert Roberts, The Classic Slum: Salford Life in the First Quar ter of the Century (Manchester, 1971), 15-16. J. B. Priestley, Margin Released (Londres, 1962), 46-47. Gerald Gould, “Art and Morals”, New Statesman 23 de agosto de 1913, 625-26.
2. 3. 4. 5.
,
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SEGUNDO ATO IV — RITOS DE GUERRA O
BALÉ DA BATALHA
1. 2.
3. 4.
In John Keegan, The Face of Battle (Nova York, 1976), 264. Charles Delvert usa a palavra troglodita em seu diário, 11 de feve reiro de 1916, Carnets d’un fantassin (Paris, 1935), 145; e Peter McGregor a emprega numa carta de 6 de agosto de 1916, P. Mc Gregor, IWM. Portanto, o termo não é, como querem alguns, uma invenção da era de pós-guerra. Numa carta à sua mulher, 24 de julho de 1916, P. McGregor, IWM. H. Winter, in Denis Winter, Death's Men: Soldiers of The Great War (Harmondsworth, 1979), 177.
433
TEMAS 1. 2. 3.
4. . 5. 6. 7. 8. 9.
10. 11.
Charles Sorley, numa carta à sua mãe, 10 de julho de 1915, Letters, 284. In Alistair Horne, Death of a Generation (Londres, 1970), 104. Ivan Goll, “Requiem for the Dead of Europe” (1917), in John Silkin (org.), The Penguin Book of First World War Poetry (Harmondsworth, 1979), 232. Ernst Jiinger, In Stahlgewittern (Berlim, 1931), 100. Em Ordre général, N.° 32, 17 de dezembro de 1914, 16N1676, SHAT. Keegan, Face of Battle, 227-37. In John Ellis, Eye-Deep in Hell (Londres, 1977), 94. Roger Campana, Les Enfants de la “Grand e Revanche”: Carnet de route d’un Saint-Cyrien, 1914-1918 (Paris, 1920), 204. Herbert Read, “In Retreat: A Journal of the Retreat of the Fifth Army from St. Quentin, March 1918”, in The Contrary Experience (Londres, 1963), 248. Paul Rimbault, in Jean Norton Cru, Témoins (Paris, 1929), 465. Numa carta à sua mulher, 16 de novembro de 1917, in Paul Nash, Outline: An Autobiography and Other Writings (Londres, 1949), .
210- 11.
12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31.
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434
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,
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PARA ALÊM DOS VALORES ESTABELECIDOS 1.
2. 3. 4. 5.
Ver Geoffrey Best, “How Right is Might? Some Aspects of the International Debate About How to Fight Wars and How to Win Them, 1870-1918”, in War, Economy and the Military Mind, org. G. Best e A. Wheatcroft (Londres, 1976), 120-35. Henry James numa carta a Edith Wharton, 21 de setembro de 1914, The Letters of Henry James, 11:420-21. Meinecke, Erhebung, 71-72. Também, Max R. Funke, “In Rheims”, März, 8/4 (19 de dezembro de 1914), 242-45. Kölnische Zeitung, 29 de janeiro de 1915. Klaus Schwabe, Wissenschaft und Kriegsmoral; Die deutschen
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8.
9. 10. 11. 12. 13.
14. 15.
16. 17. 18. 19. 20. 21. 22.
23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30.
Jean-Jacques Becker, 1914: Comment les Français sont entrés dans la guerre (Paris, 1977), 46-47; e Pierre Miquel, La Grande Guerre (Paris, 1983), 145. In Jean Lestoquoy, Histoire du' patriotisme en France des origines à nos jours (Paris, 1968), 207. Henri Bergson, La Signification de la Guerre (Paris, 1915), 19. Numa carta ao Hon. Evan Charteris, 22 de janeiro de 1915, in Henry James, Letters , 11:453. y Miquel, La Grande Guerre , 327. Basil H. Liddell Hart apresentou este argumento em seu History of the First World War (Londres, 1972), 145; assim como Peter Graf Kielmansegg, Deutschland und der Erste Weltkrieg (Frankfurt am Main, 1968), 91. Carta, 5 de maio de 1915, V. M. Fergusson, IWM. Ulrich Trumpener, “The Road to Ypres: The Beginnings of Gas Warfare in World War I”, Journal of Modern History , 47 (setem bro de 1975), 468. De um esboço autobiográfico de G. W. G. Hughes, s.d., s.p., IWM. Wilfred Owen, “Dulce et Decorum Est”, Collected Poems, 55. Robert Graves, Goodbye to All That (Harmondsworth, 1960), 123. In Horne, Price of Glory, 286. Roland Dorgelès, Souvenirs sur les Croix de bois (Paris, 1929), 18. Frank Fox, The British Army at War (Londres, 1917), 35-36. De um folheto comemorativo preparado por Leonard Levy e im presso para circulação particular, “Some Memories of the Activities of the R. E. Anti-Gas Establishment During the Great War”, s.d . [novembro de 1938], nos Foulkes Papers (J41), Arquivos Basil Liddell Hart. “Report of the Committee on Chemical Warfare Organisation”, Foulkes Papers (J18), Arquivos Basil Liddell Hart. Diário, 26 de dezembro de 1916, Mairet, Carnet, 269-70. In E. L. Woodward, Great Britain and the War 1914-1918 (Lon dres, 1967), 40. In André Ducasse et al., Vie~eLjnort des français 1914-1918 (Paris, 1968), 72. In Woodward, Great Britain and the War, 40. In ibid., 167. Carta a L. P. Jacks, junho de 1915, in The Letters of Josiah Royce, org. John Clendenning (Chicago, 1970), 628-29. Diário, W. C. S. Gregson, IWM.
V — A RAZÃO NA LOUCURA
NÃO LHES CABIA SABER A RA ZÃO 1. 2.
In Ellis, Eye-Deep in Hell, 100. Ibid.
436
3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18.
Ibid., 101. Carta de 4 de abril de 1915, da França, in Philipp Witkop (org.), Kriegsbriefe deutscher Studenten (Gotha, 1916), 45-46. Carta, 26 de março de 1917, Boasson, Au Soir, 218-19. Kreisler, Four Weeks , 2-3. In Horne, Price of Glory, 227. J. L. Jack, General Jack’s Diary, org. John Terraine (Londres, 1964), 188-89. Diário, 23 de julho de 1916, G. Powell, IWM. Dorgelès, Souvenirs, 20. André Bridoux, Souvenirs du temps des morts (Paris, 1930), 16. “Dictée”, Nouvelle Revue Française, 33 (l.° de julho de 1929), 21-22. Carta, 25 de agosto de 1916, Rev. J. M. S. Walker, IWM. Jacques Rivière, “French Letters and the War”, The Ideal Reader, 271. In Ducasse, Vie et mort, 94. Diário, 12 de junho de 1916, Delvert, Carnets, 286. Carta, 23 de julho de 1917, a Ronald Rees, R. D. Rees, IWM. Esta ênfase no dever foi muito atenuada na subseqüente literatura sobre a guerra, dominada pela escola de pensamento do “desen canto”. Charles Delvert foi um que apontou a importância do dever: “L’histoire de la guerre par les témoins”, Revue des deux mondes, 99a. (dezembro de 1929), 640.
DEVER 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18.
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437
19. 20 . 21.
22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37. 38.
39. 40. 41. 42. .43. 44. 45. 46. 47. 48.
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49. 50. 51. 52. 53. 54.
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VI — DANÇA SAGRADA O DEUS DA GUERRA 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8.
9. 10. 11. 12. 13.
14. 15. 16. 17. 18. 19.
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439
20. 21. 22.
23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31.
Carta, 2 de outubro de 1914, in ibid., 13-15. Carta, 11 de março de 1915, in ibid., 44-45. Fritz Stern, “Capitalism and the Cultural Historian”, in From Parnassus: Essays in Honor of Jacques Barzun, org. Dora B. Wei ner e William R. Keylor (Nova York, 1976), 219. Para um de senvolvimento deste tema, ver Gold and Iron de Stern (Nova York, 1977). J. S. Mill, “Civilization”, in Robson (org.), Mill , 444-45. Carta, 7 de outubro de 1915, in Witkop (org.), Kriegsbriefe (1916), 113-14. Magnus Hirschfeld, Kriegspsychologisches (Bonn, 1916), 7. Agnes von Zahn-Harnack, Adolf von Harnack (Berlim, 1936), 444. O poema intitulou-se “Edward Grey” e pode ser encontrado no espólio de Gerhard von Nostitz-Wallwitz, N262/1, BAM. Diário, 31 de dezembro de 1914, no Kriegstagebuch do 15.° Regi mento de Infantaria da Baviera, Bd. 1, BKA. Ernst Wurche, citado por Walter Flex numa carta, 14 de março de 1916, in Briefe von Walter Flex (Munique, 1927), 184-85. Carta, 16 de abril de 1915, in Witkop (org.), Kriegsbriefe (1916), 49-51. Daniel R. Borg, The Old-Prussian Church and the Weimar Republic (Hanover e Londres, 1984), 39.
CONGREGAÇÃO 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10.
Arquivos da 4^ Divisão de Infantaria da Baviera, Bd. 102, BKA. Ordem de K.H.Qu., 18 de agosto de 1917, 1^ Divisão de Infantaria da Baviera, Bd. 90, BKA. Ordem do Armee-Oberkommando,.31 de julho de 1917, I?1Divisão de Infantaria da Baviera, Bd. 90, BKA. , Diário, 19 de julho de 1918, Rudolf Binding, A Fatalist at War trad. I.F.D. Morrow (Londres, 1929), 237. Numa carta de 13 de outubro de 1918, D. L. Ghilchick, IWM. Evelyn, Princesa Blücher, An English Wife in Berlin (Nova York, 1920), 35. F. L. Carsten, War Against War: British and German Radical Mo vements in the First World War (Londres, 1982), lb-11. Ibid., passim. In Schwabe, Wissenschaft und Kriegsmoral, 104-105. Delbrück, carta de 4 de fevereiro de 1918, in ibid., 166.
VII _
VIAGEM
in t e r io r
A GUERRA COMO AR TE 1. 2.
In George D. Painter, Proust: The Later Years (Boston, 1965), 223. In Weintraub, The London Yankees, 350-351.
440
3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26.
Dorgelès, Souvenirs, 8. In Klein et al., Deutschland im ersten Weltkrieg , I:xvii. In Gold e Fizdale, Misia, 166. In Johann (org.), Innenansicht 163. In ibid., 164. John Galsworthy, A Sheaf (Londres, 1916), 208. David Jones, In Parenthesis (Londres, 1982), ix; e D. S. CarneRoss, “The Last of the Modernists”, New York Review of Books, 9 de outubro de 1980, 41. James Joyce, Ulysses (Harmondsworth, 1968), 40. Carta de 21 de junho de 1916, P. McGregor, IWM. Carta de 18 de novembro de 1914, in Witkop (org.), Kriegsbriefe (1916), 25. Carta de 10 de julho de 1916, Boasson, Au Soir, 127. Carta de 22 de dezembro de 1917, ibid., 299-300. In Leed, No Man's Land, 183-84. In Roland N. Stromberg, Redemption by War: The Intellectuals and 1914 (Lawrence, Kan., 1982), 152. Diário, 4 de março de 1917, Mairet, Carnet, 291. Graves, Goodbye to All That, 98. Wyn Griffith, Up to Mametz (Londres, 1931), 187, 212. Jacques-Émile Blanche, Portraits of a Lifetime, org. e trad. Walter Clement (Londres, 1937), 259-60. Diário, 28 de outubro de 1915, e carta de 12 de dezembro de 1915, P. H. Jones, IWM. Carta, 23 de dezembro de 1915, J. W. Gamble, IWM. Diário, 28 de agosto de 1916, G. Powell, IWM. David Jones, In Parenthesis, x. In Heather Robertson, A Terrible Beauty: The Art of Canada at War (Toronto, 1977), 92. In Malcolm Cowley, Exile's Return (Nova York, 1934), 256; e Geoffrey Wolff, Black Sun: The Brief Transit and Violent Eclipse of Harry Crosby (Nova York, 1976), 59. ,
A AR TE COMO FORMA1 4 2 5 3 6
1. 2.
Carta de 29 de dezembro de 1916, Mairet, Carnet, 270-71. Numa carta à sua mulher, 16 de novembro de 1917, in Nash, Ou tline,
210.
3.
Em sua introdução a um catálogo da exposição das obras futuris tas de Gino Severini, Marlborough Gallery, abril de 1913, citada in John Rothenstein, Modern English Painters, 2 vols. (Nova York, 1976), 11:129. 4. Memorando de 16 de outubro de 1917, arquivo de C. R. W. Nevinson, Departamento de Arte, IWM. 5. Este prefácio, junto com as objeções à obra de Nevinson citadas acima, podem ser encontrados em ibid., IWM. 6. Daily Express, 30 de maio de 1919.
441
7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25.
In Michael L. Sanders e Philip M. Taylor, British Propaganda During the First World War, 1914-18 (Londres, 1982), 157. Dorgelès, Souvenirs , 10. De uma carta à sua mulher, 21 de outubro de 1916, in Constance B. Smith, John Masefield: A Life (Nova York, 1978), 164. T. S. Eliot, “Burnt Norton”, Collected Poems: 1909-1962 (Londres, 1963), 194 [Poesia, trad., introd. e notas de Ivan lunqueira. 2. ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira^ 1981, 2Ç)4]. Cartas, 17 de abril de 1917, 26 de novembro de 1917, 2 de outu bro de 1918, R. R. Stokes, IWM. Carta a seus pais, 23 de dezembro de 1915, J. W. Gamble, IWM. Jlinger, In Stahlgewittern, 198 Graves, Goodbye, 97; Horne, Price of Glory 147, 259; Marie-Émile Fayolle, Les Carnets secrets de la Grande Guerre, org. Henry Contamine (Paris, 1964), 259. Diário, 29 de novembro de 1914, P. Mortimer, IWM. Basil H. Liddell Hart, The Memoirs of Captain Liddell Hart, 2 vols. (Londres, 1965), 1:21-23. Diário, 10 de março de 1916, W. C. S. Gregson, IWM. Wipers Times, .12 de fevereiro de 1916. Somme Times, 31 de julho de 1916. Diário, s.d ., Mairet, Carnet, 129. Carta de agosto de 1918, D. L. Ghilchick, IWM. Carta, Páscoa de 1915, Binding, Fatalist, 60. Marcel-Edmond Naegelen, Avant^qtte-meure le dernier (Paris, 1958), 222 . Carta de 19 de março de 1918, Boassori, Au Soir, 311. In Gaston Esnault, Le Poilu tel qu’il parle (Paris, 1919), 160-161. In Ellis, Eye-Deep in Hell, 102.
AR TE E MORALIDADE
1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12.
Carta de 14 de setembro de 1915, P. McGregor, IWM. Carta de 21 de novembro de 1915, ibid. In Michael Moynihan (org.), People at War 1914-1918 (Newton Abbot, 1973), 107. Winter, Death's Men, 150. Huot, Psychologie, 156-57. Frederic Manning, The Middle Parts of Fortune (Londres, 1977), 50. Diário, 24-25 de outubro de 1914, P. H. Jones, IWM. Diário, 18 de fevereiro de 1916, Delvert, Carnets, 149. Their Crimes (Londres, 1917), 14. Humphrey Cobb, Paths of Glory (Nova York, 1935), 4-5. Philippe Girardet, Ceux que j’ai connus, souvenirs (Paris, 1952), 104-105. E. E. Cummings, The Enormous Room (Nova York, 1922, reimpr. 1978), 17.
442
VANGUARDA
1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31. .. 32. 33. 34. 35. 36. 37. 38.
Carta à mãe, 23 de julho de 1916, R. D. Mountfort, IWM. Graves, Goodbye, 188, 194. Diário, 5-12 de .março de 1916, Mairet; Carnet, 131-32. Literary Digest, 60/10 (8r de março de »1919), 105. Jünger, in Stahlgewittern, ix. Carta de l.° de julho de 1915, Boasson, Au Soir, 10. In Pedroncini, Les Mutineries , 271. Diário, 26 de março de 1916, Delvert, Carnets, 182-83. Diário, 29 de março de 19Í6, ibid., 185. Diário, 13 de julho de 1916, ibid., 311. Diário, 2 e 23 de julho de 1916, G. Powell, IWM. Siegfried Sassoon, “Blighters”, Collected Poems, 21. Jean Galtier-Boissière, Le Crapouillet, IV/5 (agosto de 1918), 7-8. Pierre Drieu la Rochelle, Interrogation (Paris, 1917), 55. Bridoux, Souvenirs, 39, 45. Especialmente sua carta de 29 de maio de 1917, Boasson, Au Soir, 235-36. Graves, Goodbye, 78. Diário, 15 de junho de 1917, Read, Contrary, 97. In Ducasse, Vie et mort, 96; e G. L. Dickinson, Wa r (Londres, 1923), 6-7. Henry de Montherlant, Chant funèbre pour les morts de Verdun (Paris, 1924), 115. Diário, 9 de maio de 1918, Read, Contrary, 128. Dickinson, War, 5-6. Diário, 7 de outubro de 1917, Read, Contrary, 110. Diário, 27 de fevereiro de 1918, Fayolle, Carnets, 257. “Rapport du Capitaine Canonge”, l.° de junho de 1917, 3e Armée, 16N1521, SHAT. Carta a seu pai, l.° de agosto de 1918, R. R. Stokes, IWM. V Intransigeant, 17 de agosto de 1914. Carta de 29 de dezembro de 1915, J. W. Harvey, IWM. Carta de 2 de junho de 1916, J. M. S. Walker, IWM. Cartas, 1 e 3 de setembro de 1914, em The Letters of Henry James, 11:414-19. In Roland H. Bainton, Christian Attitudes to War and Peace (Nova York, 1960), 207. In Ray H. Abrams, Preachers Present Arms (Nova York, 1933), 28. Isadora Duncan, My Life (Nova York, 1927), 349. Carta de 22 de abril de 1915 a seus pais, Mairet, Carnet, 42. Ian Hamilton, The Soul and Body of an Army (Londres, 1921), 92. Robert Graves, “Recalling War”, em Collected Poems, 1959 (Nova York, 1959), 121. John Brophy e Eric Partridge, The Long Trail (Londres, 1965), 27. Diário, 11 de novembro de 1918, Carnet de route du lieutenant René Hemery, Dons et Témoignages 170, SHAT.
443
39.
Edward Thomas, “Roads”, em Collected Poems (Londres, 1969), 163-64.
TERCEIRO ATO VIII — DANÇARINO NOTURNO O NO VO CRISTO 1. In Wolff, Black Sun, 260. 2. Daily Mail, 23 de maio de 1927, 14d. 3. Harold Wheeler, repórter do Herald de Paris e “um simples no va-iorquino”, como o Morning Post (23 de maio de 1927) o descre veu, estava entre os primeiros a chegar até o aeroplano. Alguns relatos lhe dão o crédito de salvar Lindbergh das multidões imi tando-o e fazendo as atenções se desviarem do herói real. Por seu gesto humanitário e talvez patriótico quase foi reduzido a franga lhos. Ver Jack Glenn, “Reeling Round the World”, Lost Generation Journal, IV/2 (1976), 2-4. ___ 4. Morning Post, 30 de maio de 1927. 5. Berliner Tageblatt, 252, 30 de maio de 1927.
ESTRELA Em seu prefácio a Charles A. Lindbergh, Mon avion et moi, trad. L. Lemonier (Paris, 1927), viii. 2. In Edmund Wilson, The Twenties, org. Leon Edel (Nova York, 1976), 317/ 3. Citado em Journal des débats politiques et littéraires, 23 de maio de 1927. 4. Times de Londres, l.° de junho de 1927, 21a. 5. L'Humanité, edições de 22-27 de maio de 1927. 6. Waverley Root, The Paris Edition, org. Samuel Abt (São Francisco, 1987), 36; Leonard Mosley, Lindbergh (Nova York, 1976), 406; William Wiser, The Crazy Yearsr Paris in the Twenties ( Londres. 1983), 189. 7. The Observer, 12 de junho de 1927, 17d. 8. Root, Paris Edition, 29. 9. Daily Express, 31 de maio e 2 de junho de 1927, 4d. 10. Manchester Guardian, 2 de junho de 1927, lOef. 11. Léger et Vesprit moderne (1918-1931), catálogo da exposição, Mu sée d’art moderne de la ville de Paris (Paris, 1982), 149. 12. In Janet Flanner, Paris Was Yesterday, 1925-1939, org. I. Drutman (Nova York, 1972), 23. 1.
444
PARA QUE NÃO ESQUEÇAMOS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9.
Ilya Ehrenburg, Men Years — Life, 6 vols., trad. T. Shebunina (Londres, 1962-1966), 111:11-12. Stephen Spender, World Within World (Londres, 1951), 2-3. Paul Valéry, Variety, trad. Malcolm Cowley (Nova York, 1927), 27-28. Michael Arien, The Green Hat (Nova York, 1924), 53. Aldous Huxley, Point Counter Point (Harmondsworth, 1971), 138 [Contraponto, trad, de Érico Veríssimo e Leonel Vallandro; 6. cd.; Porto Alegre, Editora Globo, 1956, p. 150]. In Beverley Nichols, The Sweet and Twenties (Londres, 1958), 18. Christopher Isherwood, Lions and Shadows (Londres, 1953), 73-74. Ehrenburg, Men> Years, 111:129. Isherwood, Lions and Shadows, 217. ,
ITIN ERÁRIO E SÍMBOLO 1. Um dos relatos mais detalhados e nuançados da chegada pode ser encontrado no Berliner Tageblatt, 241, 23 de maio de 1927, 4. 2. Groupe sénatorial de l’aviation, Réception par le sénat de l’avia teur américain Charles Lindbergh (Paris, s.d. [1927]), s.p. 3. O comentário foi citado aprovadoramente em Vorwärts, 241, 23 de maio de 1927, 5. 4. Manchester Guardian, 23 de maio de 1927, 8b. 5. In J. P. Dournel, “L’image de l’aviateur français en 1914-1918”, Revue historique des armées, 4 (1975), 62. 6. Daily Express, 23 de maio de 1927, 10b. 7. Paul Claudel, Journal, vol. 1: 1904-1932, org. F. Varillon e J. Petit (Paris, 1968), 772. 8. In René Weiss, Les premières traversées aériennes de l’Atlantique (Paris, 1927), 21. 9. In ibid., 22, 28. 10. Alexandre Guinle, Ode à Charles A. Lindbergh (Paris, 1927). 11. Journal des débats politiques et littéraires, 23 de maio de 1927.
NOVOS MUNDOS E O ANTIGO 1. “New York”, Cahier d’Art, 1931, citado em Léger et l’esprit mo derne, 197. 2. Lucien Romier, Qui sera le maître: Europe ou Amérique (Paris, 1927), 155-58. 3. In Allan Nevins (org.), America Through British Eyes (Nova York, 1948), 396. 4. Mary Borden, “The American Man”, The Spectator, 140 (30 de junho de 1928), 958. 5. Ivan Goll, Transition, 13 (1928), 256.
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In Haskell, Diaghileff, 296. Carta a Boris Kochno, 7 de agosto de 1926, in Buckle, Diaghilev, 473. Margaret Halsey, With Malice Towards Some (Nova York, 1938), 194. B. Henriques, citado em The Observer, 19 de junho de 1927, 21b. Octave Homberg, Uimpérialisme américain (Paris, 1929), 22. Ernest Hemingway, A Moveable Feast (Nova York, 1965), 71; e Wayne E. Kvam, Hemingway in Germany (Athens, Ohio, 1973). In Freedman, Hesse, 227. Carta (“Brief an einen Opernleiter”), 15 de novembro de 1927, Mann, Gesammelte Werke, X:894.
ASSOCIAÇÕES 1. 2. 3. 4.
5.
Le Figaro, 30 de maio de 1927. Adolf Weissmann, Vossische Zeitung, 121, 25 de maio de 1927. Romola Nijinsky, Nijinsky, 361. Diário, 27 de dezembro de 1928, Harry Graf Kessler, Tagebücher 1918-1937, org. Wolfgang Pfeiffer-Belli (Frankfurt am Main, 1961), 612-13. T. S. Eliot, “The Waste LancU^ Collected Poems, 63. [“A terra desolada”, em T. S. Eliot, Poesia, trad., introd. e notas de Ivan Junqueira, 2. ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1981, 89.].
IX — MEMÓRIA
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VIDA DA MORTE 1. 2.
3. 4. 5.
John Middleton Murry, Between Two Worlds (Londres, 1935), 65. Atas do Gabinete, 19 de dezembro de 1930, arquivos do Reichs kanzlei, R431/1447, 383, Bundesarchiv Koblenz (daqui em diante referido como BAK). Peter Kropp, Endlich Klarheit über Remarque und sein Buch “Im Westen nichts Neues” (Hamm i. W., 1930), 9-14. Der Spiegel, 9 de janeiro de 1952, 25. In D. A. Prater, European of Yesterday: A Biography of Stefan Zweig (Oxford, 1972), 140.
446
6. 7. 8. 9.
10.
11. 12. 13. 14. 15. 16.
Entrevista com Axel Eggebrecht, Die Literarische Welt 14 de ju nho de 1929. Sport im Bild, 8 de junho de 1928. Ibid., 20 de julho de 1928. Usei a tradução de A. W. Wheen (Londres, 1929) para fazer as citações. [Nada de novo no front, trad, de Helen Rumjanek, São Paulo, Círculo do Livro, 1975]. Wheen era ele próprio um veterano da guerra; ver R. Church, The Spectator, 142 (20 de abril de 1929), 624. Hanna Hafkesbrink, por exemplo, chamava Nada de novo de uma “genuína memória da guerra”; ver Unknown Germany: An Inner Chronicle of the First World War Based on Letters and Diaries (New Haven, Conn., 1948), ix. Para exemplos da crítica, ver Jean Norton Cru, Témoins, 80; e Cyril Falls, War Books (Londres, 1930), x-xi, 294. E. M. Remarque e Gen. Sir Ian Hamilton, “The End Of War?” Life and Letters, 3 (1929), 405-406. Time, 24 de março de 1961, em sua resenha de Heaven Has No Favorites. Michel Tournier, Le vent Paraclet (Paris, 1977), 166. Harry Crosby, “Hail: Death!” Transition, 14 (1928), 169-70. R[osie] G[räfenberg], Prelude to the Past (Nova York, 1934), 320-21. ,
FAMA 1.
2.
3. 4.
As lendas sobre Remarque e Nada de novo são muitas. Uma diz que ele ofereceu seu manuscrito a quarenta e oito editoras. Ver o obituário em Der Spiegel, 28 de setembro de 1970. Para relato sobre a publicação, ver Peter de Mendelssohn, S. Fischer und sein Verlag (Frankfurt am Main, 1970), 1114-18 Max Krell, Das gab es alles einmal (Frankfurt am Main, 1961), 159-60; a versão de Heinz Ullstein numa nota de divulgação dpa, 15 de junho de 1962, bem como sua carta ao Frankfurter Allgemeine Zeitung, 9 de julho de 1962; e os comentários de Carl Jödicke, empregado de Ullstein, em seu näo-publicado “Dokumente und Aufzeichnungen” (F501), 40, Institut für Zeitgeschichte, Munique. Carl Zuckmayer, Als wär’s ein Stück von mir, 359-60; Axel Eggeb recht, Die Weltbühne, 5 de fevereiro de 1929, 212; Herbert Read, “A Lost Generation”, The Nation & Athenaeum, 27 de abril de 1929, 116; Christopher Morley, The Saturday Review, 20 de abril de 1929; 909, Daniel-Rops, Bibliothèque universelle et Revue de Genève, 1929, II, 510-11. O Sunday Chronicle é citado em The Saturday Review , l.° de junho de 1929, 1705. Ver a sinopse feita por Antkowiak das críticas comunistas in Pa wel Toper e Alfred Antkowiak, Ludwig Renn, Erich Maria Remar que: Leben und Werk (Berlim [Oriental], 1965).
447
5.
Freiherr von der Goltz, Deutsche Wehr 10 de outubro de 1929, 270; Valentine Williams, Morning Post 11 de fevereiro de 1930; The London Mercury, 21 (janeiro de 1930), 238; e Deutschlands Erneuerung, 13 (1929), 230. Ver as reportagens no New York Times, 31 de maio, l.° de junho 14 de julho, 29 de julho, 1929. The London Mercury, 21 (novembro de 1929), 1. The Army Quarterly, 20 (julho de 1930), 373-75. Berliner Börsen-Zeitung, 9 de junho de 1929; New York Times, 17 de novembro de 1929; Daily Herald, 12 de novembro de 1929. The Cambridge Review, 3 de maio de 1929, 412. The London Mercury, 21 (janeiro de 1930), 194-95. Relatado em New York Times, 9 de fevereiro de 1930. H. A. L. Fischer, A History of Europe, 3 vols. (Londres, 1935), I: vii. “War Novels”, Morning Post, 8 de abril de 1930. André Thérive, “Les Livres”, Le Temps, 27 de dezembro de 1929. Robert Wohl, The Generation of 1914 (Cambridge, Mass., 1979), 120; A. C. Ward, The Nineteen-Twenties (Londres, 1930), xii; Robert Graves, “The Marmositels-Miscellany”, Poems (1914-26) (Lon dres, 1927), 191. José Germain, em seu prefácio a Maurice d’Hartoy, La Génération du feu (Paris, 1923), xi. Carroll Carstairs, A Generation Missing (Londres, 1930), 208. Carta de 2 de julho de 1915, Boasson, Au Soir, 12; Egon Friedeil, A Cultural History of the Modern Age, trad, de C. F. Atkinson (Nova York, 1954), 111:467. ' W. Müller Scheid, Im Westen nichts Neues — eine Täuschung (Idstein, 1929), 6. Commonweal, 27 de maio de 1931, 90. The Fortnightly Review, l.° de outubro de 1930, 527; Davidson, in John C. Cairns, “A Nation of Shopkeepers in Search of a Suitable France: 1919-40”, The American Historical Review, 79 (1974), 728; Douglas Goldring, Pacifists in Peace and War (Londres, 1932), 12, 18; Graves, Goodbye, 240. Joffre, in Marc Ferro, La Grande Guerre 1914-1918 (Paris, 1969), 239; Pedroncini, Les Mutineries, 177; General Huguet, LTntervention militaire britannique en 1914 (Paris, 1928), 231. Ver os comentários introdutórios de René Lalou a La Ferme es pagnole de R. H. Mottram, trad. M. Dou-Desportes (Paris, 1930), i-iv. Isherwood, Lions and Shadows, 73-76, e também seu Kathleen and Frank, 356-63; e Jean Dutourd, Les Taxis de la Marne (Paris, 1956), 189-93. New York Times, 18 de janeiro de 1930. William Faulkner, The New Republic, 20 de maio de 1931, 23-24. ,
,
6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16.
17. 18. 19.
20. 21. 22.
23.
24.
25.
26. 27.
448
O MALABARISTA DAS NUVENS 1.
2.
Ver o meu “War, Memory, and Politics: The Fate of the Film All Quiet on the Western Fr ont”, Central European History, 13/1 (março de 1980), 60-82. In Henry C. Meyer (org.), The Long Generation (Nova York, 1973), 221
3.
4.
.
Ver a correspondência entre o Polizeipräsident em Berlim e o Geheime Staatspolizeiamt, 4 e 16 de dezembro de 1933, arquivos do Reichssicherheitshauptamt, R58/933, 198-99, BAK. Relatório do WolfPsche Telegraphen Büro, 15 de maio de 1933, nos arquivos do Neue Reichskanzlei, R43II/479, 4-5, BAK.
X
— PRIMAVERA SEM FIM
ALEMANHA , DESPERTA! Diário, 30 de janeiro de 1933, Joseph Goebbels, Vom Kaiserhof zur Reichskanzlei (Munique, 1934), 251-54. 2. In Hannah Vogt, The Burden of Guilt, trad, de H. Strauss (Nova York, 1964), 118. 3. Diário, 30 de janeiro de 1933, Kessler, Tagebücher, 747. 4. Malcolm Muggeridge, The Infernal Grove: Chronicles of Wasted Time, Part 2 (Londres, 1975), 283-84. 5. In Colin Cross, The Fascists in Britain (Londres, 1961), 57. 6. Hermann Rauschning, Hitler Speaks (Londres, 1939), 242. Se Rauschning foi desacreditado ultimamente como transmissor acura do das palavras de Hitler, ainda é um delineador bastante confiá vel das idéias de Hitler. 7. Walter Benjamin, Das Kunstwerk im Zeitalter seiner technischen Reproduzierbärkeit (Frankfurt am Main, 1963), 48. 8. Anson G. Rabinbach, “The Aesthetics of Production”, Journal of Contemporary History, 11/4 (1976), 43-74. 9. Matei Calinescu, Faces of Modernity: Avant-Garde, Decadence, Kitsch (Bloomington, 1977), 229. 1.
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1. 2. 3.
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7. 8. 9. 10. 11. 12.
13. 14. 15.
In Peter Merkl, 1975), 167.
Political Violence Under the Swastika (Princeton,
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Barbara Miller Lane, “Nazi Ideology: Some Unfinished Business”, Central European History, 7/1 (1974), 23. Philipp Witkop (org.), Kriegsbriefe gefallener Studenten (Munique, s . d. [1933]), 5-6. Christopher Isherwood, Goodbye to Berlin (Harmondsworth, 1965), 202 . Numa carta ao Reitor, Universidade de Bonn, l.° de janeiro de 1937, Thomas Mann, Briefe 1937-1947, org. Erika Mann (Frankfurt am Main, 1963), 13.
A ARTE COMO VIDA 1. 2. 3. 4. 5. 6.
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O MITO
1. 2. 3. 4.
5. 6.
7.
COMO REALIDADE
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,
,
“ES IST EIN FRÜHLING OHNE ENDE!” 1.
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452
FONTES SELECIONADAS
As fontes para este trabalho são exíremamente variadas. Consistem cm informações publicadas e não-publicadas, consultadas e reunidas em muitos anos de- leitura e investigação nas bibliotecas e nos arquivos da Europa e da América do Norte. Listar todo o material que consultei du rante a pesquisa seria uma tarefa impossível. Listar só as principais obras publicadas neste período já exigiria um volume próprio. Portanto, só aquelas coleções de fontes primárias que usei com grande proveito são aqui registradas. Algumas das fontes secundárias mais significativas são mencionadas nas notas. Nova York, New York Public Library, Performing Arts Research Center, Dance Collection. Gabriel Astruc, Papéis. Jacques-Émile Blanche, manuscritos variados. Sergei Pavlovich Diaghilev, Papéis 1909-1929 e Correspondência. Londres, Imperial War Museum. Papéis: W. G. Bailey, A. G. Bartlett, H. R. Bate, H. D. Bryaá, Guy Buckeridge, F. L. Cassel, Iain Colquhoun, E. B. Cook, Elmer W. Cotton, R. von Dechend, T. Dixon, David H. Doe, B. W. Downes, H. V. Drinkwater, J. S. Fenton, V. M. Fergusson, J.W. Gamble, R. G. Garrod, Kenneth M. Gaunt, David L. Ghilchick, Arthur Gibbs, William C. S. Gregson, John W. Harvey, R. G. Heinekey, Edward R. Hepper, Edmund Herd, C. E. Hickingbotham, Harold Horne, Walter Hoskyn, Alfred Howe, G. W. G. Hughes, Percy H. Jones, Samuel Judd, Leslie H. Kent, E. D. Kingsley, Peter McGregor, P. Mortimer, Roland D. Mountfort, Richard Noschke, M. W. Peters, P. H. Pilditch, Garfield Powell, W. A. Quinton, I. L. Read, John R. Rees, Ronald D. Rees, Arthur G. Rigby, Frank M. Robertson, G. R. P. Roupell, Alexander Runcie, E. Russell-Jones, Siegfried Sassoon, Eric Scullin, A. Self, R. Stafford, Richard R. Stokes, Hiram Sturdy, F. H. T. Tatham, Harold A. Thomas, Oswald Tilley, John M. S. Walker, M. Leslie Walkinton, H. G. R. Williams. Miscellaneous Item 469. Registros de História Oral: Philip Neame, -James D. Pratt, J. P. O. Reid.
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Department of Art, Papéis: John Nash, Paul Nash, C. R. W. Nevinson, William Roberts, Christmas Card Collection. Londres, Public Record Office. Diários de Guerra (W095). Papéis do Quartel-General Militar (WO 158). Diretoria de Operações e Informações Militares (WO 106). Papéis Kitchner (WO 159). Mapas e Planos (W0153). Sumários de Informações (W0157). Conselho do Ministério da Guerra (W0163). Londres, Liddell Hart Centre for Military Archives, King’s College, Uni versidade de Londres. Papéis: C. H. Foulkes, Basil Liddell Hart, Ian Hamilton, Edward L. Spears. Paris, Service historique de 1’armée de terre, Château de Vincennes. Journaux cies Marches et Opérations (22N, 24N, 25N, 26N). Grand Quartier Général (16N). Dossier Montlebert (1K143). Papiers Mealin (1K112). Dons et Témoignages: Chansons de tranchée (87), Carnet de route d’un combattant allemand en 1914 (103), Carnet de route du lieutenant René Hemery (170). Coblença, Bundesarchiv. _____ Reichskanzlei (R43I), Neue Reichskanzlei (R43II), Reichssicherheitshauptamt (R58), arquivos da UFA (R109I), protocolo de Filmoberprüfstelle, 11 de dezembro de 1930 (Kl. Erw. 457). Friburgo em Breisgan, Bundesarchiv-Militärarchiv. Papéis: Émile-Marcel Décobert, Karl von Einem, Hermann Ritter von Giehrl, Frithjof Freiherr von Hammerstein-Gesmold, Henry Holthoff, Rudolf Müller, Gerhard von Nostitz-Wallwitz, Gustav Riebensahm, Paul Schulz, Bernhard Schwertfeger, Gerhard Tappen, Ferdinand von Trossei, Franz von Trotta gen. Treyden, Erwin von Witzleben. Coleções de manuscritos (MSg2): Georg Eberle, Annemarie Heine, Felix Kaiser, os irmãos Bernhard; Clemens, e Aloys Lammers, Lücke, Ernst Prasuhn, Gerhard Schinke, Heinrich Schlubeck, Ernst Wisselnick, Karl Zieke, Erinnerungsfeier “Goldene Monstranz”. Bonn, Politisches Archiv, Auswärtiges Amt. Schuldreferat. Botschaft London Geheimakten. Botschaft Paris. Kunst und Wissenschaft. Bücher und Zeitschriften. Wissenschaft — Reisen. Presse-Abteilung. Munique, Bayerisches Kriegsarchiv. Kriegstagebücher. Papéis: Oberst von der Aschenauer (HS2047), Gustav Baumann (HS2646), Otto Weber (HSP984), Georg Will (HS2703). Munique, Institut für Zeitsgeschichte. Carl Jödicke, Dokumente und Aufzeichnungen betr. Ullstein-Verlag (F501).
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ÍNDICE REMISSIVO
À la recherche du temps perdu (Proust), 268 ácido sulfúrico: produção de, 97 Acton, Harold, 46 Acton, Lord, 159 Adams, Reverendo J. Esslemont, 150 Adorno, Theodor, 383 Aeroplano. Ver avião agents provocateurs, 298-99, 300-1 AGFA (firma), 97 agricultura: no pós-guerra, 330 Aisne, frente de, 153 Aitken, Alexander, 222 Akenbrand, Alfons, 255 Albert, catedral de: destruição da, 205-6 Alberto, rei da Bélgica, 314 Alcock, John, 317 Aldington, Richard, 360, 371 Alemanha: abordagem espiritual da guerra, 123-29, 158-61, 2038, 247-60, 302; aceitação po pular do nazismo, 398-99; americanização no pós-guerra, 344-46; arquitetura na, 34-36, 113; arquitetura modernista na, 34-36; associação entre a guerra e a arte na, 127-29, 15859, 248-49, 257-58; atitudes be licosas britânicas para com a, 158-60; bloqueio naval britâ nico contra a, 216, 255» como ameaça aos valores britânicos, 175-77; como potência militar e econômica dominante, 105-6; condições de Versailles após a derrota da, 323; crise de
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alimentos em 1916, 264; cul tura Volk , 54; dança moderna ria, 113; declaração de guerra à Rússia e à França, 88-89; despersonalização na, 98-99; diante da derrota, 255-56; e o deus da guerra, 247-49; eco nomia no pós-guerra, 345-46, 374, 392; educação na, 100-1, 111-12; eleições de 1912 na, 103; espírito de revolta na,^ 111-23; fabulação na, 107; fronteiras da, 93; fusão de so ciedade e cultura na Grande Guerra, 247-60; guerra francoprussiana, 71, 74, 94, 99-100, 106, 111; historiadores justifi cam ataques a civis, 207-8; histórias oficiais da guerra, 326; Hitler torna-se chanceler da, 380; idealismo secular na, 107-8; individualismo e honra pessoal, 249-50; Kultur como ideal, 95, 106-11, 120, 124, 263; literatura nacionalista no pós-guerra, 392; modernismo da, 13-15, 383-84, 397-99; mo vimento de juventude na, 52, 112, 114-16; mudanças demo gráficas em, 97-98; mulheres no mercado de trabalho da, 112; nacionalismo na, 102, 110-11, 247-49; opiniões sobre a história, 249-50, 253; oposi ção à guerra na, 264-66; ori gens tribais da, 117; papel de Bismarck na unificação da, 9496; população da, 97-98; preo-
cupação com a Bildung, 107; preocupação com Macht, 107, 111; preocupação com Tech nik, 98-103, 383, 394, 405-7; produção industrial da, 96-97; progressos pós-industriais da, 98-99; propaganda na Grande Guerra, 207-9; protecionismo econômico na, 102; radicalis mo no pós-guerra, 14; reações à efervescência cultural na, 117-18; realinhamentos políti cos no pós-guerra, 325-26; re gionalismo da, 93; relações exteriores e política exterior antes da guerra ( Weltpolitik ), 120-21; reparações no pósguerra, 373-74; Repúbliea—de Weimar, 14, 373, 390, 392; responsabiliza a Grã-Bretanha pela guerra, 257-58; senso de dever (Pflicht ) na, 228-31, 24953, 260; senso d e , missão na, 114; sentimento antibritânico na, 121, 126, 257-58; sentimen tos populares a favor da guer ra na, 81-92, 123-29, 247-60; sistema político da, 102-3, 112; sociedade versus comunidade na, 98-99; sociedades naciona listas na, 102; totalitarismo nos esforços de guerra, 25455; união aduaneira, 104; uni ficação num Estado, 92-99, 252; urbanismo na, 98; ver também Berlim; exército ale mão; Grande Guerra, nazis tas; veneração da administra ção na, 99; vontade e honra na, 250-51; xenofobia e ra cismo na, 109-11. Alfonso XIII, rei da Espanha, 47 All Our Yesterdays (Tomlinson), 370 Allgemeine Elektrizitäts-Gesell schaft, 77 Alsácia, 74 América. Ver Estados Unidos
Americanização: da Europa, 341-46 anabatistas de Münster, 255 anarquismo, 73 Anel, ciclo de (Wagner), 74, 108, 253 anos trinta: ascensão nazista nos. Ver nazistas; valorização da guerra nos, 368 anos vinte: como negação da Gran de Guerra, 327-28; culto da juventude nos, 329, 332; estilo internacional dos, 330-31; fas cinação pela morte, 361; fuga da realidade nos, 328-29; li vros de guerra nos, 360 {ver também Nada de novo no front ); manias e cinismo dos, 329-30; moda dos, 329; reali dade versus mito dos, 327-29; valorização da guerra nos, 368-69 Anschütz, Gerhard, 252 Antheil, George, 361 Anti-machiavel. (Frederico II), 99100 anti-semitismo, 38, 382-83, 389-90, 392, 402-4, 412-13; com ódio de si mesmo, 403; solução fi nal nazista, 405 Apóllinaire, Guillaume, 28, 191 Appleton, Thomas, 68 Après-midi dyun faune, L. (Debussy/Nijinsky), 47-48, 56, 6364, 113 Arabic: afundamento do, 218 arianismo, 401-2 Aristóteles, 250 Aries, Michael, 331 Armínio, 117, 250 Armistício,' 255, 265, 304-5, 323-24, 326 Army Quarterly, The, 366 Arnold, Sir Thomas, 161-62 Arp, Hans, 269 arquitetura: alemã, 35-36; art-nouveau, 34; estilo internacional no pós-guerra, 331-32; moder-
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nismo, 33-34, 113; nazista, Auto bahnen, 407 401; parisiense, 33-36, 68 automóveis, 70; cemitério em VerArras, batalha de, 187 dun, 11; entusiasmo de Hitler pelos, 406 art nouveau, 34-47 arte: como forma, 276-98; como autoridade: fracasso tia, na Grande regeneração, 51-54; distinção Guerra, 272-73 entre vida e, 21; e moral, 286- avant-garde: e as classes baixas, 91; e o socialismo, 272; for 66; uso do termo, 14 mas experimentais de, 276; a aviadores. Ver avião; Lindbergh, guerra como, 267-76; kitsch, Charles Augustus 385; nazista, 385, 394-98; nova Avião, emprego nazista do, 407; estética da guerra, 276; papel entusiasmo fascista pelo, 407-8; do público na, 67, 75; Paris simbolismo do, 321-22; 337como centro cultural, 71-75; 39; simbolismo do voo de radical, 53; ver também moviLindbergh, 321-22, 333-41; po mentos e estilos específicos; tencial militar do, 335-36, 338 versus história, 368-70 (ver também reides aéreos); arte de governar; efeitos da Gran taxa de fatalidade entre os de Guerra sobre a, 304 aviadores, 337-38 arte grega, 43 arte secessionista, 63 Badische Anilin, firma, 97 arte total, 44, 53-54; ver também Baker, Josephine, 264, 330, 341, Gesamtkunstwerk 347, 349 artes russas: em Paris, 42-54 Baksta, Léon, 43, 45, 46, 47 artilharia: bombardeio de curto al Balanchine, George, 347 cance, 199; na Grande Guerra, Baldwin, Stanley, 374 182-83, 190, 198, 199 balé: evolução histórica do, 58-60; Artois, frente de, 186 ver também composições es Asas (filme), 352 pecíficas Aschenhauer, major von Der, 151 balé russo, 26-34, 44-51, 58; ver Associação dos Judeus Alemães, também Ballets Russes Berlim, 89 Bali Hugo, 269 Associação Nacional dos Clubes de Ballets Russes, 44-51, 72, 322, 408Moços, 345 9; e A sagração da primavera, Astor, John L., 38 26-34, 64 ( ver também A sa Astor, Lady, 316 gração da primavera); estetiAstruc, Gabriel, 26, 27, 30, 31-32, cismo e política, 65; a guerra 37, 38-39 com gás compartilha a novi dade com, 213; homossexua Atkins, Thomas, 143, 156, 167 lidade nos, 55-56; perda de atrocidades, histórias de: a propa atenção no pós-guerra, 347-48 ganda, 298-99, 301-2 Barbusse, Henri, 225, 227 Audens, W. H., 412 Barrès, Maurice, 69, 402 Auric, Georges, 342 Auschwitz, campo de extermínio, Bauer, Coronel Max, 204 Bauhaus, escola da, 333 ' 383, 404 Áustria: arquitetura na, 37; guerra bávaros versus prussianos, 177 prussiana contra a, 94; ulti Bayard, Èmile, 36 Bayreuth, festival de, 74, 108, 109 mato à Sérvia, 82-83
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Beardsley, Aubreu, 174 Beaverbook, Lord, 278 Behrens, Peter, 37 Bélgica: e a trégua de Natal de 1914, 177-78; na Grande Guer ra, 123, 136, 258; política de ocupação alemã, 203-4, 205-6, 302 belle époque, 71, 74 bem público: senso de, 229 Benjamim, Walter, 385 Benn, Gottfried, 411, 412, 413 Benois, Alexandre, 43, 44, 45, 50, 63, 66, 72 Bentham, Jeremy, 173 Benvenuto Celline (Berlioz), 39 Berger, Marcei, 340 Bergson, Henri, 52, 209 ----- ^ Berlim: aura de novidade em, 1034; os Ballets Russes em, 44; bombardeio aliado de (Segun da Guerra Mundial), 382; ca samento no período pré-guer ra em, 89; como capital, 103-6, 112; como centro de imigra ção cosmopolita, 104, 105; cortes penais moabitas, 88; di nâmica de, 103-6; manifesta ções anti-sérvias em, 82-85; manifestações contra a guerra em, 92-93; população de, 9293, 104; sentimentos favorá veis à guerra em, 81-92; ver também Alemanha Berliner Bôrsen-Zeitung, 366 Berliner Illustrirte Zeitung, 363 Berliner Lokal-Anzeiger , 86, 127 Berliner Tageblatt, 93, 117, 127, 316, 340 Berlioz, Hector, 39 Bernanos, Georges, 273 Bernard, Jean-Marc, 231 Bernes, Gerald, 347 Bernhardi, Friedrich von, 124 Bernstein, Eduard, 264 Berr, Henri, 244 Bethmann Hollweg, Theobald von, 82, 83, 87, 215, 218, 254
Béthune, frente de, 139 Better Times, 283 Bildung: preocupação alemã com, 107 Binding, Rudolf, 263, 285, 411 Bismarck, Otto von, 74, 87, 94, 121, 125, 248, 251; e a uni ficação da Alemanha, 94-95, 99 Blachon, Georges, 218 Blanche, Jacques-Émile, 39, 50, 7374, 75, 269, 274 Blasis, Carlo, 59 Blass, Ernst, 247 Blast, 117 Bleak House (Dickens), 96 Blériot, Louis, 314, 322 Blitzkrieg, 406 Blumenfeld, Franz, 252-53 Blunden, Edmund, 324, 352, 360, 374-75 Boasson, Marc, 193, 223, 271, 285, 292, 295, 296, 372 Boccioni, Umberto, 52 Bois, Ilse, 309 Bois sacre, Le (Flers, Cavaillet), 57 bolchevistas, 228, 264, 324; aceitos pela comunidade artística e intelectual, 411-12 Bonn, Moritz Julius, 105 Borden, Mary, 343 Boris Godunov (Mussorgsky), 43 Boston: salões de baile em, 61 Bourdelle, Antoine, 36, 39 Box, Charles, 162 Boyd, Thomas, 290 Braque, Georges, 212 Brasillach, Robert, 398, 411 Braun, Eva, 416 Braun, Otto, 129 Breker, Arno, 386 Bremer Biirger-Zeitung, 91 Brest-Litovsk, Tratado de (1918), 228 Bridoux, André, 224, 295 Briefe an das Leben (Eichacker), 262
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Brittain, Vera, 232-37 Brooke, Rupert, 46, 164, 175-76, 177 Brown, Arthur Whitten, 317 Brussel, Robert, 47 Buchanan-Dunlop, Major A. H., 150-51 Bucher, Lothar, 112-13 Buck, Richard, 45 B’iilow, Principe Bernhard von, 121 Burckhardt, Jacob, 111, 249-50 Byron, George Gordon, Lord, 17, 126 Caillaux, Henriette, 48 Caillaux, Joseph, 48 Calmette, Gaston, 47-48 caminho de volta, O (Remarque), 359-60 Camondo, Conde Isaac de, 37-38 Campana, Roger, 194, 199 Canby, Henry Seidel, 363 Canetti, Elias, 81 Capote, Truman, 20 Capus, Albert, 79 Carlyle, Thomas, 396 Carr (aviador), 336 Carstairs, Carroll, 372 Caruso, Enrico, 38 Casement, Roger, 219 Cassel, Sir Ernest, 39 Castle, Irene, 331 Catarina II, a Grande, czarina da Russia, 42 Catedral de Notre Dame, Paris, 206 Catedral de Rheins: bombardeio da, 206, 207 Cavaillett, Gaston de, 57 Cavaleiros Teutônicos, 250 Cavalieri, Lina, 38 Céline, Louis-Ferdinand, 25 censura: na Grande Guerra, 224, 298-99 Chaliapin, Feodor, 43, 72, 348 Chamberlain, Houston Stewart, 109-10, 114, 122, 250, 340 Chamberlain, Joseph, 162
Chamberlain, Neville, 408 Champagne, frente de, 186 Chanel, Coco, 331 Chaney, Bert, 288 Charleston (dança), 321, 330, 344 Charpentier, Gustave, 72 Chartier, Émile, 296 Chatte, La (Sauguet/Balanchine), 347 Chemin des Dames: batalha de, 190, 226, 235 Chemnitzer Volksstimme, 125 Cherfils, general, 215 Chesterton, G. K., 162 Chevallier, Gabriel, 225 Chiappe, Jean, 340 Chicago Tribune , 319 choque emocional causado pelas bombas, 223, 272; ver também psiconeurose ciência: educação na, 100-1 ciganos: nos campos de extermínio nazistas, 383 cinema: americano na Alemanha, 345; e a Grande Guerra, 286; nos anos 20, 330, 346; sobre a experiência da guerra, 352; uso pelos nazistas, 406, 408-9; versão cinematográfica de Na da de novo no front, 358, 378 civilização, 106, 110-11, 114, 126, 156-57, 161, 173-76, 230-31, 2J7-38; e o senso de história, 249; e os valores burgueses na Grande Guerra, 228-31, 237-40, 244-45; valores solapados pela Grande Guerra, 244-45 classe média. Ver valores burgue ses; civilizações classes sociais: estetismo e, 65-66 Claudel, Paul, 314, 339 Clausewitz, Karl von, 247 Clemenceau, Georges, 69, 323, 325 Cleópatra (balé), 47, 56 Clube do Livro-do-Mês, 351, 366 Cobb, Humphrey, 289 Cobb, Richard, 350
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Cocteau, Jean, 26, 33, 53, 57, 73, 191 Code of Terpsichore, The (Blasis), 59
Coli, François, 336 colonialismo, 71; alemão, 120 comércio do livro: e os livros de guerra, 352 Comissão Clarendon de 1864, 162 companheirismo na guerra de trin cheiras, 293-96 Comuna de Paris de 1871, 69 comunistas: oposição a Nada de novo no front, 364 condições atmosféricas: e o moral das tropas na guerra de trin cheiras, 141-42, 192-94r-e-a po lítica, 81-82 Conrad von Hõtzendorf, Conde Franz, 136 Contraponto (Huxley), 332 Convenção de Haia de 1907, 209, 214 Convent Garden, Londres, 46-47 Coolidge, Caloin, 316, 317 Coubert, Gustave, 73 Cousin, Victor, 100 Craig, Gordon, 386 Crane, Hart, 378 Crémieux, Benjamin, 239 críquete, 162 Crosby, Caresse, 311 Crosby, Harry, 275, 311, 322, 350, 360, 378 Cru, Jean Norton, 244 cubismo, 277 cultura do corpo, 59-60, 115-17 cultura Volk , 53 Cummings, E. E., 279, 290 Cunard, Nancy, 342 dadaistas, 262, 269, 281, 285, 361, 372 Daily Express, 278, 320, 338 Daily Herald, 335 Daily Mail, 171-72, 178-79, 211, 300, 312 Dalling soldado, 169
dança: Charleston, 321, 330, .344; evolução histórica da, 57-61; popular, 61-62; ver também Ballets Russes dança grega, 57, 58 Daniel Rops, 363 d’Annunzio, Gabriele, 400, 402, 413 Dardanelos, 187, 303 David, André, 340 David, Eduard, 125 Davidson, J. C. C., 374 de Pinedo (aviador), 336 Death of a Hero (Aldington), 370 Debussy, Claude, 47, 49, 72, 74, 76 Declaração de Haia de 1899, 210 Declaração de Londres de 1909, 216 Décobert, Émile Marcei, 149 defecação, imagens de: entre os soldados, 289-90 Degas, Edgar, 158 Delage, Maurice, 33 Delaunay, Robert, 322 Delbrück, Hans, 264 Dèlvert, Charles, 194, 196, 199, 226, 289, 293-94 Demian (Hesse), 332 Denis, Maurice, 36 Departamento de Guerra da Tchecoslováquia, 366 Derby Eve Bali, 316, 320, 321 Derrick, T., 277 Descartes, René, 110 d’Espérey, marechal Franchel, 346 Devine, Frank, 143 Dherbécourt, senador, 339 desemprego: no pós-guerra, 325, 328, 371, 374 Diaghilev, Sergei Pavlovitch: anos de formação de, 17-19; como esteta e divulgador, 51-53; e
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A sagração da primavera, 3334, 59, 61, 62, 65, 77; e Morte em Veneza, 17-18; e o balé
como forma de arte total, 4344; e o momento faustiano,
127; e os Ballets Russes, 43- educação técnica: na Alemanha, 50, 191, 322, 347; homossexua 100-2 lidade, 17-19, 56-57, 412; juven Eggebrecht, Axel, 363 tude e primeiros sucessos de, Ehrenburg, Ilyia, 325, 333 39-44; morte em Veneza, 17, Eichacker, Reinhold, 262 19; na Alemanha, 112-13; per Einstein, Albert, 52, 101, 333 da de prestígio no pós-guerra, Eizige und sein Eigentum, Das 347-48; relações com Nijinsky, (Stirner), 66 17-18, 56-57, 80; vida em Ve êlan vital, 52 Elektra (Strauss), 64, 118 neza, 17-19 doença venérea: entre os soldados, Eliot, T. S., 158, 280, 309, 323, 349 289 Elizabeth, Princesa da Inglaterra, Dickens, Charles, 96 318 Dickinson, G. Lowes, 296, 363, 366 empirismo: e a civilização anglofrancesa, 107 Dilthey, Wilhelm, 110, 250 Dinamarca: guerra alemã contra a, emprego: divisão de, 240 empréstimo Dawes, 345 94 energia: e o desenvolvimento in Disraeli, Benjamin, 130 dustrial, 96-97 Dobujinski, Mstislav, 42 Enfant et íes sortilèges, V (Ravel), Dodge, Mabel, 30 342 Dõhring, licenciado, 89 Englishman's House, An (du Mau Dolin, Anton, 19 rier), 174 Dompierre, frente de, 154 Enormous Room, The (Cummings), Donnay, Maurice, 178 290 Dorgelès, Roland, 224, 268, 279 Epstein, Jacob, 158 Dostoievski, Fiodor, 74 escoteiros, 60 Doumergue, Gaston, 48, 314 Espanha: Guerra Peninsular na, Dreiser, Theodore, 377 161, 205 Dresden, 105, 112 espectro da rosa, O (balé), 32, 54, Drieu la Rochelle, Pierre, 294, 295 56 Droysen, Johann G., 110, 250 espírito esportivo: e a guerra, sen du Maurier, major Guy, 174 so britânico de, 161-68, 177 Duchamp, Marcel, 20 Esquadrilha Lafayette, 334-35 Duncan, Isadora, 58, 67, 113, 303, Estação Horizonte (Remarque), 356 310, 331, 348-49 estados-maiores: atitudes para com Dupont, Maurice, 79-80 á guerra, 297-98 Dürer, Albrecht, 251 Estados Unidos: adoção do isolacionismo depois da guerra, Eastman, Max, 55 323; ajuda na Grande Guerra, Eaton, Reverendo Charles Aubrey, 255, 335; americanização da 303 Europa, 341; como símbolo École des Beaux-Arts, Paris, 35 do pós-guerra, 341-42; entram Eduardo, Principe de Gales, 316 na Grande Guerra, 218, 255 educação: e valores burgueses, Estetismo: da vida, 107-8; e da 239; elementar obrigatória, política, 65 100, 239; na Alemanha, 100-2; estilo internacional: no pós-guerra, secundária e superior, 100 331-32
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Estrasburgo: bombardeio de, 204-5 estrategistas de gabinete: desprezo dos soldados pelos, 292-93 estudantes: entusiasmo pela guerra entre os, alemães, 84-85, 127 Etiópia, 400 eufemismos: usados para descrever a guerra, 279-81, 298 Eulenburg, Príncipe Philipp zu, 122
euritmia, 59, 76 exército alemão, 134-35; alistamen to por classe social, 244; ata ques a civis, 204-6; atiradores de tocaia no, 214; atitudes bri tânicas para com o, 169-70; baixas do, 136, 188; eartaS" de estudantes mortos publicadas, 393; colapso' da Frente Oci dental, 255, 263; e a guerra de desgaste, 203-4; e a guerra total, 203-4; e a guerra de trincheiras, 137-47; e a nova tecnologia da guerra, 203-19; e a oposição à guerra, 264; e a trégua de Natal de 1914, 132-33, 147-54, 177-80 e 261; gás usado pelo, 209-13, 218 (ver também gás); lança-chamas usados pelo, 214; leal dade no, 225, 261-62, 264; mo ral e motivações no, 220-44; morteiros de trincheira usados pelo, 214; objeções a Nada de novo no front, 366-67; ordens de mobilização emitidas para o, 88, 134; plano Schlieffen, 119, 134-35, 136, 203; regis tros militares do, 261; saques em busca de roupas, 141; Stellungskrieg, 218; táticas e atitudes para com a guerra, 202-19; ver também Grande Guerra exército austríaco, 132, 255 exército belga, 134 exército britânico: alistamento no, 137, 167-68, 244; artistas ofi-
ciais do, 277-78; ataques e contra-ataques, 145-46; atitu des para com os alemães, 16869; baixas do, 136-37, 140, 187, 188; código social vito riano e senso de dever, 17175; e a guerra de trincheiras, 136-47 ( ver também guerra de trincheiras); e a trégua de Natal de 1914, 130-34, 147-54, 154-71; em Mons, 134-35; in trodução de nova tecnologia pelo, 215; introdução do recru tamento no, 234, 235; lealdade no, 225; liderança no, 241; moral e motivação no, 220-45; motim no, 226; organizações esportivas em recrutamento voluntário, 167-68; razões pa ra a confraternização de Natal em 1914, 156-71; uso de gás pelo, 211, 212; ver também Grã-Bretanha; Grande Guerra exército francês: atrocidades come-, tidas pelo, 208; baixas do, 136, 187, 188; colapso do, 187; con fraternização com os alemães durante a trégua, 153, 170; e a trégua de Natal de 1914, 132-33, 178; frentes do, 23243; introdução de nova tecno logia pelo, 213-14; liderança do, 241; moral e motivação no, 220-46; motins no, 190, 192, 226, 234, 243, 291, 293, 297, 375; psicologia do sol dado do, 244; ver também Grande Guerra; guerra de trincheiras exército russo, 132, 134, 136, 187; baixas do, 228; colapso do, 228, 255; e o mito de sua destinação à Frente Ocidental, 300; em Berlim (na Segunda Guerra Mundial)
Exit, V (Montherlant), 73 Exiles (Joyce), 73
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exposição do Salon d’Automne, Petit Palais, 42 expressionismo, 328, 413; violência no, 116 “Extremados”, batalhão dos, 16768 torpedeamento do, 217 Falkenhayn, Erich von, 136, 144, 187-88, 218 Fargue, Léon-Paul, 33 Farmer, Fuzileiro G. A., 131 fascismo: aceito pela comunidade artística e intelectual, 411-12; e a estetização da política e da violência, 384, 399; entu siasmo por voar, 399, 407; erotismo do, 411-12; oposição a Nada de novo no front, 364-65; perspectiva futurista do, 384; as relações de Lindbergh com o, 407-8; ver tam bém nazistas Faulkner, William, 377 Fauré, Gabriel, 72 Fausto (Goethe), 119 fauvistas, 73 Fayolle, Mari Émile, 297 Feder, Gottfried, 391 Ferry, Abel, 232 Fest, Joachim, 409-10 Festubert: batalha de, 187 Feu, Le (Barbusse), 225, 226 Feurbach, Ludwig, 55 Figara, Le, 78-79, 178, 340, 347 filme. Ver cinema Filosofov, Dmitri, 17 Fim de jornada (Sherriff), 352, 366 Fischer, Rudolf, 127, 271 Fischer, Samuel, 361 Fischer Verlag, S., 361 Fisher, H. A. L., 370 Fitzgerald, F. Scott, 246, 341 Flandres, frente de: guerra de trin cheiras na, 137-47, 156, 187 Flaíiner, Janet, 322 Flêischer, Hans, 253 Falaba:
Flers, Robert de, 57 Flex, Walter, 262 Foch, marechal Ferdinand, 314 Fokine, Michel, 44, 48, 59, 63-64, 347 Folies Bergères, Paris, 342 Fontane, Theodor, 101, 118 Forain, J. L., 36 força aérea alemã: reides aéreos realizados pela, 206, 207, 274; na Segunda Guerra Mundial, 407 Força Expedicionária Britânica (BEF). Ver Exército britânico Ford, Ford Madox, 158 Fortnightly Review, The, 374 fotografia: como meio, 274, 352, 357 França: a Alemanha declara guerra à, 89; civilização versus Kultur alemã, 108, 110-11, 114, 126; como árbitro cultural, 7275; condições no pós-guerra, 374-75; e a Guerra da Penín sula, 161; exilados modernis tas na, 73-74; no fin de siècle, 67-75; política no pós-guerra, 325-26; população da, 98; pro dução industrial da, 97; Se gundo Império, 71; senso do dever proveniente dos valores da classe média, 228-231; sen timento antigermânico na, 74; sentimentos antibritânicos no pós-guerra, 375; taxa de nata lidade em declínio na, 71-72; Terceira República, 70-71; va lores burgueses na Grande Guerra, 239-40; ver também exército francês; Grande Guer ra; Paris François-Poncet, André, 381-82, 408 Frank, Bruno, 363 Frankfurter Zeitung, 87 Francisco Ferdinando, arquiduque da Áustria, 79, 82
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franco-atirador , O (Weber), 39 Fredenburgh, T., 290 Frederico Barba-roxa, imperador do Sacro Império Romano, 119, 250 Frederico II, o Grande, rei da Prússia, 89, 92-93, 99, 250, 396, 398, 400; Testamento de 1752, 99 Freikõperkultur, 115 frente interna da Grande Guerra, 232-33, 279-80; antipatia dos soldados pelos civis, 294; car tas da, 294; estrategistas de gabinete, 293; material deleitura vindo da, 293-94; ver também imprensa; propaganda Frente Ocidental: batalhas da, ver batalhas específicas ; fracasso alemão na, 255; guerra com gás na, 209-13; moral e moti vações na, 220-46; períodos da, 189; surrealismo e, 191; tática na, 144-45, 187; ver tam bém exército alemão; exército britânico; exército francês; guerra de trincheiras; Grande Guerra Frente Oriental: colapso do exér cito russo, 227, 256; táticas na, 145, 187 Freud, Sigmund, 52, 55, 327, 333 Frick, Wilhelm, 367-68, 380 Friedell, Egon, 372 Fromelles, frente de, 145 Frühlingserwacheti (O despertar da primavera) (Wedekind), 63 Fry, C. B., 163 Fíy, Rogêr, 112 Fudakowski, Janek, 20 Fürstenberg, Max Egon Fürst zu, 118 futebol: 161-62, 168-69; batalhão dos jogadores de, 168-69 futurismo, 42, 52, 53, 116, 270, 277j na perspectiva nazista, 384, 410
“Futurismos e futuristas” (Palácio Grassi, Veneza, 1986), 21 Gabo, Naum, 347 Galieni, Joseph Simon, 241 Galipoli, campanha de, 176, 187 Galsworthy, John, 270 Gamble, J. W., 274-75, 280 Gamier, Tony, 34 Garrod, R. G., 133 gás: experiência de Hitler com o, 388, 390; nos campos de ex termínio nazistas, 405; usado na Grande Guerra, 183, 196, 205, 209-13, 217, 218, 154, 281, 299, 303 gás de cloro, 212-13; ver também gás gás de fosgênio, 212-13; ver tam bém gás gás de mostarda, 212-13; ver tam bém gás gás venenoso. Ver gás Geibel, Emanuel, 111 Generation Missing, A (Carstairs), 372 George, Stefan, 114 geração perdida, 294, 360, 361 Germain, José, 350, 372 Gesamtkunstwerk , 43-44, 89, 108 Gestapo, 378, 399 Ghéusi, P. B., 347-48 Ghilchick, David, 263, 284 Gide, ‘André, 51, 53, 57, 225, 309, 321 Gilman (aviador), 336 Giraudoux, Jean, 199 Giselle, 56 Glaeser, Ernst, 127 Glazunov, Aleksandr, 43 Goddard, Paulette, 353 Godin, Pierre, 339 Goebbels,. Joseph, 378, 380, 381, 395, 397, 399, 400, 401, 405, 408, 415, 416; organiza as co memorações da eleição, 381-82 Goebbels, Magda, 416 Goering, Herrmann, 380, 401, 407
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Goethe, Johann Wolfgang von, 11, 93, 120, 126, 251, 253, 353, 377 Goldring, Douglas, 407 Goll, Ivan, 188, 340, 343 Goncharova, Natalia, 54, 347 Goodbye to all that (Graves), 366, 374 Gosse, Edmund, 268 Gosset, Alphonse, 36 Gould, Gerald, 175 Grã-Bretanha: acusada de causar a guerra pela Alemanha, 25758; ameaça alemã aos valores da, 175-76; arquitetura na, 113; arte e cultura na, 157-58; atitudes milenaristas para com a guerra, 126-27; civilização versus Kultur alemã, 107-8, 110-11, 114, 126, 156; código social na época da Grande Guerra, 171-75; como potência conservadora, 13-14, 157-58; condições no pós-guerra, 374; conformismo na, 174; ^e a Guerra da Península, 161; e a guerra submarina alemã, 21516; espírito esportivo e guer ra, 161-68; insularidade da, 172; medo e ódio alemão da, 121, 126, 257-58; missão na Grande Guerra, 156-71; mo ralidade vitoriana/eduardiana e a Grande Guerra, 158-59, 171-75; Pax Britannica, 1314, 114, 157; política no pós-guerra, 325-26; popula ção da, 98; produção indus/ trial da, 97; qualidade de vida na, 172; reides de zepe lim sobre a, 207; senso de dever proveniente dos valores da classe média, 158-59, 22831, 237; sentimentos antifranceses no pós-guerra, 374-75; valores burgueses na Grande Guerra, 228-31, 237-38; ver também exército britânico; Grande Guerra
Graham, Kenneth, 176 Grand Palais, Paris, 35; exposição “Locomoção Aérea” no, 322 Grande desfile, O, 352 Grande Guerra: abordagem espiri tual alemã da, 123-4, 159-60, 203-8, 247-59, 302; armistício, 255-56, 265, 303-4, 323-24, 326; artilharia na, 182-83; ata ques civis na, 205-7, 217-18; atitudes alemãs para com as regras da guerra, 203-19; ati tudes britânicas e alemãs para com a causa da, 156-61; atitu des milenaristas para com a, 126, 159, 248; baixas da, 13637, 140, 187-88, 197-99, 201-2, 227, 243, 244, 324; chuvas de inverno de 1914, 137-47; códi go social britânico na época de, 171-75; comemorações do soldado desconhecido,. 326-27, 333-34; como guerra de des gaste, 187, 204-5, 226; como guerra total, 204-5, 217; con dições de paz da, 323; confra ternização durante a, ver tré gua do Natal de 1914; cortesmarciais na, 221, 234; censura na, 224, 298-302; desenvolve seu próprio impulso, 235-36; deserção na, 221, 243; diários e cartas, 221, 222-23, 232; e o caráter pessoal, 237; efeitos imediatos da, 321-33; em 1914, 136-180; espírito esporti vo britânico e a, 161-68; estra tégias da, 186-202; frente inter na, 232-33, 280-81; gás usado na, 183, 196, 205, 209-13, 219, 254; guerra de posição, 188; guerra de trincheiras, 136-47, 182-202 (ver também guerra de trincheiras); guerra subma rina na, 205, 216-19; histórias oficiais da, 326-27; insubordi nação na, 221, 226, 227, 235;
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lança-chamas na, 205, 213-14; licença para ver a família, 291-94; liderança militar na, 240-41, 272-73, mobilização de tropas, 134; moral e motiva ção na, 226-46; moralidade como decoro, 237; na literatu ra, 351-79; nova tecnologia in troduzida pelos alemães, 20319; paralisação provocada pe las chuvas de inverno de 1914, 137-47; o plano Schlieffen da Alemanha, 120, 13334, 136-203; poptííação às vés peras da, 98; previsão de bre vidade da, 124; propaganda na, 133, 207-9, 233, 268, 298303; razões para a trégua do Natal de 1914, 154-71; realinhamento político no pósguerra, 325-26; reides aéreos, 207, 269, 274; repressão da memória da, 327; saques, 141; senso do dever na, 226, 22846; sentimentos populares a favor da, 81-92; serviço militar obrigatório introduzido, 23536, 240; significado da, 12; tanques introduzidos na, 21516; trégua do Natal de 1914, 130-34, 147-54, 154-71, 177-80; tréguas de 1915, 180; ultima to à Sérvia, 83-84; valores bur gueses na 228-31, 237-41, 24546; ver também exército ale mão; exército britânico; exér cito francês; Frente Ocidental; verão de 1914, 81-82 Granville, Lord, 215 Graves Robert, 227, 242, 274, 291, 294, 295, 304, 324, 352, 360, 366, 370, 371, 374 Grécia: Guerra com a Turquia, 324 Green Hat, The (Arlen), 331 Gregson, William, 217 Grey, Lady de, 38
Grey, Sir Edward, 138, 258 Griffith, Wyn, 274 gripe: epidemia de 1918-19, 323 Groener, general Wilhelm, 354 Gropius, Walter, 37 Gross, Valentine, 26, 29-30, 31, 33 Group of Soldiers, A (Nevinson), 278 Gruber, Max von, 402 Grundlagen des neunzehntèn Jahr hunderts (Chamberlain), 108 guerra: como arte, 267-75; e arte, associações alemãs de, 127-28, 159-60; espírito esportivo bri tânico e a, 161-69 Guerra Civil Americana, 124 Guerra da Criméia, 124 Guerra de trincheiras, 182-202; ali mentação na, 193-94; avanços para a terra de ninguém, 18586; assassinato de oficiais, 243; ataques de gás, 193, 196, 205, 209-14, 219, 254, 280, 299, 303; baixas da, 136-37, 18788, 197-200, 201-2, 243; barga nhas durante a -trégua, 151-52; bombardeios de curto alcance 200; brincadeiras entre as li nhas, 143-44; camaradagem na, 233-34; cartas de casa, 293; choque emocional causa do pelas bombas na, 223-24, 272-73; colapso das barreiras sociais na, 295-96; como expe riência estética, 274-75; como guerra de posições, 189; com panheirismo na, 294-97; con dições climáticas e moral das tropas, 141-42, 191-94; condi ções com as chuvas de inver no de 1914, 137-47; crítica histórica de, 240-42; defesa como ataque na, 1^89-90; de serções, 243; dessensibilização na, 221-25; duração do turno de serviço, 192; e a barragem de artilharia, 182-85, 189, 199-
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200; e a sensação de isolamen to, 271; e a tática da Frente Ocidental, 145-47, 187-91; e o conceito de guerra total, 2045; e o senso esportivo britâni co, 161-68; enterros durante a trégua, 150; estabelecida pelas primeiras batalhas, 137-38 (ver também batalhas específi cas); fedor de morte na, 185, 197-200; frio na, 192-94; hor. ror versus tédio na, 200-1; imunização contra a brutalida de, 201; inadequação da lin guagem tradicional para des crever a, 278-79; jogo de fute bol durante a trégua, 152-53; lama e,. 191-94; lança-chamas na, 205, 214; licença passada em casa, 291-94; material de leitura recebido de casa, 29294; metralhadoras na, 189-90; moral e motivação na, 22046; morteiros empregados na, 214; mutilação na, 198; parasitos na, 195-96; peso das mo chilas, 184-85; prioridade dos interesses materiais na, 224, 232-33; privação de sono na, 196-97; reações automáticas na, 221-27; reconstrução de trincheiras, 143; regras de’ comportamento, 221-22; rela ções entre soldados e oficiais, 144-45, 147, 242-43; responsa bilidade de, atribuída aos ale mães, 214; retratada na arte, 277-78; saída das trincheiras, 220, 221, 243; senso de cama radagem na, 294-97; senso de dever na, 227, 228-46; sujeira e imundície de, 192-93, 19495; tédio nas, 201-2; tiros de tocaia e reides noturnos na, 142-43, 214; trabalho noturno, 197; trégua do Natal de 1914, 130-34, 147-54, 153-78; trocas
de rações, 144; ver também exército britânico; exército francês; exército alemão; visão dos artistas da, 268-69 Guerra dos Balcãs (1913), 78 Guerra dos Bôeres; 124 Guerra franco-prussiana (1870-71), 71, 74, 94, 100, 106, 111, 204, Guerra peninsular, 161, 205 guerra química. Ver gás guerra russo-japonesa (1905), 42 guerra submarina: na Grande Guerra, 205, 215-18, 254 guerra total, 204-5, 254; e a guerra submarina, 216-17 Guilherme I, kaiser da Alemanha, 87 Guilherme II, kaiser da Alemanha, 47; abdicação de, 323; como marionete durante a guerra, 254; dispensa Bismarck, 94, 118; e o sentimento popu lar a favor da guerra, 82, 84, 85-86, 87, 88, 89; homossexua lidade no séquito de, 113, 11819; interesse pelas artes e pela dança, 118-19; personali dade de, 118-19; xenofobia de 109 Guffuhle, Comtesse, 38, 43 Guinle, Alexandre, 340 Gundolf, Friedrich, 114 Gurkha, tropas: na Grande Guer ra, 301 Gurney, Ivor, 370 Haber Fritzs, 209 Hahn, Reynaldo, 46 Haig, Marechal de campo Sir Dou glas, 138, 214, 235, 241, 245, 297 Halam, Henry, 101 Halsey, Margaret, 345 Hamilton, general Sil Ian, 303, 359 Hanfstaengl, Ernst, 403, 410 Harden, Maximillian, 115
467
Hardy, Thomas, 176 Harich, Walter, 252 Harnack, Adolf von, 207, 257-58, 264 Hartlepool: bombardeio de, 207 Harvey, John W., 192, 201, 299 Hauptmann, Gerhart, 207, 254, 411 Haussmann, Conrad, 125 Haussmann, Barão Georges, 68, 69, 71 Hay, Ian, 230 hedonismo: xio-^ds-guerra, 327 Hegel, G. W. F., 111 Heidegger, Martin, 411, 412 Heine, Heinrich, 67 Heinz, Friedrich Wilhelm, 391 Hemery, René, 304 Hemingway, Ernest, 318, 341, 346, 352, 360 Henderson, Nevile, 408 Herder, Johann von, 53 Hermann, monumento a, na flo resta Teutoburg, 117 Herrick, Myroq T., 317, 319, 335 Herzl, Theodor, 20, 108 Hesse, Hermann, 128, 332, 346 Hesse, Rudolf, 401 Heuss, Theodor, 125 Himmler, Heinrich, 401 Hindenburg, Paul von, 136, 254, 325; presidente eleito da Ale manha, 393, 398 Hines, cabo interino, 165, 170 Hirschfield, Magnus, 115, 126, 127 história: como arte e não ciência, 250; cultural, 12-13; e o revi sionismo de Nada de novo no front, 376; e o senso de iden tidade anglo-frances, 231; mili tar, 12-13, 326-27; negação da, nos ataques civis da Grande Guerra, 207-8; opiniões alemãs sobre a, 250-51, 253; versões oficiais da Grande Guerra, 326-27; versus arte, 369, 371; versus ficção, 12; versus mi to. 395
história cultural, 12-13. história militar: 12-13; da Grande
Guerra, 326 historiadores: sobre a liderança militar da Grande Guerra, 240-41; versões oficiais da Grande Guerra, 326; versus artistas, 368-69 History of Europe (Fisher), 370 Hitler, Adolf, 109, 373, 377, 380; anti-semitismo de, 389, 403-5; aparência de, e teorias raciais, 401; capacidade de liderança de, 394-95; como soldado des conhecido, 391; discurso de, 396, 409; entusiasmo pelo ci nema 406, 408; experiência de guerra de, 386-90; fascina ção por carros e aviação, 407; juventude de, 386-87; morte de, 416-17; nomeado chan celer, 380, 393; opiniões so bre a tecnologia, 389; opiniões sobre a organização social, 389; opiniões sobre políti ca, 389; personalidade de, 404-5; personalização da his tória, 395; sexualidade de, 403; simbolismo para os ale mães, 409-10; sobre a vida como arte, 398; tentativas de assassinato contra, 398-99, 400; vítima de gás, 390 Hobbes, Thomas, 304 Höchst, firma, 97 Hoffmann, E. T. A., 53 Hofmannsthal, Hugo von, 64. Hohenzollern, dinastia, 94, 250 Holanda: relatório sobre a guerra química, 213 Holmes, Oliver Wendeil, 68 holocausto, 382-83, 403 “homens ocos, Os” (Eliot), 323 homossexuais, 17-19, 55-57, 73, 411; apoio à Grande Guerra, 88; emancipação dos, 13, 55,
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112, 114-15; os campos de ex termínio nazistas, 383 Hope, T. S., 243 Houghton, Alanson B., 316 Housman, A. E., 176 Huelsenbeck, Richard, 269 Hugenberg, Alfred, 373 Hughes, coronel G. W. G., 211 Huguet, general, 375 Huizinga, Johan, 130 Hulse, Edward, 169 Hülsen-Hãeseler, Dietrich conde von, 118 humanismo: morte do, 285 Humanité, L\ 318 Humbert, general, 235 humor negro: expressando a nova sensibilidade, 282-83 Humperdinck, Engelbert, 207 Huot, Louis, 244 Huxley, Aldous, 332 Ibsen, Henrik, 112 idealismo alemão, 112, 248-49, 25051 idealismo secular: os nazistas e o, 383 Igreja Memorial do Kaiser Guilher me, Berlim, 119 Illustrated London News, 46 Im Westen nichts Neues. Ver Nada de novo no front
32; sobre a trégua de Natal de 1914, 156, 177-80; sobre os Ballets Russes no pós-guerra, 347-48; sobre temas da guerra*, 352 impressionismo, 42, 73; na músi ca, 50 indústria de alcatrão: na Alema nha e na Grã-Bretanha, 102 indústria de corantes, 97 indústria do aço, 97 indústria do ferro, 97 industrialismo: na Alemanha, 96-98 Inglaterra. Ver Grã-Bretanha intelectuais; e a Grande Guerra, 267-68; apoio aos nazistas na Alemanha, 411-13 introversão: entre os soldados, 273-86, 298-99 Ionesco, Eugène, 280 Irlanda, 173; apoio alemão aos na cionalistas, 219 ironia: como expressão da nova sensibilidade, 280-85; senso de, na Grande Guerra, 227-28 Isherwood, Christopher, 332, 333, 393 Isherwood, Frank, 140, 233 isolamento: e a guerra de trinchei ras, 271-72; e o sentimento de camaradagem dos soldados, 294-98
imagens escatológicas: entre os sol dados, 288-89 Jacobs, Monty, 362-63 Imperial War Museum, Londres, Jacobsen, Freidrich, 258 277 Jacques-Dalcroze, Émile, 59, 77, imperialismo: britânico, 117 409 impotência sexual: entre soldados Jahn, Turnvater, 116 e veteranos, 273, 372 imprensa: britânica antigermânica, Jahrgang 1902 (Glaeser), 128 168; censura e propaganda na James, Henry, 164, 206, 209, 268, 270, 300-1 Grande Guerra, 298-303; des prezo dos soldados pela, 292; Jarry, Alfred, 290 e o voo de Lindbergh, 310, jazz, 342 313, 315, 317, 319-20; e os Jerome, Jerome K., 165-66, 168 valores burgueses, 239; sobre Jeux (Debussy/Nijinsky), 27, 28, A sagração da primavera, 3149, 56, 57 469
Joffre. general Joseph, 189, 241, 314. 375 Johannet, René, 237 Johannsen, Christian, 58 Johst. Hanns. 413 Jones, David, 231, 270, 275 Jones, Percy, 140, 148, 151, 169, 195, 231, 234, 274 Jorge V, rei da Inglaterra, 46, 229, 316 Jovem Tòrless, O (Musil), 332 Joyce, JamesTTlT 108, 271, 290-91, 412 Judd, Samuel, 151 July 1914 (Ludwig), 128 Jung, Edgar, 412 Jünger, Ernst, 188, 192, 198, 208, 262, 292, 294, 295, 356, 391 Jutlândia: batalha da, 216, 218 juventude: culto da, nos anos vin te, 332; curiosidade sobre a guerra no pós-guerra, 377; mo vimento de emancipação da, 13-14, 55-56, 73, 112, 114-15 Kafka, Franz, 81, 322 Kahn. Otto H., 39 Kahr, Gustav von, 412 Kangaroo (Lawrence), 66 Kardoff, Wilhelm von, 102 Karsavina, Tamara, 45, 46, 56 Kellerman, Bernhard, 363 Kemmel Times, 283 Kerouac, Jack, 69 Kessler, Harry Count, 348, 382, 400 King, Mackenzie, 335 Kipling, Rudyard, 157, 164, 270 Kirchhoff (cantor), 149 Kirchner, Ernst Ludwig, 114 Kitchenner, Horatio Herbert, 138, 215, 230, 286, 301 kitsch: o nazismo como, 385, 410 Klatt. Fritz, 253 Klausener, Erich, 412 Klee, Paul, 267, 332 Klemm, Wilhelm, 251 Klimt, Gustav, 55 Kluck. Alexander von, 135
Kochno, Boris, 19 Kraus. Karl, 417 Kreisler, Fritz, 201, 223 Krell, Max, 362 Krieg (renn). 370 Kroll Opera House, Berlim, 395 Kropp, Peter, 354 Kultur: como ideal alemão, 95, 106-111, 119, 325, 262; e a Gesamtkunstwerk , 107-8; na zistas e o, 392, 413; versus ci vilização anglo-francesa Kuznetsova (cantora), 72 La Bassée, frente de, 139 Laban, Rudolf von, 409 Laloy, Louis, 77 lança-chamas: na Grande Guerra, 205, 214-15 Landowska, Wanda, 38 Langbehn, Julius, 108, 114, 250, 340 Langemarck, Flandres: primeiro emprego de gás em, 209-10 Larionov, Mikhail, 43, 54, 347 latrina: imagens de: entre os sol dados, 290-91 Lawrence, D. H., 66, 68 Lawrence, T. E.. 324 Lawson, Dillon, 371 Le Bon, Gustave, 245 Le Cateau: batalha de, 137 Le Corbusier (Charles Édouard Jeanneret), 35 Le Touquet, frente de, 145 Leane, B. B., 178 Lebensreformbewegung, 112 Léger, Fernand, 342 Lei Seca, 346 Leibeskultur, 59. 115 Lênin, Vladimir, 219, 269 Lessing, G. E., 126 Levaillant, Maurice, 340 Lewis, Wyndham, 11b Ley, Robert, 391, 402 liberação: como motivo, 13 Liddell Hart, Basil, 134-35, 282
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Ludendorff, Erich, 136, 204, 254, liderança militar: na Grande Guer 261, 325 ra, 240-41, 272, 326-27 Ludwig, Emil, 127 Liebknecht, Karl, 264 Lueger, Karl, 403 Liège, fortes em, 183, 189-90 Luftwaffe, 407 Lieven, Peter, 56 Luís Filipe, rei da França, 157 Lifar, Serge, 19, 411 Luís Napoleão. Ver Napoleão III liga da Marinha, 204 Lulu, 116 Liga das Nações, 324 Lusitania: afundamento de, 217, Lindbergh, Anne Morrow, 408 303 Lindbergh, Charles-Augustus: como luteranismo, 95 estrela, 317-22; como Símbolo Lutero, Martim, 251 da América, 340-41; e as co Luxemburg, Rosa, 264 memorações de guerra, 333-35; e a sensibilidade moderna, MacDonagh, Michael, 220, 243 321-22; honrarias recebidas, Makay, Clarence, 38 314- 15; imprensa sobre, 309, Macke, August, 116, 117 312, 316, 317, 319-20; perso Maeterlinck, conde Maurice, 120 nalidade de, 320-21; poetas Mahler, Gustave, 20 sobre, 340; rapto de seu filho, Mailer, Norman, 20 317; recepção em Londres, Mairet, Louis, 167, 192, 200, 236, 315- 16, 334-35; recepção em 245, 273-74, 276, 284, 291, 303 Nova York, 316; recepção em Mallarmé, Stéphane, 44, 47, 74 Paris, 309-15, 334-35, 346-47; Manchester Guardian, 337 recepção na Bélgica, 314-15, Mandelbaum, Maurice, 411 335; relações com os nazistas e manifestações contra a guerra: na o fascismo, 407-8; simbolismo Alemanha, 89, 90 de seu vôo, 321-22, 333-41, 349 Mann, Heinrich, 20 língua alemã, 50 Mann, Thomas, 345, 393; e a Gran linguagem: inadequação da tradi de Guerra, 91-92, 118; e Ve cional para descrever a guer neza, 18-19; sexualidade na ra de trincheiras, 280-81 obra de, 19-20, 159 literatura do desencanto, 226-27 máquinas fotográficas: proibidas Little, Brown and Company, 365 nas linhas de front, 299 Lloyd George, David, 126, 177, Marc, Franz, 116, 117, 128-29 323, 325 Marinetti, Filippo Tommaso, 116, Locarno, espírito de, 374 400, 413 “Locomoção aérea” (Grand Palais, marinha alemã: e a guerra subma Paris), 322 rina, 216-18; motim na, 265; London Mercury, The, 366, 367 política da, 119 Londres: Ballets Russes em, 46-47, marinha britânica: bloqueio da 49; music halls em, 60; reides Alemanha, 216, 254, 323; e a de zepelim sobre, 207 guerra submarina alemã, 216Lonsdale, conde de, 316 17; sistema de comboio, 218 Loos, Adolf, 35 Markevitch, Igor, 19 Loos: batalha de, 187, 210, 242 Marne: batalha do, 135, 136, 137, 160, 334-35 Lorena, 74 Marsh, Edward, 175 Louvain: bombardeio de, 206
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Marx, Karl, 157 Masefield, John, 279 Masterman, Charles, 277 Maud’huy, coronel, 241 Mazenod, Pierre de, 212, 380 McGill, Patrick, 222 McGregor, Peter, 184, 193, 236, 271-72, 287 Meier-Graefe, Julius, 122 Mein Kampf^X Hitler), 390 Meinecke, Friedrich, 81, 91-92, 125, 207, 264 Meistersinger, Die (Wagner), 410 Méléra, César, 237 Metropolitan Ópera, Nova York, 38 Metternich, Principe Klemens von, 93, 157 Mies van der Rohe, Ludwig, 37 Milestone, Lewis, 378 Mill, John Stuart, 157, 159, 173, 239, 256 Minenwerfer (Minnies), 214 Miquel, Pierre, 209 Mir iskusstva. Ver Mundo da Arte mito: versus história, 395; como
realidade, para os nazistas, 395-410 mobilização industrial: para a Grande Guerra, 187 moda: nos anos vinte, 331; silhue ta esbelta, 59-60, 331 modernismo: alemão, 36-37; ame ricano, 34146; dos anos vinte, 328-33; e Nada de' novo no front , 372-73; e o voo de Lind bergh, 321; e os exilados, 73; e os nazistas, 383-84, 398, 414; a experiência dos soldados e o, 273; na arquitetura, 35-37; ná política, 304; uso do ter mo, 14 momento faustiano, 126 Montherlant,' Henry de, 73, 296, 332 moralidade: destruição da perspec tiva na Grande Guerra, 27374; e a arte, 286-91; e o ca-
ráter, 237; ver também mora lidade sexual moralidade eduardiana: e a Gran de Guerra, 171-75 moralidade sexual, 54-57; na Ale manha, 114-15; na arte e na literatura, 115-16; repudiada entre os soldados, 288-89; ver também homossexuais moralidade vitoriana, 54-55, 15859; e a Grande Guerra, 171-75 Morand, Paul, 199, 412 Morgan, Pierporit, 38 Morley, Christopher, 363 Morning Post, 370 Morte em Veneza (Mann), 18-20 Mortimer, brigadeiro P., 282 Moscou: como centro modernista, 342 Mosley, Sir Oswald, 384 morteiros de trincheira, 215 Mottram, R. H., 360, 370 Mountfort, Roland D., 167, 195, 291 movimento feminista, 14, 112, 115; apoio à Grande Guerra, 88 movimento pangermânico, 204, 255 movimentos de emancipação, 14; dos jovens, 14, 55-56, 73, 112, 115, 116-17; feministas, 14, 112, 115; homossexuais, 14, 55-56, 112, 114-15, 126 Mozart, Wolfgang Amadeus, 50 Muggeridge, Malcolm, 382 mulheres: americanas, domínio das, 342; trabalhadoras na Alema nha, 112 Munch, Eduard, 112 Mundo da Art e (Mir iskusstva),
41-43, 51, 65 Munique, 105, 112; putsch nazista em, 400 Munro, Colin, 152 Münster, conde Georg, 71 Murry, John Middleton, 353-54 Museu Nacional da Guerra, Lon dres, 277
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música: evoluções no século XIX, 50; ver também composições específicas música alemã, 50 Musil, Robert, 382 Mussolini, Benito, 391, 400, 408, 413 Mussorgsky, Modest, 43, 72 nacionalismo: na Alemanha, 102, 110, 248-51 nacionalismo místico: na Alema nha, 110 Nada de novo no front (Remar que): acusações em, 360; co mo best-seller , 369; críticas a, 259-60, 366-67, 376; como o grande romance da guerra, 370; como propaganda, 36667; como foi escrito, 357-62; e o modernismo, 373; e a mentalidade do pós-guerra, 359, 360, 368, 371-72, 376-77, 377-78; e a história revisionis ta, 376; filme de, 357, 377-78, 416; história da publicação de, 362-63; imagens de defecação em, 290, 365; linguagem de, 366; objeções militares a, 36667; proibição nazista de, 36768, 378-79; publicação em fo lhetim, 351; reação dos vete ranos a, 371-72, 376-77; re cepção e resenhas de, 363-67; tema da geração perdida em, 360; temas do livro, 357-60; traduções de, 351-52, 363, 366; vendas de, 351-52, 364, 369; verdade de, 363-67, 377-78 Napoleão I, 74, 93, 100, 205, 250 Napoleão III, 71, 157 narcisismo: dos nazistas, 384-85, 402; pós-guerra, 327; e o ra cismo, 402 Nash, Paul, 191, 276 National Gallery, Londres, 158 Naumann, Friedrich, 73, 248 nazistas, 14; aceitação popular dos,
398-99; anti-semitismo dos, 403; arquitetura dos, 401; campos de extermínio, 382-83, 404-5; celebração da morte pelos, 400-1; celebração das vitórias de 1933, 381-82; comí cios monstros de Nuremberg, 408-9; como culto, 395; como doutrina do conflito, 397; co mo espetáculo, 395, 408-9; como movimento, 396, 400-1; contradições do programa po lítico dos, 400-1; e a avant garde, 394-95; e a literatura nacionalista, 392; e as eleições de 1929 e 1930, 393; e o mo dernismo, 384, 397, 414; evo lução do partido, 395; ganhos na eleição de 1933, 380, 393; Lindbergh e os, 407-8; o mito como realidade para os, 398410; A Noite das Longas Fa cas, 412; princípios dos, 39498; programa de Vinte e Cin co Pontos dos, 396; proib^ão de Nada de novo no /flpf, 367-68, 378-79; proibição e queima de livros, 367-68, 37879, 394; propaganda feita pe los, 406; relações com a comu nidade artística e intelectual, 411-13; simbolismo de Hitler para os alemães, 410; socialis mo dos, 391; tecnicismo dos, 384, 394, 405; tese racista dos, 401-5 ( ver também anti-semi tismo); uso do cinema, 406, 408-9; ver também Hitler, Adolf; visão futurista dos, 384, 411 Neuve Chapelle: batalha de, 143; frente de, 187 Nevill, capitão W. P., 166-67 Nevinson, C. R. W., 277, 343 Nevinson, Henry W., 343 “New Church” Times , 283 N ew Statesm an , 174 New York Times, 65
473
Owen, Wilfred, 193, 197, 236, 243, Newbolt, Sir Henry, 163 Nietzsche, Friedrich, 21, 50, 53, 58, 370, 397 66, 80, 111, 126, 238, 250, 251, Oxford Book of Modem Verse 252, 290, 322, 348, 397, 398, (Yeats org.), 370, 397 411, 412 Nijinska, Bronislava, 26, 30 “Pack Up Your Troubles” (can Nijinsky, Romola, 26, 29, 40, 80 ção), 282 Nijinsky, Vaslav: como bailarino e Packer, cabo, 130-31 coreógrafo dos Ballets Russes, Page, Walter H., 180 44, 47-49, 54, 59, 67, 80; e Palácio de Cristal, 112-13 A sagração da prim avera , 26, Palácio Tauride, São Petersburgo, 28, 33, 59, 63-64, 76-77, 79; 42 e o Faune, 47; erotismo de, Parade (Stravinsky/Satie), 191 47-48, 56-57; loucura de, 56, Paris: arquitetura de, 34-36; artes 348; relações com Diaghilev, e artistas russos em, 42-49; 18-19, 56-57, 80 Ballets Russes em, 44-49, 347Noailles, Anna Comtesse de, 322 48; bombardeio de, 206, 207, Noite dos Cristais (9 de novembro 275; como centro cultural, 67de 1938), 412 75; comparada com Berlim, Nolde, Emil, 113, 117, 411 105; comparada com Nova Nordmann, Charles, 80 York, 105; exilados modernis Northcliffe, Lord, 366 tas em, 73-74; exposição in Noske, Gustav, 91 ternacional (1900) em, 35; mi Nouvelles littéraires , 351 séria urbana em, 69; plano Nova York: como centro moder alemão de ataque a, 123; pri nista, 342, 344 meira apresentação de A sa novo conservadorismo, 326 gração da prim avera em, 12, NSDAP. Ver nazistas 26-34; temporadas teatrais es nudismo: na Alemanha, 115; nos trangeiras em, 72; ver também anos vinte, 329 França Nugesser, Charles, 336 parricídio, 332 Nuremberg, comícios monstros de, Parsifal (Wagner), 108 409 Partido Católico de Centro (Ale manha), 102-3 Observer de Londres, 319 Partido Comunista (na Alemanha), “Ode to Charles A. Lindbergh” 325 (Guinle), 339-40 Partido da Pátria (Alemanha), 255 Oiseau de jeu. Ver Pássaro de fogo Partido dos Trabalhadores Ale Olimpíadas, 59 mães, 394 Olivier, Laurence, 352 Partido Independente SocialdemoÓpera, Paris, 36, 38, 43 crata (USPD), 264 Ópera Comique, Paris, 36, 38 Partido Liberal (Grã-Bretanha), organizações esportivas: e o recru 325 tamento de voluntários para a Partido Nacional-Socialista dos Tra guerra, 168 balhadores Alemães (NSDAP). Orlando, Vittorio, 325 Ver nazistas Otto o Grande, rei da Alemanha, Partido Nacionalista do Povo (Ale 250 manha), 373 474
Partido Socialdemocrata (SPD) (Alemanha), 89, 102-3, 125, 373; e a Grande Guerra, 254, 264 Partido Trabalhista (Grã-Breta nha), 325 partidos de esquerda: no pós-guer ra, 325-26, 327 passaportes: introdução dos, 304 Pássaro de fogo, O (Stravinsky), 61, 347 Passchendaele: batalha de, 188-89 Pastors, Gerhart, 251, 257 patentes: desenvolvimento na Ale manha e na Grã-Bretanha, 101 Paths of Glory, The (Nevinson), 277-78 patriotismo: e o senso de dever, 231 Pattenden, soldado, 160 Pavilion d ’Armide, Le (balé), 44 Pavlova, Anna, 45, 56 Pax Britannica, 14, 114, 157 Pedro o Grande, Czar da Russia, 41, 42 Péladan, joséphin, 267 Pélleas et Melisande (Maeterlinck), 123 penteados, estilos de, no pós-guer ra, 331 Percin, general, 199 Percy, W. R. M., 169 Pergaud, Louis, 208 Péronne: bombardeio de, 205 Perret, Auguste, 34, 37 Pétain, general Philippe, 223, 232, 298 Petipa, Marius, 58 Petit Palais, Paris, 35, 42 Petrushka (Stravinsky), 56, 62 Pflicht (dever) senso alemão de, 228-30, 249, 251-52, 260 Picardia, front de, 187 Picasso, Pablo, 73, 112-13, 191, 212 Piltz, Maria, 30 pintura: na França fin de siècle, 73; ver também movimentos específicos
Pirandello, Luigi, 280 Planck, Max, 52, 101 Poelzig, Hans, 37 poesia: modernista, 274; sobre o símbolo do vôo de Lindbergh, 339-40; versus história, 250 Ponte de San Luis Rey, A (Wil der), 368 Populaire, 336 Portland, duquesa de, 38 pós-impressionismo, 36, 112-13 Potemkin, Grigori, 42 Poulenc, Francis, 342 Pound, Ezra, 158, 397, 413 Pourtalès, conde Friedrich von, 88 Pourtalès, condessa de, 29 Powell, Anthony, 230 Powell, Garfield, 223, 232, 275, 293 Priestley, J. B., 174 Primeira Guerra Mundial. Ver Grande Guerra primitivismo: interesse alemão pelo, 117, 122-23 Principe Igor (Borodin), 32, 44 produção de energia elétrica, 96-97, 104 propaganda: do período da guerra na França, 170; e os artistas britânicos, 277; e os valores burgueses, 239-40; na Grande Guerra, 133-34, 207-9, 233, 268, 298-302; Nada de novo no front denunciado como, 366-67; nazista, 406; ver tam bém imprensa prostituição: na Alemanha, 115; na Frente Ocidental, 288 Proust, Marcei, 38, 51, 57, 62-63, 74, 268, 372 Prússia, 93; administração na, 99, 104; e a unificação da Ale manha, 93, 94, 95-96, 99, 104; educação na, 100-1; industrialismo na, 104; ver também Alemanha versus Saxônia, 170, 177-78
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psiconeurose: entre os soldados e veteranos, 272, 273, 371-72; ver também choque emocio nal causado pelas bombas Punch, 47, 50, 60, 152, 163 Pushkin, Aleksander, 33 Quandt, Harald, 416 Quinton, W. A., 133 Quittard, Henri, 27, 28, 77 Rachmaninov, Sergei, 43 racionalismo, 52-53; e a civiliza ção anglo-francesa, 107, 256 racionamento de alimentos: para a Grande Guerra, 187 racismo, 401-5; na Alemanha, 10910; ver também anti-semitismo Radbruch, Gustav, 264 radicais: e a Grande Guerra, 268-70; no pós-guerra, 325-26, 327, 332 rádio: nos anos vinte, 330; usado pelos nazistas, 408 Rag-Time (Auric), 342 Rag-Time (Stravinsky), 342 Rainbow, The (Lawrence), 67 Rambert, Marie, 26, 77, 78 Raper, coronel Henry S., 213 Rathenau, Walther, 120, 255, 323, 404 Ravel, Maurice, 33, 72, 342 Raws, J. A., 197-98 Ray, Man, 20 Read, Herbert, 177, 190, 192, 227, 233, 238, 294, 295, 297, 363, 370 Rebelião dos Boxers, 117 recrutados: na Grande Guerra, 235-36, 240 Reforma, 92 Regnier, Pierre de, 340 Reichstag, Berlim, 395, 397 reides aéreos: da Grande Guerra, 206, 207, 269, 274 Re leve du matin, La (Mother land), 332
religião; na Alemanha, 92, 95 Remark, Peter Franz, 354 Remarque, Erich Maria, 290, 35079; anos de formação de, 35354; carreira no pós-guerra, 355; e a fama, 362-78; e a redação de Nada de novo no front, 357-62; empréstimos, 356-57; escreve O caminho de volta, 359-60; experiência de guerra de, 354-55; fascinação pela morte, 356-61; sugerido para o Prêmio Nobel, 363, 366 Rembrandt ais Ersieher (Langbehn), 108 Renan, Ernest, 100 Renn, Ludwig, 352, 360, 370 renovação revolucionária: a Gran de Guerra e a, 269-70; ver também radicais Revolução de 1848, 69 Revolução Francesa de 1789, 68 Revolução Russa de 1905, 42, 66 Revolução Russa de 1917, 69, 219, 227-28, *324, 411 Revue des deux mondes, 219 Revue Nègre, La, 347 Rhapsodie nègre (Poulenc), 342 Rhodes, Cecil, 164 Richepin, Jean, 61 Richter, Hans, 269 Rickert, Heinrich, 110 Ricketts, Charles, 48 Riebensahm, Gustav, 132, 141, 150, 167 Riefenstahl, Leni, 405 Riezler, Kurt, 84, 91 Rilke, Rainer Maria, 249, 270 Rrmsky-Korsakov, Nicholai, 43, 46 Rimsky-Korsakov, Vladimir, 43 Rivière, Jacques, 51, 75, 77, 225 Roberts, Róbert, 173 Robertson, general Sil William, 215 Rocheblave, Samuel, 72 Rodin, Auguste, 47 Roerich, Nicholas, 43, 45, 63, 77 Rolland, Romain, 253 romantismo, 53
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Romier, Lucien, 342-43 Röntgen, Wilhelm Conrad, 101 Root, Waverley, 319-20 Rosenberg, Alfred, 401 Rosenberg, Harold, 68, 69 Rosenberg, Isaac, 370 Rostand, Edmond, 322 Rostand, Maurice, 309, 322, 335 Rousseau, André, 350 Rousseau, Jean-Jacques, 53, 252 Royce, Josiah, 217 Rubinstein, Arthur, 38, 56, 70 Ruffo, Titta, 38 Rupprecht, príncipe herdeiro da Baviera, 135, 210-11 Ruskin, John, 21, 158 Russell, Bertrand, 121 Russell-Jones, E., 234 Rússia: mobilização para a Gran de Guerra, 85, 87, 89 (ver também Grande Guerra); produção industrial da, 96 Rutland, duquesa de, 38 Sachs, Hans, 416
Sucre du printemps, Le. Ver sa gração da primavera, A Sacro Império Romano, 92, 99 sagração dctíÊbrimavera, A (Stravinsky/j^qinsky), 49-50, 59, 69, 260, 274, 348; criação de, 6165; libreto para, 25-26; pri meira apresentação de, 12, 2634, 75; recepção crítica de, 26-34, 77, 347; tema de, 7580 Saint-Saëns, Camille, 33 Saint-Simon, Henri de, 25, 55 Salomé, 115-16 Samson, capitão A. L., 242 Santayana, George, 118 São Petersburgo, Rússia, 42, 43, 58 Sassoon, Sigfried, 194, 200, 227, 240, 294, 352, 360, 370 Satie, Erik, 191 Sauget, Henri, 347 477
Saxônia: educação na, 100; indus trialism© na, 104; versus Prús sia, 170, 177-78 Sazonov, Sergei, 88 Scarborough: bombardeio de, 206-7 Schauwecker, Franz, 127, 356, 392 Schéhérazade (Rimsky-Korsakov), 46, 56 Scherl editores, 355, 362 Schiller, Johann von, 92, 377 Schleicher, general Kurt von, 412 Schlieffen, conde Alfred von, 204 Schlieffen, abandono do, 136; pia no, 123, 134-35, 136, 204 Schmidt, Willi, 412 Schmitt, Florent, 33, 72 Schopenhauer, Arthur, 111, 249, 251, 271 Scotsman, 335 Scott, Canon F. G., 275 Seaman, Owen, 152 Sedan, batalha de, 205 secessionistas austríacos, 62, 269 Seeley, John, 101 Segunda Guerra Mundial: bom bardeio aliado de Berlim, 382; campos de extermínio nazistas, 382-83, 403-4; como continua ção da Grande Guerra, 399 Self-Help (Smiles), 172 senso de dever: alemão, 228-30, 249, 251-52, 253; na Grande Guerra, 226, 228-46 Serov, Valentin, 43 Sert, Misia, 19, 26, 40, 43, 56-57, 269, 412 Sérvia: ultimato austríaco à, 81-82 serviço militar obrigatório: na Grande Guerra, 235-36, 240 Shakespeare, William, 176 Shaw, George Bernard, 108, 173 Shelley, Percy Bysshe, 21, 126 Sherriff, R. C., 352, 366 Shirer, William, 67 Sickert, Walter, 158 Sieburg, Friedrich, 105 Siegesallee, Berlim, 122
Sikh, tropas na Grande Guerra, 302 Silésia, 99, 104 sílfides, As (balé), 32 Sitwell, Sacheverell, 347 Smiles, Samuel, 171-72, 228 So ziehen wir aus zur Hermanns schlacht (Strobl), 117 socialismo: entre os soldados, 272; na Alemanha, 102-3, 112 (ver também nazistas) Sociedade da Cruz Vermelha Bri tânica, 220 Sociedade do Livro (Grã-Breta nha), 351 Sociedades de ginástica: na Ale manha, 116 Société Musicale, 38 Soissons: bombardeio de, 205 Soldado desconhecido: celebração do, 327, 334 Somme: batalha do, 138, 182, 188, 190, 200, 215, 261, 283; front do, 153-54, 168, 191-92, 19394, 222, 233, 245-46, 270-71, 279, 293-94 Somme Times, 283-84 Sommer, Albert, 146-47 Somov, Konstantin, 66 Sorley, Charles, 85, 142, 177, 179 Soschka, Cyril, 232 sozialen Volkstaat , 248 Spanish Farm (Mottram), 370 Speer, Albert, 386, 405, 409, 413 Spender, Stephen, 327 Spessivtseva, Olga, 347 Sport im Bild , 355-56 Squire, J. C., 367 Stäel, Madame de, 100 Stechlin, Der (Fontane), 101 Stein, Gertrude, 28, 31, 32 Steinthal, Hugo, 222 Stillman, James, 30 Stirner, Max, 66 Stokes, Richard, 233, 280 Strachey, Lytton, 57 Strasser, Gregor, 391, 412
Strauss, Richard, 55, 64, 72, 11516, 118, 411, 412 Stravinsky, Igor, 73, 191, 342, 347; A sagração da prim ave ra, 12, 13, 25-26, 29, 32, 34, 61-65, 274, 347; e o balé como forma de arte, 43-44; sobre a cultura alemã, 118-19 Streicher, Julius, 402 Stresemann, Gustav, 373 Strindberg, August, 112 Strobl, Karl Hans, 117 Suábia, 92 Suave é a noite (Fitzgerald), 246 submarinos, 215-18 Subterrâneos do Vaticano, Os (Gi de), 53 Sudermann, Hermann, 207 Sunday Chronicle (Londres), 363 surrealismo, 328: e a Frente Oci dental, 191 Sybel, Heinrich von, 250 Syberberg, Hans-Jurgen, 410 Symons, Arthur, 108 Szôgyény-Marich, conde Laszlo, 84 Tägliche Rundschau, 83 Taine, Hippolyte, 74 tango, 61 tanques: na Grazie Guerra, 215-16 Tatham, F. H. W197-98
Tchaikowsky, Piotr, 55 Technik. Ver tecnologia tecnologia: avanços pós-industriais da, alemã, 96-98; como inspi ração artística, 53-54; e a perspectiva nazista, 383-84, 393-94, 405-7; educação em, 100-1; fascinação alemã pela, 99-105 Temps, Le, 370 Tennyson, Alfred Lord, 96 Terceiro Reich. Ver nazistas terra de ninguém, 184-85, 189-91, 271 Testemunhas-de-jeová: nos campos de extermínio nazistas, 383
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Théâtre des Champs-Elysées, Paris, 26, 34-39, 75, 113, 346 Thérive, Candré, 370 Thoma, Ludwig, 125-26 Thomas, Alan, 221 Thomas, Edward, 193 Three Men in a Boat (Jerome), 165 Ticiano, 113 Tilley, Oswald, 132 Times de Londres, 162-63, 283, 318 Tirpitz, Alfred von, 88, 124 Tissot, Victor, 104-5 Toklas, Alice B., 31 Toller, Ernst, 247 Tolstoi, conde Lev Nikolaevich, 74 Tomlinson, H. M., 360, 370 Toscanini, Arturo, 38 Toumier, Michel, 360, 396 trabalho: divisão do, 240 tradições folclóricas: arte e, 53 Tratado franco-prussiano (1893), 74 Traumbude, Die (Remarque), 355 Trégua do Natal de 1914, 130-34, 147-54, 154-71, 177-80; acon tecimentos que levaram à, 13047; anglo-germânica, 147-52, 177-78; comentários na im prensa sobre, 154, 177-80; en terros durante a, 150; exe cução de música durante a, 148; franco-germânica, 153; jogo de futebol durante a, 152; permutas durante a, 151; prin cipal refeição da, 151; razões para a, 154-71, 175-78; os va lores britânicos e a, 161, 171, 176, 177 Treitschke, Heinrich von, 250 Tribune (Paris), 319 tributação: para a Grande Guerra, 304 Tristão e Isolda (Wagner), 17, 19, 74 triunfo da vontade, O (Riefenstahl), 405 Triumph of Neptune, The (Berners/Balanchine), 347
Troeltsch, Ernst, 264 tropas australianas: na Grande Guerra, 243 tropas canadenses: na Grande Guerra, 300 tropas senegalesas: na Grande Guerra, 301 Trotsky, Leon, 42 Turckheim, barão de, 253 Turquia: guerra com a Grécia, 324; na. Grande Guerra, 18788, 256 turkey trot (dança), 61 Tzara, Tristan, 269
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Ubu Roi (Jarry), 290 Ulisses (Joyce), 290-91 Ullstein, Franz, 363 Ullstein Verlag, 350, 354, 363, 379 urbanismo:- na Alemanha, 97-98; na Grã-Bretanha, 172-73; no pós-guerra, 330-31 utilitarismo: e a civilização anglofrancesa, 107, 173
Valéry, Paul, 329 valores burgueses: educação e, 239-40; na Grande Guerra , 228-31, 237-41, 245-46 Van de Velde, Henry, 36, 37 Van Vechten, Carl, 26, 30-31 Vanderbilt, William K., 39 Vaticano, 133 Veneza, 17-21, 67 Ver Sacrum, 63 Verdun: batalha de, 182-83, 18788, 189, 191-92, 194, 200, 201, 232-33, 237, 240-41, 261, 275; cemitério memorial em, 11; uso de gás em, 211 Verlaine, Paul, 55 Versailles, Tratado de, 323, 373, 407 veteranos, comportamento nos anos vinte, 325-33; mentali dade dos, no pós-guerra, 37173; organizações de, 325, 334,
371; reação a Nada de novo no front, 372-74, 376 Vidrac, Charles, 224 Viena, 105 Viena, Congresso de, 93 Vie parisienne, 293 Vieux Volontaires de la Grande Guerre, 334 violência: do culto nazista, 399« 400; e a sexualidade, 116 Villet-le-Duc, Eugène, 68 “Vital Lâmpada” (Newbolt), 163 Vítima, A. Ver sagração da prima vera, A Vladimir, grão-duque, 43 Voivenel, Paul, 245 Voltaire, 99 Vassische Zeitung (Berlim), 84; publica Nada de novo no front em folhetim, 351, 362-63 Vring, Georg von der, 356 Vrubel, Mikahil, 42 Wagner, Richard, 17, 18, 54, 74, 128, 254, 398; e a Gesamt kunstwerk, 43-44, 89; e a Kultur, 108; influência de, 108-10, 123 Waldeck, Rosie .Gräfenberg, con dessa, 361-62 Walker, Reverendo John, 225, 300 Valquíria, A (Wagner), 254 Wall Street, Nova York, 342 Wallace, Edgar, 377 Waste Land, The (Eliot), 309, 349 Watts, Isaac, 220 Wave of the future, The (A. M. Lindbergh), 408 Weber, Karl Maria Von, 39 Weber, Max, 264 Wedekind, Frank, 55, 62, 116, 117 Weg zurück, der (Remarque), 35960 Weimar, República de, 14, 373, 391-92 Wells, H. G., 118, 174, 332 Weltpolitic, 119-20 Wenzl, Josef, 132
Werkbund, 37 Wesley, John, 173 Wessel, Horst, 400 Wharton, Edith, 300 What Price Glory? (filme), 352 Wheen, A. W., 365 Whistler, James A. M., 158 Whitby: bombardeio de, 205-6 Wilde, Oscar, 20, 52, 55, 126, 174 Wilder, Thornton, 368 Wilson, arquidiácono, 173 Wilson, general-de-divisão Henry, 137 Wilson, Sir Horace, 408 Wilson, Woodrow, 303, 323, 325 Wind in the Willows, The (Grahame), 176 Windelband, Wilhelm, 110 Winnington-Ingram, Reverendíssi mo A. F., 302-3 Wipers Times, 283, 284 Witkop, Philipp, 257, 393 Wolfe, Tom, 21 Wolfenstein, Alfred, 81 Wolters, Friedrich, 114 Woodward, E. L., 230 Woolf, Virginia, 55 Wordsworth, William, 176 Wurche, Ernst, 258, 262 • Yeats, William Butler, 370, 397 Ypres: como monumento à civili zação arruinada, 274-75; des truição do Cloth Hall, 206. 283; front em, 144, 191-92, 197, 199-200, 209, 280-81; pri meira batalha de, 135, 137, 274-75; segunda batalha de, 187; terceira batalha de, 188, 189; uso de gás em, 209, 211, 280, 303 zepelim. Ver reides aéreos Zollverein, 104 Zuckmayer, Cari, 363 Zweig, Arnold, 352, 360 Zweig, Stefan, 355
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