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ISBN 978-85-309-5180-1 1. Direito econômico. I. Título. 94-1526
CDU – 34:33
À Ana Lúcia, estímulo constante, no decorrer de 48 anos muito felizes. Ao Luís Henrique e Cláudia, ao Maurício e Patrícia, ao João Guilherme e Daniela, à Ana Regina e Leonardo, razão de ser do esforço empreendido. Ao meu pai e à minha mãe, que me deram a possibilidade de dar-lhes alegrias. Ao Professor Manoel Marques Fonseca, sempre um estímulo para novas ousadias.
NOTA DO AUTOR À 7ª EDIÇÃO O estudo do Direito Econômico começou a ser enfatizado no Brasil como uma disciplina curricular a partir da década de 1970, e foi já o resultado de uma relação que se afirmava entre Direito e Economia. No início do século XX, Maurice Hauriou chegou a afirmar o intenso antagonismo entre estes dois ramos das Ciências Sociais. Para ele, as forças jurídicas eram morais, ao passo que as políticas e econômicas eram amorais. Formava-se a luta dramática do justo e do injusto1. O Direito Econômico veio mostrar que, se existe uma oposição, é ela dialética, de complementação e de integração. Se a Economia descreve e analisa nossas escolhas, com base nos princípios da racionalidade e da eficiência, o Direito é prescritivo, tomando como base as escolhas realizadas pela Economia. No Direito norte-americano, Oliver Wendell Holmes Jr. já profetizava, em artigo publicado em 1897, mas que permanece citado até hoje, que o jurista do futuro não poderia desconhecer a Economia2. Assinalou também Louis Brandeis que a insatisfação em relação à administração da justiça se devia ao descompasso com o desenvolvimento dos ideais políticos, econômicos e sociais3. A necessidade do estudo de um Direito Econômico, como veremos no decorrer do primeiro capítulo deste livro, passou a ser sentida desde a manifestação de Proudhon, em 1863, e mais acentuadamente com a afirmativa de Justus Wilhelm Hedemann, em 1922, de que, nos 30 anos anteriores, se via o surgimento de uma nova e importante matéria, o chamado Direito Econômico. A partir dos anos 1970, no Brasil, as Faculdades de Direito passaram a adotar em seus currículos a disciplina “Direito Econômico”. Após a Constituição de 1988, com a adoção do regime de economia de mercado, que deu impulso às privatizações e à abertura da economia nacional, vem sendo mais acentuado o estudo das relações entre Direito e Economia. Em 1994, com a edição da Lei n. 8.884, que deu nova face ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica, as relações de mercado passaram a ser objeto de percucientes análises. Em 2011, houve dois fatos que contribuíram ainda mais para pontuar a importância do estudo do Direito Econômico. O Supremo Tribunal Federal, com a coordenação do Ministro Ricardo Lewandowski e do Juiz Federal Marcelo Guerra Martins, realizou o Seminário Direito, Economia e Desenvolvimento, enfatizando-se a moderna perspectiva do relacionamento interdisciplinar e sua importância para o Poder Judiciário. E, em novembro do mesmo ano, promulgou-se a Lei n. 12.529, que deu nova estruturação ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica, modernizando-o e dando-lhe uma configuração mais eficiente. A situação atual é resultado de um longo e sinuoso caminhar. O relacionamento entre Direito e Economia pode ser visto em três etapas4: uma primeira, de imbricação, em que juristas, economistas e filósofos inteiravam o seu campo de reflexão (Adam Smith era Professor de Filosofia); uma segunda, em que predominou antagonismo e rejeição mútua (Max Weber opunha a ordem jurídica à ordem econômica); e uma terceira, em que se verifica um interesse recíproco e uma integração (ainda Max Weber sinalizava para essa aproximação, mas ela atinge seu ápice com a Escola de Chicago, a partir de 1960). O surgimento desta nova edição do Direito Econômico vem confirmar o interesse do meio acadêmico por essa relação interdisciplinar. O desenvolvimento dos capítulos tem por objetivo levar
aos alunos de graduação em Direito o conhecimento de um novo tipo de visualização. A análise descritiva que se faz, desde a exposição do conceito, passando pela evolução constitucional até chegar ao nível de uma economia de mercado, tem como objetivo provocar o questionamento sempre percuciente da relação dialética entre Economia e Direito, quer no plano nacional, quer no regional ou internacional. O último capítulo do livro trata mais especificamente do questionamento de uma economia de mercado perante fenômenos de crise, sob seus mais variados aspectos. A exposição de conceitos já firmados, a evolução dialética do relacionamento entre Economia e Direito, acompanhando a evolução constitucional desde 1824 até 1988, levam à percepção de um cenário aberto e sempre inacabado, mas sempre reconstruído. O Direito Econômico se mostra infenso à codificação, pois é de sua essência a mobilidade e a busca de adequação à realidade econômica sempre provocadora, questionadora e incitativa. Assim, a leitura do livro deve servir de motivo para ir além do que nele está contido. As notas de pé de página têm uma finalidade de extensão e de estímulo para que o leitor se sinta à vontade para sair do livro e buscar outras fontes. Cumpro o agradável dever de um agradecimento a todos os que colaboraram para o surgimento desta nova edição, principalmente os que me são mais próximos, minha esposa Ana Lúcia, meus filhos e meus netos, pelo tempo que lhes não dediquei. Meu agradecimento também a Eunice Freitas, Daniel Ribeiro Petrocelli e Cláudia Miranda do Grupo Editorial, pela sua dedicação e paciência na orientação para a reformulação do texto do livro. Belo Horizonte, outubro de 2013. Principes de Droit Public. 2. ed. Sirey, 1916, p. XXXV. The Path of the Law. 10 Harvard Law Review (1897), p. 469. The Living Law. Illinois Law Review, vol. X, (1916), p. 463. OPPETIT, Bruno. Droit et Économie. Archives de Philosophie du Droit. Tome 37, Paris, Sirey, 1992, p. 17-18.
SUMÁRIO
Capítulo 1 – DIREITO E EVOLUÇÃO 1. A juridicidade nas relações humanas 2. A evolução do conteúdo ideológico do Direito 3. O surgimento do Direito Econômico 4. Conceito 4.1. Direito Econômico e Direito da Economia 4.2. Conceito amplo e restrito 4.3. A concentração de empresas e a intervenção 4.4. O objeto do Direito Econômico 4.5. Política: Política Econômica 5. Características do novo Direito 5.1. O declínio do princípio da generalidade da lei 5.2. A mobilidade 5.3. Ausência de codificação 5.4. A crise da imperatividade 5.5. Desmoronamento da fronteira: público-privado 5.6. Princípio da economicidade 5.7. Princípio da eficiência 5.8. Caráter concreto 5.9. As perspectivas microeconômica e macroeconômica Capítulo 2 – FONTES DO DIREITO ECONÔMICO 1. Conceito de fonte do Direito 2. Princípios e regras 3. Ordem jurídico-econômica 4. Constituição econômica: função transformadora 5. Princípios de Direito Econômico 6. Princípios e regras 6.1. A norma jurídica deve garantir a segurança nas relações jurídicas 6.2. A norma jurídica deve tomar como ponto de partida a realidade econômica 6.3. A norma jurídica deve procurar a reforma da realidade 6.4. A norma jurídica deve buscar o desenvolvimento sustentável 6.5. A norma jurídica deve buscar o equilíbrio dinâmico 6.6. A norma jurídica deve nortear-se pela eficiência e economicidade 6.7. A norma jurídica deve garantir a democracia econômica e social
6.8. A norma jurídico-econômica e o princípio da dignidade humana 6.9. A norma jurídica: eliminação de atos economicamente lesivos 6.10. A norma jurídica deve ser pragmática 6.11. A norma jurídico-econômica e o princípio da proporcionalidade 7. Tipos de fontes no Direito Econômico 8. A regulação como fonte de Direito Econômico 9. A medida provisória: instrumento de condução da política econômica 10. A Lei do Plano Capítulo 3 – ORDEM JURÍDICO-ECONÔMICA 1. Conceito de ordem 1.1. Conceito de ordem em KANT 1.2. Ordem política e econômica: Max Weber 2. Kósmos e táxis 3. Ordem e linguagem 4. A constituição econômica 4.1. Normas programáticas 5. Ordem jurídico-econômica brasileira 5.1. Conceitos complementares de ordem 5.2. Aspectos sincrônico e diacrônico 5.3. A Constituição de 1824 5.4. A Constituição de 1891 5.5. A Constituição de 1934 5.6. A Constituição de 1937 5.7. A Constituição de 1946 5.8. A Constituição de 1967-1969 5.9. A Constituição de 1988 6. Princípios gerais da atividade econômica 6.1. Os princípios gerais 6.1.1. Soberania nacional 6.1.2. Propriedade privada 6.1.3. Função social da propriedade 6.1.4. O princípio da livre concorrência 6.1.5. Princípio da defesa do consumidor 6.1.6. Princípio da defesa do meio ambiente 6.1.7. Princípio da redução das desigualdades regionais e sociais 6.1.8. Princípio da busca do pleno emprego 6.1.9. Princípio do tratamento favorecido para as empresas brasileiras de
capital nacional de pequeno porte 6.2. O tratamento protecionista 6.3. O papel do Estado na ordem econômica 6.3.1. O abuso do poder econômico: papel repressor do Estado 6.3.2. A privatização: O afastamento do Estado 6.3.3. A Efetivação das Privatizações 6.3.4. A privatização como fenômeno mundial 7. Outras funções do Estado Capítulo 4 – ORDEM ECONÔMICA INTERNACIONAL E REGIONAL 1. Existência de um Direito Econômico internacional 1.1. Aspectos de ordem econômica internacional 1.2. Conceituação 1.3. Especificidade do Direito Econômico Internacional 1.4. As normas do Direito Econômico Internacional 1.5. A ordem econômica internacional: sujeitos 1.6. A nova ordem econômica internacional 1.7. O Fundo Monetário Internacional – FMI 1.8. O acordo geral sobre tarifas e comércio 1.9. Constituição da Organização Mundial de Comércio 2. Existência de um Direito Econômico regional 2.1. A União Europeia 2.2. A perspectiva latino-americana 2.3. A perspectiva latino-americana: o Mercosul 2.4. A consolidação do Mercosul 2.5. Situação atual Capítulo 5 – INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO 1. Relação entre direito e economia 2. O materialismo histórico de Marx 3. O pensamento de Stammler 4. A concepção de Max Weber 5. A escola histórica da economia política 6. A atuação do Estado no domínio econômico: contexto histórico 7. Intervenção do Estado: doutrina social da Igreja Católica 8. O pensamento de Ariño Ortiz 8.1. Razões que determinaram a intervenção do Estado 8.2. Modalidades da atuação governamental 8.2.1. Regulação econômica
8.2.2. Atuação fiscal e financeira 8.2.3. Iniciativa pública 8.2.4. Reservas ao setor público 9. Intervenções direta e indireta 10. A intervenção direta 11. A intervenção indireta Capítulo 6 – O NOVO PAPEL DO ESTADO 1. Uma nova perspectiva para o Estado 1.1. A perspectiva dos blocos econômicos 1.2. As agências reguladoras 1.3. Os poderes das agências 1.4. Regular por meio da informação 1.5. Em busca de um modelo genuíno 2. Agência Nacional de Energia Elétrica 3. Agência Nacional de Telecomunicações 4. Agência Nacional de Petróleo 5. Banco Central do Brasil 6. Agências reguladoras e as relações de concorrência 7. Agência Nacional de Vigilância Sanitária 8. A criação de novas agências 9. Controle da atuação das agências 10. Análise do impacto regulatório Capítulo 7 – PLANEJAMENTO ECONÔMICO 1. A busca da racionalidade 1.1. Razão e democracia 1.2. Racionalidade e mercado 1.3. Planejamento e racionalidade 1.4. Gênese da racionalidade 2. O plano é uma lei 2.1. O pensamento de Henri Jacquot 2.2. O pensamento de Laubadère 2.3. O pensamento de Burdeau 2.4. O pensamento de Farjat 2.5. O pensamento de Quadri 2.6. O pensamento de Gordillo 2.7. O pensamento de Chambre 2.8. O pensamento de Maystadt
2.9. O pensamento de Bernard 2.10. O pensamento de Kucera 2.11. O pensamento de Staïnov 2.12. A definição da Constituição de Portugal 2.13. A Definição da Constituição da Espanha 2.14. O contexto semântico 3. História do planejamento no Brasil 3.1. Plano especial de obras públicas 3.2. Plano de obras e equipamentos 3.3. Plano Salte 3.4. Comissão mista Brasil-Estados Unidos 3.5. Programa de metas 3.6. Comissão Nacional de Planejamento 3.7. Plano Trienal de Desenvolvimento 3.8. Programa de Ação Econômica do Governo 3.9. Plano Estratégico de Desenvolvimento 3.10. Legislação sobre planejamento 3.11. I Plano Nacional de Desenvolvimento – I PND 3.12. II Plano Nacional de Desenvolvimento – II PND 3.13. III Plano Nacional de Desenvolvimento – III PND 3.14. I Plano Nacional de Desenvolvimento – Nova República 3.15. Planos conjunturais 4. Planejamento econômico e ideologia 4.1. Planejamento: mito da criação pela linguagem 4.2. Planejamento: mito prospectivo 5. Planejamento e mercado – previsibilidade Capítulo 8 – ECONOMIA DE MERCADO E A CRISE FINANCEIRA 1. O fenômeno da crise 2. Crise – fenômeno cíclico 3. Diagnóstico da crise 4. Os “ismos”. 5. O fim do capitalismo 6. A globalização 6.1. A eficiência e a inovação como fontes do desemprego 7. Persistência de uma economia de mercado 8. O direito econômico depois da crise 9. Os trabalhos de Farjat
10. O estudo do intervencionismo 11. Encaminhamento para uma nova fase 12. O Direito da concorrência como centro 13. Questões do Direito Econômico atual 14. A mundialização. 15. A ética. 16. A cultura 17. As relações entre econômico e político 18. Conclusão 19. Referências para aprofundamento da questão Bibliografia
1 DIREITO E EVOLUÇÃO 1. A JURIDICIDADE NAS RELAÇÕES HUMANAS O estudo de qualquer ramo do Direito deve partir da visualização e da análise da forma e do conteúdo que se tem em vista. Antes de outras considerações, há que se verificar que o objeto do direito, tanto no seu aspecto de linguagem, quanto no de metalinguagem, é a relação humana, ou seja, é a relação que ocorre entre seres humanos que se comunicam. A relação humana não se dá sempre da mesma forma, nem com o mesmo conteúdo no evolver-se dos tempos. Daí dizer-se que ela apresenta um aspecto estático e um aspecto dinâmico. Basta uma análise retrospectiva dos fatos humanos, para se ver que as relações humanas aconteceram sempre diferentemente, quanto à forma e conteúdo. As relações humanas no âmbito familiar, no pertinente ao trabalho, no que diz respeito à organização do Estado, sempre se manifestaram, através da história, com formas e conteúdos diferentes. Confronte-se, por exemplo, a relação de trabalho disciplinada pela Constituição do Império e a regida pela Constituição Federal de 1988. Independentemente da consideração dos conteúdos ideológicos vigentes em cada período, ver-se-á que a primeira Constituição brasileira nada estabeleceu quanto ao trabalho. A relação de trabalho estava restrita ao plano da contratação individual, para os livres, e ao plano do trabalho escravo. Não se podia, então, pensar na existência de um Direito do Trabalho. A leitura da Constituição Federal de 1988 mostra a profusão de normas jurídicas pertinentes à relação de trabalho. Esta grande quantidade de normas de proteção ao empregado vem se mostrando rapidamente inadequada às novas relações de mercado. O fenômeno da globalização vem exigindo uma revisão dos conceitos e das normas editadas em 1943. A relação econômica entre capital e trabalho não tem hoje os mesmos contornos de setenta anos atrás. Há um momento em que a relação humana ainda não é objeto da consideração do Direito. Diz-se então que aquela relação não é juridicamente pertinente, não se inclui no campo de consideração nem de regulamentação do direito. Mas a história é um evoluir de formas e de conteúdos. A vida humana se manifesta sempre diferentemente no transcorrer da história. E os homens não se relacionam sempre da mesma forma. A análise, o estudo dessas diferentes formas e vários conteúdos de relação humana podem fazerse sob diversos prismas. Assim é que poderá fazer-se uma análise sociológica, que se interessa somente pela verificação do acontecer dos fatos sociais, pela contemplação não indiferente dos fatos. Poderá fazer-se uma análise ética das relações humanas, aferindo-se sua conveniência ou sua bondade, mas sem a criação de uma obrigatoriedade externa. Poderá fazer-se também uma valoração jurídica. A análise jurídica das relações humanas se apresenta num plano diferente das demais, pois o u cria um dever-ser, no plano da linguagem, ou estuda o dever-ser já criado, no plano da metalinguagem. A valoração jurídica não se interessa pela ofelimidade ou pela bondade do comportamento em si mesmo, mas tem em mira a relação humana na medida em que o comportamento de um indivíduo se defronta com os comportamentos intercomplementares de outros indivíduos. A perscrutação de uma
relação humana “sub specie juris” levará o intérprete a distinguir nela a categoria da juridicidade. Essa análise jurídica não consiste em distinguir no mundo relacional humano aspectos meramente informativos ou descritivos, mas os prescritivos.5 A juridicidade é a categoria que faz com que uma relação humana se manifeste como relação jurídica. É uma relação intersubjetiva, pois é-lhe essencial a existência de dois seres humanos que se relacionam intercomplementarmente; regulada por norma de dever-ser, que estabelece a forma e o conteúdo através dos quais aquela relação é válida e aceita. A relação jurídica tem conteúdos empíricos diferentes, de acordo com as diversas situações concretas em que os seres humanos se interrelacionam, de acordo com os lugares e com a época. A relação jurídica pode ter um conteúdo de relacionamento familiar, contratual, de trabalho, de organização dos que prestam serviços ao Estado, de cobrança de dinheiro para os cofres do Estado, etc. A organização de todos os contextos de relações jurídicas leva à formação de um ordenamento jurídico. E é justamente este que, no seu conjunto, transfunde força imperativa à norma jurídica.6 2. A EVOLUÇÃO DO CONTEÚDO IDEOLÓGICO DO DIREITO O Direito é um reflexo do pensamento dominante em cada época e em cada lugar. É ele o resultado daquilo que a classe dominante apresenta como o melhor, o mais adequado, o mais justo. Poder-se-ia concretizar essa afirmação pela apresentação do contraste entre dois momentos do Direito. O momento da codificação dos direitos civis é o da tentativa de traduzir um conjunto de normas racionais, e por isso naturais e eternas,7 em leis positivas. É ainda o da tentativa de valorizar o indivíduo, ideologizando-o como cidadão, para atingir o objetivo político da destruição do regime antigo do poder absoluto dos monarcas. Os direitos individuais se centralizam em torno do direito de propriedade. JOHN GILISSEN traduz muito bem esse quadro: O Código Civil traduz o Estado social e polí co do seu tempo. Redigido e discu do no momento em que Bonaparte consolida o seu poder pessoal, o Código reflete a tendência para conciliar as conquistas civis e polí cas da Revolução com o desejo da estabilidade econômica e social, baseada na família e na propriedade. Mantém-se a abolição dos direitos feudais; é garantida a liberdade civil de todos os indivíduos: liberdade de contratar, de testar, etc.8
O Código Civil francês poderia ser visto como uma resultante da “razão” e da “história”, uma espécie de cristalização da perfeição jurídica, com características de definitividade, imutabilidade e quase eternidade (como eterna é a “ratio” humana). JEAN RAY mostra a necessidade de se ver o Código Civil como fato social e, ao mesmo tempo, como fato intelectual: O Código Civil é um fato social ao mesmo tempo que um fato intelectual: ele pertence ao domínio da sociologia e da lógica.9
Concebido como resultante de uma razão humana imutável, participante da natureza eterna, o Código Civil foi visto como uma obra perfeita e acabada. Perdeu-se de vista sua estreita vinculação com uma ideologia imperante num determinado momento. A força de redução dos indivíduos a átomos componentes de uma sociedade, mas sempre isolados, cedeu, com o passar do tempo, ao impulso dos interesses vitais da comunidade como um todo. O confronto entre o interesse do indivíduo, cristalizado nos direitos privados, e o interesse social levou G. RIPERT a profetizar que era preciso apagar a chama da soberania do direito individual:
O direito subje vo é a lembrança de uma época em que a doutrina individualista era erguida como uma resistência à força polí ca. O povo, que se apoderou do poder polí co não tolera mais os poderes privados. Os direitos individuais devem portanto desaparecer. Com eles, aliás, desaparecerá talvez o direito privado todo inteiro. Todo homem, ocupando um lugar no mecanismo social, será considerado como exercente de uma função social e todas as relações entre os homens serão relações de direito público. No dia em que esta doutrina ver triunfado completamente, o direito civil não se terá somente transformado, como o queria Duguit: ele terá desaparecido.10
Quis Ripert mostrar que o Direito não pode prender-se imutavelmente às raízes temporais de seu surgimento, de sua cristalização. A regra jurídica, vista inicialmente como um protótipo imutável a reger os comportamentos humanos, passou a figurar como um instrumento do desenvolvimento econômico. A mudança é radical. MORTON J. HORWITZ já mostrou essa profunda alteração do direito, contrapondo a atuação dos juízes americanos do século XVIII e do XIX: “Consequentemente, os juízes americanos antes do século XIX raramente analisavam as regras de ‘common law’ funcionalmente ou finalis camente, e eles quase nunca empregavam, de maneira consciente, o ‘common law’ como um instrumento criativo para dirigir as energias humanas para a mudança social”.
O que distinguia, de maneira dramática, o direito do século dezenove de seu correlativo do século dezoito era o grau a que os juízes de “common law” chegaram, ao desempenhar um papel central na direção do curso da mudança social. Especialmente durante o período anterior à Guerra Civil, o “common law” desempenhou de qualquer forma uma função tão importante quanto a legislação para garantir e canalizar o desenvolvimento econômico.11 Como um exemplo dessa ampliação da visão, pode-se citar a decisão proferida pela Suprema Corte em 1876, no caso Munn v. State of Illinois, em que o Juiz Waite afirma que “quando a pessoa se torna membro de uma sociedade, ela necessariamente se despe de alguns direitos ou privilégios que [...] poderia reter”. E prossegue afirmando a possibilidade de o Estado regular preços 12. Assim, o direito se desgarra de um pressuposto ideológico de chegada ao ápice, para se voltar a um fundamento também ideológico de partida para o futuro. A norma jurídica deixa de ser a consagração da perfeição, para se transformar num instrumento para alcançar-se o bem-estar cada vez maior e sempre perfectível do desenvolvimento econômico. Essa alteração de posicionamento mais se evidencia a partir do instante em que o direito se põe a dirigir o desenvolvimento, a regrar o fenômeno econômico. Passa a verificar-se então uma interação entre o ser, que é o fato econômico, e o dever-ser que é o fenômeno jurídico. Essa é uma relação dialética, não reciprocamente destrutiva, mas, sim, interconstrutiva. 3. O SURGIMENTO DO DIREITO ECONÔMICO O meado do século XIX viu transformar-se o capitalismo atomista num capitalismo de grupo. A chamada concentração capitalista acarretou profundas influências no Direito, fazendo surgir um novo ramo, direcionado justamente a reger o novo fato econômico. Não se tratava mais de indivíduos a serem protegidos contra o monarca absoluto, e que se relacionavam atomisticamente entre si. As empresas, no intuito de liberar-se das incertezas do mercado, procuram maximizar seus ganhos, formando grupamentos destinados a fortalecer-se. Nessa luta, os mais hábeis e mais organizados levam vantagem sobre os mais fracos e desestruturados. Surge o poder econômico privado a rivalizar com o poder estatal. Essa profunda alteração no contexto social, na tipologia das relações sociais, comprometidas com o fato econômico, leva a uma nova juridicização, a uma nova manifestação reguladora do Direito direcionada a um fato novo. O fato econômico se apresenta de forma diferente, e o direito se
curva sobre ele para moldá-lo às novas intuições ideológicas. Acentua G. FARJAT essa nova perspectiva: “A concentração capitalista é o fenômeno decisivo do direito econômico. É ela que está na origem de todas as grandes mutações das sociedades industriais: a intervenção do Estado, teremos ocasião de retornar a isso, é uma consequência da concentração”.13
Essa concentração capitalista veio provocar o surgimento de uma nova forma jurídica. Ocorrem alterações qualitativas no sistema jurídico, surgindo daí novos ramos, com princípios próprios. Uma das primeiras manifestações quanto ao surgimento de um novo direcionamento, nos vem do pensamento de PIERRE-JOSEPH PROUDHON: “Não está dita, contudo, a úl ma palavra. Ainda que seja justa e severa em sua lógica a cons tuição federal, ainda que ofereça garan as em sua aplicação, não se sustentará por si mesma enquanto não deixe de encontrar incessantes causas de dissolução na economia pública. Em outros termos, é preciso dar por contraforte ao direito político o direito econômico. ... O verdadeiro problema que se tem de resolver não é na realidade o político, mas o econômico. ... Direi simplesmente que o governo federa vo, depois de ter reformado a ordem polí ca, tem que empreender necessariamente, para completar sua obra, uma série de reformas na ordem econômica. ... Desde o ponto de vista econômico é necessário confederar-se, quer para a proteção recíproca do comércio e da indústria, que é a que se chama união aduaneira, quer para a construção e conservação das vias de transporte, estradas, canais, estradas de ferro, quer para a organização do crédito, dos seguros, etc. O objeto dessas federações par culares é subtrair os cidadãos dos Estados contratantes à exploração plutocrá ca, tanto de dentro como de fora; formam pelo seu conjunto, em oposição ao feudalismo econômico que hoje domina, o que chamarei federação agrícola-industrial”.14
O início do século XX veio demarcar uma profunda alteração nos rumos do Direito. De um lado a transformação sofrida pelo Direito originado do movimento iluminista; por outro, os efeitos da primeira Guerra Mundial; e, por fim, o colapso sofrido pela crença no automatismo dos processos do liberalismo, trouxeram conjuntamente uma nova postura do Estado e do Direito. Os freios e contrapesos adotados pelo constitucionalismo, no âmbito político, se mostraram insuficientes para o direcionamento de um fenômeno que se evidenciou com estruturas e funcionamentos diferentes. Os velhos instrumentos adotados pelo Direito, forjados na estrutura racionalista do pensamento iluminista, se mostravam insuficientes e inadequados para enfrentar os problemas postos pela revolução industrial geradora de profunda crise social. Os instrumentos jurídicos gerados pela crença numa ordem racional eterna, arraigada na ordem racional humana perene, não se mostravam adequados para a solução de problemas decorrentes da materialidade da ordem econômica. A primeira Guerra Mundial destruiu a velha ordem, quer no plano político, quer no econômico, quer no jurídico. A Europa arrasada materialmente veio sentir a necessidade de uma reconstrução profunda e eficaz, com parâmetros diferentes dos adotados até então. As crises com que se deparou a crença na ordem natural do liberalismo levaram à convicção de que o Estado deveria conduzir o fenômeno econômico e social com novos instrumentos mais adaptados à nova realidade. Os Estados Unidos, em que se tinha o liberalismo como protótipo das relações jurídico-econômicas, e em que sempre se aceitara a crença no equilíbrio natural decorrente e consequente das próprias forças econômicas, foram levados a arrostar aquele ato de fé e a adotar medidas corretivas e incitativas para implantação de um novo modelo econômico.15 No Brasil, o surgimento da questão social levou à convicção da necessidade de profundas mudanças de ordem constitucional. É ilustrativo recorrer, neste ponto, ao depoimento de RUY BARBOSA, em seus Comentários à Constituição Federal brasileira:
Trouxeram ao Brasil, criaram no Brasil a questão social. Ela urge conosco por medidas, que com seriedade atendam aos seus mais imperiosos reclamos. Mas como é que lhe atenderíamos nos limites estritos do nosso direito constitucional? Ante os nossos princípios cons tucionais, a liberdade dos contratos é absoluta, o capitalista, o industrial, o patrão estão ao abrigo de interferências da lei, a tal respeito. Onde iria ela buscar, legi mamente, autoridade, para acudir a certas reclamações operárias, para, por exemplo, limitar horas ao trabalho? Veja-se o que tem passado na América do Norte, onde leis adotadas para acudir a tais reclamações têm ido esbarrar, por vezes, a tulo de incons tucionalidade, em sentenças de tribunais superiores. Daí um dilema de caráter revolucionário e corolários nefastos; porque ora a opinião das classes mais numerosas se insurge contra a jurisprudência dos tribunais, ora os tribunais transigem com elas em prejuízo da legalidade cons tucional. Num caso é a justiça que se impopulariza. No outro, a Constituição que se desprestigia”.16
A reforma constitucional assim antevista e desejada por RUY BARBOSA nada mais era do que a resposta aos novos problemas de ordem econômica e social. O Estado tinha que valer-se de instrumentos jurídicos adequados para, por seu intermédio, dirigir a nova ordem que se impunha de modo crítico e que exigia tratamento adequado. Vê-se, a partir daí, que o Estado tinha que intervir na economia. O Estado não podia mais permitir que a crença na ordem natural da economia dirigisse os fenômenos econômicos. Na Alemanha, em decorrência do desmoronamento econômico após a primeira Grande Guerra, 17 surgem pensadores que se referem à nova postura do Direito. JUSTUS WILHELM HEDEMANN mostra o surgimento de um Direito da Economia.18 GUSTAV RADBRUCH, em sua Filosofia do Direito, já afirmava o surgimento de novos ramos do Direito: A liberdade contratual do direito converte-se, portanto, em escravidão contratual na sociedade. O que, segundo o direito, é liberdade, volve-se, na ordem dos fatos sociais, em servidão. Daí, para a lei, a missão de ter de inverter de novo as coisas e de, por meio de certas limitações impostas à liberdade, restabelecer a liberdade social de contratar. Mas estas limitações podem apresentar-se sob as mais diversas formas, como se tem visto já no direito posi vo. Como exemplos de tais limitações, poderiam citar-se: os preceitos que ferem de nulidade certas convenções entre as partes; a competência reconhecida a certas autoridades para rescindir certos atos;a certas determinações legais obrigatórias para a vontade dos contratantes, como os contratos cole vos e ainda alguns casos em que um certo e determinado contrato é imposto a alguém.
É neste sentido que se pode dizer que alguns dos mais importantes domínios novos do direito, como os do direito do trabalho e do direito econômico, nos surgem precisamente, hoje, como verdadeiros sistemas dessas e outras semelhantes limitações impostas à liberdade contratual”.19 As Constituições do México (1917) e de Weimar (1919) foram uma resposta no plano do direito positivo às novas exigências de um Direito novo, de um novo instrumento, que fosse eficaz e eficiente nas mãos do Estado, para dirigir a nova realidade econômica e social. A segunda Guerra Mundial foi um novo marco da evolução do Direito. Surgem realidades que exigem a cada passo que o Estado se dedique a dirigir a economia. Essa nova tarefa do Estado exige que tenha ele um instrumento jurídico adequado. Assim é que, quer no bloco socialista, quer no ocidente, surge e se impõe cada vez mais um conjunto de normas que tem por finalidade conduzir, regrar, disciplinar o fenômeno econômico. Se assim ocorre no plano da linguagem jurídica, no da metalinguagem surge uma ciência que tem por conteúdo e por finalidade justamente estudar esse conjunto de normas. É o surgir e o afirmar-se de um ramo do Direito. 4. CONCEITO Epistemologicamente, uma ciência se define, delimita seu campo e, por isso, se distingue das demais, pelo seu objeto material e pelo seu objeto formal. É importante saber-se o que estuda uma
determinada ciência, qual é a matéria de sua atenção, mas é também importante definir o aspecto formal sob o qual uma ciência estuda o seu objeto. Veja-se que o corpo humano, por exemplo, pode ser objeto de estudo de diversas ciências. Cada uma delas o estuda, contudo, sob um determinado aspecto formal. E é este que irá distinguir entre si várias ciências que se dedicam ao mesmo objeto. O Direito, enquanto ciência, se dedica ao estudo das relações intersubjetivas, sob o aspecto material. Mas há ainda um outro aspecto, o formal, a configurar e delimitar cada campo de estudo. Como visto acima, o Direito pode estudar as normas que regem aquelas relações sob vários prismas. Um deles é o da direção da política econômica pelo Estado. Será este o aspecto formal que identificará e distinguirá o Direito Econômico dos demais ramos jurídicos.20 Poderemos identificar diversos conjuntos de normas jurídicas que se relacionam com a economia. Inúmeras normas têm conteúdo econômico, mas, nem por isso, se situam no campo específico do Direito Econômico. Poder-se-á dizer que tais normas se localizam no âmbito do Direito da Economia. Esta tem um campo mais amplo do que o do Direito Econômico. 4.1. Direito Econômico e Direito da Economia Para um melhor entendimento do conceito de Direito Econômico, necessário se faz proceder a uma distinção importante. O confronto entre duas “denominações” levaria o estudioso a indagar se haveria dois conteúdos distintos por detrás daqueles dois nomes. Assinala MASSIMO SEVERO GIANNINI que entre Direito da Economia e Direito Econômico haveria uma diferença de amplitude, sendo o primeiro mais abrangente do que o segundo. Também LAUBADÈRE compartilha dessa ideia, ao aceitar que se está diante do Direito da Economia quando se trata de um “direito aplicável a todas as matérias que entram na noção de economia”.21 GIOVANNI QUADRI dá preferência à expressão Direito Público da Economia, porque entende que esta denominação dá ênfase à matéria genuína e exclusivamente jurídica. Essa denominação faz ver que a economia é somente o espaço, a esfera de interesses que o Direito assume como objeto de sua disciplina. A outra denominação, Direito Econômico, levaria a uma mistura substancial e metodológica entre direito e economia, não se distinguindo um do outro.22 A escola francesa prefere a denominação Direito Econômico. A divergência não fica, contudo, somente no campo nominalista, pois que se procura atingir uma distinção de objeto. Por isso é que GÉRARD FARJAT assinala que “o conceito de direito econômico visa dar certa coerência a novos fenômenos jurídicos”.23 Essa nova feição do Direito está ligada à nova configuração das sociedades industriais. O critério diferenciador será, para ele, com alicerce em J. K. Galbraith, e, poder-se-ia acrescentar, também em W. Friedmann, a grande evolução das sociedades industriais. Mostra Galbraith que as inovações e alterações da vida econômica comprovam que ocorreram mudanças profundas em todos os âmbitos, em decorrência do que chama de sistema industrial. Segundo Friedmann, aquele contexto jurídico surgido da vida social do povo cedeu lugar e “perdeu sua validade e significado na sociedade cada vez mais industrializada e articulada de nosso tempo”. Para ele “uma sociedade altamente urbanizada e mecanizada, em que um grande número de pessoas vivem estreitamente juntas e dependem cada vez mais das suas ações recíprocas e do fornecimento de mercadorias que estão fora de sua própria esfera de controle, conduziu a um papel cada vez mais ativo e criador dos instrumentos deliberadamente legislativos do Estado”.24 Como observa ALAIN-SERGE MESCHERIAKOff em recente obra, “o direito público pode finalmente ser econômico pela especificidade de suas regras. Esta concepção ontológica leva a
distinguir o direito econômico do direito da economia. Este se caracteriza pelo seu objeto e aquele pela especificidade das normas que produz”.25 4.2. Conceito amplo e restrito CLAUDE CHAMPAUD afirma que há, entre os autores que tentam definir o Direito Econômico, duas tendências: alguns propendem para uma concepção ampla, enquanto outros se inclinam para uma estrita. Os que defendem um conceito estrito, veem no Direito Econômico “uma disciplina nova, autônoma e original, dirigida ao estudo dos problemas colocados pela intervenção do Estado na Economia. Os que preferem um conceito amplo, afirmam que “uma regra é de Direito Econômico, quando rege relações humanas propriamente econômicas”. Aderindo à concepção ampla, assinala que “o aparecimento de disciplinas jurídicas novas e, especialmente do Direito Econômico, está ligado à grande mutação econômica que vivemos”. Dentro desta nova etapa que começou, “o que caracteriza esta nova era é acima de tudo a aplicação d e técnicas de massa de produção e de distribuição, através da concentração dos meios de produção e de distribuição, ressaltando-se que somente essa concentração permitirá a efetivação daquelas técnicas”. Elabora-se um direito novo justamente para juridicizar este novo fenômeno econômico. É este fato novo que vem causar o aparecimento do Direito Econômico, qualquer que seja o regime político-econômico de um país. Eis o cerne do pensamento de Champaud: Se o Estado desempenha um papel primordial na cons tuição e na vida das grandes unidades de produção e de distribuição de massa, o Direito Econômico é essencialmente composto de regras que regem as relações do Estado e de suas unidades. Ele aparece então como um Direito Público. Se sua criação e sua animação é, no essencial, deixada à inicia va privada, o Direito Econômico é quase exclusivamente formado de regras que regem relações entre ‘par culares’. Apresenta-se então como um Direito Privado. Nos países em que o sistema econômico-polí co se acha a meio caminho entre o direito privado e o direito público – e é justamente este o caso da França –, a sua natureza não se manifesta com clareza. Será necessário, parece, admi r que o direito econômico não é nem ‘priva sta’ nem ‘publicista’. Situa-se precisamente fora destas antigas categorias. Assim, se seguirmos esta opinião, o Direito Econômico se apresenta como o direito da organização e do desenvolvimento econômico, quer estes se originem do Estado, da iniciativa privada, ou do concerto de um e de outro. Na realidade, mais que uma disciplina, o Direito Econômico é uma ordem jurídica decorrente das normas e das necessidades de uma civilização ainda em via de formação. Se se adotar este ponto de vista, dever-se-á admi r que o Direito Econômico não é um novo ramo do Direito, mas um Direito novo que coexiste com o corpo das regras jurídicas tradicionais da mesma maneira que a ordem social industrial que se elabora coabita com as instituições da ordem social precedente. Considerado como um direito original, mas de vocação geral, o Direito Econômico se apresenta, portanto, como um espírito jurídico particular aplicado a um corpo de regras diversas. Somente o espírito é verdadeiramente novo. É a Empresa, unidade de decisão econômica e célula de base do sistema econômico e social como quadro para nossa civilização industrial, em seu estado atual, que se apresenta como o objeto fundamental de nosso Direito Econômico. Num po de economia, chamado precisamente de ‘Economia de Empresa’, é a esta noção fundamental que será necessário erigir o critério do Direito Econômico, a pedra de toque de seu espírito e o revelador de sua substância. O Direito Econômico, numa Economia de Empresa, se acha em presença de três interesses que concorrem para sua realização: o Interesse Geral, o interesse peculiar a cada empresa e os interesses particulares dos indivíduos. É um equilíbrio triangular que ele deve realizar. O problema dos equilíbrios que o Direito Econômico deve realizar é, portanto, singularmente mais complicado para ser resolvido do que aqueles com que se defrontam os direitos públicos e os direitos privados tradicionais. ... numa ‘economia industrial’ a sobrevivência das empresas está ligada à sua capacidade de inovação e de adaptação. O espírito do Direito Econômico é profundamente influenciado por essa exigência. É um espírito de movimento e de progresso. Todavia, o direito tem uma função estabilizadora e ordenadora de que esse espírito deve também inspirar-se. O
Direito Econômico deve assegurar o movimento e o Progresso na ordem e na estabilidade dos equilíbrios realizados”.26
4.3. A concentração de empresas e a intervenção O século XIX assistiu a uma evolução fundamental na estrutura da empresa. De uma concepção atomística asseguradora da plena liberdade de cada um dos componentes do mercado passou-se à tendência para a concentração. O liberalismo, no intuito de preservar e garantir a liberdade de cada indivíduo, favoreceu a igualdade entre as empresas, consideradas todas de igual capacidade e de iguais proporções. Mas este posicionamento cedeu lugar ao desejo e à necessidade de fortalecer a posição de cada empresa. Para esse incremento da potencialidade de cada uma muito contribuiu a ideia de que quanto maior a empresa, maior seria a sua solidez. E, para concretizar esse crescimento, muito contribui a concentração. Morton J. Horwitz assinala que, antes da metade do século XIX, já se podia verificar “como o espírito do desenvolvimento econômico começava a assenhorear-se da sociedade americana” e também que o surgimento de grandes empresas concentradoras do poder econômico fez aflorar a naturalidade e necessidade de instituições econômicas descentralizadas. O projeto de redefinir o sistema de mercado para reconhecer uma função legítima para as novas corporações gigantes representou um tema central no pensamento social americano”.27 Foi justamente o surgimento da concentração econômica que fez surgir uma nova disciplina jurídica das relações, quer pela necessidade de conter aquela força, para impedir que ela sufocasse os outros elementos do mercado, quer pela necessidade de preservar aquela nova feição econômica, para impedir que o seu desaparecimento destruísse o próprio mercado. A concentração econômica gerou problemas no relacionamento econômico e social dentro do mercado, o que exigiu que uma nova força entrasse em cena. A concentração econômica fez surgir o poder econômico privado que, de um lado, procurou dominar e eliminar as empresas economicamente mais fracas, e, de outro lado, gerou uma situação de violenta dominação sobre os trabalhadores, que Marx e Engels detectaram no meado do século, e Leão XIII também analisou na Encíclica “Rerum Novarum”.28 Ao impulso alcançado pela empresa fazia-se necessário antepor uma outra força. Assim é que Gérard Farjat afirma que a empresa e o plano “exprimem os dois polos do direito econômico, direito de uma certa organização econômica”.29 Esses dois polos fazem surgir um novo conteúdo de relação jurídica. Atua, de um lado, o poder econômico privado, corporificando os interesses individuais e de grupos, e, de outro, o Estado, personificando o interesse da coletividade, a intervir para aplicar medidas de política econômica direcionadas a buscar uma forma de equilíbrio nas relações humanas em que o elemento econômico e o jurídico se confrontam.30 A concentração econômica veio ocasionar profundas mudanças no sistema jurídico, mudanças que vêm evidenciar que o antigo molde ideológico sustentado no pressuposto da igualdade e da liberdade de todos não pode mais ser aceito sem uma acurada análise crítica. O Direito Econômico é exatamente o resultado jurídico dessa mudança, pois que, por provocação da concentração capitalista, surge como a solução jurídica para salvar a liberdade de concorrência dentro de um quadro em que predominam os valores sociais.31 Em decorrência da afirmação do poder econômico privado e de sua consequência histórica, o poder econômico do Estado, surge um novo tipo de relações jurídicas e um novo corpo de normas
direcionadoras dessas novas relações. Assim é que Farjat, sem se preocupar em definir, assinala que o Direito Econômico pode ser considerado como “o direito da concentração ou da coletivização dos bens de produção e da organização da economia por poderes privados ou públicos”.32 Não se pode perder de vista a contínua evolução do Direito Econômico. Os estudos e as normas que o compõem buscam sempre, se não preceder a realidade, pelo menos acompanhar de perto a evolução dos acontecimentos econômicos. Assim é que o próprio FARJAT, desenvolvendo o pensamento já embrionariamente colocado na introdução da Segunda edição de seu livro, vem afirmar, em 1992, que “enquanto ramo do direito, o Direito Econômico é um direito da organização da economia cujo cerne é hoje o direito da concorrência com desdobramentos consideráveis, mas incertos, nas sociedades liberais ou em via de liberalização. É também uma disciplina, ou seja um subsistema do direito comparável à “equity”, de qualquer forma um “renascimento” do direito, como resposta às “pressões” da economia política”.33 4.4. O objeto do Direito Econômico Com o surgimento de um novo tipo de relações, que se tornam pertinentes para o dever-ser, acorre de imediato um conjunto de normas jurídicas para discipliná-lo. Como se trata de relações em que o direito procura direcionar o econômico, o nome da novel disciplina brota espontâneo do conjunto desses dois elementos. É preciso salientar que o Direito Econômico pode ser visto quer sob o aspecto de um sistema de normas, quer sob o da disciplina jurídica que estuda aquele sistema. Tem-se, assim, no primeiro ângulo, o aspecto da linguagem do direito, e, no segundo, o da metalinguagem, ou também da linguagem do jurista. J. SIMÕES PATRÍCIO leva justamente em conta esses conceitos ao definir o Direito Econômico: Direito Econômico é o sistema de normas – ou a disciplina jurídica que as estuda – que regulam: i) a organização da economia, designadamente definindo o sistema e o regime econômicos; ii) a condução ou controlo superior da economia pelo Estado, em par cular estabelecendo o regime das relações ou do ‘equilíbrio de poderes’ entre o Estado e a economia (os agentes econômicos, maxime os grupos de interesses concentrados); e iii) a disciplina dos centros de decisão econômica não estaduais, especialmente enquadrando, macroeconomicamente a atividade das instituições fundamentais.34
Para um melhor entendimento da questão, convém assinalar que, para compor e intermediar o confronto entre o poder econômico privado e o poder econômico público, o Estado intervém sob várias formas, mas, fundamentalmente, adotando políticas para direcionar a relação entre o jurídico e o econômico. Para atingir esse objetivo, o Estado valer-se-á de normas jurídicas, para organizar a economia, conduzindo-a de forma a obter situações de equilíbrio,35 através da disciplina macroeconômica das relações estabelecidas entre os diversos poderes que se confrontam. O Direito Econômico será, assim, constituído por um corpo orgânico de normas condutoras da interação do Poder Econômico Público e do Poder Econômico Privado e destinado a reger a Política Econômica. 4.5. Política: Política Econômica A Política pode ser vista como o governo dos homens e a administração das coisas, e, num plano global, a organização e a administração dos Estados. O fenômeno da política pode ser analisado enquanto arte, enquanto ciência, enquanto ideologia, como filosofia, como metafísica, como ética e como teologia. Todos esses aspectos revelam perspectivas segundo as quais se pode estudar o
mesmo fenômeno. Em Platão podemos encontrar o estudo da política segundo alguns desses aspectos, pois se preocupa com a conformação entre a realidade do modelo humano e a realidade das ideias existentes no modelo divino. Enfatiza também a ação política, que tem por objetivo exatamente transportar o modelo divino para o nível do modelo humano.36 Aristóteles, no contexto de sua filosofia mais realista, procura definir a Política como uma capacidade de organização dos próprios homens, que colocam objetivos a que é viável aspirar, o que é possível e o que é adequado ou conveniente, pois que o homem se vê efetivamente obrigado a intentar de maneira preferente as coisas que são possíveis e as coisas que são adequadas para uma determinada classe de pessoas. A Política tem como finalidade organizar uma comunidade com vista a um determinado bem.37 Já no pensamento antigo, como se percebe, estão delineados os elementos fundamentais constitutivos e “definientes” da Política: uma comunidade, um fim por ela proposto como um bem a ser alcançado, e um conjunto de ações desenvolvidas para dar homogeneidade aos procedimentos adotados para alcançar aquele fim. Mas o fim proposto não se reduz a algo meramente material; é algo visualizado como transcendente, quase um modelo divino de perfeição a ser alcançado pela comunidade guiada por seus líderes. Configuram-se, assim, dois elementos importantes: as instituições e as ideologias. Aquelas são o conjunto dos elementos estruturais que se elaboram e se constroem para implementar as ações políticas38. Estas são as ideias motoras, que se corporificam em políticas econômicas para a consecução do fim proposto. O conceito de ideologia tem relevância para o estudo da relação entre direito e economia, no sentido de implantação de uma política econômica. KARL LOEWENSTEIN, acentuando o papel desempenhado pela ideologia na conformação do sistema político, assim a define: O conceito de ideologia se pode definir da seguinte maneira: ‘Um sistema fechado de pensamentos e de crenças que explicam a a tude do homem perante a vida e sua existência na sociedade, e que propugnam uma determinada forma de conduta e de ação que corresponde a tais pensamentos e crenças, e que contribui para realizá-los’. As ideologias são as cristalizações dos valores mais elevados em que crê uma parte predominante da sociedade, ou – o que ocorre de raro – a sociedade em sua totalidade. É importante sublinhar expressamente que as ideologias – e é isto que as diferencia da teoria ou filosofia polí ca – compelem seus par dários à ação para conseguir sua realização. Ideologias são, portanto, o ‘telos’ ou o ‘espírito’ do dinamismo político numa determinada sociedade estatal.39
Estes conceitos genéricos sobre Política e seus condicionamentos são embasamentos necessários para se compreender o significado de Política Econômica. O surgimento da Economia como uma nova disciplina das condutas humanas, sujeita à atuação direcionadora do Estado, veio permitir a visualização da relação entre a Política e a Economia. Para entender a mudança histórica operada será necessário confrontar duas tendências dialéticas que orientaram a evolução que se operou. O pensamento clássico do século XIX era voltado para a concepção do fenômeno econômico como um sistema fechado de relações que se realizavam espontaneamente no mercado. Não se admitia que o Estado emanasse leis para direcionar a atividade econômica. ADAM SMITH foi o arauto das ideias consagradoras de uma ordem natural da economia. Alguns tópicos de sua obra elucidam o seu pensamento: Essa ordem das coisas, normalmente imposta pela necessidade, embora não em todos os países, é, em todos os países alimentada pela tendência natural do homem. Se as ins tuições humanas nunca vessem contrariado essas tendências naturais, as cidades nunca teriam progredido para além daquilo que o desenvolvimento e cul vo do território em que
estavam situadas fossem capazes de sustentar... Assim, se as ins tuições humanas nunca vessem perturbado o curso natural das coisas, a riqueza progressiva e o crescimento das cidades seria, em qualquer sociedade polí ca, uma consequência proporcional ao desenvolvimento da região ou campo”.40
Esta ordem natural, existente, segundo o pensamento da época, tanto no âmbito do Direito quanto no da Economia, não poderia jamais sofrer a interferência do Estado, porque tal intromissão levaria a uma situação de total desconcerto. O indivíduo, fundamentalmente livre, ao exercer a atividade econômica em seu interesse exclusivo, causaria, como consequência inarredável, como uma relação de causa e efeito, o bem da sociedade. Eis como o diz ADAM SMITH: “Cada indivíduo esforça-se con nuamente por encontrar o emprego mais vantajoso para qualquer que seja o capital que detém. Na verdade, aquilo que tem em vista é o seu próprio bene cio e não o da sociedade. Mas o juízo da sua própria vantagem leva-o, naturalmente, ou melhor, necessariamente, a preferir o emprego mais vantajoso para a sociedade. (...) Na verdade, ele não pretende, normalmente, promover o bem público, nem sabe até que ponto o está a fazer. Ao preferir apoiar a indústria interna em vez da externa, só está a pensar na sua própria segurança; e, ao dirigir essa indústria de modo que a sua produção adquira o máximo de valor, não está a pensar no seu próprio ganho, e, neste como em muitos outros casos, está a ser guiado por uma mão invisível a atingir um fim que não fazia parte das suas intenções.”41
O fracasso do liberalismo de forma atomista e a evolução para a concentração de empresas, levaram a uma situação de relacionamento de massas, a exigir a interferência de um intermediário a influir no direcionamento e condução da economia. O padrão de um capitalismo competitivo em nível de empresas veio trazer, nos inícios do século XX, o aparecimento de novos tipos de organização da vida econômica. A concentração de empresas colocou nas mãos da iniciativa privada um forte poder para direcionar a economia. Mas, quando se fala em política econômica, dá-se ênfase à atuação do Estado na condução da economia. A partir da primeira guerra mundial (1914-1918), começa o Estado a interessar-se por influir, das mais variadas formas, na atividade econômica, na Alemanha, como tentativa de reconstruí-la, nos Estados Unidos, para retirar o país da crise em que caiu o capitalismo, em outros países, entre os quais o Brasil, como forma de dar uma resposta aos anseios, entre outros, da classe trabalhadora. A partir de então essas medidas de política econômica passaram a interessar ao Direito, quer enquanto o Estado passou a emanar um conjunto sistemático de normas destinadas a reger a economia, quer enquanto esse conjunto normativo passou a interessar à Ciência do Direito.42 Surge, assim, uma nova forma de relação jurídica, e nova porque tal o é o seu conteúdo, a sua matéria, tal o seu objeto formal, na terminologia aristotélico-tomista. Essa nova relação jurídica, esse conjunto normativo formalmente novo, a reger um fenômeno que se apresenta como novo em sua configuração, devem ser estudados por um ramo novo do Direito. O Direito Econômico vem a ser justamente esse conjunto normativo que rege as medidas de política econômica encetadas pelo Estado, como também a Ciência que estuda aquele sistema de normas voltadas para a regulação da política econômica. Como será assinalado em novo capítulo introduzido nesta edição, a polícia administrativa geral desempenha um papel importante na regulação do mercado. A lembrança do artigo 174 da Constituição Federal de 1988 atua sobre as políticas econômicas a ser adotadas, quer para corrigir os desequilíbrios da distribuição, quer para permitir uma intervenção do Estado para garantir a
saúde pública. Mas não se pode hoje desconhecer a atuação concreta e efetiva do Estado, através de seus órgãos especializados, para garantir o acesso ao mercado, para a adoção de políticas de distribuição, para impor exigências na fabricação de todos os produtos com vista à segurança da vida e da saúde do consumidor.43 5. CARACTERÍSTICAS DO NOVO DIREITO Se as relações humanas se apresentam sempre de forma renovada, se as relações de conteúdo econômico evoluem permanentemente para conteúdos novos, se o Estado, sempre renovado em suas estruturas e funções, tem que se defrontar com fenômenos econômicos multiformes, a exigir uma postura adequadamente nova para sua condução, é óbvio que o instrumental jurídico a ser adotado tem que amoldar-se à realidade a ser normatizada e às suas características históricas. 5.1. O declínio do princípio da generalidade da lei O princípio da generalidade como característica fundamental da lei decorre de sua concepção como concretização dos princípios racionais, através dos quais se pretendeu proteger o cidadão quer contra o poder absoluto do legislador quer contra o arbítrio estatal. A generalidade da lei é consequência da crença na racionalidade do universo e do homem. Esse princípio tem uma raiz ideológica na necessidade de se defender o cidadão e se corporificou nos textos constitucionais do século XIX.44 A partir do momento em que o Estado se propõe a adotar atitudes concretas de direção do fenômeno econômico, não é mais possível aceitar irrestritamente o princípio da generalidade da lei. No contexto de um liberalismo econômico puro, poder-se-ia falar da generalidade da lei, porque assumia uma figura abstrata de garantia das liberdades do indivíduo, ficando a este o encargo concreto de dirigir o fenômeno econômico através de um instrumental adequado para tratar com o caso particular. Se o fenômeno jurídico está direcionado para a ordem, para a consecução de um equilíbrio na convivência humana e, por isso, voltado para a unidade abstrata e geral, o fenômeno econômico se comporta como uma força centrífuga e desagregadora, provocadora de choques, de dissociação e de desequilíbrio na sociedade e, por isso, voltada para a diversidade concreta e individual.45 Assim, pois, aquele instrumental que era utilizado pelos indivíduos para conduzir o fenômeno econômico passou a ser adotado pelo Estado para o mesmo fim. As normas jurídicas assim adotadas fogem ao parâmetro de generalidade e de abstração adotado pelo liberalismo político e econômico para adotar características de concretude e de individualidade. Falam os autores em declínio das fontes tradicionais do Direito ou em declínio da lei,46 pois que, para atender e direcionar o fenômeno econômico vale-se o Estado de uma legislação econômica consistente em portarias, circulares, resoluções. Um exemplo significativo desse direcionamento pode-se ver na Lei n. 4.595, de 31 de dezembro de 1964, que instituiu o Sistema Financeiro Nacional. Ali o legislador confere ao Banco Central do Brasil uma série de competências; para exercê-las, deve aquela Autarquia valer-se de portarias, de circulares, instrumentos mais apropriados para acompanhar a volubilidade do fenômeno econômico. Há ainda as normas originadas de contratos entre empresas, das convenções coletivas, dos contratos-tipo e das condições gerais dos contratos de fornecimento, dos contratos trilaterais (Governo, Empresas e Sindicatos) para condução da política econômica principalmente no que tange
ao esforço de estabilização. Estes diplomas são fontes não governamentais de normas de direção da economia. 5.2. A mobilidade Ao conduzir a atividade econômica, o Estado está tratando com um fenômeno que se caracteriza pela constante evolução, pela contínua mobilidade. Uma medida de política econômica, por se endereçar a fatos concretos e, por isso mesmo, isolados, não consegue nunca gerar uma situação de satisfação generalizada. Os setores que, alcançados por aquela medida, se sentirem prejudicados, lançarão seus brados provocadores de mudança. E o Estado deverá certamente procurar adotar novas medidas no intuito de alcançar o equilíbrio. 5.3. Ausência de codificação Os códigos são construções sistemáticas e orgânicas de preceitos jurídicos. A partir dos séculos XVIII e XIX e principalmente sob a influência da filosofia racionalista, tomou ênfase o movimento codificador que procurou alcançar uma sistematização racional do ordenamento jurídico. Partia-se do pressuposto de que era possível deduzir do direito natural um conjunto coerente de princípios racionais que seriam a fonte das normas concretas direcionadoras da atividade humana.47 O fenômeno econômico, que se caracteriza pela sua mais firme aderência ao concreto, ao essencialmente mutável, não se coaduna com normas sistematizadas com intuito de perenizar os princípios. O corpo de normas se centraliza em torno de metas a serem atingidas por determinadas políticas econômicas: sistema financeiro, sistema habitacional, sistema fundiário. A condução da política econômica não pode depender de princípios jurídicos codificados, justamente porque a sua mutabilidade exige normas também adaptáveis às circunstâncias concretas.48 Não se pode omitir, contudo, que a Tchecoslováquia instituiu, em 04 de junho de 1964, um Código Econômico a par de um Código Civil. Relata JOSEPH KUCERA que já “o Código Civil de 1950 pressupunha que a regulamentação das relações econômicas entre as empresas socialistas se desenvolveria de uma maneira independente e no quadro de prescrições de direito autônomo e separadas do Código Civil. As relações jurídicas surgidas da execução do plano econômico unitário e mais particularmente os contratos econômicos realizados entre as empresas socialistas e adaptados às necessidades do plano não deveriam ficar sujeitos ao Código Civil senão na medida em que prescrições independentes não dispusessem de outra forma”.49 Esse Código se compunha de um preâmbulo e dez artigos fundamentais; o corpo do Código se compunha de doze partes. 5.4. A crise da imperatividade Um dos aspectos mais importantes do estudo do Direito é o relativo à Sanção. Pode esta ser vista como a garantia do cumprimento do conteúdo da norma jurídica.50 Esta garantia pode revestir a forma de uma penalidade, mas pode também, e em mais numerosos casos, manifestar-se como premialidade. Tudo está a depender do conteúdo jurídico cujo cumprimento se pretende garantir. Ao estabelecer metas econômicas a serem atingidas, não pode o legislador pretender assegurar o seu cumprimento através da imposição de sanções penais, sem correr o risco grave do descumprimento e da impunidade. A “coercibilidade econômica”51 se rege por parâmetros bem diferentes. O Estado, para atingir seus objetivos promocionais, para levar as empresas a aderirem ao plano e aos programas por ele propostos, se vale de uma técnica nova para garantir o cumprimento
da lei. As metas econômicas fixadas pelo Estado são mais eficazmente alcançadas através da imposição de sanções premiais. Aquelas empresas que aderem aos objetivos estabelecidos pelo Governo são estimuladas e premiadas com a concessão de subsídios fiscais, de empréstimos favorecidos, etc. A coercibilidade econômica se manifesta também através de punições de caráter moral, como restrições ao “bom nome”, ou inclusões em “listas negras”.52 5.5. Desmoronamento da fronteira: público-privado O liberalismo econômico reservou a atividade econômica ao domínio do direito privado. Competia exclusivamente ao indivíduo direcionar a economia, sem qualquer intromissão do Estado. A ordem jurídica inerente à atividade econômica retirava seus imperativos do direito privado. O direito público ficava limitado ao âmbito da estruturação e funcionalização políticas do Estado, não se admitindo nenhuma extensão normativa ao domínio econômico. A necessidade de o Estado passar a ditar normas direcionadoras da atividade econômica, estruturando uma genuína política econômica, veio gerar um conjunto normativo destinado a coordenar os destinos da atividade econômica, sem, contudo, suprimir a iniciativa fundamental do indivíduo nessa matéria. Diversos institutos jurídicos que antes acentuavam a iniciativa do indivíduo, nas relações também interindividuais, deixaram sua primeva conformação para adquirir feição nova, constituição nova, em que prevalecem os contornos macroeconômicos, o interesse da coletividade inserido num contexto de política econômica promovida pelo Estado. Este assume uma atitude promocional,53 quer sobre as próprias atitudes, quer também sobre a atuação da empresa, que passa a fazer girar a atividade individual em torno de um centro de interesse global. Muda-se até mesmo o enfoque dentro do qual os interesses e sua promoção eram anteriormente vistos. ADAM SMITH, como visto acima, partia do pressuposto de que o bem-estar dos indivíduos, promovidos por estes até seus extremos, levaria fatalmente ao bem-estar da coletividade. O direcionamento do direito atual altera a perspectiva, para afirmar que a promoção do bem-estar da coletividade, sem afastar a colaboração do indivíduo, levará inarredavelmente à consecução e concretização do bem-estar dos indivíduos integrados na coletividade. Esse entrelaçar-se dos interesses, o dos indivíduos e os da coletividade conduzidos e promovidos pelo Estado, veio fazer com que se desmoronassem as fronteiras entre o público e o privado. É grandemente ilustrativa a leitura do pensamento de ORLANDO GOMES e ANTUNES VARELA: Aquele direito privado que fizera do contrato o instrumento por excelência da vida econômica e a expressão insubs tuível da autonomia privada, e, da propriedade, um direito natural do homem sobre o qual se apoiaria a vida econômica da sociedade e dele próprio, não mais existe onde já se implantou a nova economia coordenada e dirigida pelo Estado. Ele se fragmenta e cede terreno ao Direito Econômico.54
Realizou-se em CAMERINO, na Itália, em 1967, um seminário destinado a discutir a natureza, pública ou privada, do Direito Econômico. Ali GIUSEPPE CHIARELLI salienta que é preciso considerar a organização jurídica da atividade econômica na sua estrutura fundamental e nos seus modos peculiares de evidência jurídica, principalmente no que concerne à sua função institucional: Pode, entretanto, prevalecer a função ins tucional, como função de organização da a vidade econômica. Em tempo de expansão das dimensões empresariais, a função institucional do ordenamento corresponde, em primeiro lugar, à exigência de limitar e coordenar o domínio das grandes unidades empresariais: domínio que tende a exercer-se, concretamente,
como autoritário, e portanto, de fato, como poder público.
Nesse mesmo seminário RENÉ SAVATIER procura mostrar que a ordem pública econômica é instável, porque constantemente relacionada com os dados variáveis da conjuntura. Dentro dessa instabilidade, o Plano Econômico desempenha um relevante papel de estabilizador: Seria muito longo explicar-vos detalhadamente. Notarei somente o encontro do direito Público e do Direito Privado. Porque o plano é direito público, direito econômico administra vo, concebido por administrações. Mas para construir-lhe os elementos, estas administrações recorrem às empresas, órgãos de direito privado. E uma vez construído este Plano, volta ainda ao direito econômico privado, pelas empresas, contratando umas com as outras em relações de direito privado, mas produtivas de riquezas que o Plano cuidará de reunir e de distribuir, graças a regras de Direito.55
Destruída essa distinção de campos de visualização do direito, pode-se dizer, com FARJAT, que o Direito Econômico realiza uma síntese entre o público e o privado, ou, como acentua J. SIMÕES PATRÍCIO, um direito misto.56 Assinala FARJAT a posição inovadora de VASSEUR, quando classificou o Direito Econômico como um direito de reagrupamento e de síntese: O Direito Econômico é um direito de reagrupamento e de síntese, que permite aos juristas enfrentar e considerar as necessidades da economia em toda a sua amplitude e dar-se conta de regras que tais necessidades puderam suscitar, quaisquer que sejam as disciplinas que, sob aspectos diversos, regem a a vidade econômica... Desta sorte o Direito Econômico aparece, desde hoje, como uma forma de considerar e talvez de sen r, em função das necessidades da economia, os problemas do direito.57
5.6. Princípio da economicidade O Estado, ao dirigir ou promover a atividade econômica tem finalidades diferentes daquelas objetivadas pela ação efetivada pelo indivíduo. Este procura sempre obter o maior lucro possível, consistente em reunir a maior quantidade possível de bens, para alcançar o seu bem-estar pessoal. O Estado deve colocar em primeiro plano a vantagem coletiva, condição e ambiente para a prossecução do bem-estar individual. Daí vir a perguntar: o que é melhor, a maior quantidade de bens ou a maior qualidade de vida? Em que medida a qualidade deve compatibilizar-se com a quantidade? A resposta a essa pergunta foi tentada desde a antiguidade clássica. No plano da ética individual, EPICURO se preocupou em dar a resposta a esse questionamento. Sua doutrina, também chamada de edonismo, veio ensinar que o ser humano deve procurar sempre o maior prazer possível.58 JEREMY BENTHAM segue essa linha de pensamento, colocando no lugar do prazer o interesse. Todo o agir humano é orientado pelo interesse, que se realiza no plano individual e também no geral. Sua moral se reduz a um criterioso cálculo de interesses.59 JOHN STUART MILL vem colocar o problema dos interesses e de seu fomento no âmbito do Estado e no questionamento da intervenção estatal. Dentro da concepção liberal, cabe ao indivíduo formular uma opinião exata e mais inteligente de seus próprios interesses e dos meios para fomentálos. Como critério definidor aceita o Princípio da Maior Felicidade.60 O princípio da economicidade teve também sua conceituação trabalhada por R. STAMMLER, mostrando que o homem procura atingir a satisfação de suas necessidades através da menor quantidade possível de esforço e sacrifício. Este é o princípio que acompanha ao homem, e deve também acompanhar o Estado, na busca da realização dos objetivos sociais.61 O princípio da economicidade é o critério que condiciona as escolhas que o mercado ou o Estado, ao regular a atividade econômica, devem fazer constantemente, de tal sorte que o resultado final seja
sempre mais vantajoso que os custos sociais envolvidos.62 Nessas escolhas, estarão sempre presentes os critérios da quantidade e da qualidade, de cujo confronto resultará o ato a ser praticado. As ações econômicas não podem tender, em nível social, somente à obtenção da maior quantidade possível de bens, mas a melhor qualidade de vida. É este um dos aspectos enfatizados pela conhecida teoria da análise econômica do Direito, a par da importância conferida ao critério da eficiência, como se verá a seguir.63 5.7. Princípio da eficiência Ao implantar determinada política econômica, deve o Estado pautar-se pelo princípio da eficiência, que é inerente à atividade econômica. E, ao fazê-lo, deve o Estado observar três planos, ou seja, aquele em que ele próprio exerce uma atividade econômica, dentro do âmbito de permissão ou de imposição constitucional; aquele em que adota uma postura normativa da atividade econômica; e aquele em que estimula ou favorece ou planeja a atividade econômica. É óbvio que o mesmo princípio deverá informar a atividade das empresas, que, ao exercerem a atividade econômica, devem estar imbuídas da ideia de que o seu sucesso depende exatamente da eficiência das posturas adotadas. O princípio da eficiência foi abordado por CABRAL DE MONCADA, pertinentemente à empresa, mas creio que se possa e se deva estender a sua influência informadora também à atividade do Estado, como visto. Ao conceituar tal princípio, assim o expõe aquele Autor: “Através deste princípio fica a empresa obrigada a acomodar a sua gestão econômica a um aproveitamento racional dos meios humanos e materiais de que dispõe, minimizando os custos de produção, de modo a poder responder na maior escala possível às necessidades que se propõe satisfazer”.64
Mas esse princípio teve uma abordagem bem mais ampla e profunda através dos ensinamentos trazidos pela Escola de Chicago, através do mentor da Análise Econômica do Direito, RICHARD POSNER.65 Segundo esse autor, a economia normativa dita a lei ao legislador, ao juiz e ao intérprete. Entende Posner que a economia não está destituída de uma escala de valores, impregnando-se dos valores fixados pela política, pela moral e pelo direito. O fundamento dessa escala de valores é a eficiência, entendendo ele que um dos sentidos de justiça é exatamente o de eficiência, pois o homem é um maximizador racional de seus fins na vida, de suas satisfações. Os instrumentos de que se serve nessa avaliação são as noções de preço, custo, custo das oportunidades, de gravitação dos recursos em direção a um uso mais vantajoso. Para POSNER a eficiência é a “utilização dos recursos econômicos de modo que o valor, ou seja a satisfação humana, em confronto com a vontade de pagar por produtos ou serviços, alcance o nível máximo, através da maximização da diferença entre os custos e as vantagens”.66 Expondo o pensamento de Posner, GUIDO ALPA assim o condensa: Numa perspec va econômica, função fundamental do direito é portanto a modificação dos incen vos. Deste modo, o ordenamento jurídico assume a função de instrumentário de ordens ‘possíveis’, ou seja compa veis com as leis da economia: o direito tem uma função de mímese do mercado; não se ‘devem’ dar (e é aqui que nasce a economia norma va, e é ainda aqui que se descobre a escala de valores que Ackerman imputa a Posner) normas em contraste com o mercado, mas somente normas que transformem em comportamento vinculado as exigências obje vadas dele provenientes.67
O ordenamento jurídico brasileiro, a partir da Constituição de 1988, no art. 37, impõe a obediência, a par dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, também ao
princípio da eficiência. 5.8. Caráter concreto O Direito Econômico tem a ver com normas concretas direcionadas à condução do fenômeno econômico. Este, na verdade, é um fenômeno plenamente situado, visceralmente vinculado historicamente. Como visto, a economia se entende como a “ciência da escolha racional num mundo – o nosso mundo – em que os recursos são limitados em relação com as necessidades humanas”.68 Ora, as necessidades humanas são determinadas qualitativa e quantitativamente pelo contexto histórico e geográfico. Daí que as normas direcionadoras da economia também se ressintam dessa aderência concreta ao tempo e ao lugar. As noções tradicionais do Direito de pessoa moral ou coletiva e de coisa ou bem jurídico assumiram outra forma e conteúdo, sob a figura de empresa, interessando predominantemente nesta os aspectos de uso ou abuso de poder econômico, de concorrência e competição no mercado. Quanto a coisas e bens, mais interessa hoje indagar sobre o ativo das empresas, sobre o valor de seu patrimônio, condicionadores de seu posicionamento na bolsa. Também o contrato assumiu feição eminentemente concreta, passando a plano secundário o conceito teórico e abstrato de liberdade contratual e autonomia da vontade. Interessa na relação contratual moderna perquirir a igualdade concreta das partes de uma relação contratual. Tanto o legislador quanto o juiz desprezam os conceitos de uma abstrata igualdade, para verificar se, no plano concreto do confronto entre as partes, são elas verdadeiramente iguais, ou se há uma dominação ou escravidão de uma relativamente à outra.69 5.9. As perspectivas microeconômica e macroeconômica Os fenômenos econômicos podem ser visualizados e juridicizados sob dois ângulos perfeitamente distintos, posto que nunca separadamente existentes na realidade vivida. Tais fenômenos podem ocorrer no relacionamento interindividual e interessar somente às partes integrantes de uma relação jurídica. Assim é que, por exemplo, a empresa poderá vir a ser pertinente do ponto de sua organização, da operatividade de seus sócios ou controladores, poderá também interessar sob o ângulo da relação entre a empresa e os que a ela prestam serviços, quer subordinada quer autonomamente. A relação locatícia poderá limitar a sua repercussão jurídico-econômica às pessoas vinculadas ao papel de locador e de locatário. A relação contratual entre comprador e vendedor limita o seu interesse à preservação do cumprimento das obrigações bilateralmente assumidas. Temos aí relações jurídicas de caráter meramente microeconômico. Ou seja, as consequências jurídicas decorrentes daquele relacionamento não ultrapassam o plano interindividual existente entre aquelas pessoas ou grupo de pessoas.70 Pode ocorrer, entretanto, que aquelas relações ultrapassem aquele plano restrito para interessar a toda uma coletividade de nível nacional. A empresa será pertinente para o Direito Econômico, sob o aspecto do relacionamento interempresarial, em nível de preservação da concorrência, em nível de evitarem-se abusos de posição dominante ou de fixação arbitrária dos lucros. As relações entre a empresa e os empregados passam a assumir uma outra aparência a partir do momento em que possam vir afetar a vida de toda uma coletividade, a nível nacional. Aqui assume importância a fixação de uma política salarial, que na verdade ultrapassa o estreito limite da relação interindividual empregador-empregado, para
alcançar uma repercussão de nível nacional. As relações jurídicas de caráter locatício podem adquirir pertinência que ultrapassa os indivíduos implicados, quando, através da legislação de regência se procurar alterar, controlar, conter, estimular ou direcionar por qualquer forma o mercado imobiliário. As relações entre fornecedor e consumidor ascendem a um plano de exigência da proteção do Estado, não somente para garantir a concreta igualdade entre as partes, mas também, e sobretudo, para atribuir ao consumidor e à sua ação no mercado uma poderosa influência sobre a concorrência e a competição empresarial. Nesse ponto deverá dizer-se que o Direito Econômico se preocupa com a perspectiva macroeconômica. Enfatiza-se a postura do Estado e dos demais intervenientes na condução da política econômica de modo a captar o alcance coletivo ou transindividual das medidas de política econômica adotadas.71 O Direito, ao defrontar-se com o fenômeno econômico ocorrente numa sociedade, não pode desconhecer esses diversos direcionamentos. O legislador, ao elaborar a norma jurídica, tem que levar na devida conta os quadros de atuação da economia. O Direito tem uma função direcionadora da economia, não se podendo aceitar a tese materialista do Direito como simples superestrutura. A norma jurídica deve criar o embasamento para o pleno desenvolvimento dos fatores da atividade econômica, podendo influir e direcionar a produção, a circulação, a repartição e o consumo. Mas, ao fazê-lo, será necessário adequar-se aos modelos microeconômico e macroeconômico. O legislador elaborará um conjunto de normas apropriado para dirigir as relações microeconômicas e outro destinado a dirigir as relações macroeconômicas. As primeiras tem como elemento integrante a dispositividade, ao passo que as segundas se caracterizam pela sua vinculatividade. As normas jurídicas direcionadoras da economia como um todo, preponderando o aspecto macroeconômico, mas com acentuada preocupação com o aspecto microeconômico, se situam num campo de macrodecisões. As normas de Direito Econômico têm como objetivo principal o direcionamento da macroeconomia, através de decisões que têm por mira impor direcionamentos a partir dos fenômenos e processos econômicos agregados.72 Assim, as normas poderão ser vistas sob o s aspectos microjurídico e macrojurídico. As relações microjurídicas serão aquelas que se concretizam entre indivíduos ou grupos de indivíduos, ou ainda entre empresas individualmente tomadas. Serão relações microjurídicas aquelas que são regidas por normas que têm por objetivo a composição de interesses predominantemente privados. Já as relações macrojurídicas serão aquelas que transcendem os limites do interesse individual, para situar-se no campo das relações globais, supraindividuais, a afetar o conjunto dos interesses nacionais. Como exemplo, pode-se afirmar que as normas trabalhistas pertencem ao campo microjurídico enquanto visam compor as relações interindividuais entre empregadores e empregados. Quando, entretanto, as relações a serem regidas transcendem aquele simples interesse interindividual, para influir em todo o contexto da economia nacional, tratar-se-á de relações macroeconômicas , a serem regidas por um contexto de normas macrojurídicas, objeto de criação e estudo do Direito Econômico. Assim também, a relação jurídica que se estabelece entre comprador e vendedor pertence ao domínio microeconômico a ser regrado por um contexto de normas de característica microjurídica. Quando, entretanto, as relações jurídicas se situam no campo de atuação de fornecedores e consumidores, passam a pertencer a um domínio macroeconômico, a ser regrado por um contexto de normas de feição macrojurídica, pois que o objetivo do legislador, ao normatizar esse campo, é especificamente o de preservar a livre
concorrência. A proteção ao consumidor não é um fim em si mesma, mas lhe é conferida para impedir os efeitos maléficos da concentração de empresas e para propiciar e garantir o princípio constitucional da liberdade de concorrência. E aqui o campo de projeção das normas jurídicas é exatamente o da macroeconomia, assumindo elas a perspectiva macrojurídica, a ser visualizada como específica do Direito Econômico.73
G. Henrik von Wright distingue as leis descritivas e as prescritivas. “As leis da natureza são descritivas. Descrevem regularidades que o homem crê ter descoberto no curso da natureza. São ou verdadeiras ou falsas. A natureza não obedece, senão num sen do metafórico, a estas leis”.... As leis do Estado são prescritivas. Estabelecem regulamentos para a conduta e intercâmbio humanos. Não têm valor verita vo. Sua finalidade é influenciar a conduta. Quando os homens desobedecem às leis, a autoridade que as garante trata, imediatamente, de corrigir a conduta dos homens. Em algumas ocasiões, contudo, a autoridade muda as leis; talvez para fazê-las mais conformes com as capacidades e exigências da “natureza humana”.... “Pode-se u lizar o contraste para dis nguir as normas do que não são normas. As leis da natureza são descri vas e não prescri vas; por conseguinte, não são normas” (Norma y acción – Una inves gación lógica. p. 22-23). Lourival Vilanova adota a denominação de discurso apofântico para aquele que inclui as proposições descritivas, em que se encontram os valores verdade/falsidade, e de discurso não apofân co ou discurso prescritivo, que carece dos valores de verdade e falsidade, cujos enunciados exprimem regras técnicas, regras de usos-ecostumes, regras morais e jurídicas (As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. p. 3). Como ensina Alessandro Levi, “a norma jurídica tem força imperativa – é, não uma mera frase nem um puro juízo individual, mas um tutela eficaz de certos comportamentos, uma eficiente imposição de alguns outros, um limite recíproco entre os campos de a vidade dos indivíduos – na medida em que haure sua força específica do ordenamento jurídico no qual se insere. Só por isso a norma, toda norma jurídica, se mostra – e o é realmente – como manifestação da vontade social, que encontra a sua expressão no aparelho regulador da vida intersubje va, que é este ou aquele ordenamento jurídico. E somente do caráter sistemá co de cada um destes ordenamentos, isto é, do fato de que toda norma se vincula, e não somente se justapõe, a todas as outras, é o anel de uma mesma cadeia, a própria norma daí deriva o seu específico valor jurídico” (Teoria generale del diritto. 1967. p. 32). Existem diversas concepções de direito natural. Blackstone, por exemplo, é o porta-voz de uma antiga concepção, segundo a qual os juízes encontram as regras de direito que pre-existem, mas não podem fazê-las. Benjamin Cardozo faz menção a uma moderna teoria do direito natural: “Recent juris c thought has given it a new currency, though in a form so profoundly altered that the old theory survives in li le more than name. The law of nature is no longer conceived of as something sta c and eternal. It does not override human or posi ve law. It is the stuff out of which human or posi ve law is to be woven, when other sources fail” (The nature of the judicial process. New Haven and London: Yale University Press. 1921-1949. p. 131-132). GILISSEN, J. Introdução histórica ao direito. 1979. p. 454. RAY, J. Essai sur la structure logique du Code Civil français. 1926. p. 5. RIPERT, G. Le régime démocratique et le droit civil moderne. 1948. p. 228, § 126. L. Duguit também assinalou a transformação ocorrid “Mas é aqui que aparece toda uma jurisprudência, na qual, com grande estranheza de nossos civilistas clássicos, se vê intervir em primeiro lugar outro elemento: o elemento fim e o valor social deste elemento. Para que um ato de vontade possa produzir um efeito no Direito, é preciso sempre que tenha um objeto lícito. Mas isto não basta: é preciso também que seja determinado por um certo fim, que esse fim seja um fim de solidariedade social, um fim que tenha um valor social conforme com o direito obje vo do país considerado. E isto é também uma consequência evidente da socialização do Direito” (Las transformaciones del derecho: público y privado. 1975. p. 212). HORWITZ, M. J. The transformation of american law, 1780-1860. 1977. p. 1. Munn v. State of Illinois, 94 U.S. 113 (1876). FARJAT, G. Droit économique. 1982. p. 143. PROUDHON, P. J. El principio federativo. 1971. p. 104-109. Assinale-se o surgimento do SHERMAN ACT, em 1890, bem como do CLAYTON ACT, em 1914, com a criação da FEDERAL TRAD COMMISSION, também em 1914. BARBOSA, Ruy. Comentários à Constituição Federal brasileira. 1932-1934. p. 472. Sobre a influência das guerras sobre o pensamento político e econômico, observa John Friedmann: “As grandes guerras parecem ser as causadoras das grandes divisões da história. Qualquer que seja a razão – o trauma da morte e a destruição, a catarse de um esforço cole vo cujo objeto é destruir um inimigo comum ou a necessidade de orientar-se de novo ao findar-se a guerra –, parece que os grandes conflitos a miúdo originam novas formas e percepção, novas perguntas e novas vozes” ( Planificación en el ámbito público. 1991. p. 109). HEDEMANN (Grundzüge des Wirtschaftsrechtes. 1922; Deutsches Wirtschaftsrecht. 1939), Darmstädter e Rumpf visualizam o direito econômico sobretudo como um método novo de abordar as relações jurídico-econômicas. Hämmerle, Gieseke e Krause já veem o direito econômico numa perspec va mais restri va como o conjunto de disposições e ins tutos limita vos do princípio básico da liberdade de inicia va econômica privada (cf. VAZ, Manuel Afonso. Direito económico – a ordem económica portuguesa. 2. ed.
1990. p. 60, nota 1). Afirma Hedemann: “Por otra parte, el Derecho mercan l ha sido sobrepasado en el curso de los úl mos treinta años por una nueva e importante materia, aun no suficientemente estudiada: el llamado Derecho económico. Este hecho demuestra, al menos, la abundancia de normas jurídicas dedicadas a la ordenación de la vida económica y de su desarrollo planificado” (Derecho de obligaciones. Trad. de Jaime Santos Briz. 1958. v. III, p. 22). AMADO, Armenio. Filosofia do direito. Trad. Portuguesa Luís Cabral de Moncada. 5. ed. revista e acrescida. Coimbra: 1974. p. 289. O problema de uma definição do Direito Econômico vem sendo ques onado. Afirma a este respeito Farjat: “Haveria seriedade em interrogar-se sobre a noção de direito econômico, setenta anos depois da criação teórica do ramo ou da disciplina? Sem dúvida, pois que há uns doze anos o decano Vedel fazia a pergunta: ‘o direito econômico existe?’, mas não dava a resposta. Na realidade, o direito econômico vive sem definição: alguns de seus par dários se abs veram mesmo de lhe dar uma. Não é necessariamente um mau sinal de saúde: ‘a primeira prova de maturidade’ de um ramo novo do direito ‘se vê no desaparecimento ou, pelo menos, na pacificação das querelas’ sobre as definições, observava igualmente o decano Vedel. E, depois, as definições contribuem para o progresso científico? Pode-se duvidar (La notion de droit économique. 1992. p. 27). GIANNINI, M.S. Diritto pubblico dell’economia. 1985. p. 18; LAUBADÈRE, A. de. Droit public économique. 1979. p. 8. QUADRI, G. Diritto pubblico dell’economia. 1980. p. 10. FARJAT, G. Droit économique. 1982. p. 14. GALBRAITH, J. K. El nuevo estado industrial. 1974. p. 23-33; FRIEDMANN, W., El derecho en una sociedad en transformación. 1966. p. 22-23. Cf. MESCHERIAKOFF, Alain-Serge. Droit public économique. 2e. éd. revue et aug. Paris: 1996. parágrafo único. CHAMPAUD, C. Contribution à la définition du droit économique. In: Il Diritto dell’Economia – Rivista di dottrina e di giurisprudenza, ano XIII, n. 2. p. 141-154, 1967. HORWITZ, M.J. The transformation of american law. 1780-1860. p. 31; The transformation of american law. 1870-1960. p. 66. Como remédio para essa situação de dominação faz Leão XIII referência às obrigações e limites da intervenção do Estado: “Os direitos, em que eles se encontram, devem ser religiosamente respeitados e o Estado deve assegurá-los a todos os cidadãos, prevenindo ou vingando a sua violação. Todavia, na proteção dos direitos par culares, deve preocupar-se, de maneira especial, com os fracos e os indigentes. A classe rica faz das suas riquezas uma espécie de baluarte e tem menos necessidade da tutela pública. A classe indigente, ao contrário, sem riquezas que a ponham a coberto das injus ças, conta principalmente com a proteção do Estado. Que o Estado se faça, pois, sob um par cularíssimo tulo, a providência dos trabalhadores, que em geral pertencem à classe pobre” (Rerum novarum. Edições Paulinas. p. 33). FARJAT, G. Droit économique. 1982. p. 90. Marx estudou essa relação, antepondo a estrutura econômica à jurídico-polí ca: “Na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produ vas materiais. O conjunto destas relações de produção cons tui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e polí ca e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, polí ca e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência” (Contribuição à crí ca da economia polí ca. 1983. p. 24). Esta posição, que reduz o direito a uma superestrutura da economia, é refutada por Stammler, para quem o direito é a condição a priori que torna possível a experiência social; a relação entre direito e economia é aquela de forma e matéria. Para ele “a ideia desta qualidade formal de alcance absoluto que pode concorrer no querer social empírico é o ideal social. O ideal social nos oferece uma pauta de juízo empiricamente incondicionada, indispensável para dirigir e fundamentar toda matéria que se nos apresenta na experiência histórica através de ins tuições jurídicas já existentes ou daquelas a que se aspira, se é que estas ins tuições hão de poder evidenciar-se como legí mas obje vamente” (cf. FASSÒ, G. Histoire de la philosophie du droit – XIX et XXe. siècles. p. 174. STAMMLER, R.Economía y derecho según la concepción materialista de la historia. p. 554). Sobre este tema da relação entre direito e economia, será importante consultar o trabalho de Carlos Otero Díaz:Una inves gación sobre la influencia de la economía en el derecho. Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1966. FARJAT, G. Droit économique. 1982. p. 143. Idem, ibidem. p. 18. Sobre a necessidade e inevitabilidade do fenômeno da concentração econômica, afirmou Herbert Noble: “Neste tempos de grandes empreendimentos industriais é evidente que grandes concentrações de capital são exigidas para realizar a tarefa de hoje, e que este capital somente pode ser fornecido por grandes combinações de interesses privados ou pelo Governo. Não faz parte do espírito de nossas ins tuições que o Governo tenha que prover capital para os empreendimentos privados, e por isso devemos depender de amplas combinações de interesses privados, com grandes concentrações de capital. Durante os úl mos anos o comércio interestadual se desenvolveu tão rapidamente que o velho instrumental para seu direcionamento não podia corresponder às suas exigências, e os novos métodos inventados veram que ser desenvolvidos tão apressadamente que, em alguns casos, esbarraram com a condenação legal, ou com a censura pública. Mas este comércio deve con nuar. Consequentemente, é tarefa dos advogados do país encontrar uma solução para o problema do direcionamento legal do comércio interestadual. Seu desenvolvimento tem sido tão grande e tão rápido, e os métodos para sua expansão tão novos, que as questões nisso envolvidas foram, em larga medida, vistas sob o aspecto polí co, em lugar de ser postas no domínio da economia e do direito, a que elas pertencem” (The Sherman an trust act and industrial combina ons. American Law Review, v. XLIV, p. 177,
march-april. 1910). FARJAT, G. La notion de droit économique. In: Archives de philosophie du droit: droit et économie. Paris: 1992. p. 27-62. Curso de direito econômico. 2. ed. 1981. p. 76-77. A noção de equilíbrio não pode ser entendida num sen do mecanicista, pressupondo um ponto de equilíbrio suscep vel de mudanças somente pela influência de forças externas. François Perroux prefere adotar a denominação de equilibragem para assinalar a existência de um dinamismo interno ao processo: “A equilibragem pelos agentes e pelas suas unidades a vas não é de modo nenhum uma correção, um conjunto de retoques imprimidos ao equilíbrio standard: é radicalmente diferente pela visão que assume da vida econômica e pela formalização que dela apresenta. Agentes, ‘actantes’, encontram-se, diferentes, desiguais: a paragem das mudanças de que são autores está ligada ao esgotamento, sempre temporário, da sua energia de mudança. Quanto ao sistema total, deixa de mudar quando as equilibrações permanentes que engloba, conduzem ao esgotamento temporário da energia líquida de mudança do conjunto. Estas sequências novas observam-se e constroem-se anali camente no tempo irreversível” (Ensaio sobre a filosofia do novo desenvolvimento. 1981. p. 159-160). Na República afirma Platão: “... a cidade não poderá alcançar a felicidade a não ser no caso de que suas ideias gerais sejam delineada por esses pintores que contemplam o modelo divino”... “Não crês que depois disso esboçarão como modelo o regime polí co conveniente?”... “Logo, a meu sen r, dirigirão frequentes olhares para um e outro lado, isto é, para o naturalmente justo, belo e dotado de temperança, e para todas as demais virtudes, assim como a todas que possam infundir-se nos homens pela mistura e combinação de diferentes elementos, com o que formarão o modelo humano apoiando no que Homero chamou divino e semelhante aos deuses quando se encontra inato nos homens” (A República, ou da Jus ça, L. V, 500e/502b). Ao se referir à ação polí ca, assim conclui o seu pensamento: “Digamos, pois, que com isto fica concluído como tecido bem feito esse algo que a ação polí ca urde, quando, tomando as caracterís cas humanas de energia e moderação, a ciência régia conforma e une suas duas vidas por meio da concórdia e a amizade e, realizando assim o mais excelente e magnífico de todos os tecidos, envolve com ele, em cada cidade, a todo o povo, escravos ou homens livres, os estreita juntos em sua trama e, garan ndo à cidade, sem erros nem desfalecimentos, toda a felicidade de que ela é capaz, manda e governa” (O Político, ou da Realeza. 310d/311c). Afirma Aristóteles: “Toda cidade ou estado é, como podemos ver, uma espécie de comunidade, e toda comunidade se forma tendo como fim um determinado bem – já que todas as ações da espécie humana em sua totalidade se pra cam com a vista posta em algo que os homens creem ser um bem. É, portanto, evidente que, enquanto todas as comunidades tendem a algum bem, a comunidade superior a todas e que inclui em si todas as demais deve fazer isto num grau supremo bem acima de todas, e aspira o mais alto de todos os bens: e essa é a comunidade chamada Estado, a associação polí ca.” Preocupa-se Aristóteles com o regime da propriedade, com o regime legal, com a jus ça como fim da faculdade polí ca, com os aspectos de qualidade e quan dade, enfim, traça da arte e da ciência política um quadro completo para a época (Política. L. I. 1252a/1252b). “Ins tu ons are the rules of the game in a society or, more formally, are the humanly devised constraints that shape human interaction”. NORTH, Douglass C. Institutions, Institutional Change and Economic Performance. 1990, p. 1. LOEWENSTEIN, K. Teoría de la constitución. 1976. p. 30-31. Acentuam Jacques Lenoble e François Ost o papel mediador da ideologia: “O que se revela assim é o papel mediador da ideologia; esta exerce uma função de integração social antes de exercer suas funções de dissimulação. O grupo social, qualquer que seja sua dimensão, produz uma imagem de si mesmo, precisamente para se cons tuir como comunidade. Este processo de iden ficação dos indivíduos com o grupo se opera, pela ideologia, a par r do reconhecimento de uma origem comum tal como, por exemplo, a Revolução de outubro no que per ne à URSS. Neste ato fundador e todo o universo que o cerca, o perpetua e o celebra, o grupo haure ao mesmo tempo a energia que reaviva seu próprio projeto (por apreensão da energia originariamente inves da pelo imaginário na figura nova que o ato fundador produziu) e os temas que asseguram sua legi midade. Mobilizadora, incita va, a ideologia é contudo voltada para o passado de onde ela re ra, numa origem mais ou menos mí ca, o modelo do sucesso, o padrão da crença necessária para assegurar hic et nunc a coesão e a adaptação do grupo social” (Droit, mythe et raison. 1980. p. 290). Também Philippe Gérard salienta essa função propulsora da ideologia: “A ideologia não é, portanto, uma aparência secundária a dissimular uma realidade independente; ela aparece como uma forma fenomenal, uma forma de manifestação da própria realidade. Assim, contrariamente a toda ficção naturalista, as categorias ideológicas que alimentam a representação da essência imaginária da sociedade, não refletem relações sociais cuja realidade se definiria exteriormente a essas categorias. Estas são inerentes à cons tuição destas relações sociais que se inscrevem e só se manifestam a nós no conjunto simbólico formado por estas categorias” (Droit, égalité et idéologie. 1981. p. 303). Inquérito sobre a natureza e as causas da riqueza das nações. Edição portuguesa, 1981. v. II. p. 653 e 655. Ob. cit., v. II. p. 757-758. Assinala Paulo de Pitta e Cunha que “pode também entender-se por Política Econômica não já as medidas (ou séries de medidas) po que se exprime a ação do estado na economia, mas o conjunto das regras que regem esta ação. E tem-se ainda u lizado a expressão num outro sen do, iden ficando a Polí ca Econômica com a ciência que estuda as formas e os efeitos das intervenções do Estado nas relações econômicas. Entendida como conjunto coordenado de medidas, a Polí ca Econômica só se desenvolveu, nos países industrializados do Ocidente, a par r da grande depressão dos anos 30. Até lá os Estados punham em execução certas “medidas de polí ca”, mas sem que estas se subordinassem a uma concepção geral de intervenção dos poderes públicos na vida econômica. Anteriormente à I Guerra Mundial, a estabilidade do nível da a vidade econômica e o equilíbrio dos preços internos não cons tuíam sequer obje vos formais de polí ca: no plano global, a ação das autoridades econômicas circunscrevia-se aos instrumentos clássicos
manejados pela banca central e visava simplesmente a manutenção do valor-ouro da moeda nacional” (Enciclopédia Verbo, 15 v. verbete Polí ca Econômica). Ensinam Jacques e Cole e Nême que “a polí ca econômica pode ser entendida no sen do estrito de um conjunto de decisões rela vas aos obje vos que um país ou um grupo de países se propõe a ngir, no domínio econômico, e rela vas aos meios de os realizar. Mas este conceito só cobre uma parte do campo de ação da polí ca econômica, referindo-se somente a seus objetivos próprios, conquanto ela seja frequentemente um instrumento a serviço de outros fins – sociais, políticos ou militares” (Politiques économiques comparées. 1989. p. 35). Como observa Alain-Serge Mescheriakoff, “ao lado dessa polícia administra va geral, existem polí cas administra vas chamadas especiais que se analisam como habilitações par culares da autoridade administra va para intervir num dado setor da vida social em que as perturbações da ordem pública apresentam riscos de gravidade ou requerem disposições adaptadas. Algumas podem ser chamadas econômicas pelo fato de enquadrarem especificamente o funcionamento do mercado. Podem dis nguir-se polí cas de acesso ao mercado, polí cas da distribuição, e as polí cas de fabricação dos produtos que têm predominantemente uma finalidade de saúde pública ou de proteção dos consumidores” (Droit public économique. 1996. p. 122-123). Será ilustrativo ler a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e sua inserção no preâmbulo da Constituição Francesa de 1791. A este respeito assinala Antonio Trócoli: “É evidente que, no curso das úl mas décadas, os fenômenos econômicos e sociais têm vindo apurando e acelerando tanto os acontecimentos polí cos dos países e dos povos, que necessariamente o direito, como receptor e canalizador desta problemá ca, não pôde subtrair-se... O fenômeno jurídico em úl ma perspec va conota uma ferramenta, um instrumento de coesão, de concerto, de paz. Pelo contrário, o econômico se apresenta como uma força de desagregação, de rania, da mesma forma que a economia é a ciência da escassez, que pretende adequar meios limitados perante a limitação de fins. Com isso gera e provoca, dentro da convivência social, fatores de choque, de dissociação, que o jurídico trata de canalizar, de ordenar, buscando o equilíbrio dessa convivência transtornada pelo fenômeno econômico. O direito então seria um pouco a compa bilização das liberdades através de uma ordem. Talvez seja seu obje vo fundamental. Digamos, como tenta va de síntese, que enquanto o econômico é a força vital criadora de energias que incita o direito, ocorre que, ao mesmo tempo, o perturba determinando os desequilíbrios. O direito, não só o ordenamento posi vo mas os princípios e modelos, trata de conter essas energias geradoras de choques e de confrontos sociais, de ordenar...” (Influencia de la economia en el derecho. In: Derecho privado económico. 1970. p. 5). A questão do declínio da lei como fonte do direito, na perspec va da condução de fenômenos mutáveis como a economia é magnificamente exposta por G. Burdeau: “Toda caravana deixa após si cadáveres que demarcam a estrada que ela seguiu; há-os insignificantes, há-os augustos. Entre estes, a lei merece reter a atenção, não tanto para ser pretexto a uma oração fúnebre, quanto para uma reflexão sobre o sen do da desafecção de que ela é objeto... O fato mais evidente é sem dúvida o desaparecimento da lei enquanto instrumento de criação do direito. Que o número das leis não tenha sensivelmente diminuído em valor absoluto não prova nada, porque o que se deve considerar é sua proporção com o volume total das regras estatais. Ora, é claro que, sob este ponto de vista, o número das leis não cessa de diminuir – e isto qualquer que seja o regime polí co do Estado visualizado – em proveito daquilo que se poderia chamar de regulamentação burocrá ca.”... “A grande época da lei corresponde ao período em que, inebriado pela descoberta de seu próprio poder, o espírito humano não admite como compa vel com sua dignidade senão a submissão aos imperativos da razão...” (Le déclin de la loi. Arch. de philosophie du droit. n. 8, p. 35-37). Informa Hermann Bekaert que “a codificação apresenta a vantagem técnica de cons tuir um conjunto, frequentemente isento de contradições e harmoniosamente estruturado. Ela apresenta, por outro lado, o inconveniente de fixar o direito; uma vez realizada a obra de estruturação, ela força a admiração nos inícios de sua aplicação, mas as mutações da vida social impõem então modificações profundas que alteram a unidade da obra” ( Introduc on à l’étude du droit. 1969. p. 194). Lembra René Sava er que “numa época em que as ins tuições se modificam tão rapidamente, é, com efeito, par cularmente di cil concentrá-las sob uma codificação durável” (Les métamorphoses économiques et sociales du droit civil d’aujourd’hui. 1952. p. 8). Observa Manuel Afonso Vaz que “não existe, regra geral, uma codificação, em textos sistema zados, das normas de direito econômico. Estas encontram-se dispersas pelos mais variados diplomas legais, sendo, muitas vezes, a sua coordenação e compa bilização di cil. A constante alteração (mobilidade) e a dispersão de normas sobre o mesmo objeto por vários diplomas fazem com que seja di cil, por vezes, definir claramente o estatuto jurídico de certas matérias. Aos próprios juristas é muitas vezes di cil saber “em que lei se vive”, em especial em períodos de mutação profunda das estruturas econômico-sociais” ( Direito econômico – a ordem econômica portuguesa. 1990. p. 50). La théorie du droit économique socialiste: son applica on en Tchécoslovaquie. In Annales de l’université des sciences sociales de toulouse. 21(1-2):350, 1973. Ensina Luís Legaz y Lacambra que “garantia do Direito é todo fator suscetível de atuar com eficácia como meio de assegurar a vigência do mesmo. Já vimos que a vigência de uma ordem jurídica implica um mínimo de aceitação por parte da sociedade, e tanto mais vigente está um ordenamento quanto maior seja o grau de acatamento que recebe e menor, por conseguinte, o número de vontades rebeldes a suas normas” (Filosofía del derecho. 1972. p. 402). Por coercibilidade se deve entender a possibilidade de cumprimento não espontâneo da norma, ou seja, a possibilidade de se conseguir de forma coerci va o seu cumprimento. A respeito dos conceitos de sanção, coação, coercibilidade, será oportuna a leitura de Eduardo García Maynez: Introducción al estudio del derecho, cap. XXI, e Filoso a del derecho, 1974. p. 73-91. Ver também Angelo de Ma a, Merito e ricompensa, in Rivista internazionale di filosofia del diri o, Anno XVII, Fasc. VI, novembredicembre 1937. p. 608 e segs. Observa De Ma a: “Em regra, quando se fala de sanções como de meios predispostos pelo direito
para reforçar a observância das leis, quer-se aludir somente às consequências que derivam da infração de uma norma, ou seja à ameaça abstratamente cominada de uma pena na previsão de um mal que pode ser cometido, ou à força efetivamente empregada (coação) em vista de um mal que se causou ao indivíduo ou à sociedade. Mas circunscrever assim o conceito de sanção significa limitá-lo, pois, se se atentar um pouco, deve-se reconhecer que meios u lizados pelo direito para garan r e para reforçar a atuação das normas são, além das penas e constrições, também os prêmios e as recompensas”. Salienta Bobbio que há um consenso em entender-se por sanção “a resposta ou a reação que o grupo social exprime por ocasião de um comportamento de alguma forma relevante de um membro do grupo (relevante em sen do nega vo ou em sen do posi vo, não importa) com a finalidade de exercer um controle sobre o conjunto dos comportamentos de grupo e de orientá-los rumo a determinados obje vos ao invés de para outros” (Le sanzioni posi ve. In: Dalla stru ura alla funzione – nuovi studi di teoria del diri o. p. 39). Enfa za ainda o mesmo Autor o aspecto posi vo e es mulador da sanção (em vez de recriminador e puni vo): “Mas a par r do momento em que para as exigências do Estado assistencial contemporâneo o direito não se limita mais a tutelar atos conformes às próprias normas, mas tende a es mular atos inovadores, e portanto a sua função não é mais somente protetora mas também promocional, ao emprego quase exclusivo de sanções nega vas, que cons tuem a técnica específica da repressão, se alia um emprego, não importa se ainda limitado, de sanções posi vas, que dão vida a uma técnica de es mulação e de propulsão de atos considerados socialmente úteis, com preferência à repressão de atos considerados socialmente nocivos” (idem, ibidem. p. 34). Cf. PATRÍCIO, J. Simões. Curso de direito econômico. 1981. p. 82. VAZ, Manuel A. Direito econômico – a ordem econômica portuguesa 1990. p. 52-53. SANTOS, Antônio Carlos dos et alii. Direito econômico. 1991. p. 15. A função promocional do Estado é caracterizada por Bobbio: “O relevo dado ao vertiginoso aumento das normas de organização que caracteriza o estado contemporâneo não coloca necessariamente em crise a imagem tradicional do direito como ordenamento prote vo-repressivo. Coloca, contudo, em crise esta imagem a observação de que par : no Estado contemporâneo torna-se sempre mais frequente o uso das técnicas de encorajamento (La funzione promozionale del diri o. in Dalla stru ura alla funzione: Nuovi studi di teoria del diritto, 1977, p. 24). GOMES, O.; VARELA, A. Direito econômico. p. 23. Diritto pubblico e Diritto privato nel diritto dell’economia. In: Rivista di diritto dell’economia, 1967. Curso de direito econômico, p. 94. É preciso lembrar que a expressão “síntese” tem o sentido etimológico de “colocação junto”, e nã o sen do vulgar de “resumo”. Como síntese do público e do privado, o Direito Econômico realiza uma unidade de dois polos convergentes do direito, o coletivo e o individual, com o papel importante do Estado como realizador ou promotor dessa união. VASSEUR, Michel, Un nouvel essor du concept contractuel: les aspects juridiques de l’économie concertée et contractuelle. In: Revu trimestrielle de droit civil. p. 1, 1964. Afirma Epicuro que “é melhor suportar algumas dores para gozar de prazeres maiores; convém privar-se de alguns prazeres para não sofrer dores mais penosas” (Ética de epicuro – La génesis de una moral utilitaria – Texto bilingue, 1974. p. 153). Cf. a esse respeito a “Introduction to the principles of moral and legislation” (1789). Afirma J. S. Mill que “de acordo com o Princípio da Maior Felicidade, tal como acima fica exposto, o fim último em referência ao qual por cujo mo vo todas as outras coisas são desejáveis (quer consideremos o nosso próprio bem ou o das outras pessoas), é uma existência tanto quanto possível isenta de dor e tão rica quanto possível de satisfações, tanto no que respeita à quantidade como à qualidade; cons tuindo prova de qualidade e regra para a medir em relação com a quan dade, a preferência sen da por aqueles que, pelas suas oportunidades de experiência, acrescidas dos seus hábitos de reflexão e de auto-observação, estão melhor fornecidos de termos de comparação. Sendo esse, segundo a opinião u litarista, o fim dos atos humanos, é também necessariamente o critério de moralidade; o qual pode ser, pois, definido como o conjunto de regras e preceitos de conduta humana, por cuja observância é possível assegurar a todo o gênero humano uma existência como a descrita, na maior extensão possível...” (Utilitarismo. Tradução portuguesa. 2. ed. 1976. p. 25. Cf. Princípios de economia política. Trad. de W. J. Ashley, p. 817). Eis o pensamento de Stammler: “... Por princípio econômico se entende a aspiração humana a impor-se só, voluntariamente, aquele trabalho em que, segundo a valoração interna do homem, o agradável da satisfação excede o penoso do esforço e com esta a outra aspiração a alcançar o maior rendimento de trabalho que seja possível. Chegando à sa sfação das necessidades mediante a menor quan dade possível de esforço e sacri cio em trabalhos que não tenham em si mesmos a finalidade e a recompensa. Deste princípio da economicidade afirma Adolf Wagner que é “o que acompanha ao homem em toda sua a vidade para a sa sfação de necessidades, e o que pode e também na maioria das ocasiões deve dirigi-lo” (Economía y derecho según la concepción materialista de la historia – una inves gación filosófico social. Trad. de W. Roces, 1929. p. 135). Cf. Moncada, Luís S. Cabral de. Direito económico. p. 205-206, e Bulgarelli, Waldírio. A Teoria jurídica da empresa. p. 193-196. Afirma a este respeito Orio Giacchi: “A atividade econômica exercitada pelo Estado acha-se aqui sempre defronte à necessidade de uma ação conforme com o campo em que ela se desenvolve isto é dirigida ao máximo proveito, em contraposição potencial, mesmo que nem sempre atual, à necessidade não menos cogente de fazer corresponder esta ação ao fim geral ao qual ela deve tender isto é o máximo bem-estar da comunidade a conseguir-se com pleno respeito da jus ça legal e é ca. Este imanente contraste de caráter geral aprofunda-se e se exaspera toda vez que o fim econômico que o Estado deveria alcançar com a sua a vidade econômica, como qualquer outro operador no campo econômico, se choca não tanto contra razões gerais de legalidade, de jus ça ou de interesse da comunidade, mas com específicas posições polí cas, de caráter interno ou internacional, as quais para o Estado, ou ao menos para os seus governantes naquele dado momento histórico, superam enormemente as razões econômicas” (L’intervento dello Stato nell’attività economica. Il Diritto dell’Economia, 13(4):397-421, 1967).
Eis a conclusão a que chegou um dos fundadores da escola da análise econômica do Direito, Ronald H. Coase: “... Furthermore we have to take into account the costs involved in opera ng the various social arrangements (whether it be the working of a market or of a government department), as well as the costs involved in moving to a new system. In devising and choosing between social arrangements we should have regard for the total effect. This, above all, is the change in approach which I am advoca ng” (The problem of social cost. In: The journal of law & economics, v. III, p. 1-44, october 1960). Direito económico, p. 206. Os estudos de Análise Econômica do Direito principiaram em 1960, através do impulso de Ronald H. Coase (The problem of social cost. In: The Journal of Law & Economics, v. III, p. 1-44, october 1960. Economics and con guous disciplines. In: The Journal of Legal Studies, v. VII, p. 201-211, june 1978). e de Guido Calabresi (Some thoughts on risk distribu on and the law of torts. In:The Yale Law Journal, v. 70, number 4, p. 499-553, march 1961). Richard Posner expõe os fundamentos doutrinários da Escola: Economic analysis of law. 3. d. 1986; The economics of justice. 1983. Nesta obra afirma Posner: “... but I believe that economic efficiency is an ethical as well as scien fic concept – and is not economics simply applied u litarianism?” p. 13; The economic approach to law. In: Texas Law Review, v. 53, number 4, p. 757-782, may 1975. Economic analysis of law. p. 11-15. Lembra Pierluigi Chiassoni que o termo “eficiência” não tem um significado unívoco “nos escritos dos jureconomistas, a eficiência aparece como fragmento de vastos e diversos conjuntos conceituais (Law and economics: L’analisi economica del diritto negli Stati Uniti. 1992, p. 234). ALPA, Guido et alii. Interpretazione giuridica e analisi econômica. 1982. p. 11. POSNER, R. A. Economic analysis of law. p. 3. É importante, a esse respeito, a observação de Charles A. Beard:“O Direito não é uma noção abstrata, uma página impressa, uma coletânea de leis ou uma decisão judicial. Na medida em que é susce vel de exercer alguns efeitos sobre aquele que o observa, o direito deve reves r uma forma tangível; deve reger certos atos, instaurar relações positivas entre os cidadãos, impor procedimentos e justaposições. Uma lei pode até ser preto no branco num código, ela não existirá senão na imaginação se suas disposições não previrem a instauração e a manutenção de uma organização específica em matéria de relações humanas. Separada do tecido econômico e social pelo qual ela é, em parte, condicionada, e de cujo condicionamento ela par cipa por sua vez, uma lei não terá nenhuma realidade” (Une relecture économique de la Cons tu on des États-Unis. 1986. p. 55). Lembra Michel Vasseur que “se deve também entender que o Direito Econômico já tão amplo, não distinguindo entre Direito privad e Direito público, não apreende necessariamente toda a realidade econômica e social. Seria, contudo, excessivo ver nisso um mal sinal dos tempos. Com efeito, a regra jurídica, o contrato no sen do do Direito civil, não são senão alguns dos fatores que organizam a vida em sociedade. Numerosas são na vida econômica e social as relações que não são e que não serão ainda por muito tempo, algumas não o serão jamais, subme das a regras de Direito; a observação foi recentemente feita de diferentes fontes; ela não produz outra coisa senão constatar a rapidez com a qual se renova o dado econômico e social. Contudo, o social e o econômico, quando ultrapassam o limiar do jurídico, não podem ser negligenciados” (Un nouvel essor du conpt contractuel. In: Revue trimestrielle de droit civil, p. 44-45, 1964). Ensina Esteban Co ely: “... é necessário inves gar em primeiro lugar o modelo da unidade básica da economia, ou seja, o do indivíduo que atua economicamente. É óbvio que o modelo pode ser aplicado sem objeções ao indivíduo que assim atua, ou seja somente à unidade econômica básica. Neste caso, simplificam-se os conceitos, mas essencialmente a situação é idên ca. O indivíduo produz, consome, acumula os bens, mas em lugar de exportar ou importar, permuta os produtos com os outros indivíduos. Em lugar de transferências correntes e em lugar de inversões no exterior tratar-se-á de emprés mos dados a outras pessoas” (Teoría del derecho económico. 1971. p. 114-115). Eis como se descreve o modelo microeconômico. Dominik Salvatore ensina que “a teoria microeconômica, ou teoria dos preços, estuda o comportamento econômico das unidades decisórias individuais, como consumidores, proprietários de recursos e firmas, em um sistema de livre empresa” (Microeconomia. 1984. p. 2). Rudiger Dornbusch e Stanley Fischer ensinam que “a macroeconomia trata do comportamento da economia como um todo – com períodos de recuperação e recessão, a produção total de bens e serviços da economia e o crescimento do produto, as taxas de inflação e desemprego, a balança de pagamentos e as taxas de câmbio. A macroeconomia lida com o aumento no produto e no emprego no decorrer de longos períodos de tempo – isto é, crescimento econômico – e ainda com as flutuações a curto prazo que cons tuem o ciclo de negócios” (Macroeconomia. 5. ed. 1991. p. 3). Cf. também HEILBRONER,Elementos de macroeconomia. 5. ed. 1981. François Perroux assinala a importância das macrodecisões no âmbito das economias nacionais: “Há uma outra razão pela qual convém não renunciar à análise do comportamento e da situação global de uma inteira economia nacional; é a existência em todo regime e em todo tempo, com importância crescente no nosso tempo e sob os regimes econômicos que conhecemos, das macrodecisões” (L’économie du XXe. siècle. 2e. ed., p. 54). Gérard Farjat desde muito já salientou esse contexto macroeconômico da proteção conferida ao consumidor. Como a concentração de empresas, com o obje vo de destruir a livre concorrência, se vale dos contratos de adesão e das cláusulas abusivas que o integram, para se assegurar um mercado exclusivo, a eliminação dessas mesmas cláusulas significa acima de tudo um esforço para preservar a liberdade de mercado. (Droit économique, 1982, p. 379-383 e 481-485).
2 FONTES DO DIREITO ECONÔMICO 1. CONCEITO DE FONTE DO DIREITO O Direito, como já visto, tem por essência e finalidade reger as relações humanas em suas mais variadas manifestações. Para alcançar esse objetivo, surgem as normas jurídicas. Estas devem inserir-se no contexto fatual que tem por finalidade ordenar, dirigir e modificar. Assim, quando falamos de fontes do Direito, temos diante de nós múltiplas teorias que procuram justificar o surgimento, a existência e a força vinculante das normas. Para explicar o fenômeno das normas jurídicas, podemos partir do pressuposto de que a lei é algo de racional. Segundo Santo TOMÁS DE AQUINO, a lei é uma regra e medida dos atos humanos, e esta regra é constituída pela razão, que é o princípio primeiro dos atos humanos.74 Já THOMASIUS acrescenta ao conceito de razão o elemento volitivo, para dizer que a lei é o comando daquele que governa, vinculando os governados, de tal forma que estes direcionem suas ações de acordo com aquele comando.75 Estas posições revelam que os teóricos sempre buscaram a razão de ser do direito positivo, o direito posto pela sociedade. HANS KELSEN idealiza na norma fundamental o fundamento de validade de uma ordem jurídica positiva, isto é, de uma ordem coativa criada pela via legislativa ou consuetudinária e globalmente eficaz.76 A filosofia e a teoria geral do Direito nos trazem os princípios fundamentais que devem reger as normas criadas para a sociedade. OLIVEIRA ASCENSÃO enfatiza os princípios, diferenciando-os das regras. A filosofia do Direito e a ciência do Direito mantêm uma relação intercomplementar que deve ser sempre ressaltada. Para ele, os princípios se constituem nas grandes orientações da ordem positiva, que a percorrem e vivificam, e que têm assim a potencialidade de conduzir a novas soluções. A potencialidade desses princípios se atualiza nas regras, que são os critérios segundo os quais os fenômenos são apreciados e ordenados. Assim, a regra jurídica poderá ser vista como um critério de decisão, a orientar o trabalho do intérprete, mas pode ser visualizada também como critério de conduta, a orientar a atuação dos integrantes da sociedade.77 LÉON HUSSON estabelece uma importante distinção entre as regras e as teorias. As regras se constituem nos elementos propriamente ditos do Direito, enquanto as teorias são formuladas em decorrência do esforço dos autores e dos códigos para sistematizar as regras. Mas estas se limitam ao campo puramente empírico, experimental. Elas estão já impregnadas de elementos conceituais que são o resultado das teorias. As regras se constituem e se transformam em decorrência da conceituação da própria experiência vivida. Da constatação puramente experimental dos fatos passa-se à tomada de consciência das aspirações ou revoltas neles concretizadas. Dessa conscientização dos problemas vividos se passa à tentativa de criar instrumentos capazes de modificar os fatos como decorrência das reações íntimas experimentadas pelo ser humano. Para ele, o Direito surge, assim, como situado no ponto de interseção de duas ordens diferentes: uma ordem de razões pensadas pelo espírito e uma ordem de causas realizadas na natureza e na história.78 Salienta ainda que “para aplicar normas como para elaborá-las, é necessário ler a experiência de uma forma particular, através dos traçados de um
sistema, implícito ou explícito, coerente ou incoerente, de valores.79 Os princípios jurídicos podem ser vistos sob dois ângulos que não se excluem, mas se completam. Podemos falar dos princípios informadores do ordenamento jurídico, daqueles que orientaram os constituintes, aqueles que se reuniram para discutir que tipo de pátria queriam constituir. Existem princípios fundamentais que informam a estrutura do ordenamento jurídico a ser construído. São valorações de política legislativa que se transformam em comandos genéricos. Estes princípios fundamentais têm por função orientar a elaboração das normas jurídicas e assegurar uma coerência racional entre todas as normas produzidas. Mas os princípios podem ser extraídos do conteúdo normativo do conjunto de normas que formam o ordenamento jurídico, o que lhes confere o caráter de sistematicidade e de organicidade, como acentua EMÍLIO BETTI.80 Essa distinção tem consequências na distinção entre a interpretação do jurista, como finalidade teórica, meramente intelectual e cognitiva, e a interpretação com finalidade prática, que tem como função direcionar a conduta, e que se exige de um jurista quando está diante de um direito já em vigor, para efetivar a sua aplicação. Mas a interpretação se insere num contexto de âmbito mais elevado e mais genérico, o da hermenêutica. Como ainda ensina BETTI, os juristas de hoje têm necessidade de um conjunto de instrumentos para tomar em sua totalidade e profundidade o fenômeno jurídico. A hermenêutica não se satisfaz com o conhecimento dos princípios geradores das normas e com os princípios extraídos do conjunto dessas mesmas normas. O que ela busca e realmente proporciona ao jurista é a percepção mais profunda e mais completa do “logos”, da intrínseca coerência lógica dos institutos criados pelo ordenamento e dos problemas de convivência resolvidos pela sua aplicação. A hermenêutica tem por finalidade identificar e reviver por dentro o sentido impregnado no ordenamento jurídico.81 Mas o “logos” não é algo abstrato, distanciado da realidade. Ele é relação, ele é conversa, ele é linguagem. E como linguagem, o “logos” não somente contém o sentido do mundo como também cria o sentido, cria, afinal, o próprio mundo. É a linguagem que condiciona a interpretação.82 2. PRINCÍPIOS E REGRAS A aplicação do Direito não se faz somente a partir da leitura das leis estratificadas nos códigos ou em diplomas esparsos. A boa aplicação do Direito, e aqui especificamente no Direito Econômico, há que levar em conta o conceito de princípios e regras e seu relacionamento no contexto do ordenamento jurídico. Lembremo-nos da observação de DWORKIN. Quando os advogados e juízes raciocinam ou disputam a respeito de direitos e obrigações, principalmente quando se trata de casos mais difíceis e árduos, eles procuram arrimar-se em padrões, parâmetros que não funcionam como regras, mas como fontes de orientação, de embasamento, de explicação, ou seja, como princípios.83 Menciona princípios, políticas e outras formas de parâmetros, estabelecendo uma distinção entre princípios e políticas. Chama de “política” aquela espécie de parâmetro que fixa um objetivo a ser alcançado, geralmente um aprimoramento de característica econômica, política ou social da comunidade. E chama de “princípio” a um parâmetro que deve ser observado, não porque ele propicia um avanço ou garantia de uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou lealdade ou qualquer outra dimensão de moralidade.84 Ao se referir aos princípios, afirma GEORGES RIPERT que sua natureza deriva segundo alguns
pensadores de seu caráter de generalidade. O princípio domina as regras particulares, as quais se submetem ao parâmetro fixado por aquele. Por isso afirma que “toda lei, como vimos, deve segundo a boa técnica ser uma regra geral, mas a generalidade da lei significa que a regra se aplicará a uma série indeterminada de atos e de fatos. A generalidade do princípio não participa da mesma natureza; ela implica uma série indefinida de aplicações na elaboração das regras”.85 Os princípios são de natureza ideológica, o que estaria a explicar quer a sua força quer a sua fraqueza, pois que são capazes de inspirar a ação do legislador, mas não têm a força para o conter de maneira eficaz. A força destes princípios ideológicos é sua intransigência teórica. Uma lei pode surgir a partir da transação entre forças sociais opostas. Mas sobre um princípio não se transige.86 É importante também salientar a conceituação estabelecida por HERMANN BEKAERT, segundo o qual existem três grupos fundamentais de princípios:
a) os princípios que cons tuem a expressão de concepções filosóficas concre zadas através de documentos que servem de roteiros para a elaboração de leis e tratados. São os chamados princípios de ordem social e jurídica. Dentre eles podem-se citar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, que cristalizou a filosofia humanís ca construída pelos pensadores iluministas, a Declaração dos Direitos Humanos, da ONU, em 1948, a Declaração dos Direitos Econômicos, da ONU, em 1974. Pode-se citar, como exemplo, o princípio segundo o qual todo processo leva à u lização da constrição. Tal constrição é inconcebível fora dos limites do Direito. b) Os princípios gerais que decorrem normalmente da natureza das estruturas sociais e em par cular da lógica interna das ins tuições. Dentre eles, cite-se o princípio da permanência do Estado, o da con nuidade do serviço público, aquele segundo o qual se presume que todo cidadão conheça a lei. c) Os princípios gerais indissoluvelmente associados aos impera vos da moral. Têm esses princípios forte influência na tomada de decisões econômicas. Cite-se, como exemplo, a criação dos alimentos transgênicos. O ques onamento que envolve essa a vidade, que poderá trazer uma grande eficiência econômica, encontra um obstáculo na reflexão sobre os efeitos que serão gerados sobre a pessoa. Acrescente-se também o princípio segundo o qual a execução das liberalidades está sujeita ao cumprimento das obrigações, aquele segundo o qual ninguém pode invocar em seu favor a própria torpeza, e também aquele segundo o qual a fraude aniquila tudo.87
As regras devem ser entendidas como “normas”, enunciados com função “prescritiva”. A mais apropriada definição de regra podemos encontrá-la nos ensinamentos de AUSTIN e de HART.88 A mais clara definição de regra nos foi dada por AUSTIN, quando afirma que as leis são comandos. Em sua primeira aula ensina que “toda lei ou regra... é uma ordem”.89 HART, seguindo o ensinamento de Austin, afirma que as regras exprimem uma obrigação de conduta, de observância de procedimentos e de formalidades.90 A Constituição Federal de 1988 define os PRINCÍPIOS que presidem à atividade econômica no Título I e no Título VII. Ao estabelecer os princípios da cidadania, da dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, incorporam-se linhas de pensamento, uma ideologia a direcionar as regras. Ao enumerar os princípios da soberania nacional, da propriedade privada, da função social da propriedade, da livre concorrência, da defesa do consumidor, da defesa do meio ambiente e de outros, não está o Constituinte emanando nenhuma ordem, nenhuma prescrição de conduta a ser adotada. Estes são alguns dos princípios. A partir do artigo 172, passamos a encontrar regras de conduta, imperatividade de comportamentos. O Constituinte determina que “a lei disciplinará... os investimentos”, “...a exploração direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida...”, “a lei reprimirá o abuso do poder econômico...”, “... o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento...”, “incumbe ao Poder Público... a prestação de serviços públicos”, “A
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte... tratamento jurídico diferenciado...”. 3. ORDEM JURÍDICO-ECONÔMICA Todo agrupamento humano tende para uma determinada forma de organização, a que se dá o nome de ordem social. Nesta visualizam-se regras de conduta e entidades cuja finalidade é de garantir a observância daquelas regras e promover a criação de novas regras para reger situações novas que surgem e que se tornam pertinentes com o evolver do grupamento e da ordem. Toda ordem tem dentro de si mesma um elemento vinculante a que se dá o nome de imperatividade. Sem este componente toda ordem está fadada à desconstituição, ao enfraquecimento. Como já vimos, a imperatividade das normas destinadas a reger e dar coerência à sociedade ficaria sem efeitos práticos se não houvesse algum outro elemento destinado a garantir o cumprimento das regras vigentes. A sanção é a garantia de cumprimento da norma jurídica.91 Impossível traçar o conceito de ordem jurídica sem levar em conta o ensinamento de SANTI ROMANO, para quem “o conceito necessário e suficiente para traduzir em termos exatos o de direito enquanto ordem jurídica tomada em seu conjunto e em sua unidade é o conceito de instituição. Toda ordem jurídica é uma instituição e, inversamente, toda instituição é uma ordem jurídica: há, entre estes dois conceitos, uma equação necessária e absoluta”.92 Dentre os vários contextos institucionais há um em que as relações econômicas se manifestam mais acentuadamente. E existem regras destinadas a reger também este grupo de relações. As normas de conteúdo econômico se constituem num importante campo de estudo e de atuação. Neste campo, pode-se dizer que se encontra um dos mais refulgentes exemplos da formação autopoiética do direito. Assinala GUNTHER TEUBNER a possibilidade de uma construção alternativa da realidade jurídica, em que se desenvolvem os questionamentos e as tentativas de concretização adequada da cláusula geral da boa-fé, da teoria dos deveres de proteção, dos problemas em matéria de base negocial e de resolução contratual em virtude da alteração das circunstâncias, do conceito de interesse social da empresa, dos problemas de organização, cogestão laboral e responsabilidade social da empresa.93 Acentua ele ainda a noção de “mercado organizado”, em que se antepõem os blocos macrocorporativistas e os microcorporativistas, a desafiar a “invenção” dos padrões regulatórios.94 Assim, ao lado das ordens jurídicas tradicionais, com conceitos já estratificados pelo longo andar dos tempos, surgem ordens jurídicas que se estruturam a cada dia, que se renovam, se reforçam e se substituem a intervalos de tempo reduzidos. São exemplos desta faceta da ordem jurídico-econômica as organizações estatais destinadas a regular as atividades econômicas e a garantir o funcionamento adequado do mercado. 4. CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA: FUNÇÃO TRANSFORMADORA O conjunto das instituições e das normas destinadas a reger a atividade econômica sempre renovada, sempre insurgente contra as vinculações jurídicas, se solidifica num contexto significante a que se dá o nome de constituição econômica. Pode-se dizer que as normas de conteúdo econômico são o pressuposto de solidez da constituição política. Aliás, os fundadores da democracia norteamericana repetiam sempre que a liberdade econômica era a condição da liberdade dos cidadãos, que não haveria democracia plena se não se garantisse a liberdade econômica. Já salientamos que a constituição econômica e a constituição política se entremeiam no texto
constitucional. Não existe um capítulo em que estejam reunidos os princípios fundamentais econômicos e outros em que se concentrem os princípios políticos. Os princípios se entrecruzam e se fundem, se autosustentam pela sua própria interseção. Mas é preciso salientar que as constituições modernas, além de sua função legitimadora, política, organizadora, jurídica, ideológica, têm ainda uma outra, de fundamental importância para o Direito Econômico, que é a função transformadora. A constituição econômica tem que reconhecer que o equilíbrio de uma sociedade é dinâmico. A evolução constante, a alteração viva dos componentes desse equilíbrio exigem que a constituição acompanhe este caminhar. Não é necessário que ela se modifique em seus termos, em seus artigos, mas será de obrigação que sua interpretação a ajuste passo do caminhar social.95 Pode-se dizer que a constituição econômica está centrada em dois princípios fundamentais: o do direito de propriedade privada e o da liberdade de iniciativa. Os demais princípios são desenvolvimentos desses dois, para enfatizar, para limitar, para distinguir contornos, etc. 5. PRINCÍPIOS DE DIREITO ECONÔMICO O estudo dos princípios que regem a aplicação do Direito Econômico oferece alguma particularidade, relativamente à relação entre Direito Público e Direito Privado, porque, como já vimos no primeiro capítulo, este novo ramo do Direito se situa numa interseção daqueles dois ramos, revelando-se como um direito de síntese.96 Alguns desses princípios têm uma origem puramente constitucional, outros decorrem de leis ordinárias, outros da jurisprudência consagrada e outros ainda da atuação de órgãos administrativos reguladores (neste caso vinculados aos princípios constitucionais e legais referentes a cada setor regulado), e outros ainda da contribuição da Economia como ciência. Pode-se, por um lado, verificar que alguns dos princípios inseridos no atual texto constitucional têm suas raízes de caráter liberal herdado de constituições anteriores, mas observa-se também que a tradição constitucional de caráter intervencionista no domínio econômico deixou suas marcas, quer introduzindo princípios novos, quer dando nova configuração aos princípios liberais, agora aceitos como neoliberais. Dentre os primeiros, podemos apontar o princípio da proteção do direito de propriedade , o princípio da liberdade de comércio e de indústria, e o princípio da igualdade. A proteção outorgada constitucionalmente ao princípio do direito de propriedade, de origem liberal (Constituições de 1824 e 1891), de características absolutas, recebeu importante impacto das ideias socializantes, passando a ter função social (a partir da Constituição de 1934). O contrato é o instrumento jurídico de transferência da propriedade. Passando esta a ter um parâmetro limitador no conceito de função social, era de se esperar que também o contrato viesse a ter a mesma contenção. Dentro dessa tendência, o Código Civil de 2002 estabelece, no artigo 421, que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. O princípio da liberdade de comércio e de indústria, concebido inicialmente como uma liberdade total, recebeu também novos contornos, passando a figurar como uma liberdade constitucional limitada; uma liberdade de iniciativa, mas dentro de um enquadramento de mercado, em que sobreleva o princípio da liberdade de concorrência. Trajetória semelhante teve o princípio da igualdade, que, de uma igualdade absoluta e abstrata,
passou a receber do texto constitucional a configuração de uma igualdade relativa e concreta. Sobre este ponto, comenta JEAN-PHILIPPE COLSON decisão do Conselho de Estado, segundo o qual “o princípio [da igualdade] não se constitui em obstáculo a que uma lei estabeleça regras não idênticas a respeito de categorias de pessoas que se encontrem em situações diferentes, quando esta não identidade é justificada pela diferença de situação e não é incompatível com a finalidade perseguida pela lei”.97 Este princípio pode ainda sujeitar-se à ação reguladora do poder público e também às intervenções diretas. Sob o influxo das necessidades de aplicação de determinadas políticas econômicas, pode o mesmo princípio tornar-se maleável, a ponto de admitir tratamentos discriminatórios. É o que ocorre, por exemplo, com o tratamento favorecido concedido pela Constituição às empresas de pequeno porte, como consta do inciso IX do artigo 170 da Constituição Federal (“tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País”). Coerentemente com este princípio, estabelece o arigo 179 a regra segundo a qual “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte,... tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações...”. 6. PRINCÍPIOS E REGRAS Além dos princípios e regras estabelecidos explicitamente no texto constitucional, principalmente nos Títulos I, VII e VIII, podemos também fixar princípios específicos para direcionar a formação de regras e sua aplicação no campo peculiar ao Direito Econômico. A seguir pode-se ver uma enumeração exemplificativa desses princípios jurídico-econômicos derivados dos princípios constitucionais e viabilizadores de sua atuação mais eficiente na realidade concreta do mercado e que presidem à elaboração e aplicação das normas de conteúdo econômico direcionadas a reger a política econômica. 6.1. A norma jurídica deve garantir a segurança nas relações jurídicas O Direito tem por finalidade a busca da segurança, em primeiro lugar a do indivíduo concebido como cidadão. Como consequência da segurança atribuída e garantida ao indivíduo, surge a segurança social ou coletiva. Se o indivíduo não se sentir seguro pessoalmente, se não lhe for garantida a sobrevivência, não tiver a fundada esperança de poder concretamente afirmar-se perante seus semelhantes e perante os acontecimentos, não se pode falar em garantia coletiva ou social. A segurança jurídica vem atrelada a dois princípios constitucionais, o primeiro deles é o da legalidade, segundo o qual ninguém pode vir a ser compelido a fazer ou deixar de fazer senão o que esteja previsto pela lei (artigo 5o C.F.), e o segundo é o da igualdade substancial, não apenas formal. Se o texto constitucional garante que todos são iguais perante a lei, esta igualdade não pode reduzir-se a uma simples formalidade. A este respeito vale trazer a lembrança das palavras de SABINO CASSESE: Desde o século passado (século XIX) revelou-se insuficiente a garan a cons tucional da igualdade formal. O princípio da igualdade substancial nha encontrado reconhecimento explícito na Cons tuição republicana, no ar go 3, 2 o parágrafo. Isto exige uma a vidade pública posi va, de remoção dos obstáculos à igualdade de fato entre os cidadãos. Quando à individualização destes obstáculos, a resposta já nha sido dado pela cultura inglesa, na metade do nosso século (século XX). No chamado Plano Beveridge (do nome de seu autor), de 1942, nham já sido iden ficados, com efeito, os obstáculos
maiores interpostos ao pleno desenvolvimento da pessoa humana: instrução, saúde, trabalho, previdência.98
Não há que se pensar numa segurança teórica, abstrata, numa atribuição de direitos de igualdade, sem discriminação, com inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, sem uma garantia efetiva de segurança econômica. Não é por outra razão que os mentores da constituição norte-americana afirmavam que sem liberdade econômica não existe liberdade política. Assinalou MADISON: As diversidades das ap dões do homem, nas quais se originam os direitos de propriedade, não deixam de ser um obstáculo quase insuperável para a uniformidade de interesses. A proteção daquelas faculdades é o primeiro obje vo do governo. Da proteção de ap dões diferentes e desiguais para adquirir bens resulta imediatamente a posse de graus e pos de propriedade também diferentes; e a influência destes sobre os sen mentos e opiniões dos respec vos proprietários propicia uma divisão da sociedade em diferentes classes e par dos... a fonte mais comum e duradoura das facções tem sido a distribuição variada e desigual da propriedade. Os que a possuem jamais cons tuíram, com os não proprietários, um grupo de interesses comuns na sociedade. Os que são devedores sofrem discriminação semelhante em relação aos credores. Interesses decorrentes da posse de terras, de a vidades industriais e comerciais, de disponibilidade de capital, acompanhados de uma série de outros menores, surgem das necessidades nas nações civilizadas e as dividem em classes diferentes, mo vadas por sen mentos e pontos de vista dis ntos. A coordenação destes diferentes interesses em choque cons tui a tarefa principal da legislação moderna e envolve o espírito do par do e da facção nas a vidades necessárias e comuns do governo.99
Ao comentar este texto, BEARD assinala que aí se contém uma formulação magistral da teoria do determinismo econômico na política.100 A profunda vinculação entre os fatores econômicos e os políticos é também assinalada por SELIGMAN, ao afirmar que “a existência do homem depende de sua capacidade de prover as suas necessidades: a vida econômica é consequentemente a condição fundamental de toda vida. Na medida em que o homem vive em sociedade, a existência individual evolui no quadro de uma estrutura social e pode ser modificada por ela. As relações de produção e de consumo são para a comunidade aquilo que as condições de sustento são para o indivíduo. Devem-se procurar em última instância as causas econômicas para explicar as transformações da estrutura da sociedade que condicionam elas próprias as relações de classe e as diversas manifestações da vida social”.101 A Suprema Corte norte-americana, ao decidir os casos de antitruste, manifestou desde as primeiras questões suscitadas pela Lei Sherman a preocupação com o crescimento do poderio econômico através de monopólios e concentrações de empresas. Entendia ela que o aumento desmesurado do poder econômico nas mãos de poucos pudesse acarretar lesão irreparável ao bemestar geral. Assim é que, no caso Northern Securities Company v. United States,102 decidido em 1904, o Juiz HARLAN afirma: A regra da concorrência, estabelecida pelo congresso, não era de forma alguma nova na indústria e no comércio. E não podemos ter qualquer dúvida sobre a razão que moveu o congresso à incorporação desta regra num estatuto. Esta razão já nha sido fixada no caso United States v. Joint Traffic Associa on: “... É a concentração destas grandes e poderosas empresas, cobrindo vastas extensões de território e influenciando o comércio por toda a sua extensão, que cons tui o invocado perigo, e em relação ao qual, na medida em que a combinação age e restringe o comércio interestadual, o Congresso tem poder para legislar e para proibir.... Pode-se muito bem pressupor que o Congresso, quando editou este estatuto, compar lhava da apreensão geral de que umas poucas mas poderosas corporações ou combinações pudessem obter, e, se não con das, iriam conseguir poder tão absoluto sobre toda a indústria e todo o comércio do país que se tornaria prejudicial para o bem-estar geral”.
A segurança individual não pode vir a estar subordinada à segurança pública. Esta, sim, é uma consequência daquela. Se não se der ao cidadão a garantia da vida, e de uma vida digna, a garantia de um salário suficiente para satisfazer adequadamente a todas as suas necessidades básicas, a
garantia de uma assistência à saúde, de uma educação de elevado nível, a tranquilidade de uma velhice ao amparo das incertezas, não se poderá nunca dizer que existe segurança coletiva. Se, como já foi dito, a Constituição política está indissociavelmente vinculada à Constituição econômica, deve-se enfatizar que esta é uma condição indispensável para a cristalização daquela. Não haverá soberania política, se não houver soberania econômica. É impossível falar-se da primeira dentro de um contexto de um colonialismo econômico imposto por organismos internacionais que, sob ficção de ajuda para sanar dificuldades, aprofundam cada vez mais os laços de dependência. 6.2. A norma jurídica deve tomar como ponto de partida a realidade econômica O legislador, ao editar normas de conteúdo econômico, deve estar sumamente atento à realidade econômica, que tem como uma de suas principais características a mutabilidade. Não se pode esquecer a lição de ROSCOE POUND a respeito da diferença entre o direito existente nos livros e o direito em ação. Partindo da lição extraída de TOM SAWYER, que teimou em escavar a caverna em que se achava preso Jim, utilizando-se de um canivete porque os livros diziam que este era o instrumento adequado, e que depois usou uma picareta apesar do direcionamento teórico dos livros, POUND afirma que Tom tinha feito de novo uma das mais antigas descobertas do direito. Quando a tradição prescrevia canivetes para tarefas para as quais picaretas seriam mais adaptadas, pareceu melhor a nossos avós, depois de uma pequena e vã luta com canivetes, aderir ao princípio – mas usar a picareta. Eles afirmavam que o direito não deveria mudar. Mudanças no direito estavam impregnadas de perigo. E assim o direito conseguiu sempre ter em suas mãos uma picareta, embora exigisse resolutamente um canivete, e usá-la na inocente crença de que estaria usando o instrumento aprovado. Afirma POUND que “para o jurista, a moral da diferença entre o direito nos livros e o direito em ação não deve ser dominada pela noção de que o common law é o começo de sabedoria e a eterna ordem legal. Não nos deixemos amedrontar com a legislação, e demos as boas vindas a novos princípios, introduzidos pela legislação, que expressa o espírito do tempo. Olhemos os fatos da conduta humana de frente. Encaremos a economia, a sociologia e a filosofia e deixemos de acreditar que a jurisprudência é autossuficiente. Caberá aos juristas tornar o direito em ação conforme com o direito existente nos livros... fazendo com que o direito dos livros seja tal que o direito em ação possa se conformar com ele, e adotando um ágil, barato e eficiente modo legal de aplicá-lo. Não há outro modo de conciliar os dois.... Não deixemos nossos textos legais adquirirem santidade e tomar o caminho dos textos sagrados. Pois que as palavras escritas permanecem, mas o homem se muda. Quer as leis de Manu ou Zaratustra ou de Moisés... todas as leis nos contam a mesma história”.103 A realidade econômica passou a ter influência fundamental na elaboração e na aplicação da lei. O legislador e o aplicador da lei não podem desconhecer a realidade econômica em que vivem e que pretendem normatizar e direcionar. Não basta conhecer os textos da Constituição, que muitas vezes são até mesmo ignorados, não basta ter lido alguma vez os textos legais que criam instituições e lhes atribuem competências. É necessário também conhecer a realidade e viver a realidade a que se referem aqueles textos. O texto constitucional impõe ao Estado a tarefa de normatizar e regular a atividade econômica, o que pressupõe que esta seja perfeitamente conhecida pelo elaborador da norma. Exemplo desse exame profundo da realidade econômica a ser regulada encontramos no Direito da Concorrência e no
Direito da Regulação. As normas e diretrizes pressupõem um exame detalhado do mercado que vai ser regulado de tal sorte a possibilitar uma concorrência adequada. A realidade deve não somente ser verificada, mas prevista. O legislador e o administrador não podem reduzir-se a meros contempladores da realidade já acontecida. Se a lei é feita para o futuro, se ela se destina a reger fatos futuros, impõe-se que o legislador tenha a competência de prever. Esta previsão exige planejamento, como se delineia no último capítulo deste livro. E o planejamento leva fatalmente ao investimento. E este depende de normas jurídicas autorizadoras. Ao tratar dos planos econômicos de desenvolvimento, principalmente dos planos de estilo francês, caracterizados como “indicativos” ou “ativos” preocupa-se FRANÇOIS PERROUX com a perspectiva das trocas recíprocas entre o planificador e o construtor de modelos. Reconhece ele que “as orientações das formalizações matemáticas e dos modelos estão em harmonia com as exigências do novo desenvolvimento. Este reivindica a reestruturação do ‘todo’ mundial, do ‘sistema do mundo’; vincula-se à articulação e à dialética das partes, dos subconjuntos estruturados; pretende centrar-se no homem que é apreendido na sua realidade individual e nas suas relações com o ambiente”.104 Mas alerta para a exigência de estreitamento com a realidade, pois que o florescimento de modelos somente pode “dar resultados duradouros se não se alimentar de ilusões”. E faz referência importante para reflexão sobre a aceitação de modelos importados, modelos plasmados para realidades diferentes daquelas dos países a que se destinam e aos quais são impostos. Seria o “mau uso da modelização insuficientemente refletida. O construtor do modelo, neste caso, proporia aos países em desenvolvimento um modelo elaborado a partir da experiência dos países desenvolvidos e concebido ao serviço dos seus interesses, na prática, dos interesses das classes dominantes nesses países”.105 O s fatos devem ser sempre o ponto de partida. CHARLES DICKENS, ao apresentar seu personagem THOMAS GRADGRIND, afirma ser ele um homem de realidades, um homem de fatos e cálculos, colocando-o para dizer: Agora, o que quero são fatos. Ensinar a estes meninos e meninas nada mais do que fatos. Somente os fatos são necessários na vida. Plantar nada mais que fatos, arrancar tudo que não sejam fatos. Somente se podem conformar as mentes de animais racionais através de Fatos: nada mais será nunca de mais prestabilidade para eles. Este é o princípio pelo qual eu educo meus próprios filhos e este é o princípio segundo o qual eu educo estas crianças. Agarre-se aos fatos, senhor!
A jurisprudência norte-americana alerta sobre a importância de identificar e de analisar adequadamente os fatos. Exemplo deste estado mental pode ser visto na decisão proferida por LOUIS BRANDEIS, da Corte Suprema dos Estados Unidos, no caso Board of Trade of City of Chicago: Mas a legalidade de um acordo ou regulação não pode ser apurada através de um teste tão simples, para se dizer que ele restringe a concorrência. Todo contrato rela vo ao comércio, qualquer regulação do comércio, restringe. Vincular, restringir, é de sua própria essência. O verdadeiro teste de legalidade consiste em saber se a restrição imposta é tal que meramente regule e por isso promova a concorrência ou se ela é de tal sorte que possa suprimir ou até mesmo destruir a concorrência. Para determinar esta questão a corte deve ordinariamente considerar os fatos peculiares ao negócio a que a restrição é imposta; sua condição antes e depois que a restrição foi imposta, a natureza da restrição e seu efeito, concreto ou provável. A história da restrição, o perigo que se acredite exis r, a razão para se adotar a medida adequada, a finalidade ou obje vo que se procurou alcançar, são todos fatos relevantes. Não é porque uma boa intenção poderá salvar uma regulação, de outra forma condenável... mas porque o conhecimento da intenção pode ajudar o tribunal a interpretar os fatos e a predizer consequências.106
6.3. A norma jurídica deve procurar a reforma da realidade
É de todos conhecido o aforismo “ex facto oritur jus”. A chamada teoria tridimensional do Direito enfatiza também a origem do direito. Os fatos provocam a reflexão dos participantes de uma sociedade e reclamam uma organização. Eles são o “dado”, segundo a expressão de FRANÇOIS GÉNY. Mas o fato não chega ao conhecimento dos organizadores da sociedade somente como algo estático. Aparece sempre como algo que é e que tem que ser mantido, sob certos aspectos, mas que deve ser mudado, sob outros aspectos. A realidade surge assim como algo que deve-ser, daí a sua perspectiva sempre dinâmica. Assim, como o reconhece GÉNY, a atividade do jurisconsulto oscila sempre entre dois polos distintos, o “dado” e o “construído”. O dado não se resume na materialidade das coisas, mas surge como “dado natural”, como “dado histórico” ou como “dado racional”, ou ainda como um “dado ideal”.107 Mas os fatos que se antepõem ao jurisconsulto são produto de uma sociedade viva, que se manifesta sempre de formas novas. Daí por que a valoração desses fatos sofre também o influxo da variação dos dados racionais, dos dados ideais. O Direito evolui sempre, e os sistemas jurídicos que prevalecem num determinado tempo tendem sempre a assumir novas formas, novos conteúdos. Mesmo que a letra da lei não evolua, sua interpretação é sempre evolutiva. Como afirma RENÉ DAVID, o Direito de uma sociedade é por necessidade um Direito vivo e é impossível prever com segurança como será o Direito daqui a cem anos.108 O Direito não se manifesta de forma absoluta, e a história do direito natural nada mais é senão a narrativa da busca pelo homem de uma justiça absoluta, e de seu insucesso.109 As normas que são criadas para reger a realidade econômica estão a demonstrar que o Direito não é imutável. Pode-se até mesmo dizer que, no âmbito do Direito Econômico, é que a relação entre fato-valor-norma se fecha num círculo, pois que a norma surgida dos fatos, através da sua valoração, se transforma num instrumento propulsor da própria realidade. A norma de conteúdo econômico passa a ser criadora de novos fatos sociais. A norma adquire força criadora de uma nova sociedade. OLIVER WENDEL HOLMES já acentuava essa mudança, quando afirmou que “devemos estar atentos para a armadilha do antiquarianismo, e devemos lembrar que para nossos propósitos nosso único interesse em relação ao passado é pela luz que projeta sobre o presente. Eu prevejo um tempo em que a parte desempenhada pela história na explanação de dogma será muito pequena, e em lugar de uma engenhosa pesquisa nós empregaremos nossa energia num estudo das finalidades a ser perseguidas e das razões para as desejar. Como um passo rumo a este ideal parece-me que cada advogado deverá desenvolver uma aprendizagem da economia. O presente divórcio entre as escolas de economia política e de direito parece-me uma prova de quão grande progresso no estudo filosófico ainda está por ser feito”.110 6.4. A norma jurídica deve buscar o desenvolvimento sustentável A norma jurídica tem um papel criativo e prospectivo, como já visto. Como consequência dessa sua função, a norma tem também a finalidade de viabilizar condições e provocar diretamente o crescimento e o desenvolvimento. A distinção entre estes dois conceitos nos é dada por SCHUMPETER. O crescimento enfatiza o aspecto quantitativo, enquanto o desenvolvimento sobreleva a visualização qualitativa. Fala-se em crescimento quando há referência à quantidade de bens que devem ser postos à disposição das pessoas. Quanto maior a quantidade, menor será o seu esforço pela busca de bens para satisfazer ou preencher sua situação de escassez.
Mais importante, porém, do que o crescimento, materialidade necessária, será o desenvolvimento, imaterialidade imprescindível, e que pressupõe a primeira, mas a ela se superpõe. O pensamento de SCHUMPETER é ainda hoje válido. Afirma ele: ... entendemos por “desenvolvimento” somente as mudanças da vida econômica que não tenham sido impostas a ela desde o exterior, mas que tenham uma origem interna. Tampouco se chamará aqui de processo de desenvolvimento ao mero crescimento da economia, refle do pelo da população e da riqueza. Pois não representa fenômenos qualita - vamente diferentes, mas somente processos de adaptação, da mesma classe que as mudanças dos dados naturais. Como desejamos dirigir nossa atenção para outros fenômenos, consideraremos tal crescimento como mudança dos dados. Todo processo concreto de desenvolvimento repousa finalmente sobre o desenvolvimento precedente.... O desenvolvimento, segundo entendemos, é um fenômeno caracterís co, totalmente estranho ao que possa ser observado na corrente circular, ou na tendência ao equilíbrio. É uma mudança espontânea e descon nua nos procedimentos da corrente, alterações do equilíbrio, que deslocam sempre o estado de equilíbrio existente anteriormente. Nossa teoria do desenvolvimento não é senão o estudo deste fenômeno e dos processos que o acompanham.111
Mas há uma superação humanística desse posicionamento. O desenvolvimento tem como centro propulsor e como centro de convergência o homem. Daí a necessidade de uma revisão radical relativamente aos problemas econômicos, pois que, como enfatiza FRANÇOIS PERROUX, “desenvolvimento remete-nos para o homem, sujeito e agente, para as sociedades humanas, para a sua finalidade e para os seus objetivos manifestamente evolutivos. Desde que se aceitou a ideia do desenvolvimento, podia esperar-se uma série de novos desenvolvimentos, orientados pelas aproximações sucessivas dos valores que os homens trazem consigo e pelas condições das suas transposições históricas em atos e em obras... O novo desenvolvimento quer-se ‘global’, ‘integrado’, ‘endógeno’”.112 A concorrência econômica deve fazer triunfar o “melhor”, como enfatiza PERROUX, mas os conceitos de concorrência e de “melhor” passam pelo crivo da sustentabilidade do desenvolvimento, ou seja, deve haver desenvolvimento, mas se devem preservar as condições necessárias à subsistência das futuras gerações. A Declaração da Conferência das Nações Unidas, em Estocolmo, proclamou que “o homem é ao mesmo tempo criatura e moldador do seu ambiente, que lhe dá sustentação física e lhe oferece oportunidade para um crescimento intelectual, moral, social e espiritual.113 Dentre os princípios estabelecidos naquela Declaração, merecem referência alguns: Primeiro Princípio: “O homem tem o direito fundamental à liberdade, igualdade e condições de vida adequadas, num ambiente de tal qualidade que permita uma vida de dignidade e bem-estar, e assume a responsabilidade solene de proteger e implementar o ambiente para as gerações presentes e futuras”. Segundo princípio: “Os recursos naturais da terra incluindo o ar, a água, a terra, a flora, e a fauna e especialmente exemplares representa vos de ecossistemas naturais devem ser salvaguardados para o bene cio das gerações presentes e futuras através de cuidadoso planejamento ou gerenciamento, conforme adequado”. Terceiro princípio: “A capacidade da terra para produzir recursos vitais renováveis deve ser man da e, onde pra cável, restaurada e desenvolvida”... Quinto princípio: “Os recursos naturais não renováveis da terra devem ser empregados de tal forma a evitar o perigo de sua exaustão futura e a assegurar que os benefícios desta utilização sejam repartidos por toda a humanidade”.114
6.5. A norma jurídica deve buscar o equilíbrio dinâmico Os fatos jurídicos estão em constante evolução, ao passo que os textos legais são alterados pelo
legislador depois de longo lapso de tempo. A jurisprudência e a doutrina desempenham papel importante nessa atualização legislativa, constituindo-se na maioria das vezes em mola propulsora da reformulação legislativa. Mas pode-se dizer que o legislador previu, em princípio, tanto as alterações da realidade social, quanto a necessidade do papel reformulador e criativo da jurisprudência, ao determinar, no artigo 5o da Lei de Introdução ao Código Civil – Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942 – que na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Ao aplicar a lei, o juiz estará interpretando-a. Ao interpretar, o aplicador da lei deve levar em conta o contexto linguístico, em que sobressai a perspectiva lógico-semiótica do texto legal, o contexto sistêmico, em que se busca evitar que a decisão a ser tomada aplicando um texto entre em conflito com outros textos do mesmo ordenamento, e o contexto funcional, quando se tem em mira os resultados a serem alcançados. Em qualquer dos contextos deverá o aplicador da lei ter diante de si os valores ou ideais, que têm função heurística ou justificadora, já incorporados no ordenamento jurídico. Estes valores são estabelecidos primordialmente pelo texto constitucional. A Constituição Federal de 1988, no artigo 170, acolhe o modelo de economia de mercado, cujos fundamentos são a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa. A perspectiva teleológica é a de assegurar a todos existência digna, e o regramento supremo será ditado por uma concretização da justiça social. Ora, o contexto de uma economia de mercado é essencialmente evolutivo; o confronto de interesses é sempre inovador das relações; mas o confronto não pode prescindir da perseguição de uma situação de permanente equilíbrio que se renova e se modifica constantemente. O equilíbrio nunca será estático ou permanente. Já afirmava HOLMES que o repouso não é o destino do homem.115 Daí ter o aplicador da lei que estar sempre atento às alterações da realidade econômica, para adequar-se a elas e para dar ao texto legal uma interpretação teleológica. 6.6. A norma jurídica deve nortear-se pela eficiência e economicidade Os conceitos de eficiência e de economicidade são de origem e fundamentação econômica, e devem servir de embasamento para elaboração e aplicação das normas jurídicas. OLIVER WENDEL HOLMES já enfatizava que em sua época dominava a tendência para o estudo da tradição e da história, mas viria uma época em que o jurista deverá empregar suas energias num estudo das finalidades que deverão ser alcançadas e das razões para desejá-las. E um passo decisivo para atingir este ideal seria o de todo advogado procurar estudar e ter domínio da economia.116 LOUIS BRANDEIS afirmava ter medo do jurista que não tivesse conhecimento de economia.117 Richard Posner afirma que o jurista não precisa ser economista, mas precisa ter conhecimentos de economia.118 É justamente o conhecimento da economia que nos levará a conceituar adequadamente eficiência e economicidade. A norma jurídica destinada a reger as relações de mercado tem por finalidade proporcionar o mais perfeito grau de seu funcionamento, de tal sorte a garantir a eficiência alocativa, a eficiência produtiva, a eficiência dinâmica e a eficiência distributiva. Quando nos referimos à eficiência alocativa, queremos dizer que todos os bens e serviços estariam adequadamente, apropriadamente alocados, destinados, e as preferências para o ócio satisfeitas, porque, por definição, nenhuma ação nem qualquer troca ulterior poderia melhorar a situação atual.119
A eficiência produtiva procurará valer-se de unidades de produção em larga escala, diminuir custos de transação e aumentar os efeitos em rede pois que na atualidade a intercomunicação é uma parte cada vez maior da vida econômica.120 Mas estes dois aspectos podem ser vistos quer estática quer dinamicamente. Como as mudanças do mundo concreto, real, são constantes e inevitáveis, a eficiência dinâmica procura focalizar as condições em que a vida econômica se realiza.121 Dentro do contexto da vertiginosa evolução do mundo, os governos têm que repensar continuamente o seu papel para enfrentar os desafios colocados por forças tais como a globalização, a descentralização, o surgimento de novas tecnologias, as cambiantes necessidades, expectativas e exigências dos cidadãos. Os princípios da boa governança transformam não somente as relações entre o legislativo, o judiciário e a administração mas o bom funcionamento da máquina governamental como um todo. Estes princípios se traduzem no respeito pela norma jurídica, pela abertura, pela transparência, pela lealdade e pela equidade no relacionamento com os cidadãos, em que se incluem mecanismos para consulta e participação, serviços públicos eficientes e efetivos, leis e regulações claras, transparentes e aplicáveis, consistência e coerência na formação administrativa, e elevados padrões de comportamento ético. 6.7. A norma jurídica deve garantir a democracia econômica e social Este princípio encontra concretização exatamente através da participação de diversas categorias econômicas na formação das normas que regerão suas atividades. Esta coparticipação na elaboração de normas pode ser vista no artigo 10 da Constituição Federal, onde está dito que “é assegurada a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação”. Também no artigo 11 da C.F. está dito que “nas empresas de mais de duzentos empregados, é assegurada a eleição de um representante destes com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores”. O fenômeno da participação vem junto com o da solidariedade. A lógica da economia de mercado estabelecida pelo artigo 170 e seguintes da Constituição Federal vem sustentada no princípio da propriedade individual e da liberdade de iniciativa, mas também no da função social da propriedade, e, consequentemente, nas limitações daí decorrentes sobre a liberdade de iniciativa. À lógica de funcionamento do mercado deve somar-se a lógica da solidariedade, como enfatiza PERROUX. Afirma ele que “o conflito entre a doutrina do mercado ‘puro’ e a doutrina do mercado ‘corrigido’ pelo princípio da solidariedade está patente em toda a história econômica do Ocidente desde a industrialização”.122 6.8. A norma jurídico-econômica e o princípio da dignidade humana O direcionamento dado por uma política econômica não pode nunca perder de vista que o direito é uma criação humana, mas não é uma criação arbitrária nem se encontra em estado puro na natureza. Há uma relação constante e uma interinfluência entre o dado econômico e o ideal visualizado pelo Direito. A busca de um Direito eterno, imutável, pairando sobre os homens como a governar-lhes abstratamente as necessidades concretas é uma utopia sempre buscada pelos homens. Daí afirmar WOLFGANG FRIEDMANN que “a história do direito natural é a narração de uma busca pelo homem de uma justiça absoluta, e de seu insucesso. Muitas e muitas vezes, no decurso dos 2.500 últimos anos, a ideia do direito natural apareceu, sob uma ou outra forma, como a expressão da busca
de um ideal mais elevado do que o direito positivo, depois de ter sido rejeitado e se transformado em objeto de zombaria no entretempo”.123 O Direito de uma sociedade viva é necessariamente um Direito vivo e que acompanha cada passo da evolução dessa coletividade, sem perder de vista que ela é composta por pessoas, que têm uma dignidade própria, que deve ser preservada, respeitada e enaltecida a cada passo. É verdade que os sistemas jurídicos construídos com o tempo, também com o tempo se desfazem.124 Mas o tempo não consegue eliminar determinados valores, principalmente o da dignidade humana, muitas vezes aviltado, mas sempre clamando por ser respeitado. Há determinadas exigências éticas que permanecem sempre válidas, embora os comportamentos que lhes servem de exteriorização possam variar com o tempo. Ao se referir ao fundamento da “dignidade da pessoa humana”, não está o texto constitucional (artigo 1o, III, da C.F.) se referindo a algo abstrato, mas sim a algo concreto estabelecido na lei ordinária, segundo a qual “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil ” (art. 1o da Lei 10.406/2002). São direitos à erradicação da pobreza e da marginalização, à redução das desigualdades sociais e regionais (arts. 3o e 170, VII, da CF). Não existe política econômica alheia às exigências de respeito e de concretização da dignidade humana. Os direitos sociais devem figurar de forma primacial neste quadro de exigências. Respeito à dignidade humana exige uma política de garantia de trabalho honesto e suficiente para garantir uma existência saudável, educação para todos, saúde para todos, etc. 6.9. A norma jurídica: eliminação de atos economicamente lesivos Para fugir da responsabilidade por danos e de sua distribuição por toda a população, e da apropriação dos ganhos por uma faixa restrita de beneficiários, deve a Ordem Econômica adotar princípios que eliminem os atos economicamente lesivos, com o que haverá redução ou até mesmo eliminação dos custos de transação. Ocorrendo a lesão, inevitável será a recomposição ou a reparação, perguntando-se, então, se os custos de transação que deverão ser suportados não serão maiores do que os danos já ocorridos. Esta duplicidade de situações exige do Estado uma vigilância muito maior para evitar os danos. Avanço considerável no texto constitucional é o que se refere à indenização por dano material, moral ou à imagem (art. 5o, inciso V). É importante salientar que o artigo 157 da Lei 10.406/2002 consagra a figura da lesão, que foi rejeitada no Código Civil de 1916. Diz este artigo que “ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta”. Este dispositivo legal se encontra na parte geral do Novo Código Civil, onde se elencam os princípios básicos do Direito, independentemente de sua vinculação ao direito público ou privado. 6.10. A norma jurídica deve ser pragmática O ponto de partida para as considerações a seguir pode ser visto como paradoxalmente destrutivo de toda a construção até aqui elaborada. Ao tratar do surgimento e do desaparecimento da liberdade de contrato e especificamente do declínio dos princípios, faz PATRICK SELIN ATIYAH a seguinte afirmação: Sugeri no capítulo 12 que o período 1770-1870 poderia ser caracterizado como uma Idade dos Princípios; por contraste o
século seguinte foi uma Idade de Pragma smo. Houve, sem dúvida, um declínio na importância atribuída aos princípios, na economia, nas questões morais, no direito, e por certo na vida em geral. O conceito exato de um princípio tornou-se quase indigno de crédito. Flexibilidade, como oposição à rigidez, compromisso como oposição a determinação (singlemindedness), e pragmatismo como oposição a princípio, tornaram-se as virtudes do mundo moderno.125
O pragmatismo, como afirma WILLIAM JAMES, é “um nome novo dado a determinadas maneiras de pensar antigas”. Pelo que se vê, trata-se de um novo método hermenêutico, pois que segundo ele: Um pragma sta se desvia da abstração e da insuficiência das soluções verbais, das inadequadas razões a priori, dos princípios estabelecidos, dos sistemas fechados e dos pretensos absolutos e origens. Ele se volta para o completo e para o adequado, para os fatos, para as ações, para o poder. Isto significa o reino de um estado de espírito empírico e o abandono sincero do estado de espírito racionalista; isto significa a abertura e as possibilidades da natureza opostos ao dogma, à artificialidade e às falsas imagens de finalidade na verdade.126
O pragmatismo, segundo o próprio JAMES, é somente um método,127 mas, em sendo instrumento, não se liberta da realidade substancial, do conceito de verdade e dos princípios: O ponto que agora faço questão que observem par cularmente é o que diz respeito à parte desempenhada pelas verdades mais an gas. O fracasso em levar em conta essa situação é que é a fonte de muitas das crí cas injustas assestadas contra o pragma smo. Sua influência é absolutamente controlável. A lealdade que se lhes deve é o primeiro princípio – em muitos casos é o único princípio; pois desde há muito que a maneira mais usual de tratar os novos fenômenos que implicariam sério reajustamento de nossas pré-concepções é ignorá-los completamente, ou desrespeitar os que dão testemunho deles.128
As normas destinadas a reger a organização do mercado, pela adoção de medidas de política econômica, devem ser interpretadas à luz de um pragmatismo consciente. Tal postura hermenêutica se revela como um método para aplicação das normas que têm conteúdo econômico pertinente a todas as medidas de política econômica, em que se deve levar em conta, como visto acima, a realidade vivida, que é sempre refratária a verdades absolutas. Na verdade, as decisões tomadas para aplicação de uma determinada política econômica não podem partir de princípios abstratos e absolutos, embora também não possam desgarrar-se deles. Devem elas levar em conta a realidade que se apresenta em determinado momento concreto e procurar dar-lhe o direcionamento que for julgado “correto”. As decisões de política econômica devem sempre ter diante de si as coordenadas da “praxis”, da realização, da transformação do mundo.129 As medidas de política econômica partem da verificação de fatos, da percepção de conflitos e da necessidade de tomar decisões que eliminem de maneira razoável esses conflitos. O resultado dessas ações será necessariamente uma transformação da realidade. A decisão será inevitavelmente pragmática, porque não tem por finalidade atingir a verdade. 6.11. A norma jurídico-econômica e o princípio da proporcionalidade A Constituição Federal de 1967, com a Emenda de 1969, estabelecia no artigo 170 dois princípios importantes, o da preferencialidade do exercício da atividade econômica pela empresa privada e o da suplementaridade da interferência do Estado na organização e exploração direta da atividade econômica pelo Estado. A Constituição Federal de 1988, nos artigos 170 e 173, estabeleceu os princípios básicos de uma economia de mercado, em que o exercício da atividade econômica cabe exclusivamente à Empresa. No artigo 174 estão estabelecidas as funções do Estado, que, como agente normativo e regulador da atividade econômica, exercerá as funções de fiscalização, incentivo, e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. Em que proporção deverá o Estado interferir na atividade econômica?
Com o Tratado da União Europeia, no art. 5º, 130 subsidiariedade, segundo o qual a Comunidade não intervém, a não ser que e na medida em que os objetivos da ação proposta não possam ser realizados de maneira suficiente pelos Estados-Membros, o princípio da proporcionalidade , segundo o qual a ação da Comunidade não deve exceder o que for necessário para atingir os objetivos do Tratado. Esta relação de proporcionalidade pode ser vista num ângulo diferente, quando se trate da atuação do Estado e da Empresa, no contexto de economia de mercado adotado pelo Constituinte brasileiro. O princípio da proporcionalidade pode ser assimilado ao princípio da razoabilidade. Em primeiro lugar, pode-se indagar em que proporção poderá o Estado restringir direitos fundamentais da Empresa, em sua atuação livre no mercado. Tem importância verificar a compatibilização contextual dos princípios constitucionais. A Constituição coloca como um dos fundamentos da República a liberdade de iniciativa (art. 1o, IV). Estabelece ainda que a ordem econômica, fundada na livre iniciativa, tem como princípios basilares a propriedade privada e a livre concorrência (art. 170, caput e incisos II e IV). Contrapostos a estes princípios estão outros não menos importantes. A própria Constituição firma como fundamentos da República, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (art. 1o, II, III e IV). Ao estabelecer os parâmetros de uma economia de mercado, o artigo 170 coloca como marcos fundamentais a existência digna, a justiça social, a função social da propriedade, a defesa do consumidor e do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno emprego e o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte. Restringindo-nos à consideração desses princípios fundamentais para o funcionamento adequado de uma economia de mercado, deve-se dizer que se deve levar em conta o princípio da unidade contextual da Constituição e a necessidade de uma adequação pragmática de todos eles. Deve-se, em primeiro lugar, indagar sobre o grau de intervenção de um grupo de princípios sobre os outros, e, depois, sobre os meios que devem ser utilizados para efetivar essa intervenção. Em que medida os direitos fundamentais podem receber qualquer restrição dos poderes públicos? A partir de que circunstâncias será razoável limitar aqueles princípios, para aplicação de outros princípios também constitucionais, e em que medida poderá ocorrer essa limitação? O princípio da proporcionalidade, ou da razoabilidade, pode ser visto como um princípio geral do Direito, com aplicação específica ao campo do Direito Econômico, para reger adequadamente as relações entre as Empresas, que têm o direito de propriedade, e consequentemente o direito de realizar contratos, e o direito de concorrer no mercado nacional e internacional, e os deveres impostos ao Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica.131 A jurisprudência do Tribunal de Justiça se antecipou às mudanças do Tratado, provocando-as. Assim é que no caso 8/74,132 o Tribunal assim se pronunciou: Contexto econômico e jurídico: Qualquer regulamentação comercial dos Estados-membros susce vel de entravar direta ou indiretamente, concreta ou potencialmente, o comércio intracomunitário deve ser considerada como medida de efeito equivalente a restrições quantitativas. Enquanto não for ins tuído um regime comunitário que garanta aos consumidores a auten cidade da indicação de origem de um produto, os Estados-membros podem tomar medidas para prevenir práticas desleais a este respeito sob condição de que estas medidas sejam razoáveis e que não cons tuam um meio de discriminação arbitrária ou uma restrição disfarçada
no comércio entre os Estados-membros.
No caso 120/78, o Tribunal de Justiça decidiu em 20 de fevereiro de 1979: Na ausência de uma norma comum, os obstáculos à livre circulaçao intracomunitária derivados das diferenças das legislações nacionais rela vas à comercialização de um produto devem ser aceitas na medida em que tais prescrições possam reconhecer-se como necessárias para sa sfazer exigências impera vas que tenham, em especial, a eficácia dos controles fiscais, da proteção à saúde pública, da lealdade nas transações comerciais e a defesa dos consumidores.133
A Comissão Europeia, ao analisar um caso de ajuda ao setor agrícola, criticou as autoridades italianas por não terem fornecido qualquer relação de proporcionalidade entre os custos suportados pelos produtores e o financiamento que se pretendia outorgar. 134 Em outro caso, a Comissão observa que o montante da ajuda de Estado não deve ultrapassar o que é necessário para incitar a criação de empregos, recomendando que deve haver proporcionalidade entre os encargos sociais e a remuneração dos trabalhadores.135 A Comissão, ao decidir qualquer demanda, deverá levar em conta que deve aplicar o critério de proporcionalidade, cuidando para que o método proposto seja o menos restritivo razoavelmente necessário no âmbito das trocas comerciais e da concorrência para alcançar os objetivos em questão, que devem eles próprios ser legítimos.136 Em se tratando de aplicação de penalidades, deverá a Comissão ter em conta o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, como decidido no seguinte caso: Todavia, conforme ao princípio de proporcionalidade, faltas ocasionais ou individuais cujos efeitos sobre o mercado são negligenciáveis não poderiam acarretar consequências jurídicas, financeiras e comerciais importantes. Em princípio, quando uma isenção está subordinada a um determinado número de condições, estas condições devem ser proporcionadas ao problema de concorrência que se coloca. Violações menores destas condições não deveriam acarretar inevitavelmente a re rada da isenção. A Comissão considera que, no que concerne ao mecanismo de recuperação das subvenções e a obrigação de fornecer informações, convém estabelecer uma dis nção entre violação menor e violação substancial. A Comissão considera que a noção de violação tal como é u lizada no ar go 3 permi rá às autoridades e às jurisdições nacionais determinar se uma das condições constitui-se numa violação substancial.137
O Tribunal de Primeira Instância decidiu recentemente sobre a alegação de violação ao princípio de proporcionalidade: No que concerne à violação do princípio de proporcionalidade, convém observar que a requerente acusa a Comissão, em primeiro lugar, de não ter suficientemente levando em conta seu montante de negócios no mercado relevante, o que a teria levado a lhe infligir uma punição discriminatória em relação às punições impostas às empresas de terceiro nível. A este respeito, basta observar que decorre da decisão assim como da explicação dada pela Comissão em seguida a uma arguição do Tribunal que ela levou em conta, na fixação dos pontos de par da específicos para o cálculo do montante das punições, um conjunto de fatores que refle am a importância de cada empresa no setor das condutas ques onadas, entre as quais figurou o montante de negócios realizado no mercado relevante... Neste contexto, não se poderia concluir ter havido uma disproporção do montante da punição infligida à requerente, aceitando-se que o ponto de par da de sua punição foi jus ficado à luz dos critérios re dos pela comissão para a apreciação da importância de cada uma das empresas....138
O Tribunal de Justiça da Comunidade também já emanou decisões em que enfatiza proporcionalidade e razoabilidade como parâmetros para as normas de conteúdo econômico: Desde que a proibição de importação prevista pela decisão li giosa pode ser imposta rela vamente a lotes de produtos da pesca proveniente do conjunto do Japão e, em par cular, de regiões diferentes daquelas em que se encontravam os estabelecimentos visitados pela missão de experts da Comissão, o juiz de reenvio se pergunta se ela está em conformidade com o princípio de proporcionalidade. A este respeito, convém lembrar a jurisprudência da Corte segundo a qual, a fim de estabelecer se uma disposição de direito comunitário está em conformidade com o princípio de proporcionalidade, importa verificar se os meios que ela adota são aptos a realizar o objetivo visado e se eles não vão além daquilo que é necessário para atingi-lo.139
Resulta deste exame das medidas que contêm um caráter restri vo para os inves mentos intracomunitários que as medidas discriminatórias (...) serão julgadas incompa veis com os ar gos 73 B e 52 do Tratado rela vos à livre circulação de capitais e ao direito de estabelecimento, a menos que elas não estejam compreendidas no quadro de uma das exceções previstas pelo Tratado. No que concerne as medidas não discriminatórias (...) elas são admi das na medida em que se fundem sobre uma série de critérios obje vos, estáveis e tornados públicos e possam jus ficar-se por razões imperiosas de interesse geral. De qualquer forma, o princípio de proporcionalidade deverá ser respeitado.140
7. TIPOS DE FONTES NO DIREITO ECONÔMICO Como observam Antônio Carlos dos Santos, Maria Eduarda Gonçalves e Maria Manuel Leitão Marques, “a ordem jus-econômica é... eminentemente plural, sendo diversificado o elenco das suas fontes. Ao lado das tradicionais fontes formais de direito, é necessário considerar outras (“por vezes designadas fontes formais”), quer de natureza mista, quer de natureza privada”.141 A par das normas constitucionais brasileiras de conteúdo econômico, que serão objeto de uma análise detalhada em capítulo próprio, e da legislação ordinária, discutida e votada pelo Congresso Nacional, há que levar em conta as fontes internacionais. A este respeito vale recordar o disposto n o parágrafo único do artigo 4o, segundo o qual “a República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”. Deve ser lembrado ainda o disposto no § 2o do artigo 5o, segundo o qual “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Repúblical Federativa do Brasil seja parte”. Vale lembrar o Tratado de Assunção, através do qual se constituiu o MERCOSUL. Como se verá no capítulo 3, que trata da ordem econômica internacional e regional, o artigo 10 do Tratado atribui ao Conselho do Mercado Comum a competência para condução da política e para a tomada de decisões para assegurar o cumprimento dos objetivos e prazos estabelecidos par a constituição definitiva do Mercado Comum. Já o artigo 9o do Protocolo de Ouro Preto determina que “o Conselho do Mercado Comum manifestar-se-á mediante decisões, as quais serão obrigatórias para os Estados-Membros”. Devem ser enfatizadas as decisões proferidas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, que criam realidades novas, impõem comportamentos novos, disciplinam, controlam e fiscalizam o mercado. As decisões proferidas pelo CADE constituem-se em forte limitação à liberdade de contratar. Os atos que lhes são apresentados se incluem na categoria dos contratos empresariais, que, amparados em legislações próprias, têm como elemento constitutivo básico a liberdade de contratar com quem quiserem, estabelecer as cláusulas que entendam necessárias para a efetivação do negócio jurídico, mas o CADE, com base na competência que lhe é atribuída pela Constituição e pela Lei, pode limitar aquela liberdade, quando entenda que poderá acarretar danos ao mercado, à coletividade. 8. A REGULAÇÃO COMO FONTE DE DIREITO ECONÔMICO Determina o artigo 174 da Constituição Federal que “como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”. O Estado, afastado da participação direta e ativa na atividade econômica, como disposto no artigo 173 da Constituição Federal de 1988, recebeu deste mesmo diploma o encargo de normatizar e de
regular a atividade econômica. O balizamento está fixado pelo próprio Constituinte, quando afirma que tal atividade deverá fazerse na forma da lei. Esta fixará os parâmetros dentro dos quais o Estado regulador deverá atuar. É óbvio que o parâmetro maior é o da própria Constituição, na qual se fixa o princípio da reserva legal, constante do artigo 5o, inciso II, segundo o qual ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Este limite do poder normativo das agências pode ser mais detalhado através de dois princípios que decorrem do acima mencionado princípio da reserva legal. Trata-se dos princípios estabelecidos pela doutrina conhecida como “ne ultra vires procedatur”, e pela da razoabilidade. De acordo com o primeiro, o poder outorgado a uma agência reguladora para fazer normas não se estende para além da autoridade concedida pela específica lei delegante. No recurso ao poder judiciário, poderá este determinar concretamente se a normas contestadas se encontram nos limites do poder conferido. Mas não se concedeu aos entes reguladores “carta branca” para editar qualquer norma que eles queiram dentro da área de seu poder delegado. Mesmo uma norma que se atenha à matéria incluída no campo de autoridade do órgão regulador pode ser inválida se for arbitrária, ou não razoável. Não basta, para validade da norma, que ela seja coerente com a constituição e com a lei. Ela deve ser razoável. Esta razoabilidade se afere se a norma estiver “razoavelmente relacionada com as finalidades da legislação autorizativa”. Deve haver uma conexão racional entre os fatos a serem regulados e a escolha feita. Compete aos tribunais dizer se se concretizou uma relação racional entre as normas reguladoras e a constituição e a lei.142 Como afirmamos em artigo publicado como capítulo de livro sobre regulação e concorrência,143 a regulação se distingue quer da regulamentação, quer da concorrência, mas o seu contexto é o de uma economia de mercado. Daí por que LAURENT COHEN-TANUGI a conceitua como uma forma moderna de intervenção pública numa economia de mercado, que se caracteriza por uma proximidade maior com a vida econômica, por uma exigência de procedimentos contratuais e jurisdicionais e por uma lógica interativa, jurídica, mas de maneira flexível, evolutiva, pluralista e profissional.144 De um período de regulamentação da economia, passamos a outro de desregulamentação, como já assinalado, mas hoje vivemos uma outra fase, a da regulação. Esta tem por natureza atuar numa economia de mercado, justamente para preservar a concorrência sadia entre os operadores econômicos. Marie-Anne FRISON ROCHE propõe cinco definições para caracterizar as diversas facetas da regulação: Numa primeira acepção, a regulação pode ser definida como “uma técnica de intervenção de natureza política num setor que o exija, porque estão em jogo interesses da nação”, o que coloca em planos de conjunção a teoria da regulação e a teoria do serviço público. Numa segunda perspectiva, a regulação pode ser vista como o parapeito protetor (le garde-fou) do funcionamento espontâneo de um setor técnico particular. De feição estática, a regulação se evidencia como uma subcategoria do direito da concorrência. Numa terceira acepção, a regulação se define como “o meio dinâmico de fazer passar um setor de um estado a outro”. Trata-se, por exemplo, da passagem de uma estrutura monopolística para uma outra pluralista, como ocorreu no setor das telecomunicações. Numa quarta acepção “a regulação é definida como o meio dinâmico de manter os grandes
equilíbrios de um setor que não poderá nunca se aproximar tecnicamente da figura de um mercado espontâneo e duravelmente concorrencial” e deverá ser confiada a um organismo definitivamente autônomo. Numa quinta e última acepção, “a regulação pode ser definida como a arte de dar a cada um dos operadores a parte que lhe corresponda e de assegurar o equilíbrio entre todos”.145 A regulação implementada hoje pelas agências reguladoras funda-se no princípio da deferência. Entende-se que o legislador não tem condições de prever todas as situações concretas. Defere, assim, ao agente regulador a faculdade de formular decisões que conciliem a perspectiva do crescimento econômico impulsionado pela iniciativa privada com o interesse público. Maior detalhamento será dado adiante, quando se analisarem os poderes das agências reguladoras. 9. A MEDIDA PROVISÓRIA: INSTRUMENTO DE CONDUÇÃO DA POLÍTICA ECONÔMICA O mercado exige uma forma normativa adequada ao seu funcionamento, que é sempre dinâmico. Necessita sempre adaptar-se ao contexto internacional e ao mutante contexto nacional. As empresas e os consumidores, maiores interessados em que o jogo do mercado atue de forma a trazer-lhes, a ambos, ganhos de eficiência, não podem esperar pelo complexo e normalmente demorado processo legislativo de elaboração das leis ordinárias. Uma economia de mercado impõe a existência de instrumentos regulatórios mais ágeis e mais eficientes. As decisões de mercado normalmente antecedem as decisões jurídicas. A legalidade das primeiras exige um aprimoramento da gênese das segundas. Para alcançar esse objetivo, o artigo 59, inciso V, da Constituição Federal inclui no processo de elaboração de leis as medidas provisórias, que poderão ser adotadas pelo Presidente da República em caso de relevância e de urgência. Indaga-se, em primeiro lugar o significado de “relevância” e de “urgência”. Pergunta-se, depois, quem está investido da necessária autoridade para definir os significados dessas palavras, que, quando situadas num contexto jurídico-econômico, não podem receber somente do dicionário a amplitude de seu significado. São significantes condenados à eterna procura de seu significado contextual. Ninguém tem qualquer dúvida de que no domínio das políticas econômicas, há necessidade de adoção de medidas urgentes e eficazes, para o que não se presta o processo legislativo comum, normalmente moroso. A necessidade de relevância e de urgência, entretanto, não pode confundir-se com o desregramento legiferante. Deve-se perguntar se as medidas provisórias têm por finalidade reger o desenvolvimento econômico, ou têm por objetivo favorecer ou pegar de surpresa os setores econômicos interessados ou envolvidos. Deve-se ainda perguntar se, destinando-se a tratar o fenômeno econômico com a mesma lealdade que deve reinar entre os integrantes do mercado, não deveria a medida provisória ser tratada com respeito aos princípios que regem a Administração Pública como um todo, ou seja, obediente ao princípio da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. Se aceita esta posição, talvez pudessem as medidas provisórias, antes de ser editadas, ser submetidas à consulta pública, ao crivo de especialistas em questões jurídicas, econômicas, ambientais, industriais, em suma, de pessoas capazes de opinar criticamente sobre a matéria objeto
dessas medidas mais relevantes do que urgentes. Aliás, a União Europeia vem adotando com sucesso essa sistemática, através dos livros brancos, livros verdes como precursores dos regulamentos. É importante, por último, ressaltar que não se pode condenar um instrumento normativo simplesmente com fundamento em sua inadequada utilização. Se o decreto-lei foi inúmeras vezes mal utilizado, se a medida provisória foi uma enormidade de vezes não só mal elaborada, mal utilizada, e até mesmo usada para conseguir objetivos inconfessados, não se deve chegar à conclusão de eliminálos, pura e simplesmente. Pode-se pensar na possibilidade, e até mesmo necessidade de usá-los constitucionalmente, legalmente e, por fim, adequada e razoavelmente. 10. A LEI DO PLANO A Lei do Plano é contemplada no artigo 174 da Constituição Federal. O planejamento é vinculante para o setor público, mas é indicativo para o setor privado. A lei do plano concretiza em si mesma a característica da prospectividade. É necessário que o Estado saiba o que vai realizar e se vincule a essa criação. É imperioso que o setor privado saiba o que o Estado pretende implantar e criar, para que possa direcionar a própria trajetória, impregnada de liberdade, mas guiada para o interesse público. A importância dessa fonte de Direito Econômico é de tal magnitude que o tema vem merecendo tratamento em capítulo específico.
“Lex quaedam regula est et mensura actuum... Regula autem et mensura humanorum actuum est ratio: quae est principium primum actuum humanorum, ut ex praedic s patet: ra onis enim est ordinare ad finem, qui est primum principium in agendis...” ( Summa Theologica. Q. XC, Art. I). “Lex est jussus imperantis obligans subjectos, ut secundum istum jusssum actiones suas instituant. Auctor legis semper est imperan qua voce malumus u , quam cum aliis voce superioris.... Auctor legis vel Deus est vel Homo. Ille imperium exercet jure crea onis citra consensum hominis. Homo imperium vel immediate ex concessione divina nanciscitur, vel intercedente consensu alterius hominis. Hinc prima divisio legis in divinam et humanam” (Institutiones jurisprudentiae divinae. Lib. I, Cap. I, n. 28, 30, 78). Afirma Kelsen que “a norma fundamental não é uma norma do direito posi vo, isto é, de uma ordem coa va globalmente eficaz posta através da legislação ou do costume... “A norma fundamental determina tão só o fundamento de validade, não o conteúdo de validade do direito posi vo. Este fundamento de validade é completamente independente do conteúdo de validade... A norma fundamental de uma ordem jurídica posi va não é de forma alguma uma norma de jus ça. Por isso, o direito posi vo, isto é, uma ordem coa va criada pela via legisla va ou consuetudinária e globalmente eficaz, nunca pode estar em contradição com a sua norma fundamental, ao passo que esta mesma ordem pode muito bem estar em contradição com o direito natural, que se apresenta com a pretensão de ser o direito justo” (A Justiça e o direito natural. p. 169-172). O Direito: introdução e teoria geral: uma perspectiva luso-brasileira. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1984. p. 371-440. Nouvelles études sur la pensée juridique. p. 166-167. Ibid., p. 260. Segundo Léon Husson, oDireito “é obra de vontades que, pelo fato de procederem de um fundo inconsciente, não deixam de concre zar a inteligência. Ele persegue fins, mesmo que não tenha deles uma consciência clara. Sua elaboração é um ato de prudência espontâneo ou refle do, que repousa sobre conhecimentos verdadeiros ou falsos, e supõe a escolha, ins n va ou raciocinada, de determinados valores... A ciência do Direito é para o Direito espontâneo aquilo que a experiência penetrada de razão é para o empirismo... Ciência do Direito e Filosofia do Direito são solidárias. A ciência do Direito tem necessidade da filosofia do Direito para manter viva nela o sen do de sua alta missão. Pertence à filosofia do Direito ser a consciência do jurista, assim como à ciência do Direito compete ser a consciência do juiz e do legislador” (HUSSON, Léon.Nouvelles études sur la pensée juridique. p. 37-38). Interpretazione della legge e degli atti giuridici – teoria generale e dogmatica. 2. ed. Milano: Giuffrè, 1971. p. 185 e segs. Ibidem. p. 83-87. É importante essa conceituação da linguagem como o cerne do princípio. Aliás, o Apóstolo João começa o seu Evangelho afirmando que “no princípio era o verbo”. Afirma Gadamer que “a linguagem é o meio universal em que se realiza a compreensão mesma. A forma de realização da compreensão é a interpretação. Esta constatação não quer dizer que não exista o problema par cular da expressão. A diferença entre a linguagem de um texto e a de seu intérprete, ou a falha que separa o tradutor de seu original, não é de modo algum uma questão secundária. Pelo contrário, os problemas da expressão linguís ca são na realidade problemas da compreensão. Todo compreender é interpretar, e toda interpretação se desabrocha no meio de uma linguagem que pretende
deixar falar o objeto e é ao mesmo tempo a linguagem própria de seu intérprete” (Verdad y método: fundamentos de una hermenéutica filosófica. Salamanca, Sígueme, 1977. p. 467). “... when lawyers reason or dispute about legal rights and obligations, particularly in those hard cases when our problems with these concepts seem most acute, they make use of standards that do not func on as rules, but operate differently as principles, policies, and other sorts of standards” (Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1978. p. 22). Idem, ibidem. p. 22. Les forces créatrices du droit. p. 329. Ibidem. p. 336-337. Introduction à l’étude du droit. p. 172-178. AUSTIN, John. The province of jurisprudence determined and The uses of the study of jurisprudence. 1998. p. 1-33. HART, H. L. A.El concepto de derecho. 1978. p. 11-13, 33-42, 208-228. “Every law or rule (taken with the largest significa on which can be given to the term properly) is a command. Or, rather, laws or rules, properly so called, are a species of commands (ob. cit. p. 13). “En el caso de las reglas jurídicas se ha sostenido a menudo que la diferencia crucial (el elemento de “tener que” o “deber”) consiste en el hecho de que las desviaciones de ciertos pos de conducta probablemente suscitarán una reacción hos l, y, si se trata de reglas jurídicas, serán cas gadas por los funcionarios... En el caso de las reglas jurídicas esta consecuencia predecible es precisa y está oficialmente organizada...” (ob. cit. p. 12). Cf. também o Dic onnaire Encyclopédique de Théorie et de Sociologie du Droit, verbetes “Principes du Droit” e “Règle”, p. 317 e 346. A palavra sanção vem do verbo latino – sancio, is, sanxi, sanctum, sancire – que tem o sentido fundamental de estabelecer, garantir, ordenar. Só secundariamente vem o sen do de cas go, pena, através dos quais se garante o cumprimento da norma (cf. F.R. dos Santos Saraiva. Novíssimo Diccionário Latino-Portuguez. Rio de Janeiro/Paris: Garnier, 1910). L’ordre juridique. Paris: Dalloz, 1975. p. 19. O direito como sistema autopoiético. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1989. p. 247. Idem, ibidem. p. 252-253. ESTEBAN ALONSO, Jorge de. La función transformadora en las cons tuciones occidentales. In:Cons tución y economía. Madrid: Centro de Estudios de Comunicación Económica, 1977. p. 151. Gérard Farjat assume a conceituação proposta por Michel Vasseur, segundo o qual “o Direito Econômico é um direito de agrupament e de síntese, que permite aos juristas visualizar as necesdidades da economia em toda a sua amplitura e ter em conta regras que elas possam ter provocado, quaisquer que sejam as disciplinas que, sob aspectos diversos, regem a a vidade econômica (FARJAT. 1982. p. 19-20; VASSEUR. Un nouvel essor du concept contractuel, les aspects juridiques de l’économie concertée et contractuelle. Revue Trimestrielle de Droit Civil. 1964. p. 1). Droit Public Économique. 2. ed. Paris: L.G.D.J., 1997. p. 57. La nuova costituzione economica: lezioni. Roma-Bari: Laterza, 1995. p. 23. HAMILTON, Alexander et alii. O Federalista. Trad. Heitor Almeida Herrera. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1984. n. 10. BEARD, Charles A. Une relecture économique de la Constitution des États-Unis. Paris: Economica, 1988. SELIGMAN, Edwin R. A. The economic interpretation of history. 193 U.S. 197, 24 S. Ct. 436, 48 L.Ed. 679. Law in books and law in action, The American Law Review. v. XLIV, p. 12-36, January-February 1910. Ensaio sobre a filosofia do novo desenvolvimento. 1981. p. 337. Idem, ibidem. p. 338. Board of Trade of City of Chicago. v. U S, 246 U.S. 231 (1918). n. 98. Argued Dec. 18 and 19, 1917. Decided March 4, 1918. “Sous ce rapport, nous observons que l’activité du jurisconsulte (au sens le plus élevé du mot) oscille entre deux pôles distincts, que je proposerai de dénommer le DONNÉ et le CONSTRUIT. Tantôt il s’agit de constater purement et simplement ce que révèle la “nature sociale”, interprétée d’après elle-même ou suivant les inspira ons d’un idéal supérieur, pour abou r à des règles d’ac on, dont le fondement sera d’autant plus solide qu’elles con endront moins d’ar ficiel ou d’arbitraire. Et, c’est ce que j’appelle le DONNÉ, qui doit formuler la règle de droit telle qu’elle ressort de la nature des choses et, autant que possible, à l’état brut. GÉNY, F. Science et Technique en Droit Privé Positif. 1913, p. 96. “El Derecho de una sociedad viva es por necesidad un Derecho vivo. Some do a la ley de evolución, es natural que en ciertos momentos se aparte de las concepciones admi das hasta entonces para unirse, con revolución o sin ella, a nuevas concepciones fundamentales. El Derecho es un fenómeno polí co y social; los juristas no son los dueños y señores omnipotentes. Los sistemas creados por el empo se deshacen y rehacen con el empo; grupos nuevos se establecen y ocupan el lugar de los que vivieron antes. No podemos predecir el futuro del sistema francés de Derecho. Colocándonos en el terreno cien fico nos limitamos aquí a señalar su existencia en el mundo actual y a poner de relieve los elementos de su unidad” (Tratado de derecho civil comparado. p. 538). FRIEDMANN, W. Theorie générale du droit. 1965. p. 45. The path of the law. Harvard Law Review. v. X, n. 8, p. 457-478, march 1897. Teoria del desenvolvimiento económico: una investigación sobre ganancias, capital, crédito, interés y ciclo económico. 1957. p. 7475. Ensaio sobre a Filosofia do novo desenvolvimento. 1981. p. 30-31.
Dentre os princípios estabelecidos naquela Declaração, merecem referência alguns: “Primeiro Princípio: O homem tem o direito fundamental à liberdade, igualdade e condições de vida adequadas, num ambiente de tal qualidade que permita uma vida de dignidade e bem-estar, e assume a responsabilidade solene de proteger e implementar o ambiente para as gerações presentes e futuras. ...” Segundo princípio: “Os recursos naturais da terra incluindo o ar, a água, a terra, a flora, e a fauna e especialmente exemplares representa vos de ecossistemas naturais devem ser salvaguardados para o bene cio das gerações presentes e futuras através de cuidadoso planejamento ou gerenciamento, conforme adequado”. Princípio terceiro: “A capacidade da terra para produzir recursos vitais renováveis deve ser man da e, onde pra cável, restaurada e desenvolvida”. ... Princípio quinto: “Os recursos naturais não renováveis da terra devem ser empregados de tal forma a evitar o perigo de sua exaustão futura e a assegurar que os bene cios desta u lização sejam repar dos por toda a humanidade”...(Stockholm Declara on of the United Na ons conference on the Human Environment. Adopted by the U.N. Conference on the Human environment at Stockholm, 16 June 1972. in Supplement of Basic Documents to Interna onal Environmental Law and World Order: A problem-oriented coursebook, by Lakshman D. Guruswamy et alii, St. Paul, Minn. West Publishing, 1994, pp. 106-111. Stockholm Declara on of the United Na ons conference on the Human Environment. Adopted by the U.N. Conference on the Human environment at Stockholm, 16 June 1972,in Supplement of Basic Documents to Interna onal Environmental Law and World Order: A problem-oriented coursebook, by Lakshman D. Guruswamy et al.ii, St. Paul: Minn. West Publishing, 1994. p. 106-111. “... A formação dos advogados é uma formação dentro da lógica. Os processos de analogia, discriminação, e dedução são aqueles em que eles se sentem mais em casa. A linguagem da decisão judicial é principalmente a linguagem da lógica. E o método e forma lógicos exaltam esta ânsia pela certeza e pelo repouso que está em cada mente humana. Mas a certeza é geralmente ilusão, e o repouso não é o destino do homem” (The path of the law. Harvard Law Review, v. X, n. 8, p. 465-466, march 25 1897). “Devemos estar atentos para a armadilha da an guidade, e devemos lembrar que para as nossas finalidades nosso único interesse no passado é pela luz que ele projeta sobre o presente. Aguardo com interesse o tempo em que a parte desempenhada pela história na explanação do dogma deverá ser bem pequena, e em lugar de engenhosa pesquisa nós gastaremos nossa energia num estudo das finalidades que se procurará alcançar e das razões para almejá-las. Como um passo para este ideal parece-me que todo advogado deveria procurar conhecer economia. O presente divórcio entre as escolas de economia polí ca e de direito parece-me uma prova de quanto progresso há ainda por ser feito no estudo filosófico” (The path of the law. Harvard Law Review, v. X, n. 8, march 25, 1897, p. 474). Cf. também: ANTHONY J. SEBOK, SYMPOSIUM: The path of the law 100 years later: Holmes’s influrnece o modern jurisprudence. Brooklyn Law Review, v. 68, n. 1, 1997, p. 1-5. “A lawyer who has not studied economics... is very apt to become a public enemy” (BRANDEIS, Louis. The Living Law. 10 Illinois Law Review, 1915-1916, p. 461). “Many lawyers s ll think that economics is the study of infla on, unemployment, business cycles, and other mysterious macroeconomic phenomena remote from the day-to-day concerns of the legal system. Actually the domain of economics is much broader. As conceived in this book, economics is the science of ra onal choice in a world – our world – in which resources are limited in relation to human wants” (Economic analysis of law. 1998. p. 3). MORGAN, Thomas D. Cases and materials on Modern Antitrust Law and its origins. 2001. p. 8. Idem, ibidem. p. 17-18. Idem, ibidem. p. 18. Cf. VINCENT-JONES, Peter. Contractual governance: institutional and organizational analysis. Oxford: Journal of Legal Studies, v. 20, n. 3, p. 317-351, 2000. PERROUX, F. Ob. cit. p. 207. Théorie générale du droit. 1965. p. 45. DAVID, René. Tratado de derecho civil comparado. 1953. p. 538. The rise and fall of freedom of contract. Oxford: Clarendon Press, 1988. p. 649. WILLIAM JAMES.Pragmatismo (1925): “He turns away from abstrac on and insufficiency, from verbal solu ons, from bad a priori reasons, from fixed principles, colsed systems, and pretended absolutes and origins. He turns towards ac on and towards power. That means the empiricist temper regnant and the ra onalist temper sincerely given up. It means the open air and possibili es of nature, as against dogma, ar ficiality, and the pretence of finality in truth” (Pragmatism: a new name for some old ways of thinking. London: Longmans, 1940. p. 51). “It is a method only” (ibidem. p. 51). “The point I now urge you to observe par cularly is the part played by the older truths. Failure to take account of it is the source of much of the unjust cri cism levelled against pragma sm. Their influence is absolutely controlling. Loyalty to them is the first principle – in most cases it is the only principle…” (ibidem. p. 61). A ideia de “práxis” vem desde Platão e Aristóteles, significando o “ato de fazer”, como oposição à “teoria”. A concepção clássica e cristã recepcionou este conceito. Mas foi com Marx que sua formulação ganhou mais atualidade. Afirma ele que “toda vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que conduzem ao mis cismo encontram sua solução racional na práxis humana e na compreensão dessa práxis... “Os filósofos só interpretam o mundo de diferentes maneiras: do que se trata é de transformá-lo” (Teses sobre Feuerbach. In: A Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 96-97). An go art. 3 B. O art. 5 corresponde à versão consolidada do Tratado, tal como modificado pelo Tratado de Amsterdam, que entrou em vigor em 1º de maio de 1999 – Cf. LAMY DROIT ECONOMIQUE – CODE – Concurrence, Distribu on, Consomma on. O Tratado d Lisboa, de 2009, mantém a numeração.
Observam P. J. G. Kapteyn & P. VerLoren van Themaat que “o princípio de proporcionalidade, ou razoabilidade, vem sendo desenvolvido como um princípio geral de direito na jurisprudência do Tribunal de Jus ça, e como tal vem sendo aplicado em medida crescente pelo Tribunal...” (Introduction to the Law of the European Communities. 1998. p. 144-148). Cour de Jus ce des Communautés Europeennes. Arrêt de la Cour Affaire 8-74 du 11 juillet 1974. Procureur du Roi contre Benoît et Gustave Dassonville (demande de décision préjudicielle, formée par le tribunal de première instance de Bruxelles). LAMY – Juridisque Concurrence. Caso Rewe-Zentral, AG, v. Bundesmonopolverwaltung für Branntwein – Caso Cassis de Dijon. Decisão da Comissão, de 10 de novembro de 1999, n. 2000/286/CE [notificada sob o n. C(1999)3866]. Decisão da Comissão, de 11 de maio de 1999, n. 2000/128/CE [notificada sob o número C(1999) 1364]. Decisão da Comissão, de 8 de julho de 1999, n. 1999/797/CE [notificada sob o número C(1999) 1551/7]. Decisão da Comissão, de 15 de setembro de 1999, n. 1999/781/CE [no ficada sob o n. C(1999) 2935]. Cf. também a Decisão da Comissão, de 3 de fevereiro de 1999, n. 1999/690/CE [notificada sob o n. C(1999) 327]. Caso T-23/99, de 20 de março de 2002, LR AF 1998 A/S contra Comissão. Cf. também o Caso T-198/01, de 4 de abril de 2002, Technische Glaswerke Ilmenau GmbH contra Comissão, e Caso T-195/01 e T-207/01, de 30 de abril de 2002, Government of Gibraltar contra Comissão e Caso T-28/99, de 20 de março de 2002, Sigma Tecnologie di rivestimento Srl contra Comissão. Caso C-183/95, de 17 de julho de 1997, Affish BV contra Rijksdienst voor de keuring van Vee em Vlees; Cf. também Caso C-24/95, de 20 de março de 1997, Land Rheinland-Pfalz contra Alcan Deustschland GmbH. Caso C-483/99, de 4 de junho de 2002, Comissão contra República francesa. Cf. também Caso C-430/99 e C-431/99, de 13 de junho de 2002, Inspecteur van de Belas ngdienst Douane, district Ro erdam contra Sea-Land Service Inc. et Nedlloyd Lijnen BV; Caso C503/99, de 4 de junho de 2002, Comission des Communautés européennes contre Royaume de Belgique; Caso C-367/98, de 4 de junho de 2002, Commission des Communautés européennes contre République portugaise; Caso C-53/00, de 22 de novembro de 2001, Ferring AS contra Agence centrale ds organismes de sécurité sociale (ACOSS). Direito económico. Coimbra: Almedina, 2001. p. 21. SCHWARTZ, Bernard, Administrative law. 3. ed. Boston: Little Brown, 1991. p. 171-173, § 4.4. Cf. também CRAIG, P. P., Administrative law. 1999. p. 3-44. Concorrência e regulação no sistema financeiro. São Paulo: Max Limonad, 2002. p. 211-231. L’emergence de la no on de régula on, Revue de la Concurrence et de la Consomma on: droits et marchés. Documenta on Française, n. 103, p. 41, mai-juin 1998. FRISON-ROCHE, Marie-Anne. Les différentes définitions de la régulation, Revue de la Concurrence et de la Consommation: droits et marchés. Paris: Documentation Française, n. 103, p. 42-43, mai-juin 1998.
3 ORDEM JURÍDICO-ECONÔMICA 1. CONCEITO DE ORDEM A indagação agora proposta envolve o entendimento de vários conceitos incluídos na complexidade de ordem, de direito e de economia. O conceito de ordem traz-nos à mente ideias de instituição, de organização, e, por isso, mesmo de uma seleção direcionada dos elementos que integram um conjunto. Essa seleção se faz, é óbvio, com um objetivo, com uma finalidade. Toda organização tem um direcionamento para uma meta, um encaminhamento de elementos para um futuro.146 Daí dever-se entender ordem como uma organização que envolve dois movimentos. Há um de colocar junto elementos compatíveis, entre si coerentes, elementos que se interimplicam no modo da significação. Esse colocar junto é um movimento estático, em que se visualizam os elementos que integram o conjunto numa perspectiva de compatibilidade, de não rejeição. E existe um outro movimento, tão importante quanto o anterior, mas que muitas vezes é obscurecido por ele. Quando se fala em ordem, dentro de uma perspectiva sempre dualista de fixação dos significados, se pensa numa oposição semântica a desordem, e se corre o risco de aceitar o conceito de ordem, como um conceito meramente estático. É preciso ter sempre em mente que o conceito estático se complementa, se integra e atinge sua plena significação com a perspectiva dinâmica. Dentro desse quadro, ordem significa um conjunto de elementos compatíveis entre si e, para além dessa coerência, voltados para o futuro, direcionados a uma teleologia. 1.1. Conceito de ordem em KANT Para KANT a história é a cultura em progresso, em caminhada contínua. Não se trata, contudo, de uma trajetória plana e sem sobressaltos. Elemento fundamental nesse percurso é o antagonismo. Na quarta tese de seus Ensaios sobre a História,147 afirma o papel transcendental desempenhado pelo antagonismo, que é o meio de que se serve a natureza para produzir o desenvolvimento de todas as suas disposições, e que é a causa de um ordenamento regular. Para ele “o fim do direito não é a justiça, mas a manutenção da paz. A paz não é somente uma parte, mas todo o fim último da teoria do direito dentro dos limites da pura razão. A paz, com efeito, assegura a regra certa e permanente das ações humanas, de modo que o homem possa realizar as suas exigências de autonomia dirigida ao seu ser individual”.148 Ora, esta manutenção da paz se consegue através da implantação de uma ordem, cujo conceito deverá servir de norte para a correta colocação do problema do enquadramento de ordem jurídica e econômica. A oposição significativa entre o “chaos” e o “kosmos”, no sentido helênico da expressão, põe em evidência esse contraste e os elementos que integram o conceito de ORDEM. 1.2. Ordem política e econômica: Max Weber Ao conceituar “ordem jurídica” e “ordem econômica”, contrapõe MAX WEBER dois planos, o que deve ocorrer e o que de fato ocorre. Para ele “a tarefa da ciência jurídica (de um modo mais
preciso, a jurídico-dogmática) consiste em investigar o reto sentido dos preceitos cujo conteúdo se apresenta como uma ordem determinante da conduta de um círculo de homens, delimitado de algum modo; isto é, em investigar as situações de fato subsumidas nestes preceitos e o modo de sua subsunção. Procede de tal modo nessa tarefa que, partindo de sua indiscutível validez empírica trata de determinar o sentido lógico dos preceitos singulares de todas as classes, para ordená-los num sistema lógico sem contradição”. A este sistema dá o nome de “ordem jurídica”. Contrariamente a essa perspectiva, “a ciência econômico-social considera aquelas ações humanas que estão condicionadas pela necessidade de orientar-se na realidade econômica, em suas conexões efetivas. Chamamos “ordem econômica” à distribuição do poder de disposição efetivo sobre bens e serviços econômicos que se produz consensualmente – consensus –, segundo o modo de equilíbrio dos interesses, e à maneira como esses bens e serviços se empregam segundo o sentido desse poder fático de disposição que repousa sobre o consenso”.149 A conjunção desses dois sistemas se faz pela interferência de “um sistema fechado de pensamentos e de crenças que explicam a atitude do homem perante a vida e sua existência na sociedade, e que propugnam uma determinada forma de conduta e ação que corresponde a tais pensamentos e crenças, e que contribui para realizá-los”, para concretizá-los. A esse sistema que procura amalgamar aqueles dois outros, o jurídico e o econômico, se dá o nome de ideologia. Tais elementos, se perfeitamente analisados, explicam a evolução do pensamento constitucional brasileiro, no que pertine à conjunção da ordem jurídica com a ordem econômica, tendo sempre em vista a perspectiva estática e dinâmica. Assim é que se pode estudar dentro de cada texto constitucional brasileiro a forma pela qual se interimplicam a ordem jurídica e a ordem econômica, teleologicamente direcionadas à concretização da ideologia dominante num determinado período da história. E a indagação que fica, após essas considerações, diz respeito à análise que pode ser feita dos modos e das formas pelos quais esses elementos se fundem, se buscam e se repelem no decorrer da história. Haverá, assim, uma análise que realçará os aspectos sincrônicos, e uma outra que buscará acentuar os envolvimentos e os progressos diacrônicos que explicam os fenômenos da ordem jurídica e da ordem econômica. 2. KOSMOS E TÁXIS Desde o nascimento do pensamento grego, preocuparam-se os filósofos com a indagação da origem do universo e da ordem imperante. Já Anaximandro perquiriu a respeito do “ápeiron”, o indefinido, a substância primária de que tudo se originou. Correlatamente com esse conceito básico, surgem outros dois: o de kosmos e o de táxis; o primeiro a representar a ordem encontrada, a ordem imanente ao universo, o segundo a indicar a ordem feita, a ordem criada. A este conceito de táxis agrega Aristóteles o conceito de nomos, que é justamente a criação de uma ordem.150 Existe uma ordem interna ao universo, assim como se pode detectar uma ordem interior à sociedade, decorrente de uma situação de equilíbrio que surge e se forma ao longo do tempo, sem qualquer atuação conscientemente querida pelo homem. Não significa que essa ordem seja estática. Será dinâmica, a acompanhar a evolução natural da própria sociedade.151 A descoberta dessa ordem é feita pela teoria social, que procura justamente apreender essa estrutura ordenada e equilibrada, que é produto da vivência de uma coletividade e que não se pode
dizer seja o resultado de uma intenção humana. Mas existe também uma ordem criada de fora, uma ordem feita. Como observa HAYEK, essa ordem é relativamente simples, pois não participa da complexidade intrínseca do kosmos, limitandose aos dados estruturais que o seu criador consegue captar; é uma ordem concreta, diferentemente da ordem espontânea (ou kosmos), necessariamente abstrata e apreensível com dificuldade pelo intelecto; e é uma ordem querida e criada em consonância com os propósitos do seu idealizador. Mas, para que esta ordem criada possa subsistir, será necessário que seu idealizador consiga adequá-la e colocá-la em sintonia com os direcionamentos imanentes à ordem espontânea. As normas serão o instrumento de que se valerá o idealizador da ordem querida para criá-la.152 3. ORDEM E LINGUAGEM O estudo de uma ordem jurídica leva necessariamente à visão do Direito como fenômeno cultural e mais especificamente como fenômeno de linguagem. O Direito nos aparece como palavra ao mesmo tempo racional e eficaz. A racionalidade reflete a coerência da realidade que o Direito transmite e à qual se vincula, a eficácia se liga ao aspecto de criação, pois que o Direito é essencialmente performativo.153 A linguagem opera a fundamental transformação do registro estritamente verificativo para o operativo e normativo. Da informação que um transeunte transmite ao motorista estacionado em lugar proibido (Meu amigo, é proibido estacionar aqui), de valor meramente descritivo, a linguagem inserida num discurso prescritivo opera a transformação em norma (O guarda de trânsito diz: “Meu amigo, é proibido estacionar aqui). Assinala Thomas Yan-Patrick que esta transformação discursiva já é encontrável no Direito Romano. Segundo observa, a fórmula não é uma expressão acrescentada, mas um produto das situações vinculativas.154 Esta inter-relação entre direito e linguagem se esclarece e se vivifica a partir do estudo do domínio mais amplo da comunicação, que é fenômeno essencial de cultura, que não existe sem aquele instrumental. Através da comunicação o emissor de uma mensagem escolhe no mundo de sua vivência as significações que interessam à mensagem que quer transmitir ao receptor. Os elementos dessa mensagem apresentam coerências quer sob o aspecto material quer sob o formal. O centro deste encontro é a palavra, que se pode definir como um encontro histórico. Da palavra se passa ao contexto, que funciona precisamente como a sistematização das compatibilidades e a exclusão das incompatibilidades no plano do discurso. Essas compatibilidades geram as isotopias do discurso. A isotopia constitui o quadro de organização e de compatibilização dos elementos integrantes do discurso.155 O entendimento do direito como ordem e como sistema surge desse pressuposto do direito como linguagem. O direito pode e deve ser entendido como uma comunicação de uma mensagem prescritiva. Para que essa mensagem possa ser captada e tornada eficaz, é necessário que os elementos comunicativos estejam em posição de coerência significativa, é necessário que haja um código normativo a operar como a isotopia significativa e prescritiva. Este código normativo, assentado num código moral, a partir do momento em que adquire as qualidades de estabilidade e de fixidez, passa a apresentar-se como ordem ou como sistema.156 O conceito de ordem se prende à correlação e correspondência hierárquica existente dentro do
conjunto das normas, ligando as normas particulares a uma norma fundamental. O sistema se revela a partir do exame da correlação entre o conjunto normativo e o vivido. Haverá sistema se se verificar a coerência orgânica e funcional entre os elementos desses dois conjuntos. O direito, como sistema de normas impostas, é reflexo de uma visão do mundo, de uma razão imanente à organização social.157 Não se pode esquecer, nessa visualização do direito como linguagem, um aspecto de elevado significado para o mais abrangente entendimento do fenômeno jurídico. É o fato de linguagem e mito serem parentes bem próximos. E o direito, enquanto linguagem, tem muito a ver com o mito. Através deste, o ser humano fundamentou sua crença de que poderia criar o mundo. O direito é também a criação de uma realidade, criação que se renova a cada manifestação nova do fenômeno jurídico.158 O estudo que se vai fazer a respeito da ordem e do sistema jurídicos adotados no Brasil, no que tange à Constituição Econômica, não pode desprender-se desses pressupostos de caráter linguístico de formação do direito. 4. A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA A Constituição Econômica se corporifica precisamente no modo pelo qual o direito pretende relacionar-se com a economia, a forma pela qual o jurídico entra em interação com o econômico. Como já salientado no primeiro capítulo, constituição política e constituição econômica se interimplicam e se integram. As constituições brasileiras, de 1934 em diante, são pródigas em enumerar princípios jurídicos dirigentes da atividade econômica do Estado, da atividade econômica privada e de suas interrelações. Já a constituição do Império e a primeira constituição republicana são sóbrias quanto a normas concernentes à economia. A pergunta que então se faz é se, no período anterior a 1934, não teria existido uma Constituição econômica, fenômeno que somente teria surgido posteriormente àquela data. A indagação vai mais fundo, ao problema da relação entre Direito e Economia. Indaga-se a respeito da função do Estado que se utiliza de normas para conduzir todo o sistema social, aqui incluídos os subsistemas da economia, do direito, da política, principalmente. O conceito de Constituição Econômica vem dar resposta a estas indagações. O conceito jurídico de Constituição Econômica pretende ver como pode o Direito conduzir o fenômeno econômico. Este deve ser considerado em sua substância, para que se consiga uma adequação entre a norma e o fato. Daí salientar VITAL MOREIRA a oposição significativa entre uma concepção substancial e outra meramente normativa. Aquela parte de uma apreensão perfeita do fato econômico e de sua subsunção à norma que o pretenda conduzir.159 Deverá, portanto, para que possa surgir a norma jurídica direcionadora do fenômeno econômico, haver a prévia consideração da realidade econômica, apreendendo-se a sua natureza essencialmente móvel e mutável. É preciso que o legislador compreenda que o fato econômico não se deixa compreender nem dominar por completo pela norma jurídica, e que esta, se quiser relacionar-se adequadamente com aquele, deve aceitar essa sua essencialidade e a ela se adequar. É importante, para que se possa inquirir sobre a essencialidade do fenômeno econômico, tentar colocá-lo dentro do quadro do sistema e do regime econômicos. A perfeita conceituação dessa distinção muito ajudará no entendimento da Constituição Econômica e, mais adiante, do conceito de
Ordem Econômica. O sistema econômico deve ser visto como o “conjunto coerente de estruturas econômicas, institucionais, jurídicas, sociais e mentais organizadas em vista de assegurar a realização de um certo número de objetivos econômicos (equilíbrio, crescimento, repartição, etc.). O sistema econômico caracteriza, no plano teórico ou ideal, o espírito, a forma e a técnica da atividade econômica de uma Nação. Há um grande número de classificação dos sistemas”.160 Como assinala AVELÃS NUNES, “ os sistemas distinguem-se uns dos outros pela afirmação de determinadas forças produtivas e determinadas formas de organização material da produção, a base econômica (estrutura econômica ou infraestrutura) no seio da qual se desenvolvem determinadas relações sociais de produção e a partir da qual se erguem e instalam determinadas estruturas políticas, jurídicas, culturais, ideológicas (superestrutura).161 Já o conceito de regime econômico decorre da “organização econômica de um país, que pode se caracterizar como um conjunto mais ou menos coerente de estruturas. O regime constitui uma aplicação concreta do sistema que é uma organização-tipo ou um ideal-tipo. Cada sistema econômico pode dar lugar a um grande número de regimes. O sistema capitalista conheceu diversos regimes no espaço e no tempo: o capitalismo comercial, o capitalismo industrial, o capitalismo financeiro, o capitalismo de pequenas unidades, o capitalismo liberal, o capitalismo dirigista, o neocapitalismo, o capitalismo dualista nos países subdesenvolvidos. O sistema socialista abrange também diversas formas de regime: o socialismo autogestionário, o socialismo de mercado, o socialismo de Estado, o capitalismo de Estado, o socialismo chinês, o socialismo dualista dos países subdesenvolvidos, etc.”.162 BERNARD CHENOT afirma que “quer seja ela escrita ou costumeira, quer deixe o campo aberto às iniciativas individuais ou as dirija, uma constituição econômica existe em todo Estado: a análise das instituições mostra quais relações são estabelecidas entre ela e o regime político ou a estrutura social e qual é a parte destinada respectivamente à coletividade pública, os grupos, os indivíduos”.163 Historicamente, é a partir da Primeira Guerra Mundial que o conceito de Constituição Econômica toma impulso,164 que será ainda mais desenvolvido e concretizado a partir da crise do capitalismo em 1929, e mais ainda depois da Segunda Grande Guerra. Se a Revolução Francesa e a Independência Norte-americana trouxeram em seu bojo os fundamentos filosóficos da constitucionalismo do século XIX, com a ideologia dos direitos do homem e do cidadão, como forma de defesa contra o absolutismo monárquico vigorante até então, as duas Grandes Guerras e a crise do capitalismo no século XX trouxeram a ideia da Constituição Econômica, em que se pretende regular as relações econômicas.165 Define VITAL MOREIRA a Constituição econômica como “o conjunto de preceitos e instituições jurídicas que, garantindo os elementos definidores de um determinado sistema econômico, instituem uma determinada forma de organização e funcionamento da economia e constituem, por isso mesmo, uma determinada ordem econômica; ou, de outro modo, aquelas normas ou instituições jurídicas que, dentro de um determinado sistema e forma econômicos, que garantem e (ou) instauram, realizam uma determinada ordem econômica concreta”.166 Desta definição se podem extrair todos os elementos que levam a conceituar o papel do Estado na edição de normas destinadas a reger o fenômeno econômico, bem como, especificamente, a sua
função de ordenador dos mecanismos de mercado. A Constituição Econômica opera a conversão do regime econômico em ordem jurídicoeconômica. Tem esta por finalidade estabelecer os princípios e regras, informadores das normas que regerão as relações econômicas. E a regência dessas relações se dá sob dois prismas: a ordem jurídico-econômica aceita e acolhe o regime econômico existente, adotando-o como base de toda a organização que a norma implanta; a ordem jurídico-econômica procura criar um novo regime econômico. Daí o grande número de normas programáticas existentes nas constituições modernas, que têm por finalidade justamente reformular, dar outra forma, à ordem já adotada anteriormente.167 É importante, contudo, assinalar que existem limites à criatividade da constituição econômica diretiva, quer decorrentes do contexto da constituição política, quer ainda provenientes da constituição econômica estatutária. A constituição econômica tem seu quadro contextual no todo da constituição política, cujos princípios devem traçar os parâmetros para aquela. Não pode haver conflito entre os princípios estabelecidos pela constituição econômica e os adotados pela constituição política. A respeito dessa necessidade contextual, faz MANUEL AFONSO VAZ severo reparo às posições assumidas por Gomes Canotilho e por Vital Moreira. A respeito da imperiosidade dessa adequação contextual, assim se expressa ele: A Constituição econômica é, pois, uma parte da Constituição Política e o seu objeto não se confunde com a ordenação total, global e acabada da sociedade. A Cons tuição econômica não se pode separar da Democracia nem das exigências de um Estado de Direito. A Cons tuição econômica é, no entanto, um conceito central em qualquer estudo de direito econômico, que não, propriamente, da Constituição. Concluindo, diremos que não é a expressão Cons tuição econômica que, de per si, se torna sujeita a certos reparos, mas sim o enfoque ideológico que se lhe queira referir. De resto, a expressão, em si mesma, fornece-nos até um quadro terminológico simples para significar os princípios jurídicos fundamentais da organização econômica de determinada comunidade política.168
4.1. Normas programáticas Como assinalado acima, as Constituições modernas apresentam-se com grande número de normas programáticas. O direcionamento de mudança de rumos entre o liberalismo e o socialismo vem passando por diversas etapas intermediárias, em que se acentua a profunda transformação do Direito e dos papéis ou funções a serem desempenhados pelo Estado. Ao lado das normas de organização ou estruturais, e que se caracterizam por serem predominantemente de fixação de direitos, surgem as normas que têm acentuado caráter dinâmico. Pode-se dizer que as primeiras são a cristalização do direito aperfeiçoado até aquele momento, são a consumação de um movimento de aquisição e fixação de um estatuto jurídico, e por isso mesmo salienta-se nelas o caráter estático de um conjunto normativo que confere ao Estado a sua estrutura definitiva e ao cidadão o ponto de apoio para defesa de seus direitos. Já as segundas estão direcionadas para o futuro, são normas que pretendem criar um novo quadro jurídico para o cidadão, que já não é mais um simples “civis” mas é sobretudo um “civis-laborator”.169 Este tipo de normas entrou para o corpo constitucional como uma forma de pacto ou de compromisso entre as forças liberais e as imposições e reivindicações de origem social. Como se verá adiante, a partir da Constituição de 1934 as normas programáticas passaram a ter fundamental importância em todos os textos constitucionais. Através delas, o legislador maior traça rumos a serem seguidos e metas a serem alcançadas, fixando princípios básicos que nortearão a iniciativa do
legislador ordinário e exigirão do administrador e do juiz o seu acatamento e aplicação nos atos de concretização das normas, lembrando-se sempre de que a finalidade intrínseca das normas programáticas é a de criar uma nova realidade política, econômica e social.170 É preciso lembrar que as normas programáticas não se reduzem a traçar um programa de ação, mas têm força jurídica vinculante imediata. Não podem servir de desculpa para o administrador ou para o juiz para deixar de cumprir as imposições contidas na Constituição. O texto constitucional de 1988, no § 1o do artigo 5o, tem dispositivo importante a esse respeito: “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Tais normas são justamente aquelas contidas em todo o Título II – dos direitos e garantias fundamentais – aí incluídos os direitos e deveres individuais e coletivos, bem como os direitos sociais elencados do artigo 6o até o artigo 11. Entender que o caráter programático da norma imporia, para sua eficácia, a exigência inarredável da lei concretizadora seria deixar nas mãos do Congresso o poder de revogar, por omissão, a constituição. Mais confirma o entendimento dessa eficácia imediata da norma programática a instituição do mandado de injunção.171 5. ORDEM JURÍDICO-ECONÔMICA BRASILEIRA 5.1. Conceitos complementares de ordem O estudo de um ordenamento jurídico deve partir da conceituação de ordem jurídica. Esta indagação é de suma importância, porque o enfoque adotado terá profunda influência sobre as consequências que serão extraídas. Pode-se visualizar a ordem jurídica sob dois aspectos, o formal e o material ou substancial. Formalmente, a ordem jurídica será vista exclusivamente sob o prisma da correlação entre as normas, com a preocupação de ver se a norma tem validade. Este aspecto foi o que KELSEN enfatizou. Para ele “uma ‘ordem’ é um sistema de normas cuja unidade é constituída pelo fato de todas elas terem o mesmo fundamento de validade. E o fundamento de validade de uma ordem normativa é – como veremos – uma norma fundamental da qual se retira a validade de todas as normas pertencentes a essa ordem. Uma norma singular é uma norma jurídica enquanto pertence a uma determinada ordem jurídica, e pertence a uma determinada ordem jurídica quando a sua validade se funda na norma fundamental dessa ordem”.172 A preocupação de KELSEN é com o aspecto do encadeamento meramente lógico-formal, que dará ao sistema coerência173 e, em decorrência, validade a cada norma que pertence ao sistema. A norma estará pertencendo à ordem jurídica se estiver em consonância formal com a norma fundamental, independentemente da consideração do conteúdo. Corrente diversa é trilhada por SANTI ROMANO, para quem “o direito, antes de ser norma, antes de se relacionar com uma ou várias ordens sociais, é organização, estrutura, atitude da mesma sociedade na qual ele está em vigor e que por ele se erigem em unidade, em um ser existente por si mesmo. O conceito necessário e suficiente a nossos olhos para traduzir em termos exatos o de direito enquanto ordem jurídica tomada em seu conjunto e em sua unidade é o conceito de instituição. Toda ordem jurídica é uma instituição e, inversamente, toda instituição é uma ordem jurídica: há, entre estes dois conceitos, uma equação necessária e absoluta”.174 Estas duas vertentes do conceito de ordem jurídica não são conflitantes, são antes
complementares. Importa ver a coerência formal entre as normas, para que se assegure a própria essência do sistema; mas é também fundamental atentar para o aspecto semântico do conteúdo da ordem jurídica, ou seja, para a coerência material existente entre as normas e a sociedade de que promanam e que pretendem reger. 5.2. Aspectos sincrônico e diacrônico Os sistemas jurídicos que integram cada ordem podem ainda ser estudados sob o prisma sincrônico ou diacrônico. Estes dois aspectos passaram a ser visualizados no Direito a partir dos estudos da linguagem como fenômeno de comunicação social. A partir de Ferdinand de Saussure os estudos de linguagem passaram a enfatizar essa oposição.175 Os estudos jurídicos passaram a se preocupar com essas vertentes da indagação científica, pois que a língua do Direito tem necessidade do léxico, da sintaxe, da semântica, da estilística, enfim de toda a estrutura da língua em cujo contexto ela se insere.176 A ordem jurídica não se concretiza sempre da mesma forma através dos tempos. De acordo com a sua integração no contexto de uma instituição que se conforma com as peculiaridades da sociedade em que se extratifica, tem ela características absolutamente próprias, que devem ser distinguidas pelo intérprete. Um sistema de normas jurídicas é sempre o reflexo de uma determinada visão do mundo, de uma determinada ideologia, justamente porque, a cada momento, é possível distinguir num sistema uma razão jurídica que lhe é peculiar. 177 Daí poder-se fazer de toda ordem jurídica duas abordagens distintas, mas essencialmente complementares, portadoras sempre do significado, de que a historicidade é intérprete e explicativa. O estudo sincrônico é sempre complementar da abordagem diacrônica. Estas duas abordagens, reveladoras da razão jurídica prevalecente a cada momento histórico, levam à verificação de que a sucessão dos sistemas jurídicos se traduz num discurso. A identificação e a perquirição da razão jurídica informadora de cada sistema jurídico farão com que este se nos manifeste como discurso, ou seja, como o lugar em que se manifesta, através de um suporte linguístico, um universo impregnado de sentido.178 O estudo do sistema jurídico num determinado momento e o da sucessão das razões jurídicas prevalecentes, ou seja, o estudo sob as perspectivas sincrônica e diacrônica terá como finalidade fornecer uma visão de conjunto, uma abordagem que revela um corte na linha do tempo e uma outra que revela uma sequência da linha do tempo, tendo estes direcionamentos de inquirição a finalidade de oferecer o sentido completo.179 Assim, o estudo da ordem jurídica brasileira, sob o enfoque do ordenamento da economia, sob esta dupla abordagem, terá como finalidade descobrir a verdadeira razão jurídica que informou cada momento histórico da revelação discursiva através de um texto constitucional. 5.3. A Constituição de 1824 A Constituição Imperial de 1824 surgiu dentro de um contexto preparado pela filosofia política que implantou a ideia do valor do homem decorrente da sua inserção na natureza. Os direitos do homem emanavam dessa sua participação na natureza. Pode-se assinalar um conjunto de fontes para o pensamento que veio impregnar o constitucionalismo do século XIX, influenciando também as duas primeiras constituições brasileiras. Há as fontes políticas que podem sintetizar-se quer na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, votada em 27 de agosto de 1789 pela Assembleia Constituinte e incorporada como preâmbulo à Constituição francesa de 1791, quer na Declaração de Direitos de Virgínia, de 16 de
junho de 1776. E há as fontes filosóficas, que podem sintetizar-se no pensamento judeu-cristão, na doutrina dos direitos naturais e na filosofia das Luzes. Há dois pontos comuns a todas estas fontes: exaltam o valor da pessoa humana como portadora de direitos que lhe foram conferidos pela própria natureza e acentuam a concepção de um poder político limitado. A lei, como atuação do Estado, deve garantir a liberdade da pessoa humana e deve limitar a atuação do próprio Estado, de tal sorte a garantir o desenvolvimento natural do homem em todas as suas atividades. Donde os três grandes princípios solenemente proclamados em todas as declarações revolucionárias: o princípio da liberdade, o princípio da legalidade e o princípio da igualdade.180 O liberalismo é o movimento que tomou como objetivo defender a liberdade, quer no plano político quer no econômico, transformando um movimento de ideias em ideologia. Essa defesa se processou no plano formal, independentemente da consideração da situação real que envolve os indivíduos. Do ponto de vista econômico, a doutrina que veio enfatizar essa corrente do pensamento foi a de ADAM SMITH. Para ele, o equilíbrio econômico sobreviria “numa sociedade onde se permitisse que as coisas seguissem o seu curso natural, onde houvesse liberdade perfeita e onde cada homem fosse totalmente livre de escolher a ocupação que quisesse e de a mudar sempre que lhe aprouvesse”.181 Ao consultar o Diário da Assembleia Constituinte de 1824, deparamos com um reflexo desse pensamento econômico na manifestação de um dos constituintes, CARNEIRO DE CAMPOS: Não posso deixar de me opor a um Projeto, que é contrário aos mais luminosos princípios de Economia Polí ca... A direção da indústria de um País não é um objeto arbitrário; ela é in mamente conexa com a qualidade e extensão do terreno, a que há de ser aplicada, com a posição e estado de adiantamento, em que se acha a Nação, e outras mais circunstâncias, que é escusado par cularizar. O interesse individual melhor que ninguém dirige os trabalhos produ vos para o emprego mais vantajoso, Leis invariáveis regulam proveitosamente a produção e conservação da riqueza, e promovem a sua marcha progressiva. Se se inverte a ordem natural dos trabalhos, dando-se-lhe um impulso forçado, rompe-se infalivelmente o equilíbrio das úteis relações, que entre eles deve subsis r, para que mutuamente se auxiliem, e não se tornem danosos, uns aos outros. Nesta parte nenhuma ingerência deve ter o Governo; a sua proteção deve limitar-se somente a remover os embaraços, que possam entorpecer a marcha regular dos princípios elementares da riqueza; deve olhar para a indústria debaixo de um ponto de vista geral, sem parcialidades, que desorganizarão a harmonia do todo. (...) Estes são os princípios mais sólidos e os mais luminosos de uma boa Economia Polí ca; esta jamais capitulará de boa administração aquela, que deixando de proteger um ramo de riqueza certa, que não tem tocado a sua perfeição, vai sofregamente fomentar e estabelecer outro, com manifesto risco de malograr-se a nova empresa, de arruinar o que já possuía. Se se confessa que nós somos uma Nação agrícola, claro está que para a Agricultura é que devemos dirigir todas as nossas meditações, como para objeto do nosso principal interesse. Ela não exige de nós favores; o nosso terreno é superiormente dotado de fer lidade, e as suas produções são as mais preciosas; mas reclama, o que incumbe ao Governo, a remoção dos grandes embaraços, que empecem o seu progresso e perfeição. Tratemos disto, quanto antes, e deixemos o mais ao interesse individual, que em geral caminha com passos certos e seguros. Firmemos sobre bases inabaláveis a segurança da propriedade... Feito isto, não receemos, tudo o mais virá naturalmente.182
O Projeto de Constituição, lido na sessão do dia 1o de setembro de 1823, seguindo essa linha ideológica, declarava: “Art. 7o A Constituição garante a todos os Brasileiros os seguintes direitos individuais: I – A liberdade pessoal.
(...) IV – A liberdade de indústria. V – A inviolabilidade da propriedade”.
JOSÉ ANTÔNIO PIMENTA BUENO, ao comentar a Constituição do Império, e especificamente o Título Oitavo, apresenta a divisão do Direito em relação às Pessoas, dizendo que os direitos naturais ou individuais “são filhos da natureza, pertencem ao homem porque é homem, porque é um ente racional e moral, são propriedades suas e não criaturas da lei positiva, são atributos, dádivas do Criador”.183 A liberdade, a segurança individual e a propriedade são direitos individuais ou naturais, e, como tais, estão acima das leis civis, devendo por estas ser reconhecidos e garantidos. Cada um desses direitos se divide em diversos ramos, combinando-se também entre si na formação de direitos igualmente essenciais.184 A transcendência e inviolabilidade dos direitos individuais ou naturais têm como consequências a plenitude do direito de propriedade , a liberdade de indústria e comércio, a abolição das corporações de ofício, a garantia do direito de propriedade sobre os inventos , como se infere da leitura do artigo 179, §§ 22, 24, 25 e 26. Consequência desses direitos individuais ou naturais decorre a liberdade de contratar. PIMENTA BUENO tece comentários a respeito desse direito amplo e inconcusso, que é a expressão da plenitude do direito de propriedade. Eis a sua definição: O direito ou liberdade de contratar é de tal modo evidente que ninguém jamais dirigiu-se a impugná-lo; seria para isso necessário pretender que o homem não pode dispor de sua inteligência, vontade, faculdade ou propriedade. Não basta porém reconhecer este direito como inconcusso, é demais necessário saber respeitá-lo em toda a sua la tude e suas lógicas consequências, senão o princípio, posto que consagrado, será mais ou menos inu lizado com grave ofensa dos direitos do homem; entraremos pois em resumida análise a respeito. O contrato não é uma invenção ou criação da lei, sim uma expressão da natureza e razão humana, é uma convenção ou mútuo acordo, pela qual duas ou mais pessoas se obrigam para com uma outra, ou mais de uma, a prestar, fazer ou não fazer alguma coisa. É um ato natural e voluntário cons tuído pela inteligência e arbítrio do homem, é o exercício da faculdade que ele tem de dispor dos diversos meios que possui de desenvolver o seu ser e preencher os fins de sua natureza, de sua existência intelectual, moral e física. (...) A lei do estado não deve intervir senão para dois únicos fins: 1o Para prescrever as formas legais ou solenidades externas. 2o Para sancionar as solenidades internas ou condições racionais e essenciais da validade dos contratos.185
Esta análise desvenda a ideologia, a razão jurídica, que impregna a Constituição de 1824, do ponto de vista da Economia. Esta é vista também como um fenômeno cujas leis são impostas pela natureza. Ao Estado cumpria somente garantir o funcionamento natural dessas leis, a sua proteção deveria limitar-se somente a remover os embaraços, que pudessem entorpecer a marcha regular dos princípios elementares da riqueza. Não era tarefa do Estado conduzir a economia através de leis. Se o fizesse, estaria fatalmente rompendo o equilíbrio que as forças econômicas da natureza, deixadas ao seu fluxo natural, forçosamente alcançariam. 5.4. A Constituição de 1891 O constitucionalismo brasileiro alcançou, com a Constituição de 1891, uma mudança política,
permanecendo imutável a ideologia que inspirava a ordem econômica reinante. As ideias federalistas se manifestaram e se impuseram à consideração e discussão nacionais desde a Assembleia Constituinte de 1824, mantendo-se vivas durante todo o período imperial. Ao eclodirem como regra jurídica, através do Decreto n. 1, de 15 de novembro de 1889, vieram consolidar mudança de modelo político, sob inspiração do modelo dos Estados Unidos da América.186 Mas esta alteração não teve qualquer influência no modelo econômico, que continuou inspirado no liberalismo econômico. Se o contexto político sinalizava a necessidade de mudanças no texto constitucional, o mesmo não ocorreu no plano socioeconômico, em que pese o acontecimento da libertação dos escravos. O continuísmo ideológico, do ponto de vista econômico, mesmo que desvinculado da realidade, pode ser comprovado pelo teor do § 17 do artigo 72 da Constituição de 1891. Ali está dito: O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a desapropriação por necessidade ou u lidade pública, mediante indenização prévia.
Como consequência desse direito fundamental, continuam garantidos a liberdade de indústria e comércio, o direito sobre os inventos industriais, a propriedade das marcas de fábrica. O contrato, como expressão do direito de transferir livremente a propriedade, continua sob o pálio da plena liberdade. É preciso reconhecer que o texto constitucional de 1891, do ponto de vista social passou ao largo das profundas mudanças que já se operavam no mundo inteiro e que, no Brasil, eram ainda incipientes. Como assinalam PAULO BONAVIDES e PAES DE ANDRADE, “uma coisa foi a ordem constitucional formalmente estabelecida pela vontade da Assembleia Constituinte, onde se patenteara o primado da ideologia de elite da classe burguesa – que já recuara para posições comodamente conservadoras de sustentação de seus interesses – e outra cousa muito diferente, a realidade e a organização da nação republicana, proveniente da crise do cativeiro e da derrubada das instituições imperiais”. Enfatizam ainda que “entre a Constituição jurídica e a Constituição sociológica havia enorme distância; nesse espaço se cavara também o fosso social das oligarquias e se descera ao precipício político do sufrágio manipulado, que fazia a inautenticidade da participação do cidadão no ato soberano de eleição dos corpos representativos”.187 O descompasso semântico entre a Constituição Formal e a Constituição Real foi impondo a ideia da necessidade de uma revisão constitucional. A questão social, que passou a ser sentida no Brasil, veio também exigir alterações no contexto ideológico informador do texto constitucional. Em discurso pronunciado no Senado, em 1919, RUI BARBOSA sustentava: Enquanto as revoluções eram polí cas, nham praias que as circundavam e lhes punham raias visíveis. Depois que se fizeram sociais (e sociais são hoje todas), todas beiram esse Mar Tenebroso cujo torvo mistério assombra de ameaças as plagas do mundo contemporâneo. Quem se poderia responsabilizar, hoje, por um movimento popular, uma vez solto? (...) Primeiramente, em 1889, como já ve ensejo de assinalar, a situação era, incomparavelmente, menos grave do que hoje. Não havia, àquele tempo, ruína financeira. Não havia questão social.188
Especificamente sobre a influência inovadora da questão social, RUI BARBOSA afirma: Trouxeram ao Brasil, criaram no Brasil a questão social. Ela urge conosco por medidas, que com seriedade atendam aos seus mais imperiosos reclamos. Mas como é que lhe atenderíamos nos limites estritos do nosso direito constitucional?
Ante os nossos princípios cons tucionais, a liberdade dos contratos é absoluta, o capitalista, o industrial, o patrão estão ao abrigo de interferências da lei, a tal respeito. Onde iria ela buscar, legi mamente, autoridade, para acudir a certas reclamações operárias, para, por exemplo, limitar horas ao trabalho? Veja-se o que tem passado na América do Norte, onde leis adotadas para acudir a tais reclamações têm ido esbarrar, por vezes, a tulo de incons tucionalidade, em sentenças de tribunais superiores. Daí um dilema de caráter revolucionário e corolários nefastos; porque ora a opinião das classes mais numerosas se insurge contra a jurisprudência dos tribunais, ora os tribunais transigem com elas em prejuízo da legalidade cons tucional. Num caso é a justiça que se impopulariza. No outro, a Constituição que se desprestigia.189
Entretanto, a revisão constitucional, em 1926, foi surda a tais reclamos, mantendo inalterado o conteúdo do artigo 72, no que concerne ao direito de propriedade e a todas as suas consequências. 5.5. A Constituição de 1934 O período posterior à Primeira Grande Guerra foi fecundo de transformações sociais, ou de juridicização de transformações que vinham já, desde a segunda metade do século XIX e princípios do século XX, concretizando-se no seio da sociedade. Os princípios liberais se esgotaram na defesa de uma liberdade abstrata que acabou por sufocar o próprio cidadão que dela era titular. A sustentação da liberdade como um apanágio do homem, decorrente da própria natureza, se esvaiu por entre os meandros da relação concreta entre o capitalista, detentor dos meios de produção, e o operário que lhe prestava seu trabalho. Esta relação degenerou em exploração. Este fato novo, a que se convencionou chamar de “questão social”, começou a ser notado a partir de meados do século XIX. A este respeito acentuou MARX: A estrutura econômica da sociedade capitalista nasceu da estrutura econômica da sociedade feudal. A decomposição desta liberou elementos para formação daquela. O produtor direto, o trabalhador, só pôde dispor de sua pessoa depois que deixou de estar vinculado à gleba e de ser escravo ou servo de outra pessoa. Para vender livremente sua força de trabalho, levando sua mercadoria a qualquer mercado, nha ainda de livrar-se do domínio das corporações, dos regulamentos a que elas subordinavam os aprendizes e oficiais e das prescrições com que entravavam o trabalho. Desse modo, um dos aspectos desse movimento histórico que transformou os produtores em assalariados é a libertação da servidão e da coerção corpora va; e esse aspecto é o único que existe para nossos historiadores burgueses. Mas, os que se emanciparam só se tornaram vendedores de si mesmos depois que lhes roubaram todos os seus meios de produção e os privaram de todas as garan as que as velhas ins tuições feudais asseguravam à sua existência. E a história da expropriação que sofreram foi inscrita a sangue e fogo nos anais da humanidade. Os capitalistas industriais, esses novos potentados, veram de remover os mestres das corporações e os senhores feudais, que possuíam o domínio dos mananciais das riquezas. Sob esse aspecto, representa-se sua ascensão como uma luta vitoriosa contra o poder feudal e seus privilégios revoltantes, contra as corporações e os embaraços que elas criavam ao livre desenvolvimento da produção e à livre exploração do homem pelo homem. Todavia, os cavaleiros da indústria só conseguiram expulsar os cavaleiros da espada, explorando acontecimentos para os quais em nada nham concorrido. Subiram por meios tão vis quanto os empregados outrora pelo liberto romano para tornar senhor de seu patronus.190
A mesma questão foi por Engels analisada sob um outro aspecto: Cada novo progresso da civilização é ao mesmo tempo um novo progresso da desigualdade. Todas as ins tuições que a sociedade cria, nascida da civilização, frustram seu fim primi vo levam essa opressão até ao ponto em que a desigualdade, levada ao extremo, se muda de novo em sua contrária e chega a ser causa de igualdade; perante o déspota todos são iguais: iguais a nada.191
Este pensamento não ficou solitário, pois que em 1891 o Papa Leão XIII publicou sua famosa Encíclica “Rerum Novarum” sobre a “questão operária” e sobre a “economia social”. Leão XIII situa a solução dos graves problemas sociais dentro dos parâmetros de uma justiça social. Lembra
que o Estado pode melhorar a sorte da classe operária, removendo a tempo as causas das quais, como é previsível, hão de nascer os conflitos, editando leis sobre a jornada de trabalho, sobre a salubridade, sobre salário justo. Afirma Leão XIII: Dissemos que não é justo que o indivíduo ou a família sejam absorvidos pelo Estado, mas é justo, pelo contrário, que aquele e esta tenham a faculdade de proceder com liberdade, contanto que não atentem contra o bem geral e não prejudiquem ninguém. Entretanto, aos governantes pertence proteger a comunidade e as suas partes: a comunidade, porque a natureza confiou a sua conservação ao poder soberano, de modo que a salvação pública não é somente aqui a lei suprema, mas a causa mesma e a razão de ser do principado; as partes, porque, de direito natural, o governo não deve visar só os interesses daqueles que têm o poder nas mãos, mas ainda o bem dos que lhe estão subme dos. Tal é o ensino da filosofia, não menos que da fé cristã.192
O Papa Pio XI, no ano comemorativo da quadragésimo ano da Rerum Novarum, publicou a Encíclica “Quadragesimo Anno”, em que expõe o pensamento da Igreja sobre a questão social: Como não pode a unidade social basear-se na luta de classes, assim a reta ordem da economia não pode nascer da livre concorrência de forças. Deste princípio, como de fonte envenenada, derivaram para a economia universal todos os erros da ciência econômica individualista; olvidando esta ou ignorando que a economia é juntamente social e moral, julgou que a autoridade pública a devia deixar em plena liberdade, visto que no mercado ou livre concorrência possuía um princípio dire vo capaz de regê-la muito mais perfeitamente que qualquer inteligência criada. Ora, a livre concorrência, ainda que dentro de certos limites é justa e vantajosa, não pode de modo nenhum servir de norma reguladora à vida econômica. Aí estão a comprová-lo os fatos desde que se puseram em prática as teorias de espírito individualista.193
Observa MIRKINE-GUETZEVITCH que o período posterior à primeira grande guerra foi a época em que se instaurou na Europa um novo constitucionalismo, com a concretização de diversas tendências. Dentre estas acentua a da racionalização do poder e a da racionalização democrática. Esta racionalização democrática se exerce através de novas concepções sociais e da efetiva concretização dos direitos sociais. A declaração de direitos sociais se faz com um direcionamento concreto: o que se quer é efetivamente implantá-los na vida real do cidadão.194 A Constituição mexicana de 1917, por primeira, inclui no seu texto as inovações de caráter social. O artigo 27 confere originariamente à Nação a propriedade das terras e das águas. Ela é que tem o direito de transmitir o seu domínio aos particulares, constituindo a propriedade privada. Terá sempre a Nação o direito de impor à propriedade privada as regras que dite o interesse público, assim como o direito de regular o aproveitamento dos elementos naturais suscetíveis de apropriação, com vista à distribuição equitativa e à conservação da riqueza pública. O artigo 123 estabelece as normas básicas relativas ao trabalho e à relação entre patrões e operários. Outra constituição que, logo após a primeira grande guerra, adotou os princípios concretizadores dos direitos sociais foi a Constituição de Weimar, de 1919. Alguns tópicos dessa constituição merecem ser lembrados: Art. 151. A vida econômica deve ser organizada em conformidade com os princípios da jus ça e com vista a garan r a todos uma existência digna do homem. Nestes limites, a liberdade econômica do indivíduo deve ser respeitada. (...) Art. 152. As relações econômicas são regidas pelo princípio da liberdade dos contratos, nos termos das leis. (...) Art. 153. A propriedade é garantida pela Constituição. Seu conteúdo e seus limites são fixados pelas leis. (...) Art. 165. Os operários e empregados são chamados a colaborar com os empregadores, e em condições de igualdade, na fixação dos salários e das condições de trabalho assim como com o conjunto do desenvolvimento das forças econômicas
produtivas. As organizações patronais e operárias e os contratos que elas concluem são juridicamente reconhecidos. Os operários e empregados designam, para velar pela defesa de seus interesses sociais e econômicos, representantes para formar conselhos operários de empresa, conselhos operários de distrito formados no quadro das regiões econômicas, e um conselho operário do Estado. Com vista ao cumprimento de todas as tarefas econômicas e para colaborar na execução das leis de socialização, os conselhos operários de distrito e o conselho operário do Estado se reúnem aos representantes dos empregadores e das outras partes interessadas da população para formar conselhos econômicos de distrito e um conselho econômico do Estado.
Nesse contexto mundial, a Constituição de 1934 veio dar forma jurídica aos anseios sociais, sem cancelar ou negar os princípios já inseridos nos textos constitucionais anteriores, mas colocando-os também no seio da nova ideologia acatada pelo constitucionalismo social. Já no preâmbulo da Constituição a Assembleia Nacional Constituinte fazia constar o sinal de mudança, declarando que tinha a intenção de organizar um regime democrático, que assegurasse à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social econômico, deixando evidenciada a nova ideologia. Dentro desse novo contexto ideológico, o direito de propriedade individual continua garantido. O constituinte o insere no capítulo dos direitos e garantias individuais. Mas os novos ventos imprimem a esse direito uma configuração diferente. A ideologia implantada após os movimentos inovadores da revolução social coloca perante o interesse individual o interesse social ou coletivo, como limitador do direito que até então fora usufruído pelo indivíduo em toda a sua plenitude. O § 17 do artigo 113 assim reza: É garan do o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou cole vo, na forma que a lei determinar.
O confronto entre o interesse individual e o interesse da coletividade pode ser visto também no § 18 do artigo 113: Os inventos industriais pertencerão aos seus autores, aos quais a lei garan rá privilégio temporário ou concederá justo prêmio, quando a sua vulgarização convenha à coletividade.
A Constituição de 1934 é a primeira a fazer constar um título referente à “Ordem Econômica e Social”. Neste título pode-se perceber com clareza o novo direcionamento ideológico. O constituinte enfatiza elementos de concretitude. A liberdade, a igualdade e a segurança não se concebem mais abstratamente, como predicados de um homem puramente originado da natureza. Justiça, liberdade, igualdade e segurança são atributos que devem ser verificados na vida concreta do homem situado.195 Estes elementos podem ser verificados num confronto de complementaridade entre os artigos 115 e 121. A coincidência não só de conteúdo, mas até mesmo de redação, revelada pelo confronto entre o artigo 115 da Constituição brasileira e o artigo 151 da Constituição de Weimar é mais um elemento de convicção da influência desta sobre a primeira. Art. 115. A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da jus ça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica. Parágrafo único. Os poderes públicos verificarão, periodicamente, o padrão de vida nas várias regiões do país. Art. 121. A Lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do país.
Os objetivos a serem alcançados – existência digna, padrão de vida, condições de trabalho –
são eminentemente concretos. O constituinte parte do pressuposto de que os homens somente serão livres, terão segurança, serão iguais, se, concretamente, tiverem condições de existência digna, um padrão de vida apropriado ao ser humano e condições de trabalho que o respeitem.196 É importante ressaltar que o próprio artigo 113, inserido no capítulo referente aos direitos e garantias individuais, introduz um elemento concreto novo, não existente nas constituições anteriores. É que ali, entre os direitos à liberdade, à segurança individual e à propriedade, está inserido o direito à subsistência. Observados esses parâmetros, será garantida a liberdade econômica, ou seja, o liberalismo é mantido, com as restrições de ordem social que lhe são pré-traçadas.197 E o texto constitucional impõe a obrigatoriedade de o Estado, através de leis, direcionar a economia. Para que isso ocorra, “a União poderá monopolizar determinada indústria ou atividade econômica” (art. 116), a Lei deverá promover o fomento da economia popular, o desenvolvimento do crédito e a nacionalização progressiva dos bancos de depósito; da mesma forma deverá providenciar a nacionalização das empresas de seguros (art. 117). Todo o conjunto de direitos assegurados aos trabalhadores, com o intuito de lhes garantir uma vida condigna, constitui uma inovação constitucional nos mesmos moldes verificados em outros países, como visto acima pelas referências aos textos constitucionais do México e da Alemanha. São também inovações quanto ao papel a ser desempenhado pelo Estado, as normas referentes à educação, à família e à cultura. 5.6. A Constituição de 1937 A Constituição de 1937 restringiu-se unicamente ao campo do nominalismo. Foi um nome sem qualquer vinculação com a realidade política e social do país. Fruto de um amálgama de fascismo, corporativismo, nacionalismo e de aparente liberalismo,198 o fato é que os dois únicos artigos que nela tiveram eficácia foram o artigo 180, onde está dito que “enquanto não se reunir o Parlamento Nacional, o Presidente da República terá o poder de expedir decretos-lei sobre todas as matérias da competência legislativa da União”, e o artigo 186 (“é declarado em todo o país o estado de emergência”). O país, nesse período, foi governado somente através de decretos-leis. Há, contudo, naquele texto alguma literatura que merece ser vista, porque, embora não posta em prática, é um reflexo do pensamento da época. O direito de propriedade , como consta do § 14 do artigo 122, terá seu conteúdo e seus limites definidos nas leis que regularem seu exercício. O artigo 135, incluído no título “Da Ordem Econômica”, traz pela primeira vez, no constitucionalismo brasileiro, a expressão “intervenção do Estado no domínio econômico”. Vale a pena ler a íntegra do artigo: Art. 135. Na inicia va individual, no poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legi ma para suprir as deficiências da inicia va individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das compe ções individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado.
A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estímulo ou da gestão direta. A primeira frase do art. 135 teve uma finalidade contestatória da tendência socializante da época.
Rebate-se a ideologia do socialismo, mostrando-se a força do indivíduo. O conteúdo ideológico de contestação é evidente, procurando-se evidenciar que nenhum movimento de socialização pode desconhecer que quem cria, quem organiza, quem inventa é o indivíduo. E, por isso, este não pode ser eliminado. É óbvio que a expansão do indivíduo encontra um limite no bem público, mas a ênfase dada a este não pode eclipsar o indivíduo. Permanecem os dispositivos determinantes da atuação do Estado na esfera da atividade econômica, como se pode ver pelos artigos 140, 141, 144, dentre outros. 5.7. A Constituição de 1946 O longo período ditatorial que se encerrou em 1945 veio trazer o renovado anseio da instauração da democracia. A Constituinte foi abeberar-se nos princípios constitucionais que informaram a Constituição de 1891, sob o aspecto político, mas conservou as conquistas sociais de 1934. O término da ditadura no Brasil coincidiu com o findar-se da segunda grande guerra que, por sua vez, selou a derrota das ditaduras europeias. Sentiu-se a necessidade imperiosa da implantação da democracia, que viesse trazer para todos os povos a mais plena realização dos anseios políticos, econômicos e sociais. Sentiu-se que a única forma de evitar a repetição dos horrores de uma nova guerra mundial seria instaurar em cada país uma democracia real, alicerçada em bases políticas sólidas, em bases econômicas e sociais equitativas e justas. O preâmbulo da Constituição de 1946 se refere à “organização de um regime democrático” como a síntese daqueles três elementos, o político, o econômico e o social.199 O alicerce daquela Constituição é todo ele neoliberal. Esta expressão vem significar que, aceitos os princípios básicos do liberalismo político e econômico, são eles amoldados pelas novas conquistas sociais e informados pela nova postura do Estado perante o fenômeno econômico.200 Os valores liberais se consubstanciam na garantia da “inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade”, como dispõe o artigo 141. O direito de propriedade é garantido, admitindo-se a possibilidade de desapropriação, que recebe limitações bastante grandes: “necessidade ou utilidade pública, interesse social, indenização prévia e justa, e em dinheiro”, como consta do § 16 do artigo 141. E ainda, o artigo 147 limita o seu uso, condicionando-o ao bem-estar social. Tentando resolver o dilema fundamental entre capital e trabalho, a Constituição impõe um equilíbrio inspirado nos princípios da justiça social, essencialmente distributiva, entre a liberdade de iniciativa e a valorização do trabalho humano.201 Enquanto a Constituição de 1937 procurava reprimir os “crimes contra a economia popular”, a Constituição de 1946 se pautou pela ideologia inspirada na legislação norte-americana antitruste. Assim é que o artigo 148 dispõe que “a lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de empresas individuais ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros”. Persiste a ideologia inspiradora de políticas tendentes a garantir a todos um “trabalho que possibilite existência digna”, como dado de concretização da dignidade humana. A intervenção no domínio econômico é posta como atribuição da União, que poderá também monopolizar determinada indústria ou atividade. Mas o próprio constituinte determina que a
intervenção deve ater-se a objetivar o interesse público e não poderá ferir os direitos fundamentais garantidos pela Constituição (artigo 146). É também a primeira vez que a expressão “plano” aparece para designar a atuação programada do Estado para atingir objetivos de reorganização econômica de regiões do país. É verdade que já na Constituição de 1934 despontou a expressão “plano nacional de viação férrea e o de estradas de rodagem” (artigo 5o, inciso IX), repetida no artigo 5o, inciso X, da Constituição de 1946. Mas é nesta última, nos artigos 156, 198 e 199, bem como ainda no artigo 29 das Disposições Transitórias, que o plano aparece como adoção de políticas destinadas a implantar “colonização e de aproveitamento das terras públicas”, “defesa contra os efeitos da denominada seca do Nordeste”, a “valorização econômica da Amazônia” e ainda o “aproveitamento total das possibilidades econômicas do rio São Francisco”. Não se trata de planos globais a exemplo do que já vinha sendo adotado na Rússia desde 1928, mas talvez imitações da política rooseveltiana, principalmente a do “Tennessee Valley Authority Act”.202 5.8. A Constituição de 1967-1969 A Constituição de 1967-1969 veio no bojo da Revolução Militar de 1964, que foi preparada com base na ideologia da segurança nacional. A adoção e permanência dos regimes militares na América latina não é uma criação dos latino-americanos, porque a ideologia que orientou tal sistema é alienígena. Veio do Norte para o Sul e se chamava “Doutrina da Segurança Nacional”. Alicerçouse essa doutrina nos princípios da Geopolítica adaptada aos interesses do bloco político que criava para si um inimigo, a Rússia, com o objetivo de estimular o crescimento e fortalecimento do Estado. A Geopolítica brasileira se propôs três objetivos: ocupar o território nacional, expandir-se na América do Sul em direção ao Pacífico e ao Atlântico Sul, e formar uma potência mundial. À ideia de segurança nacional veio acrescentar-se a de desenvolvimento, com inspiração idêntica à que se pode encontrar num discurso de ROBERT MCNAMARA em 1967: A segurança é desenvolvimento, e sem desenvolvimento não há segurança. Um país subdesenvolvido e que não se desenvolve não a ngirá jamais algum nível de segurança, pelo simples mo vo de que não pode despojar seus cidadãos de sua natureza humana. Efe vamente, se existem condições prévias à segurança, estas são um mínimo de ordem e de estabilidade. Ora, sem uma evolução interna, por menor que seja, a ordem e a estabilidade tornam-se impossíveis, pois a natureza humana não pode ser indefinidamente frustrada. Então o homem reage porque deve reagir. É uma coisa que nem sempre compreendemos, assim como os governos dos países em questão. (...) Não estamos brincando com palavras. o problema é que durante muito tempo es vemos emaranhados numa floresta semân ca que nos levou a crer que a segurança, fenômeno exclusivamente militar, dependia principalmente da quan dade de material bélico. Ora, isso não é verdade, e, se queremos que a segurança sobreviva e se consolide na região meridional do mundo, devemos enfrentar a realidade. O desenvolvimento é o progresso econômico, social e político.203
A doutrina da segurança nacional fixou pontos doutrinários básicos, como os de guerra total, guerra generalizada, guerra fria, guerra revolucionária, e ainda os de poder nacional, objetivos nacionais, estratégia nacional e segurança nacional. Estes foram os fundamentos ideológicos que inspiraram os militares e que serviram de fermento para a Constituição de 1967-1969. A Constituição de 1967 foi votada sob pressão do Ato Institucional n. 4, de 7 de dezembro de 1966. Ali ressalta a ideia da segurança nacional, a partir do artigo 89 (Toda pessoa natural ou
jurídica é responsável pela segurança nacional, nos limites definidos em lei). Este dispositivo deve ser visto em consonância com o inciso V do artigo 157, em que se destaca como um dos princípios da ordem econômica o desenvolvimento econômico. Tais princípios figuram na Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969, no artigo 86 e artigo 160. O princípio do desenvolvimento nacional deixa de figurar num inciso para surgir no caput do artigo 160. A ordem econômica e social adquire um valor teleológico. Ela tem por fim, o desenvolvimento nacional e a justiça social. A ordem enunciativa dos fins da ordem econômica e social pode não ter uma importância de prioridade de conceitos, mas, na verdade, o que a Revolução priorizava, em obediência aos princípios da Doutrina da Segurança Nacional, era a segurança do Estado. A pessoa humana não estava em primeira linha de cogitação. Os princípios que são apontados como base são os seguintes: – liberdade de iniciativa; – valorização do trabalho como condição da dignidade humana; – função social da propriedade; – harmonia e solidariedade entre as categorias sociais de produção (o texto de 67 dizia: entre os fatores de produção); – repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros.
O texto de 69 veio acrescentar ainda outro princípio: expansão das oportunidades de emprego produtivo. Ponto importante a ressaltar naquele período foi o papel atribuído ao Estado. A redação do artigo 163 da Emenda n. 1 é coincidente com a do § 8o do artigo 157 do texto de 1967: São facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinada indústria ou a vidade, mediante lei federal, quando indispensável por mo vo de segurança nacional ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficácia no regime de competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais.
Para complementar a discriminação do papel do Estado referentemente à organização e exploração das atividades econômicas, o artigo 170, §§ 1o, 2o e 3o, do texto de 69 elencou a competência do setor privado e do setor estatal: Às empresas privadas compete, preferencialmente, com o es mulo e o apoio do Estado, organizar e explorar as a vidades econômicas. Apenas em caráter suplementar da iniciativa privada o Estado organizará e explorará diretamente a atividade econômica. Na exploração, pelo Estado, da a vidade econômica, as empresas públicas e as sociedades de economia mista reger-se-ão pelas normas aplicáveis às empresas privadas, inclusive quanto ao direito do trabalho e ao das obrigações. A empresa pública que explorar a vidade não monopolizada ficará sujeita ao mesmo regime tributário aplicável às empresas privadas.
Com base em tais princípios constitucionais o Estado assumiu o encargo de promover o desenvolvimento nacional, quer atuando no domínio econômico, quer intervindo indiretamente. Inovação importante, do ponto de vista socioeconômico, foi o da criação das regiões metropolitanas, com o intuito de promover um desenvolvimento integrado de municípios que façam parte da mesma comunidade socioeconômica. 5.9. A Constituição de 1988 Em mensagem ao Congresso, datada de 28 de junho de 1985, o Presidente da República propunha
a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, o que se efetivou através da Emenda Constitucional n. 26, de 27 de novembro de 1985. A Assembleia instalou-se em 1o de fevereiro de 1987. O rompimento com o período político anterior propiciou a formação de uma ideologia marcada pela contraposição aos fundamentos informadores do constitucionalismo anterior, nos campos econômico e social. Pode-se afirmar que houve acentuada ênfase no aspecto social, quer sob o aspecto de se dar uma configuração de alto relevo ao cidadão, o que levou o deputado Ulisses Guimarães a apelidar o novo texto de Constituição cidadã, quer sob o prisma do novo papel a ser desempenhado pelo Estado. O texto constitucional ganhou um Título em que se declaram os princípios fundamentais que informarão o Estado Democrático de Direito. Aí estão, enumerados no artigo primeiro, os princípios que devem servir de base para a ordem política, mas também, e essencialmente, devem permear todo o conteúdo da constituição econômica. Dentre esses fundamentos vale enfatizar o da soberania, o da cidadania, o da dignidade da pessoa humana, e o da preservação e engrandecimento dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. O artigo terceiro da nova Constituição menciona os objetivos que devem nortear a ação das políticas a serem adotadas. Tais objetivos constituirão as metas que se propõem para serem alcançadas: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
No âmbito das relações internacionais, a Constituição, no artigo quarto, estabelece também princípios que devem ser observados e implementados. Dentre eles, pela sua importância para a adoção de políticas econômicas, merecem ser citados o da independência nacional, o da prevalência dos direitos humanos , o da autodeterminação dos povos e o da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. O parágrafo único do artigo quarto coloca como objetivo e como princípio a busca da “integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”. Tais princípios e objetivos deverão estar presentes na análise de todos os dispositivos constitucionais, pois a Constituição Econômica não se restringe aos artigos contidos no Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira –, mas tem sua expressão e seu conteúdo em diversos outros tópicos da Constituição. Os princípios fundamentais, por isso mesmo que básicos, deverão informar o entendimento exegético de todos os tópicos pertinentes à Constituição Econômica. Uma primeira alteração, relativamente aos textos constitucionais precedentes, de 1934 a 1967/69, é o deslocamento do capítulo referente aos direitos sociais, concernentes a indivíduos e grupos profissionais, que anteriormente estava incluído no título da Ordem Econômica e Social, para a formação de um título em que se estabelecem os Direitos e Garantias Fundamentais, aí incluíndo quer os direitos e deveres individuais e coletivos , quer os direitos sociais. Passa-se assim a entender que os direitos de cidadania estão intrinsecamente vinculados aos direitos decorrentes do
trabalho, ou seja, parte-se do pressuposto de que todo cidadão é um trabalhador, e, por outro lado, de que todo trabalhador é fundamentalmente um cidadão. O Constituinte, contudo, desceu a requintes de minúcias, parece que impregnado pela ideia de que os indivíduos são incapazes de impor seus direitos, ou também imbuído da convicção de que os sindicatos, com sua mentalidade deteriorada pelo longo período de serviço à causa da política dominante ou ao interesse pessoal de dirigentes sindicais não teriam competência para negociar as condições mínimas garantidoras da dignidade do trabalhador. Por isso preferiu criar e enumerar os direitos dos trabalhadores, e o fez a ponto de gerar pesados obstáculos à livre iniciativa e principalmente ao progresso através da competição.204 O Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira – compõe-se de quatro capítulos: I – Princípios Gerais da Atividade Econômica. II – Política Urbana. III – Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária. IV – Sistema Financeiro Nacional.
6. PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA O capítulo relativo aos princípios gerais que devem presidir à atividade econômica centrava-se, na redação original da Constituição, sobre três temas básicos. Em primeiro lugar, são discriminados efetivamente os princípios, em segundo, era estabelecido o tratamento protecionista para a empresa brasileira de capital nacional, e, em terceiro lugar, é fixado o papel do Estado dentro da ordem econômica. Deter-nos-emos, neste livro, na análise dos princípios gerais da atividade econômica, que são contemplados no capítulo 1. Os outros temas serão objeto de tratamento em livro específico sobre políticas econômicas. 6.1. Os princípios gerais O artigo 170 traça a estrutura geral do ordenamento jurídico econômico. Este tem como fundamento a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa.205 Aceitos tais fundamentos, a Constituição estabelece a finalidade de toda a atuação através de políticas econômicas, qual seja a de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.206 Para que os fundamentos sejam concretizados e para que os fins sejam alcançados, necessário se faz adotar alguns princípios norteadores da ação do Estado. Surgem, ao lado de princípios já consagrados, alguns outros que decorrem das tendências modernas. Observe-se que os fundamentos estabelecidos para a ordem econômica e financeira na Constituição de 1988, ou seja, a valorização do trabalho humano e a liberdade de iniciativa, figuravam na Constituição de 1967/69 como princípios (artigo 160, incisos I e II). 6.1.1. Soberania nacional Este princípio não é uma mera repetição do que está consagrado no inciso I do artigo 1o, mas uma sua complementação. A soberania política dificilmente sobrevive se não se completar com a soberania do ponto de vista econômico. As políticas econômicas a serem adotadas devem levar o Estado a firmar sua posição de soberania interdependente perante os demais Estados. A soberania nacional, aqui focalizada, decorre da autonomia conseguida pelas pessoas que integram a nação. Não
se pode falar de soberania da nação se os indivíduos que a compõem são incapazes de reger-se por um padrão de vida digno de uma pessoa humana. O princípio da soberania, ao lado dos princípios da igualdade e da solidariedade, integra os chamados princípios fundamentais do direito internacional do desenvolvimento. Como tal, é ele defendido pelos países do chamado 3o mundo, como instrumento de implementação dos princípios de não intervenção e de não agressão. A Resolução n. 2625 (XXV) da O.N.U., de 24 de outubro de 1970, assegura aos Estados o direito de não sofrerem qualquer intervenção de outro Estado com a finalidade de lhe impor direcionamentos econômicos. Ver, a este respeito, neste livro, no final do capítulo referente à Ordem Econômica Internacional e Regional, o texto da Carta dos direitos e deveres econômicos dos Estados. O texto da Resolução n. 2625 assim diz: Nenhum Estado nem grupo de Estados tem o direito de intervir, direta ou indiretamente, sob qualquer pretexto, nos negócios internos ou externos de um outro Estado. Consequentemente, não só a intervenção armada, mas também qualquer outra forma de ingerência ou qualquer ameaça, voltadas contra a personalidade de um Estado ou contra seus elementos políticos, econômicos e culturais, são contrárias ao direito internacional. Nenhum Estado pode aplicar nem es mular o uso de medidas econômicas, polí cas ou de qualquer outra natureza para constranger outro Estado a subordinar o exercício de seus direitos soberanos ou para obter dele vantagens de qualquer ordem que seja.
A soberania, quer política, quer econômica, vem encontrando limites em sua conceituação e extensão a partir da implantação, e principalmente da solidificação, dos Mercados Comuns. A soberania é hoje vista como integrada aos princípios consagrados pela ordem jurídica internacional. 6.1.2. Propriedade privada A Constituição consagra aqui importante princípio da ordem econômica, assegurando o direito de propriedade privada individual. Este princípio está já estabelecido no inciso XXII do artigo 5o, devendo ali entender-se garantido o direito de propriedade atribuído ao indivíduo. O direito de propriedade individual é um pressuposto da liberdade de iniciativa. Esta somente existe como consequência e como afirmação daquele. Parece que neste ponto o constituinte cometeu um erro lógico, pois que colocou a liberdade de iniciativa como fundamento e o direito de propriedade como princípio. Na verdade, o fundamento do princípio da liberdade de iniciativa se encontra na aceitação do direito da propriedade privada. Este erro não foi cometido pelas constituições de 1946 e de 1967/69. 6.1.3. Função social da propriedade O inciso III do artigo 170 deve ser visto em consonância, ou até mesmo como repetição viciosa, do disposto no inciso XXIII do artigo 5o O princípio da função social da propriedade passou a integrar os textos constitucionais desde 1934, contrariando o direcionamento do liberalismo impresso nos textos de 1824 e 1891 em que se garantia o direito de propriedade em toda a sua plenitude. O princípio da função social da propriedade está hoje fixado no art. 421 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o novo Código Civil. É este princípio que informa as disposições constitucionais insculpidas nos artigos 182 a 191, traçando parâmetros para uma adequada política urbana e uma justa política agrária. 6.1.4. O princípio da livre concorrência Afirmando uma opção pelo regime de economia de mercado e assumindo essa postura ideológica,
a Constituição adota como princípio a mola básica que rege aquele tipo de organização da economia. Garante-se a liberdade de concorrência como forma de alcançar o equilíbrio, não mais aquele atomístico do liberalismo tradicional, mas um equilíbrio entre os grandes grupos e um direito de estar no mercado também para as pequenas empresas. É preciso assinalar que o Constituinte optou por um aspecto positivo ao adotar como princípio a liberdade de concorrência.207 Até então os textos constitucionais se preocupavam em reprimir o abuso do poder econômico. Aliás, a Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994, em seu artigo 1o, já definia bem a mudança de direcionamento, ao estabelecer:
Esta lei dispõe sobre a PREVENÇÃO e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames cons tucionais de liberdade de inicia va, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.
A Lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011, que veio substituir a Lei n. 8.884, de 1994, adota o mesmo posicionamento de PREVENÇÃO e de repressão, como se vê pela dicção do art. 1º:
Esta Lei estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC – e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames cons tucionais de liberdade de inicia va, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.
6.1.5. Princípio da defesa do consumidor O constituinte entendeu, seguindo as modernas correntes do direito, que um dos elos da economia de mercado é o consumidor, e por isso impõe ao Estado a sua proteção. A proteção ao consumidor tem duas facetas, importantes ambas; protege-se ao consumidor dentro de uma perspectiva microeconômica e microjurídica; mas ao Estado interessa, também como uma das formas de preservar e garantir a livre concorrência, proteger o consumidor através da adoção de políticas econômicas adequadas. Este direcionamento podia ver-se já no Programa de Proteção ao Consumidor constante da mensagem presidencial de JOHN KENNEDY, em 1962, ao Congresso, em que afirma: O Governo Federal – por natureza o mais elevado interlocutor para todo o povo – tem obrigação especial de estar alerta para as necessidades do consumidor e para implementar os interesses do consumidor. Desde que foi promulgada lei em 1872 para proteger o consumidor contra fraudes rela vas à u lização do correio dos Estados Unidos, o congresso e o Execu vo tornaram-se cada vez mais cônscios de sua responsabilidade de tornar garan do que a economia de nossa Nação serve honesta e adequadamente os interesses do consumidor. Para promover a mais plena realização destes direitos do consumidor, será necessário que os programas do Governo existentes sejam fortalecidos, que a organização do Governo seja implementada, e, em determinadas áreas, que sejam promulgadas novas leis.208
A Organização das Nações Unidas, através da Resolução n. 39/248, de 9 de abril de 1985, estabeleceu diretrizes destinadas a proporcionar aos governos um marco para a elaboração e o fortalecimento da legislação e as políticas de proteção do consumidor. No âmbito das Comunidades Europeias, foram promulgadas as Resoluções do Conselho de 14 de abril de 1975 e de 19 de maio de 1981, para impor, a nível comunitário, uma política de proteção e de informação do consumidor. Sob o influxo desse direcionamento comunitário, a Constituição Portuguesa de 1976, com a revisão de 1982 e as modificações da Lei Constitucional de 8 de julho de 1989, estabeleceu, no artigo 60, a obrigatoriedade da implementação de medidas destinadas a tornar efetiva aquela proteção. A Constituição Espanhola de 1978, no artigo 51, também impôs aos poderes públicos a
obrigação da defesa dos consumidores. No Brasil, na linha dessa conduta, o princípio constitucional da defesa do consumidor veio tomar corpo no artigo 4o da Lei n. 8.078/90, estabelecendo os parâmetros da Política Nacional de Relações de Consumo, e fixando os princípios que deverão nortear o Estado na implementação dessa política. 6.1.6. Princípio da defesa do meio ambiente Este princípio constitui-se numa limitação do uso da propriedade. Visa colocar a atividade industrial ou agrícola nos limites dos interesses coletivos. O constituinte, ao inserir no texto constitucional o princípio garantidor da defesa do meio ambiente, está tornando-se um eco das preocupações internacionais a respeito do assunto. Em 1972, quando da realização da Conferência de Estocolmo, como determinado na Resolução 2398 (XXIII) da ONU, estabeleceu-se a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente humano.209 Em 1985, a Assembleia-Geral das Nações Unidas atribuiu ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – P.N.U.M.A. – a tarefa de estabelecer as estratégias a serem adotadas para proteção do meio ambiente, colocando como marco para enfatizar essa preocupação o ano 2000. Foi então criada uma Comissão presidida pela Primeira-Ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland. Essa Comissão publicou em 1987 um relatório, que ficou conhecido como Relatório Brundtland, no qual se destaca o princípio que se firmou como o do desenvolvimento sustentável. Em 1988, pela Resolução 43/196, a XLIII Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas decidiu realizar até 1992 uma conferência sobre meio ambiente. O Brasil se ofereceu para sediar o evento. Realizou-se no Rio de Janeiro, no período de 3 a 14 de junho de 1992 a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Dessa conferência surgiu a Declaração do Rio de Janeiro, podendo-se destacar, dentre os vinte e sete princípios, os seguintes: Princípio 1 Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza. Princípio 2
Os Estados, de conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de Direito Internacional, têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos segundo suas próprias polí cas de meio ambiente e desenvolvimento, e a responsabilidade de assegurar que a vidades sob sua jurisdição ou controle não causem danos ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição nacional. Princípio 3 O direito ao desenvolvimento deve ser exercido, de modo a permi r que sejam atendidas equita vamente as necessidades de gerações presentes e futuras.
Em decorrência desse direcionamento, pode-se dizer que surgiu um novo corpo de normas destinadas a reger a atuação do Estado no campo da preservação do meio ambiente.210 Em 2012, a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável – CNUDS – realizou no Rio de Janeiro o evento denominado “Rio mais Vinte”, coroado pela Resolução conhecida como “O futuro que queremos”211. 6.1.7. Princípio da redução das desigualdades regionais e sociais Também este princípio da ordem econômica e financeira está em sintonia com os objetivos estabelecidos no artigo 3o da Constituição, que preconiza a erradicação da pobreza e a
marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais, bem como ainda a promoção do bem de todos, dentro de um quadro de garantia do desenvolvimento de âmbito nacional. A Declaração do Rio, no princípio 5, impõe a necessidade de se eliminar as diferenças de desenvolvimento. Diz esse princípio: Princípio 5 Todos os Estados e todos os indivíduos, como requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável, devem cooperar na tarefa essencial de erradicar a pobreza, de forma a reduzir as disparidades nos padrões de vida e melhor atender as necessidades da maioria da população do mundo.
A Resolução n. 66/288 da Assembleia-Geral das Nações Unidas, que contém o documento final da “Rio mais Vinte”, é também explícito no sentido de impor o dever de erradicação da pobreza como exigência para conseguir-se o desenvolvimento sustentável: 2. A erradicação da pobreza é o maior desafio global que o mundo hoje enfrenta e uma exigência indispensável para o desenvolvimento sustentável. Em razão disto, estamos comprometidos em libertar a humanidade da pobreza e fome como questão de urgência.
6.1.8. Princípio da busca do pleno emprego Este princípio vinha já insculpido entre os fixados pelo artigo 160 da Constituição de 1967/69, como expansão das oportunidades de emprego produtivo. Na verdade, a preocupação do constituinte se centra na ênfase do desenvolvimento bem como na garantia de aproveitamento adequado de todas as potencialidades do país dentro do princípio da eficiência. 6.1.9. Princípio do tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte Aqui já se adentra a questão proposta pela pergunta a respeito da conveniência de o Estado assumir, nos dias de hoje, um tratamento a título de favorecimento. Esse questionamento será analisado no tópico seguinte. Aqui interessa somente focalizar o problema relativo às empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte. Tal princípio encontra tratamento normativo mais amplo no artigo 179, ao determinar que será dispensado às microempresas e às empresas de pequeno porte tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las. O parágrafo único do artigo 170 assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. O intuito seria o de eliminar entraves burocráticos para o exercício de qualquer atividade econômica, porque o conteúdo desse dispositivo já está incluído no “caput” do artigo que assegura a liberdade de iniciativa. 6.2. O tratamento protecionista O artigo 171 trazia conteúdo elevadamente polêmico. Depois de distinguir entre “empresa brasileira” e “empresa brasileira de capital nacional”, a Constituição dispunha naquele artigo que “a lei poderá conceder proteção e benefícios especiais temporários para desenvolver atividades consideradas estratégicas para a defesa nacional ou imprescindíveis ao desenvolvimento do País” (parágrafo primeiro, inciso I). E permitia ainda a adoção de outras condições e requisitos, como o controle das atividades tecnológicas da empresa, e imposição de percentuais de participação no capital, de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou entidades de direito público interno.
Não há dúvida de que se tratava de medidas altamente protecionistas para as empresas brasileiras de capital nacional, afrontando os princípios da livre concorrência. Indagava-se se tal protecionismo se coadunava com o direcionamento moderno da economia de mercado. Enquanto declinava o nacionalismo e se impunha a transnacionalização da economia, a Constituição brasileira adotava um direcionamento elevadamente conservador. Instituía-se um forte cartorialismo como forma de proteger paternalistamente a empresa brasileira dos riscos da concorrência, ignorando que somente esta faz crescer e desenvolver.212 Na análise deste dispositivo constitucional e por ocasião da revisão constitucional, havia que levar-se em conta as duas vertentes de pensamento que se confrontam. De um lado, se exige uma abertura da economia, de outro, mostra-se necessário pensar numa forma possível de proteção da economia nacional. Surgiu, assim,, uma outra interpretação que se expressa em termos de liberalismo social, e que fora propugnada pelo presidente mexicano Carlos Salinas de Gortari: SOBERANIA. Para o liberalismo social a soberania é razão de sobrevivência e obje vo único que dá sen do às metas que perseguimos, precisamente porque queremos que sejam nossas e que ninguém no-las defina. O neoliberalismo, em troca, considera que a globalização e os processos de integração regional são razões suficientes para declarar as fronteiras como estorvo, o nacionalismo como caduco e a soberania da nação como preocupação do passado. (...) Só a proposta do liberalismo social fortalece nossa soberania. Maior inter-relação econômica não inclui, nem permi remos que inclua, a integração polí ca, pelo contrário, nos diversificamos nas relações internacionais para ser mais fortes poli camente e, ao mesmo tempo, buscamos derivar a fortaleza econômica interna da a va par cipação nas regiões que concentram a dinâmica do crescimento mundial.
Ao expressar a ideologia de seu partido, reafirmou Salinas de Gortari que ela “se fundamenta no nacionalismo”. E explica: Nosso liberalismo social propõe um nacionalismo para o final deste século e para o século XXI: um nacionalismo que conserva seu sen do histórico e que é aberto e a vo perante o exterior, para proteger melhor o próprio; é democrá co e respeita a dignidade das pessoas, para que todos se incluam na defesa da nação; é tolerante, defensor dos direitos humanos e das liberdades e promotor da justiça.213
Não pode uma sede revisionista impensada partir do pressuposto da necessidade de modernização para adotar decisões que ponham em cheque a soberania nacional e que, sob pretexto de abrir a economia aos investimentos estrangeiros, chegue na verdade a entregar o mercado nacional ao poder econômico internacional. Mas também não se podia manter um posicionamento contrário ao moderno direcionamento da economia. Assim é que a Emenda Constitucional n. 6, de 15 de agosto de 1995, revogou a disposição contida no artigo 171 da Constituição Federal. Permanece a disposição do artigo 172 segundo a qual “a lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros”. Está claro que a limitação imposta ao capital estrangeiro, a nível constitucional, foi sobremaneira forte, a ponto de afastá-lo. A Lei n. 4.131, de 3 de setembro de 1962, que foi promulgada com a finalidade de disciplinar a aplicação do capital estrangeiro e as remessas de valores para o exterior, definiu, no artigo 1 o, o que se deveria entender por capital estrangeiro. Determinam os dois primeiros artigos dessa Lei: Art. 1o Consideram-se capitais estrangeiros, para os efeitos desta lei, os bens, máquinas e equipamentos, entrados no Brasil sem dispêndio inicial de divisas, des nados à produção de bens ou serviços, bem como os recursos financeiros ou
monetários, introduzidos no país, para aplicação em a vidades econômicas desde que, em ambas as hipóteses, pertençam a pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior. Art. 2o Ao capital estrangeiro que se inves r no País, será dispensado tratamento jurídico idên co ao concedido ao capital nacional em igualdade de condições, sendo vedadas quaisquer discriminações não previstas na presente lei.
A Lei n. 4.390, de 29 de agosto de 1964, alterou alguns dispositivos da Lei n. 4.131, de 1962. E ainda, o Decreto n. 1.251, de 1994, modificou o artigo 52 do Decreto n. 55.762, de 1965. A Medida Provisória n. 851, de 1995, alterou os artigos 23 e 58 da Lei n. 4.131, de 1962, modificados pela Lei n. 4.390, de 1964. As Medidas Provisórias nos 911, 953, 978, 1.004 e 1.027, todas de 1995, convalidam os atos praticados com base na Medida Provisória n. 851. A MP n. 1.027/95, por sua vez, foi convertida na Lei n. 9.069, de 1995, que altera os §§ 2o e 3o do artigo 23 e o artigo 58 da Lei n. 4.131/62 (artigo 72). Assinalem-se, para futuras análises, os trabalhos em torno da elaboração de um Código Internacional de Conduta para regular a atuação das Empresas Transnacionais. 6.3. O papel do Estado na ordem econômica Os artigos 173 e 174 procuram definir o papel que deve passar a ser desempenhado pelo Estado. O artigo 173 se refere à exploração direta de atividade econômica pelo Estado, limitando-a. Já o artigo 174 delineia o papel do Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica. Para uma perfeita percepção da mudança de direcionamento, será útil confrontar os textos do artigo 163 da Constituição de 1967/69 e do artigo 173 da Constituição de 1988. Ei-los: Art. 163. São facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinada indústria ou a vidade, mediante lei federal, quando indispensável por mo vo de segurança nacional ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficácia no regime de compe ção e de liberdade de inicia va, assegurados os direitos e garan as individuais. Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Cons tuição, a exploração direta de a vidade econômica pelo Estado só será permi da quando necessária aos impera vos da segurança nacional ou a relevante interesse cole vo, conforme definidos em lei.
Enquanto no texto de 1967/69 se diz que “são facultados” a intervenção e o monopólio, o de 1988 determina que a exploração direta de atividade econômica pelo Estado “só será permitida”. Enquanto no primeiro caso há uma faculdade aberta ao Estado, no segundo existe uma proibição que permite exceções. Para completar, a Constituição, no artigo 174, revela que o papel principal do Estado será o de “agente normativo e regulador da atividade econômica”. E esclarece que essas funções se corporificam na fiscalização, no incentivo e no planejamento. 6.3.1. O abuso do poder econômico: papel repressor do Estado Há que fazer-se uma observação quanto ao § 4o do artigo 173, cujo conteúdo é o seguinte: A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
A Constituição de 1948 inscrevera essa matéria num artigo independente. Já a Constituição de 1967/69 deu a esse dispositivo o nível de princípio da ordem econômica e social e o inseriu no artigo 160. O constituinte de 1988 errou gravemente ao colocar essa norma no contexto do artigo 173 que nada tem a ver com abuso de poder econômico. De qualquer sorte, pela importância que a matéria vem hoje tendo, tal norma mereceria figurar em artigo, e não num simples parágrafo.
O conteúdo desse dispositivo é a contrapartida à atuação do Estado para defender e garantir a livre atuação das empresas no mercado, a que se fez referência acima. 6.3.2. A privatização: O afastamento do Estado Dentre as considerações sobre o novo papel do Estado no âmbito da atividade econômica, devese fazer uma menção prévia sobre o fenômeno da privatização, que será objeto de estudo mais detalhado sobre as diversas modalidades de atuação do Estado no domínio econômico. A Constituição Federal de 1988 mudou fundamentalmente o direcionamento jurídico da posição do Estado no campo da atividade econômica. O artigo 170 da Constituição Federal, ao traçar os parâmetros da Ordem Jurídico-Econômica Brasileira, privilegiou o fundamento da liberdade de iniciativa, que, pela sua própria conceituação doutrinária e legal, limita a intervenção do Estado no domínio econômico. E é este justamente o contexto normativo do Título VII da Constituição. Assim é que o artigo 173 da C.F. estabelece: Ressalvados os casos previstos nesta Cons tuição, a exploração direta de a vidade econômica pelo Estado SÓ SERÁ PERMITIDA quando necessária aos impera vos da segurança nacional ou a relevante interesse cole vo, conforme definidos em lei.
Vê-se, assim, que o Constituinte de 1988 mudou inteiramente a situação anterior, vigente ao tempo da Constituição de 1967, quando a atividade estatal era supletiva da iniciativa privada, justificandose, àquela época, de forma ampla a exploração direta, pelo Estado, da atividade econômica. Agora, após o texto constitucional de 1988, “a exploração direta de atividade econômica pelo Estado SÓ SERÁ PERMITIDA quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo”, exigindo-se ainda que os imperativos e o relevante interesse sejam definidos em lei. E o texto constitucional valeu-se também do termo “imperativos”, que tem o sentido legítimo de mandamento, de ordem, de exigência. Pelo conjunto dos elementos significativos utilizados pelo Legislador Constituinte, conclui-se que sua intenção foi, e é, a de vedar, proibir que o Estado aja como empresário. Essa opção política, econômica e social é importante seja entendida em toda a sua profundidade, pois que será ela a condicionar o encaminhamento legislativo destinado a dar concretude ao mandamento constitucional. O Legislador Constituinte quer afastar o Estado da atuação direta no âmbito da economia, do exercício e exploração direta da atividade econômica, e, portanto, da participação em empresas como acionista. Invocava-se a impotência da empresa, diante dos ingentes desafios dos empreendimentos, para justificar a ação do Estado. Agora, a ineficiência deste fala em favor da iniciativa privada. Por outro lado, o artigo 174 da Constituição Federal vem delinear qual será o papel do Estado dentro do contexto da Nova Ordem Jurídico-Econômica. Aí está preceituado que a atuação do Estado se dará como AGENTE NORMATIVO E REGULADOR da atividade econômica. Dentro dessa sua nova configuração, terá ele, precipuamente, três funções: FISCALIZAR, INCENTIVAR e PLANEJAR. A partir da Constituição Federal de 1988, as atividades ditas essenciais do Estado são aquelas discriminadas no Título VIII da Lei Maior, ou seja, a seguridade social, saúde, educação, e demais
problemas correlatos. No âmbito da economia, o Estado assume importante função, qual seja a de zelar superiormente e garantir, através da fiscalização, incentivo e planejamento, a eficácia dos princípios traçados no artigo 170 C.F. Os contornos constitucionais dessa Nova Ordem Jurídico-Econômica levam à conclusão lógica de que, a partir da promulgação da Constituição de 1988, todas as participações acionárias do Estado se tornaram inconstitucionais, a exigir uma pronta tomada de posição legislativa e administrativa no sentido de dar cumprimento ao novo imperativo constitucional. Essa Nova Ordem exige que, de pronto, sejam transferidas para a iniciativa privada todas as participações do Estado na atividade econômica direta. 6.3.3. A Efetivação das Privatizações A efetivação das privatizações iniciou-se com o governo Collor. A questão, contudo, não pode ser vista como uma obra daquele governo, embora tenha começado a concretizar-se no período de sua gestão. Não se podem confundir os planos de concretização constitucional e político- econômico, com eventos de índole meramente político-partidária. A Constituição de 1988 veio concretizar os anseios de afastamento do Estado da atividade econômica, existentes anteriormente a ela. Promulgada a nova Constituição, iniciaram-se imediatamente os direcionamentos técnico-administrativos no sentido de concretizar a postura do Estado na Nova Ordem Jurídico-Econômica. Anteriormente à promulgação da Constituição de 1988, tinham sido já editados dois importantes diplomas legislativos: o Decreto n. 91.991, de 28 de novembro de 1985, e o Decreto n. 95.886, de 29 de março de 1988, que revogou o primeiro. O artigo 1o deste último Decreto já instituía “o Programa Federal de Desestatização, com os seguintes objetivos: I – transferir para a iniciativa privada atividades econômicas exploradas pelo setor público;” E o artigo 2o do mesmo Decreto estabelecia: “O Programa Federal de Desestatização será executado por meio de projetos de privatização e de desregulamentação”. Na data em que tomava posse o Governo Collor, já estavam prontos os estudos e projetos destinados a viabilizar a privatização, tanto que, na mesma data da posse, era editada a Medida Provisória n. 155, de 15 de março de 1990, instituindo-se o Programa Nacional de Desestatização.214 Essa Medida Provisória se transformou na Lei n. 8.031, de 12 de abril de 1990, dando assim condição de definitividade ao Programa Nacional de Desestatização. A linha de pensamento desse Programa é a de reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público. Essa determinação foi mantida pela Lei n. 9.491/97. É óbvio que a saída do Estado desse campo de atuação direta na economia efetivar-se-á simultaneamente com a contribuição para a redução da dívida pública, concorrendo para o saneamento das finanças do setor público, permitirá a retomada dos investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada, contribuirá para a modernização do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia, permitirá que a Administração pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades
nacionais, contribuirá para o fortalecimento do mercado de capitais, através do acréscimo da oferta de valores mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o Programa (cf. artigo 1o da Lei n. 8.031/90). Para cumprimento desses imperativos, necessário se fazia transferir para o setor privado aquelas empresas que eram, e são, controladas, direta ou indiretamente, pela União, e aqueloutras que, criadas pelo setor privado, passaram ao controle, direto ou indireto, da União. Esse é o fenômeno da privatização. O § 1o do artigo 2o da Lei n. 8.031/90 definia a privatização como a “alienação, pela União, de direitos que lhe assegurem, diretamente ou através de outras controladas, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores da sociedade”. Já a Lei n. 9.491, de 1997, substitui privatização por desestatização, mas conserva a mesma definição, complementando-a com o conceito de transferência para a iniciativa privada “da execução de serviços públicos explorados pela União, diretamente ou através de entidades controladas, bem como daqueles de sua responsabilidade”. Vê-se, portanto, que o direcionamento legislativo para a concretização do mandamento constitucional já estava elaborado anteriormente à posse do presidente eleito em 1989 e empossado em 15 de março de 1990. 6.3.4. A privatização como fenômeno mundial Não se pode, portanto, entender que a privatização fosse a obra de um novo governo. É ela a nova orientação de nível constitucional, além de ser também o eco de um movimento mundial. A intervenção do Estado no domínio econômico atua de forma pendular. A períodos em que se defende intransigentemente o absenteísmo do Estado da esfera econômica sucedem-se outros em que se deseja e se exige que o Estado intervenha, e até mesmo atue, no domínio econômico. Em movimento de ordem inversa, a períodos em que o Estado interveio e atuou no domínio econômico, às vezes mesmo de forma excessiva, sucedem-se outros em que se defende e se impõe uma retração, uma retirada. A comunidade mundial vive hoje esse momento de recuo do Estado, que sente a necessidade de incentivar e estimular a iniciativa privada, vive e concretiza a conveniência de o Estado não atuar diretamente no domínio econômico, a imperatividade de o Estado não explorar diretamente a atividade econômica. A atuação estatal vê-se, consequentemente, limitada à esfera normativa e reguladora da atividade econômica. O movimento pela privatização encontra eco em todo o mundo. Desde os países antes tidos como capitalistas, ou neocapitalistas, até os países de corrente socialista, todos defendem a limitação do Estado, a sua contenção no âmbito da atuação como AGENTE NORMATIVO E REGULADOR, sem o absenteísmo característico do período liberal. Para que se tenha uma visão isenta dessa anterioridade do movimento de privatização e de seu total descompromisso com um determinado Governo, basta lembrar as referências feitas por LUCIEN RAPP, em livro editado na França em 1986. Ali diz ele:
Nos países em desenvolvimento o mesmo processo de priva zação, por razões financeiras, pode ser observado: na África, e por exemplo na Nigéria, cujo endividamento absorve 40% de suas receitas de exportação, mas também em Angola, em Moçambique, no Congo, no Senegal, em Máli ou na América La na NOTADAMENTE NO BRASIL; país em que o setor públic produ vo ocupa um lugar frequentemente dominante na economia porque as empresas públicas aí foram os instrumentos privilegiados da planificação do desenvolvimento.215
O artigo 4o da Lei n. 8.031, de 12 de abril de 1990, veio estabelecer as formas operacionais: Art. 4o Os projetos de privatização serão executados mediante as seguintes formas operacionais: I – alienação de par cipação societária, preferencialmente mediante a pulverização de ações junto ao público, empregados, acionistas, fornecedores e consumidores; II – abertura de capital; III – aumento de capital com renúncia ou cessão, total ou parcial, de direitos de subscrição; IV – transformação, incorporação, fusão ou cisão; V – alienação, arrendamento, locação, comodato ou cessão de bens e instalações; ou VI – dissolução de empresas ou desa vação parcial de seus empreendimentos, com a consequente alienação de seus ativos.
É preciso salientar que o legislador optou por indicar formas operacionais amplas, seguindo neste pormenor orientação legislativa já existente e que permanece vigente e eficaz, qual seja o dispositivo do artigo 15 do Decreto-lei n. 2.300, de 21 de novembro de 1986, verbis: Art. 15. A alienação de bens da União e de suas autarquias, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será sempre precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas: I – quando imóveis II – quando móveis, dependerá de avaliação prévia e de licitação, dispensada esta nos seguintes casos: ................................................................(omissis)............................................................ b) permuta; c) venda de ações, que poderão ser negociadas em bolsa, observada a legislação específica; ................................................................(omissis)............................................................
A Lei n. 8.031/90 conferiu à Comissão Diretora competência para a realização dos atos necessários à concretização da privatização. Trata-se de poderes discricionários para tomar decisões quanto a questões que não podem ser previstas minudentemente pela lei. Para a implementação de tal desiderato dispõe o artigo 6o da Lei n. 8.031: Art. 6o Compete à Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização: ................................................................(omissis)............................................................ V – coordenar, supervisionar e fiscalizar a execução do Programa Nacional de Desestatização; VI – aprovar ajustes de natureza operacional, contábil ou jurídica, bem como o saneamento financeiro de empresas, que sejam necessários à implantação dos processos de alienação; VII – aprovar as condições gerais de venda das ações representa vas do controle acionário, das par cipações minoritárias e de outros bens e direitos, aí se incluindo o preço mínimo dos bens ou valores mobiliários a serem alienados; VIII – aprovar a destinação dos recursos provenientes das alienações, previstas no artigo 15; IX – aprovar as formas de pagamentos das alienações previstas no artigo 16; ................................................................(omissis)............................................................
O artigo 9o do Decreto n. 99.463, de 16 de agosto de 1990, ao regulamentar a competência da Comissão Diretora, manteve-se estritamente dentro dos limites da Lei n. 8.031/90. É, por isso mesmo, inquestionável a sua constitucionalidade e legalidade. Nenhuma censura se lhe pode fazer.216 É óbvio que, para o exercício dessa competência, deveria a Comissão Diretora ter ao seu alcance
um instrumento normativo adequado. Não se lhe pode, portanto, censurar a utilização da Resolução, justamente como o meio próprio para aprovar as condições gerais de alienação de ações, fixando inclusive o preço mínimo, para aprovar as formas de pagamento do preço dos bens, direito ou valores mobiliários objeto da alienação, de acordo com as diretrizes e a política econômica do Governo Federal, estabelecidas pelo Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento (Decreto n. 99.463/90, art. 9o, IX e X). E a Comissão Diretora exerceu esse poder discricionário que lhe é atribuído pela Lei e regulamentado por Decreto, através de Resoluções. Por outro lado, o artigo 38 do Decreto n. 99.463/90 veio estabelecer para o adquirente de participação societária ou de elementos do ativo patrimonial de sociedade incluída no Programa Nacional de Desestatização um poder, uma faculdade , em que estão contempladas outras formas de pagamento definidas em RESOLUÇÃO da Comissão Diretora, inclusive a assunção de dívidas do controlador. Inegável, portanto, a teor do disposto na Lei n. 8.031/90, em seu artigo 6o, o poder discricionário conferido legalmente à Comissão Diretora. Nem poderia ser diversamente, posto que se trata de disciplinar, regulamentar e direcionar atividades jurídico-econômicas a ser desenvolvidas no fervilhar do mercado, que, pela sua própria natureza, não comporta uma regulamentação estrita, imutável e elaborada distantemente do acontecer imediato dos fatos. O legislador previu as formas operacionais para pagamento das alienações, considerando o poder discricionário concedido à Comissão Diretora. A discriminação das formas operacionais se fez exemplificativamente, não taxativamente. É o que se deduz do teor do artigo 16 da Lei n. 8.031/90:
Art. 16. Para o pagamento das alienações previstas no Programa Nacional de Desesta zação, PODERÃO SER ADOTADAS a seguintes formas operacionais: I – as ins tuições financeiras privadas, credoras das empresas depositantes de ações junto ao Fundo Nacional de Desesta zação, poderão financiar a venda das ações ou dos bens das empresas subme das à priva zação, mediante a utilização, no todo ou em parte, daqueles créditos; II – os detentores de tulos da dívida interna vencidos, emi dos pelo alienante das ações ou dos bens e que contenham cláusula de coobrigação de pagamento por parte do Tesouro Nacional poderão u lizá-los como forma de quitação de aquisição, caso sejam adquirentes das referidas ações ou bens; III – mediante transferência de tularidade dos depósitos e outros valores re dos junto ao Banco Central do Brasil, em decorrência do Plano de Estabilização Econômica.
O legislador preferiu adotar a enumeração exemplificativa, e não taxativa, através da norma contida na Lei n. 8.031, primeiro porque se trata de questão a ser dirimida no âmbito do mercado, que tem leis próprias que não podem sofrer a pressão presumidamente determinista da norma jurídica, segundo porque, do ponto de vista constitucional e legal, há órgãos que têm competência para intervir normativamente no domínio econômico e estabelecer regras e normas destinadas a reger as situações jurídico-econômicas. 7. OUTRAS FUNÇÕES DO ESTADO Os artigos 175, 176, 177, 178 e 180 da Constituição de 1988 contêm normas garantidoras da atuação do Estado em determinados domínios, como o de prestação de serviços públicos sob regime
de concessão, o da propriedade das jazidas, o do monopólio de petróleo e gás natural, o do transporte aéreo, marítimo e terrestre , e ainda o da obrigação de promover e incentivar o turismo como fator de desenvolvimento social e econômico.. Será importante ressaltar a mudança no direcionamento do papel do Estado. A Lei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, veio disciplinar o regime de concessão ou permissão, para a prestação de serviços públicos prevista no artigo 175 da Constituição Federal. Saliente-se também a Lei n. 9.074, de 7 de julho de 1995, que outorga e prorroga concessões e permissões de serviços públicos. A Emenda Constitucional n. 9, de 9 de novembro de 1995, alterou os parágrafos do artigo 177 da Constituição de 1988. Este artigo tinha, na redação original, dois parágrafos: § 1o O monopólio previsto neste ar go inclui os riscos e resultados decorrentes das a vidades nele mencionadas, sendo vedado à União ceder ou conceder qualquer po de par cipação, em espécie ou em valor, na exploração de jazidas de petróleo ou gás natural, ressalvado o disposto no art. 20, § 1o. § 2o A lei disporá sobre o transporte e a utilização de materiais radioativos no território nacional.
A Emenda Constitucional n. 9/95 mudou a redação e acrescentou um parágrafo, ficando assim a redação atual: 1o A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das a vidades previstas nos incisos I a IV deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei. 2o A lei a que se refere o § 1o disporá sobre: I – a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território nacional; II – as condições de contratação; III – a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União. 3o A lei disporá sobre o transporte e a utilização de materiais radioativos no território nacional.
Esta alteração das disposições constitucionais acarretou o que se chamou de “quebra do monopólio” estatal do petróleo. A alteração introduzida no art. 178 através da Emenda Constitucional n. 7, de 15 de agosto de 1995, acarretou também a quebra do monopólio estatal estabelecida pela redação anterior. Por força dessa Emenda, o art. 178 passou a ter a seguinte redação: Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquá co e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade. Parágrafo único. Na ordenação do transporte aquá co, a lei estabelecerá as condições em que o transporte de mercadorias na cabotagem e a navegação interior poderão ser feitos por embarcações estrangeiras.
NORTH, Douglass C. “Ins tu ons are the rules of the game in a society….Organiza ons provide a structure to human interac on (political, economic, social and educational bodies…)”. Institutions, institutional change and economic performance, 1990. Idee zu einer allgemeinen Geschichte in weltbürgerlicher Absicht. PASINI, D. Diritto, società e stato in Kant. p. 222. Economía y sociedad: esbozo de sociología comprensiva. 1969. p. 251. Cf. KIRK, G. S. e RAVEN, J. E. Os filósofos pré-socráticos. 1982. p. 95-139. ARISTÓTELES. Política. 1.326a: “A lei é uma forma de ordem, e uma boa lei deve necessariamente significar uma boa ordem”. Assinala Ortega y Gasset: “Dotado de uma capacidade de trabalho prodigiosa, Mirabeau era um organizador nato. Onde quer que chegasse, estabelecia ordem, sintoma supremo do grande polí co. Estabelecia ordem no bom sen do da palavra, o qual exclui, como recursos normais, polícia e baionetas. Ordem não é uma pressão que se exerce de fora sobre a sociedade, mas um equilíbrio que se cria em seu interior” (História como sistema – Mirabeau ou o político. Brasília: UNB, 1982. p. 82). “Uma de nossas principais teses é que, embora ordem espontânea e organização devam sempre coexis r, não é possível combinar esses dois princípios de ordem a nosso bel-prazer. Isso é em geral pouco compreendido porque, para a determinação de ambos os
pos de ordem, temos de nos valer de normas, e porque as diferenças importantes entre as normas exigidas pelas duas modalidades de ordem frequentemente não são percebidas” (F. A. HAYEK. Direito, legislação e liberdade. v. I. p. 50). A denominação de performativos provém do estudo de John L. Aus n: “Performative utterance”. Ali afirma aquele autor: “Tendes todo o direito de ignorar o significado de ‘performativo’. É uma palavra nova e feia, e talvez não queira dizer mesmo nada. Contudo, pelo menos tem um lado posi vo: Não é uma palavra profunda.” “Trata-se de enunciados absolutamente normais, com verbos comuníssimos na primeira pessoa singular do presente indica vo a vo, mas que, veremos logo, não podem de nenhum modo ser verdadeiros ou falsos. Além disso poder-se-ia dizer que com o proferir enunciados de tal po se faz e não somente se diz alguma coisa.” “Ora, aos enunciados deste po eu os chamo de performativos” (Enuncia performa vi. In: Diri o e analisi del linguaggio, a cura di Uberto Scarpelli. Milano: Edizioni di Comunità. 1976. p. 123-141. Cf. também OPALEK, Kazimierz.Il problema del significato dire vo. Ibidem. p. 143-162. AUSTIN, J.L.Palabras y acciones, 1971. TWINING, William e MIERS, David. Come far cose con regole: Interpretazione e applicazione del diritto. 1990. Observa Yan Patrick: “No direito primi vo romano, essencialmente ritualista e oral, a fórmula não é uma expressão acrescentada, mas produto, por uma espécie de intrínseca regulação, das situações vincula vas. ‘UTI LINGUA NUNCUPASSIT, ITA JUS ESTO”: nã se poderia fazer ver melhor, com esta regra das XII Tábuas rela va aos atos jurídicos (NEXUM: emprés mo; MANCIPIUM transferência real), que a força do direito reside nas palavras que o realizam. Le droit entre les mots et les choses. In: Archives de philosophie du droit. 1978. p. 95). Greimas, o grande estudioso da linguagem a nível semântico, afirma: “o plano do discurso, no seu conjunto, é caracterizado por esta heterogeneidade fundamental: de um lado, os semas, os lexemas e os enunciados que se encontram aí podem manter entre si relações de conjunção ou de disjunção: de outro lado, os mesmos elementos podem ser ligados por relaçoes hipotá cas. Resulta daí que os primeiros vão manifestar, no interior do discurso, unidades situadas sobre a dimensão paradigmá ca, ao passo que os úl mos vão estabelecer, no mesmo discurso, a dimensão sintagmá ca: em outros termos, o plano do discurso, de acordo com o po de relações u lizadas, manifesta tanto o modo de existência paradigmá ca quanto o de existência sintagmá ca” ( Semântica estrutural. 1976. p. 56). Umberto Eco define a ISOTOPIA como a “constância de um percurso de sen do que um texto exibe quando é subme do a regras de coerência interpreta va, ainda que as regras de coerência se mudem conforme se pretenda especificar isotopias discursivas ou narra vas, destruir a ambiguidade de descrições finitas ou de frases e realizar correferências, decidir o que fazem determinados indivíduos, ou estabelecer a quantas histórias diversas pode dar origem a mesma conduta dos mesmos indivíduos” (Leitura do texto literário. 1983. p. 107). Dis ngue Roland Barthes os dois planos integrantes dos eixos de linguagem, o dos sintagmas, que corresponde à combinação interna dos signos, a dar coerência formal ao discurso, e que cons tui a ordem; o plano associa vo é que cons tui o plano paradigmático ou sistemático (Elementos de semiologia. 1971. p. 75). “Todo direito, adverte André-Jean Arnaud, enquanto sistema de normas jurídicas impostas, é reflexo de uma visão de mundo, projetada em parte conscientemente e em parte inconscientemente, pela intermediação do poder, na vida social e econômica do grupo sob forma de regras atribu vas, impera vas ou proibi vas, des nadas a assegurar a realização desta visão.” E prossegue: “Desta observação decorre uma explicação da dissemelhança possível entre os direitos. Cada um resulta de um princípio ou de um conjunto de princípios, geralmente não expressos, mas que a inquirição filosófica pode ajudar a descobrir. Em função destes princípios, e a par r de sua qualidade de conjunto sistemá co, o direito se ordena, aparentemente ou não, em torno de uma razão. Pode ocorrer que esta razão se materialize em uma norma fundamental, hierarquicamente superior às outras. Mas em nenhum caso se iden fica com ela. O direito é talvez necessariamente ordenado. mas ele é essencialmente sistemá co. Assim se pode dizer que toda ordem jurídica está cons tuída em sistema... A ordem não pode estar em oposição com o sistema. Trata-se de dois níveis de tratamento diferentes” (Critique de la raison juridique. 1981. p. 22). “Se até aqui, afirma Ernst Cassirer, nos esforçamos por desvendar a raiz comum da conceituação linguís ca e mí ca, surge agora a pergunta de como se reflete esta conexão na estrutura do ‘mundo’ da linguagem e do mito. Manifesta-se aqui uma lei que tem a mesma validade para todas as formas simbólicas e que determina essencialmente seu desenvolvimento. Nenhuma destas formas se apresenta, de pronto, como configuração isolada, existente por si, reconhecível em si mesma, mas todas se desprendem aos poucos de sua mãe-terra comum que é o mito. Todos os conteúdos do espírito, por mais que tenhamos de atribuir-lhes sistema camente um domínio próprio e fundamentá-lo em seu próprio ‘princípio’, autônomo, na realidade nos são dados primeiro apenas neste entrelaçamento. A consciência teórica, prá ca e esté ca, o mundo da linguagem e do conhecimento, da arte, do direito e o da moral, as formas fundamentais da comunidade e do Estado, todas elas se encontram originariamente ligadas à consciência mí co-religiosa”. “Este vínculo originário entre a consciência linguís ca e a mí co-religiosa expressa-se, sobretudo, no fato de que todas as formações verbais aparecem outrossim como en dades mí cas, providas de determinados poderes míticos, e de que a palavra se converte numa espécie de arquipotência, onde radica todo o ser e todo acontecer. Em todas as cosmogonias mí cas, por mais longe que remontemos em sua história, sempre volvemos a deparar com esta posição suprema da palavra” (Linguagem e mito. 1972. p. 63-64). Afirma Vital Moreira que “uma concepção “substancial” e não “meramente norma va” da cons tuição pressupõe e exige uma permanente vinculação à realidade que (a) informa. A elaboração de um conceito jurídico de cons tuição econômica não pode ser levada a cabo sem que se tenha em conta a específica estrutura econômica em que aquela encontra as suas raízes e que pretende garan r e dirigir. Sem essa ligação à estrutura econômica, os preceitos econômicos da cons tuição nunca poderão ser compreendidos no seu sen do e alcance prá co-jurídicos, muito menos ser objeto de elaboração teórica” (Economia e cons tuição.
p. 14-15). Cf. também do mesmo autor: Economia e cons tuição: para o conceito de cons tuição econômica, in Bole m de Ciências Econômicas, (XIX), 1976, p. 1-48. Segundo Gaspar Ariño Or z, “entende-se por Cons tuição econômica o conjunto de princípios, critérios, valores e regras fundamentais que presidem a vida econômico-social de um país segundo uma ordem que se acha reconhecida na Cons tuição. Natualmente, esta ‘ordem econômica cons tucional’ – não é uma peça isolada mas um elemento a mais dentro da estrutura básica da lei fundamental” (Economía y Estado: crisis y reforma del sector público. 1993. p. 95). Léxique d’économie, 1992. Cf. também o verbete “Sistema” na Enciclopédia Verbo. Os sistemas econômicos. 1991. p. 7. Léxique d’économie. 1992. Chenot. 1965. p. 93. Observa Bernard Chenot que “a guerra de 1914, prolongando-se e revelando novas técnicas militares, obrigou o Estado a tomar em mãos a direção da vida econômica. Esta guerra foi, como se diz, ‘uma formidável empresa cole vista’. Pois, com efeito, o governo teve que corrigir os desequilíbrios econômicos que o estado de guerra criou, estabilizando os preços, racionando o consumo dos gêneros alimen cios essenciais, proibindo a exportação de capitais. E mais, depois da guerra, o Estado foi chamado a mobilizar um número sempre crescente de a vidades econômicas e a gerir ele próprio importantes empresas” (Organisa on économique de l’État. 1965. p. 52). Afirma Vital Moreira que “a ideia de cons tuição econômica nha precisamente por fim efe var esses obje vos de reordenação econômica, através, desde logo, do estabelecimento de uma cons tuição jurídica da economia. Tal como a ideia de cons tuição começou por ser uma ideia de luta no princípio do século 19, também agora a ideia de cons tuição econômica se apresentava como um Kamp egriff . Tal como na ideia de cons tuição se con nha a representação de uma nova sociedade e de um novo estado, contra a realidade do ancien régime, também agora na ideia de cons tuição econômica se con nha a negação da ordem econômica liberal a favor da representação de uma nova ordem econômica” (Vital Moreira. 1979. p. 21-22). Economia e Constituição. 1979. p. 41. Assinala Vital Moreira que “a caracterís ca mais notável das cons tuições econômicas contemporâneas é o fato de incluírem em geral um grande número de disposições des nadas a informarem a polí ca econômica, isto é, conterem uma ordem econômica programática, enfim, uma constituição econômica diretiva” (Economia e Constituição. 1979. p. 117). Focalizando a Cons tuição sob o aspecto dire vo, Gomes Cano lho aponta importante evolução: “Uma irredu vel dualidade parece marcar as discussões em torno da cons tuição: a ideia de sociedade civil e liberdade dos homens, assente no “mercado”; a ideia de sociedade e igualdade, assente no “Estado”. A perspec va que se vai adotar parte, pelo contrário, da ideia de conformação da sociedade, numa determinada situação histórica, como um problema aberto. Mais do que apurar uma ontologia do “ser do Estado” ou do “ser do mercado” e considerar esses “seres” como “pontos” e “limites” absolutos, importa inseri-los num processo dialé co em que o problema da cons tuição social é um problema de transformação da realidade a realizar pelos homens. A “ordo” surge como problema de “evolução” ou de “construção”. O problema está em como se deve conformar a realidade e se a ideia da “boa conformação da realidade” deve explicitar-se ou não nos textos cons tucionais” ( Cons tuição dirigente e vinculação do legislador. 1982. p. 69-71). A dire vidade da cons tuição condiciona o surgimento das normas-fim e das normas-tarefa: “A relevância das normas-fim e normas-tarefa – normas que determinam os fins a alcançar e as tarefas a cumprir –, no âmbito da cons tuição dirigente, foi concretamente assinalada ao tratar-se das imposições cons tucionais. O mais frequente neste po de normas cons tucionais é que elas estabeleçam, como dever do legislador, alcançar certos fins, mas sem prescreverem, em geral, os meios ou comportamentos através dos quais eles possam ser ob dos. Como normas teleológicas, impõem heteronomamente fins; a decisão autônoma quanto aos meios cabe no âmbito do poder-dever do legislador” (idem. ibidem. p. 446). Direito econômico: a ordem econômica portuguesa. 1990. p. 90-91. Acentua Norberto Bobbio que “nas cons tuições liberais clássicas a função principal do estado parece ser aquela de tutelar (ou garantir); nas cons tuições pós-liberais, ao lado da função da tutela ou da garan a, surge sempre mais frequentemente a de promover” (La funzione promozionale del diri o, in Dalla stru ura alla funzione, p. 25). E noutro trabalho acentua ainda o mesmo A utor: “A função de um ordenamento jurídico não é só a de controlar os comportamentos dos indivíduos, o que pode ser conseguido através da técnica das sanções nega vas, mas também a de dirigir os comportamentos para certos obje vos preestabelecidos. O que pode ser alcançado preferivelmente através da técnica das sanções posi vas e dos incen vos. A concepção tradicional do direito como ordenamento coa vo diz-se fundada no pressuposto do homem mau, cujas tendências an ssociais devem justamente ser controladas. Pode-se dizer que a consideração do direito como ordenamento dire vo parte do pressuposto do homem inerte, passivo, indiferente, que deve ser es mulado, provocado, solicitado. Creio portanto que seja mais correto definir o direito, do ponto de vista funcional, como forma de controle e de direção social” (Verso una teoria funzionalis ca del diri o. In: Dalla struttura alla funzione. 1977. p. 87-88). José Afonso da Silva define as normas programáticas como “aquelas normas constitucionais, através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legisla vos, execu vos, jurisdicionais e administra vos), como programas das respec vas a vidades, visando à realização dos fins sociais do Estado” (Aplicabilidade das normas constitucionais. 1968. p. 132). A respeito desse tema será de leitura obrigatória ar go de Celso Antônio Bandeira de Mello, em que ele defende a eficácia imediata de todas as normas cons tucionais, incluídas as programá cas: “Todas as normas cons tucionais concernentes à Jus ça Social – inclusive as programá cas – geram imediatamente direitos para os cidadãos, inobstante tenham teores eficaciais dis ntos.
Tais direitos são verdadeiros “direitos subje vos”, na acepção mais comum da palavra” (Eficácia das normas cons tucionais sobre justiça social, in Revista de Direito Público. 57/58. p. 255). Cano lho pensa da mesma forma: “Além de cons tuírem princípios e regras definidoras de diretrizes para o legislador e a administração, as “normas programá cas” vinculam também os tribunais, pois os juízes “têm acesso à cons tuição”, com o consequente dever de aplicar as normas em referência (por mais geral e indeterminado que seja o seu conteúdo) e de suscitar o incidente de incons tucionalidade, nos feitos subme dos a julgamento (cf. CRP, art. 207 o) dos atos norma vos contrários às mesmas normas (Direito Cons tucional. 1991. p. 193). Cf. também, do mesmo autor, Cons tuição dirigente e vinculação do legislador. 1982. p. 277-315. Teoria pura do direito. 1974. p. 57. Juan-Ramón Capella observa que o rendimento de uma linguagem depende de sua consistência: “El rendimiento de los lenguajes se examina atendiendo a tres propiedades llamadas ‘consistencia’, ‘completud’ y ‘decidibilidad’. Se dice que un lenguaje formalizado es consistente cuando carece de contradicción o, dicho en otras palabras, cuando no es posible demostrar en él una fórmula y su negación” (El derecho como lenguaje: un análisis lógico. 1968. p. 276). L’ordre juridique. 1975. p. 19. Acentua ainda San Romano: “Isto significa que a ins tuição, no sen do em que a descrevemos, é a manifestação primeira, originária e essencial do direito. Este não se pode revelar senão numa ins tuição, e a ins tuição existe como tal enquanto o direito a cria e a mantém em vida. Toda força, quando é efe vamente social e se acha portanto organizada, se transforma por isso mesmo em direito. E se, como acontece, ela se choca com uma outra ins tuição, pode-se bem ver aí uma razão de lhe denegar o caráter jurídico ou de a considerar muito simplesmente como an jurídica para esta ins tuição, isto é, para a ordem contra a qual ela se volta como força desorganizadora e an ssocial: mas ela é, ao contrário, uma ordem jurídica quando é considerada, não mais deste ponto de vista, a par r desta relação, mas em si, enquanto ela disciplina e regulamenta seus elementos próprios. Como se disse, uma sociedade revolucionária ou uma associação de malfeitores não serão direito para o Estado que elas querem abater ou cujas leis elas violam, assim como uma seita proveniente de um cisma é declarada an jurídica pela Igreja; mas isto não exclui, nestes casos, que se esteja em presença de ins tuições, de organizações, de ordens que, tomadas isoladamente e intrinsecamente consideradas, são jurídicas. Inversamente, não é direito aquilo, e somente aquilo, que não se apresenta como organização social” (ibidem. p. 31-32). Para Saussure, “a linguís ca sincrônica se ocupará das relações lógicas e psicológicas que unem os termos coexistentes e que formam sistema, tais como são percebidos pela consciência cole va”, ao passo que “a linguística diacrônica estudará, ao contrário, as relações que unem termos sucessivos não percebidos por uma mesma consciência cole va e que se subs tuem uns aos outros sem formar sistema entre si” (Curso de linguística geral. Cultrix, s/d. p. 116). A esse respeito afirma Georges Mounin: “a língua do direito, para exprimir o que ela tem a dizer, tem necessidade, não somente do léxico específico do direito e de algumas par cularidades sintá cas próprias, mas de toda a língua francesa. (...) Haveria certamente perigo em querer fazer de uma determinada língua do direito uma essência sui generis exterior linguis camente à língua de todo o mundo” (La linguistique comme science auxiliaire dans les disciplines juridiques. In: Arch. de philos. du droit. XIX, p. 12). Ver a este respeito: GÉRARD CORNU, Linguistique Juridique. 1990. p. 38: “À primeira vista, o estudo do vocabulário jurídico e do discurso jurídico se desenvolve sincronicamente. A linguís ca jurídica descreve o funcionamento da linguagem do direito referindo-se ao uso atual que se faz dela. Mas o direito tem uma dimensão histórica que ele comunica ao estudo de sua linguagem... A diacronia não é somente um olhar sobre o passado longínquo. É um ponto de vista evolu vo que segue os movimentos mesmo recentes”. Assinala André-Jean Arnaud que “todo direito, enquanto sistema de normas jurídicas impostas, é o reflexo de uma visão do mundo, projetada em parte conscientemente e em parte inconscientemente, por intermédio do poder, na vida social e econômica do grupo sob forma de regras atribu vas, impera vas ou proibi vas, des nadas a assegurar a realização desta visão” ( Cri que de la raison juridique: où va la sociologie du droit? 1981. p. 22). O papel da razão jurídica é justamente o de conferir concorrência ao sistema: “Sendo sistemá co, todo sistema de normas impostas apresenta os caracteres de um conjunto racional. Entendamos com isto acima de tudo que existem relações rigorosas entre os termos do conjunto. As regras jurídicas se encadeiam. Estaria faltando, sem a razão, um princípio de organização coerente do sistema” (ibidem. p. 23). É o que ensina André-Jean Arnaud: “os documentos jurídicos – e mesmo parajurídicos – liberam discursos, no sentido admitido pela prá ca analí ca, que entende com isso. Numa perspec va de uma estrita análise de comunicação, o discurso é facilmente concebido como um po de mensagem linguís ca cons tuído por uma sequência de palavras e de frases preparadas para serem transmi das, especialmente a ouvintes. Coloca-se aqui, o acento sobre o caráter direto e con nuo da mensagem, sobre seu desenvolvimento segundo leis próprias para reter a atenção do receptor para lhe transmi r uma convicção. É somente esta acepção que nos interessa. Preferimos considerar o discurso como o lugar em que se manifesta e se transforma, sobre um suporte linguís co, um universo carregado de sen do. Ora, sob este ponto de vista, o caráter discursivo dos sistemas jurídicos é ineluctável” (ob. cit. p. 390). Não podemos nos esquecer de que “o tempo e a linguagem são a trama da experiência humana. O tempo aparece como um fio horizontal: no duplo sen do da linha indefinida pela qual nós nos representamos o devir cósmico e de um meio que requer um horizonte. Mas precisamente, este horizonte somente se abre, com o poder representa vo que ele implica, por mercê da dimensão ver cal da linguagem. Porque, como significação, esta recusa a univocidade: o desenrolar-se linear da cadeia falada não é senão o resultado sensível de uma organização hierárquica, sem a qual os valores linguís cos não seriam concre zados. Ela
promove a reflexividade, estrutura e gênese da consciência. E é desta altura alcançada que tomam forma os horizontes do tempo. O devir vê sua plenitude móvel negada pela dupla abertura do futuro e do passado. A linguagem leva a ausência à altura da realidade do sentido (JACOB, Andre. Temps & Langage. 1992. p. 367). Jacques Robert relembra a clara dis nção entre “direitos do homem” e “direitos do cidadão”. Salienta que “os direitos do homem têm um caráter pré-social; os direitos do cidadão, ao contrário, são ligados à existência da Cidade. – Os direitos do homem são antes de tudo a liberdade, a propriedade, a segurança. Trata-se de uma proclamação da liberdade civil, diferente da liberdade polí ca que seria uma liberdade-par cipação. Os direitos do cidadão se referem predominantemente à liberdade polí ca, mas somente podem ser respeitados se os direitos do homem o são plena e precedentemente. É sabido: a verdadeira liberdade só pode ser ao mesmo tempo autonomia e participação (Droits de l’homme et libertés fondamentales. 1993. p. 40). SMITH, A. Inquérito sobre a natureza e as causas da riqueza das nações. v. I, p. 231. Eis dois outros tópicos de seu pensamento que interessam à presente exposição: “Cada indivíduo esforça-se con nuamente por encontrar o emprego mais vantajoso para qualquer que seja o capital que detém. Na verdade, aquilo que tem em vista é o seu próprio bene cio e não o da sociedade. Mas o juízo da sua própria vantagem leva-o, naturalmente, ou melhor, necessariamente, a preferir o emprego mais vantajoso para a sociedade”. “Na realidade, (o indivíduo) não pretende, normalmente, promover o bem público, nem sabe até que ponto o está a fazer. Ao preferir apoiar a indústria interna em vez da externa, só está a pensar na sua própria segurança; e, ao dirigir essa indústria de modo que a sua produção adquira o máximo valor, só está a pensar no seu próprio ganho, e, neste como em muitos outros casos, está a ser guiado por uma mão invisível a a ngir um fim que não fazia parte das suas intenções.... O estadista que tentasse orientar as pessoas privadas sobre o modo como deveriam aplicar os seus capitais, não só estaria a sobrecarregar com uma tarefa desnecessária, como ainda assumiria uma autoridade que não só dificilmente poderia ser confiada a uma única pessoa como, nem sequer, a qualquer conselho ou senado, e que representaria um perigo nas mãos de um homem que tivesse a loucura e a presunção suficientes para se considerar capaz de a exercer” (ibidem. v. I, p. 758). Manifestação do Sr. José Joaquim Carneiro de Campos, na sessão de 13 de outubro de 1823, quando se discu a o Projeto sobre a isenção de direitos para os produtos das Fábricas de Ferro. Diário da Assembleia-Geral Cons tuinte e Legisla va do Império do Brasil, 1823, Edição facsimilar, Senado Federal, III, p. 234-235. A ideologia liberal se manifesta também em outros tópicos. O Sr. José Antônio da Silva Maia, na sessão do dia 28 de junho de 1823, assim se expressa: “É certamente princípio Cons tucional, e incontestável, que um dos primários fins da Cons tuição, e por conseguinte da maior atenção, e mais próprio dos cuidados desta Assembleia, é garan r aos Cidadãos o direito da propriedade, dando as providências, que obstem a qualquer infração dele...” (ibidem. I, p. 320). O Sr. João Severiano Maciel da Costa, na sessão de 8 de agosto de 1823, expressa-se no mesmo sen do: “Organizar a Cons tuição Polí ca do Império, e fazer as reformas indispensáveis e urgentes tal é a tarefa que se nos prescreve. É indispensável, Sr. Presidente, não exorbitar desse círculo sob pena de nos precipitarmos no mesmo abismo em que caíram as Cortes de Portugal. As ins tuições sociais jogam todas umas com outras; e Leis e providências destacadas não podem ter harmonia” (ibidem. II, p. 544). Lembra JOSÉ HONÓRIO RODRIGUES a figura de José da Silva Lisboa, o futuro Visconde de Cairu: “E conseguia conciliar seu liberalismo econômico com o conservadorismo polí co, o que não é nem será estranho à polí ca brasileira. Na verdade, ele inicia uma corrente ideológica que casa o liberalismo imperialista com o conservadorismo interno. Ele é um dos primeiros sipaios brasileiros, defendendo com o liberalismo econômico os interesses britânicos no Brasil, sujeitando nossa economia ao quadro imperial dirigido pela Grã-Bretanha e lutando por uma polí ca domés ca conservadora, que não busca o apoio popular, mas prefere o caminho da moderação, que faz concessões mínimas para ficar com as máximas. Não foi uma aberração histórica essa união, mas foi um desserviço ao Brasil” (A assembleia cons tuinte de 1823. 1974. p. 269). No Decreto de 12 de novembro de 1823, em que dissolveu a Assembleia Cons tuinte, D. Pedro I afirma que o seu Projeto de Cons tuição “será duplicadamente mais liberal, do que o que a extinta Assembleia acabou de fazer”. Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império. 1978. p. 381. Idem. ibidem. p. 383. Ibidem. p. 395-396. Cf. RAUL MACHADO HORTA, A autonomia do Estado-Membro no direito constitucional brasileiro. 1964. p. 73 e ss. Assinala Agenor de Roure que a finalidade precípua da proclamação da República fora, no pensamento dos próprios cons tuintes, a implantação do federalismo: “Júlio de Cas lhos, na sessão de 15 de dezembro de 1890, declarou desde logo: ‘Nós aqui estamos reunidos para ins tuir a República Federa va. Aqueles que, como nós, por longos anos, fizemos a propaganda da República, não a queremos unitária, mas sim federativa, essencialmente federativa’” (A Constituição republicana. 1979. p. 38). História constitucional do Brasil. 1989. p. 251-252. Tribunal parlamentar, República. p. 256-273, 1919. Apud RUI BARBOSA, República: teoria e prática. Vozes, 1978. p. 340-341. Comentários à Constituição Federal brasileira. p. 474. O capital. L. I, v. II, p. 830-831. Anti-Düring. Trad. esp. 1975, p. 155. Rerum novarum, n. 21. Quadragesimo Anno, n. 88. De acordo com esse autor, “as novas constituições foram redigidas numa época em que nenhum partido político pode mais ignorar a questão social. No século XX, o sen do social do direito não é mais somente uma doutrina, não é mais somente uma escola jurídica, é a própria vida. Por isso não é mais possível dis nguir entre o indivíduo polí co e o indivíduo social; nós assis mos à
transformação, não somente da teoria geral do Estado, mas também da doutrina dos direitos individuais. O Estado não pode mais se limitar a reconhecer a independência jurídica do indivíduo, mas deve criar um mínimo de condições necessárias para assegurar sua independência social. Daí dois processos simultâneos: de um lado, entre os direitos individuais fundamentais figura pouco a pouco a defesa da pessoa social, e de outro lado, em nome de um princípio obje vo, solidariedade, ordem pública, etc (não queremos atrelar a constatação do fato a nenhuma doutrina determinada) – em nome deste princípio social superior assis mos a uma limitação de certos direitos fundamentais, em par cular do direito de propriedade que evolui sob nossos olhos. Isto significa que há ao mesmo tempo extensão dos direitos individuais e certas limitações destes direitos fundamentais anteriormente proclamados” (Les constitutions de l’Europe nouvelle. 1928. p. 37-38). Cf. também do mesmo autor a obra: Evolução cons tucional europeia. Trad. brasileira, 1957. A caracterização do homem situado é feita por Burdeau: “Com este advento surge na cena política um ser totalmente novo: o homem concreto, definido não pela sua essência ou pelo seu parentesco com um po ideal, mas pelas par cularidades que deve à situação con ngente em que se encontra colocado. Este homem, que é menos do que ele produziu, é o homem situado; é aquele que nós encontramos nas relações da vida quo diana... Em suma, é o homem condicionado pelo seu meio e que se revela pela observação da sua maneira de ser, náo por uma reflexão metafísica sobre o seu ser” (A democracia. 1975. p. 20). O artigo 122 da Cons tuição criou a Jus ça do Trabalho, com representação paritária de empregados e empregadores. Este ar go deverá ser visto juntamente com o ar go 23, onde se prevê a representação das organizações profissionais na Câmara dos Deputados. São, como assinala Paulo Bonavides,ranços fascistas a antecipar a Carta de 1937. Sua permanência na Jus ça do Trabalho, hoje, constitui verdadeiro anacronismo. Observam Paulo Bonavides e Paes de Andrade: “Em rigor a organização dos poderes não rompera com os fundamentos liberais da tradição nacional, mantendo como órgãos da soberania, dentro dos limites cons tucionais, os três poderes clássicos da teoria de Montesquieu, independentes e coordenados entre si, vedando inclusive a delegação de suas atribuições. Quanto aos direitos e garan as individuais, man veram-se basicamente os de nossa tradição liberal, havendo até aperfeiçoamento com respeito à proteção dos direitos líquidos e certos contra atos manifestamente incons tucionais ou ilegais de qualquer autoridade, ins tuindo-se para tanto uma nova figura processual: o mandado de segurança. Mas não padece dúvida que a tônica da Cons tuição de 34 recaiu sobre o Estado social. O novo pacto, sobre declarar a inviolabilidade do direito à subsistência, já não man nha como as Cons tuições anteriores o direito de propriedade em toda a sua plenitude, senão que ao garan -lo assinalava que ele não poderia ser exercido contra o interesse social ou cole vo, sujeitando-o assim às limitações que a lei determinasse” (História constitucional do Brasil. 1989. p. 326). A ideologia que presidiu a elaboração da Cons tuição de 1937, segundo expressões de seu próprio idealizador, Francisco Campos, foi a seguinte: “O liberalismo polí co e econômico conduz ao comunismo. O comunismo se funda, precisamente, sobre a generalização à vida econômica dos princípios, das técnicas e dos processos do liberalismo polí co. Toda a dialé ca de MARX tem por pressuposto essa verdade: a con nuação da anarquia liberal determina, como consequência necessária, a instauração final do comunismo. “O corpora vismo mata o comunismo como o liberalismo gera o comunismo. O corpora vismo interrompe o processo de decomposição do mundo capitalista previsto por MARX como consequência necessária da anarquia liberal”. … “O corpora vismo, inimigo do comunismo e, por consequência, do liberalismo, é a barreira que o mundo de hoje opõe à inundação moscovita”... “A liberdade na organização corpora va é limitada em super cie e garan da em profundidade. Não é a liberdade do individualismo liberal. É a liberdade da inicia va individual dentro do quadro da corporação.. A organização corpora va é a descentralização econômica, isto é, o abandono pelo Estado da intervenção arbitrária no domínio econômico, da burocra zação da economia (primeiro passo avançado para o comunismo), deixando à própria produção o poder de organizar-se, regular-se, limitarse e governar-se. Para isto é necessário que o Estado delegue funções de poder público às corporações. O Estado assiste e superintende, só intervindo para assegurar os interesses da Nação, impedindo o predomínio de um determinado setor da produção em detrimento dos demais. O Estado é a jus ça; as corporações, os interesses. Nos quadros do Estado, só os interesses justos encontram proteção. O liberalismo econômico é, precisamente, o an poda. A liberdade é simplesmente a liberdade individual” (Direito constitucional. 1942. p. 315-316). Sobre a exigência dessa síntese como condição para a concre zação de uma democracia, afirma Eduardo Espínola: “De nada vale apregoar como apanágio do indivíduo e conquista da democracia – a liberdade e a igualdade –, se essa liberdade, lema das reivindicações populares, conduz fatalmente, se não for disciplinada como a experiência de todo o século XIX o demonstra, ao domínio e à riqueza de um pequeno número e à sujeição e miséria das grandes massas; se essa igualdade, em flagrante contradição com a natureza dos homens e com o critério hierárquico que preside a todas as organizações sociais e às próprias exigências da ordem pública, não é compreendida em termos hábeis e pra cado intransigentemente em tudo quanto se refere aos princípios de jus ça e moral cristã. A grande e secular oposição, a luta incessante entre o capital e o trabalho, esses dois fatores da produção econômica, que deveriam estar sempre unidos, numa combinação harmônica para o próprio interesse dos capitalistas e dos operários, tem sido a causa das maiores perturbações sociais, separando os dois aliados naturais em campos inimigos, numa hos lidade que nunca exis ria se o egoísmo individual não fosse tão pronunciado na a vidade humana. Sen u-se desde logo a necessidade de intervir o Estado para amparar a parte mais fraca que, embora muito mais numerosa, se via subme da, pelas con ngências da vida, ao domínio impera vo dos capitais” ( A nova Cons tuição do Brasil: direito polí co e constitucional brasileiro. 1946. p. 420). Pondera Pinto Ferreira: “De uns tempos para cá, especialmente depois da Primeira Guerra Mundial, tornou-se comum a inclusão de
disposi vos dessa natureza no regime cons tucional. Procurou-se então uma síntese entre o Estado de Direito e as reivindicações sociais do povo. É preciso entretanto relembrar que, afora as soluções extremistas, os Estados de Direito têm por limite os direitos fundamentais” (Curso de direito constitucional. 1964. p. 307). Observam Paulo Bonavides e Paes de Andrade que “a obra dos cons tuintes de 1946 representou evidente compromisso entre forças conservadoras e forças progressistas atuantes, compromisso que repar u doutrina e técnica, ficando a doutrina principalmente com o futuro e a técnica preponderantemente com o passado” (História cons tucional do Brasil. 1989. p. 416). Referem-se eles às conquistas sociais traduzidas no ar go 157, quanto ao aspecto progressista, e ao conservadorismo representado pelo ar go 141. Ao analisar os tópicos referentes à liberdade de inicia va e valorização do trabalho humano, themístocles brandão cavalcan afirma: “Já se diz que essa liberdade ou, como querem outros, essa de inicia va, é a base da democracia moderna. Cremos, entretanto, que com isso se restringe demasiado o significado do elemento humano – do homem no sistema econômico. São por conseguinte, três os elementos de nossa vida econômica, um envolvendo os outros dois: a função social da vida econômica, a liberdade de inicia va e a valorização do trabalho humano. Essas são as bases mestras de todo o sistema econômico” (Manual da constituição. 1963. p. 231). “The Tennessee Valley Ahthority Act enumerates as its objec ves the improvement of naviga on, control of floods, withdrawal from cul va on and reforesta on of the valley’s marginal lands, agricultural and industrial development of the district, and the furtherance of the na onal defense. For the accomplishment of these general purposes, the Act establishes a Tennessee Valley Authority or Corpora on of which the United States is sole stockholder; its three directors are appointed by the President with senatorial approval for over-lapping nine-year terms. The Corpora on is given generous specific powers and may, in addi on thereto, exercise whatever other powers are necessary for the execu on of its delegated func ons. The statute provides in general terms that the Corpora on may be sued: and judicial precedent as well as the Act’s legisla ve history indicate clearly that it will be liable for both tort and contract claims. Unlike the N.I.R.A. (Na onal Industrial Recovery Act), the Tennessee Valley Authority Act involves no a empt at voluntary or compulsory coopera on of private capital with the na onal administra on; on the contrary the government is here undisguisedly going into business in compe on with private enterprise, and should the venture prove successful, il will be at the expense of those groups that profit through corporate financing and dividends. A acks upon this legisla on may consequently be an cipated from a variety of sources. Though aimed at the heart of the measure, they wiull probably be launched at par cular aspects deemed vulnerable” (The Tennessee Valley Authority – Comments. Yale Law Journal, v. XLIII, p. 815-826, 1933-1934). Apud COMBLIN, Pe. Joseph. A ideologia da segurança nacional: o poder militar na América Latina. p. 65-66. A esse respeito, lembra Diogo de Figueiredo Moreira Neto que o Cons tuinte preferiu manter aatitude paternalista do Estado, na certeza de que os sindicatos não têm maturidade suficiente para defender seus associados e lutar pela garan a da dignidade humana do trabalhador e pela valorização do trabalho. Assim diz ele: “Como consequência, ao tornar o progresso algo que o Estado deve “proporcionar”, deses mula-se o real progresso, que a sociedade deve criar. Aí vão, como meros exemplos do que apontamos como irrealismo an progressista, o es mulo à ociosidade pela redução a seis horas da jornada máxima para turnos ininterruptos (art. 7o, XIV), pelo adicional de um terço no pagamento das férias (art. 7o, XVII), pela esdrúxula licença paternidade (art. 7o, XIX), pelo aviso prévio proporcional ao tempo de serviço (art. 7o, XXI), e odesestímulo à compe ção e ao aprimoramento pessoal, pela proibição demagógica de dis nção entre trabalhadores braçais e intelectuais (art. 7o, XXXII), por uma exagerada estabilidade no emprego (art. 7o, I) e pelo grevismo incen vado (art. 9o) (O Estado e a economia na cons tuição de 1988. In: Revista de Informação Legislativa, a. 26, n. 102, p. 17, abr.-jun. 1989). Este disposi vo deve ser visto em conexão com o conteúdo do inciso IV do ar go 1o, em que, como já visto, se colocam os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamentos do Estado Democrático de Direito. A finalidade da ordem econômica e financeira deve estar também em consonância com os disposi vos do inciso III do ar go 1o, e com os constantes do artigo 3o, em que especificamente está consagrado o elemento teleológico do Estado Democrá co de Direito. Como assinala Orio Giacchi, “hoje a transformação do Estado é exigida sobretudo pelo gigantesco fenômeno econômico que procuramos ilustrar. Mas, como dissemos, não se trata de um simples fenômeno econômico por assim dizer “natural”; em grande parte ele se deve também a razões extraeconômicas e sobretudo a razões de moral social. O Estado se sente responsável pelo fato de que liberdade e igualdade dos indivíduos e das comunidades compreendidas na sociedade por ele organizada, sejam uma real e substancial liberdade e uma verdadeira igualdade, através da eliminação da miséria, da ignorância, da excessiva desigualdade entre indivíduos, classes e regiões” (L’intervento dello stato nell’a vità economica. In: Rivista Il Diri o dell’economia, 13(4):397421, 1967). Esse novo direcionamento é acentuado por ISABEL VAZ, ao afirmar que o Cons tuinte procurou adotar, predominantemente, um princípio garan dor da livre ação concorrencial e não um regime penal. Segundo ela “a flexibilidade das normas, o apelo à boa-fé e a graduação dos procedimentos e sanções previstos na Lei n. 8.158/91 – não obstante a coabitação com outros diplomas de caracterís cas predominantemente penais – induzem o intérprete a classificar o regime das leis brasileiras an truste mais como um “Direito econômico da concorrência” do que como um “Direito penal econômico” (Direito econômico da concorrência. 1993. p. 10). 87th Congress 2nd Session, Document n. 364. Cf. meu Cláusulas abusivas nos contratos. 1993. p. 136-137. Esta Conferência proclamou: “1. Man is both creature and moulder of his environment, which gives him physical sustenance and affords him the opportunity for intellectual, moral, social and spiritual growth. In the long and tortuous evolu on of the human
race on this planet a stage has been reached when, through the rapid accelera on of science and technology, man has acquired the power to transform his environment in countless ways and on an unprecedented scale. Both aspects of man’s environment, the natural and the man-made, are essen al to his well-being and to the enjoyment of basic human rights – even the right to life itself. 2. The protec on and improvement of the human environment is a major issue which affects the well-being of peoples and economic development throughout the world; it is the urgent desire of the peoples of the whole world and the duty of all Governments” (Stockholm Declara on of the United Na ons Conference on the Human Environment. Adopted by the U.N. Conference on the Human Environment at Stockholm, 16 June 1972. Report of the UN Conference on the Human Environment, Stockholm, 5-16 June 1972, U.N.Doc. A/CONF. 48/14 at 2-65, and Corr. 1 (1972), 11 I.L.M. 1416 (1972). Observa a este respeito Michel Prieur: “O direito do meio ambiente não é senão a expressão formalizada de uma polí ca nova concre zada a par r dos anos 1960. Trata-se, no seio dos Estados industrializados, de uma tomada de consciência do caráter limitado dos recursos naturais tanto quanto dos efeitos nefastos das poluições de toda natureza resultante da produção dos bens e de seu consumo. A necessidade de salvaguardar o meio ambiente pode ser tão somente um reflexo da sobrevida de um mundo desanparado. É interessante que este movimento se tenha desenvolvido simultaneamente em nível nacional, europeu e internacional” (Droit de l’environnement. 2e. éd. 1991. p. 25). Resolution adopted by the General Assembly – 66/288 – The future we want. Acentua Diogo de Figueiredo Moreira Neto, no artigo já citado: “O estatismo cartorial está presente em vários dispositivos, como no que define a empresa brasileira de capital nacional (art. 171,II), no que proíbe os contratos de risco (art. 177, § 1o), no que cria o monopólio para a distribuição de gás (art. 177, IV) e como no que reins tui o regime regaliano para o subsolo, abandonado desde o Império por sua reconhecida imprestabilidade para es mular a mineração” (ob. cit. p. 17). Em ar go publicado na “Folha de São Paulo”, em 9 de abril de 1991, Miguel Reale afirmava: “O governo, em suma, no plano prá co, padece do mesmo mal que compromete a atual Cons tuição, a qual, ao mesmo tempo que tece loas aos valores da livre concorrência na tela nacional e na internacional, levanta barreiras e cria privilégios ruinosos inspirados em renitente xenofobia e em não menos resistente amor às soluções ditadas soberanamente pelo Poder Público, tornando-se a sociedade civil mera des natária de determinações de anacrônico sentido sancionatório.” SERRA ROJAS, Andrés. Liberalismo social: sistemas liberales en proceso de definición, estabilidad y superación para el próximo siglo XXI. 1993. p. 495, 499-500. Essa lei foi revogada pela Lei n. 9.491, de 9 de setembro de 1997. Techniques de privatisation des entreprises publiques. Paris: Librairies Techniques, 1986. p. 11. Cf. também: L’avenir de l’état dans une économie de marché. In: Revue Française d’Administra on Publique, n. 61, jan.-mars 1992. Cf. ainda La France et les privatisations en Europe de l’Est. In: Revue Politique et Parlementaire. O Decreto n. 99.463/90 foi revogado pelo Decreto n. 724/93. Este, por sua vez, foi revogado pelo Decreto n. 1.204/94, e este, pelo Decreto n. 2.594/98.
4 ORDEM ECONÔMICA INTERNACIONAL E REGIONAL 1. EXISTÊNCIA DE UM DIREITO ECONÔMICO INTERNACIONAL Analisaremos neste capítulo a questão da existência do Direito Econômico Internacional como ramo novo e autônomo do Direito Internacional. A pergunta a ser respondida dependerá de uma análise detalhada do fenômeno jurídico em duas vertentes, a das relações econômicas e a das relações internacionais. Miguel Villoro Toranzo define o Direito como um “sistema racional de normas sociais de conduta, declaradas obrigatórias pela autoridade por considerá-las soluções justas para os problemas surgidos da realidade histórica.”217 Essa definição caracteriza o Direito como ciência, como filosofia, como arte, como técnica, com objeto material próprio constituído justamente pelo “sistema racional de normas sociais de conduta”. Mas este objeto material pode ser visto sob vários aspectos. E aqui incide a distinção filosófica do objeto formal, que é justamente o aspecto sob o qual o objeto material é estudado. Daí dizer Villoro Toranzo que o Direito é ao mesmo tempo ciência, filosofia, arte e técnica.218 O aspecto científico é constituído pelos dados jurídicos reais, históricos, racionais e ideais. O aspecto filosófico é constituído pela valoração e pela fundamentação filosófica dessa mesma valoração. O aspecto artístico é representado pela construção de esquemas jurídicos e o aspecto técnico consiste justamente nas técnicas de formulação, interpretação e execução dos esquemas jurídicos elaborados. Um ramo do Direito poderá ser visto como autônomo na medida em que implemente esses quatro aspectos, e especificamente enquanto dotado de princípios que o informam, dando-lhe caráter de originalidade e de sistematicidade. Prosper Weil procura afastar a ideia de autonomia de uma disciplina específica do Direito. Assim diz ele: “O caráter econômico das matérias referidas não cons tui senão um simples coeficiente incapaz de dar nascimento a uma disciplina autônoma, a um corpo de direito dis nto. Os termos de direito internacional econômico ou de direito econômico internacional não podem ser empregados senão para designar com um vocábulo explícito um conjunto de regras e de ins tuições reagrupadas para as necessidades da exposição, em redor de um centro de interesse extraído do objeto econômico da matéria. No plano cien fico, o direito internacional econômico não cons tui senão um capítulo entre outros do direito internacional geral”.219
A discussão desse problema apresenta inegável interesse no plano da lógica formal, mas, do ponto de vista de nosso interesse, aceitamos a tese de CARREAU segundo o qual o Direito Econômico Internacional não constitui uma disciplina autônoma, mas “possui particularidades suficientes para assegurar sua individualização”.220 Assinalamos que, diferentemente daquele autor, estamos adotando a designação Direito Econômico Internacional, como forma de enfatizar o conteúdo econômico das normas de caráter internacional. 1.1. Aspectos de ordem econômica internacional Deixando de lado uma análise histórica do desenvolvimento do conceito de ordem econômica internacional, pode-se propor uma divisão importante para a conceituação atual. O século XIX
apresentou uma perspectiva de ordem econômica internacional privada, decorrente justamente dos cânones do liberalismo econômico, que atribuía aos indivíduos a atividade econômica, enquanto permanecia como atribuição do Estado a atividade política. A partir, contudo, do início do século XX, três fenômenos vieram mostrar a necessidade de o Estado se interessar pelos fenômenos econômicos: a Primeira Grande Guerra (1914-1918), a crise do capitalismo (1930) e a Segunda Grande Guerra (1939-1945). As relações econômicas deixam o plano meramente individual ou privado, para inserir-se no contexto das relações entre nações, operando-se uma verdadeira “publicização”. Passa-se a pensar na instituição de uma sociedade internacional com a finalidade de eliminar os conflitos, fundamentalmente de origem econômica, e com o objetivo de alcançar a paz universal. O Direito Econômico Internacional passa a situar-se no âmbito de um direito da paz. Raymond Aron assinala uma contradição fundamental entre a existência de convenções internacionais cada vez mais numerosas, uma legalização cada vez mais ampla, o respeito às leis por um número cada vez mais crescente de Estados e, por outro lado, a inegável realidade internacional dos fatos das rivalidades de poder, das contradições de interesses e das incompatibilidades ideológicas.221 1.2. Conceituação O Direito Econômico Internacional surge com a finalidade precípua de estabelecer o enquadramento para a adoção, por todos os sujeitos internacionais, de políticas econômicas destinadas a um aprimoramento constante do nível de desenvolvimento. Hoje, os agentes encarregados da adoção de tais políticas não se restringem mais aos Estados nacionais, abrangendo também as instituições internacionais e as empresas multinacionais. Todos esses sujeitos contribuem para a criação e para o funcionamento da organização internacional da economia. Várias são as tentativas de definir esse fenômeno jurídico, que tem como finalidade reger a ordem econômica internacional. Adotamos a conceituação de Carreau: “É o ramo do direito internacional que regulamenta, de um lado a instalação sobre o território dos estados de diversos fatores de produção (pessoas e capitais) de proveniência estrangeira e, por outro lado, as transações internacionais relativas a bens, serviços e capitais”.222
1.3. Especificidade do Direito Econômico Internacional Os fatos político-econômicos que deram ensejo à moderna feição do Direito Econômico Internacional vieram também moldurar-lhe as características específicas. Assinala Carreau que o Direito Econômico Internacional “apresenta caracteres originais bastantes para lhe assegurar uma especificidade qualitativa perante o direito internacional público clássico”.223 Os acontecimentos acima assinalados evidenciaram aos Estados que a paz internacional e sua segurança estão alicerçados na sua interdependência e cooperação econômicas, evidenciando-se que o desenvolvimento econômico de um está visceralmente ligado ao dos demais, eliminando-se as desigualdades e diferenças geradoras de conflitos. 224 Essas características estão declaradas no preâmbulo da Nova Ordem Econômica Internacional – Noei: “Solenemente proclamamos nossa determinação de trabalhar urgentemente para o estabelecimento de uma nova ordem econômica internacional, baseada na equidade, na soberania, na igualdade, na interdependência, no prevalecimento do interesse comum e na cooperação entre todos os Estados, independentemente de seus sistemas econômicos ou sociais, no sen do de reparar desigualdades e injus ças, eliminar a lacuna existente entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento social, baseada ainda na paz e na justiça para as presentes e futuras gerações”.
A interdependência é hoje um fenômeno crescente, podendo-se mesmo dizer que se trata de uma
lei da história econômica contemporânea. 1.4. As normas do Direito Econômico Internacional As normas do Direito Econômico, quer as de Direito interno quer as de Direito Internacional, têm suas características marcadas pelo relacionamento com o fenômeno econômico, que é essencialmente mutável e maleável. Como observam Carreau, Juillard e Flory, tais normas se caracterizam como obrigações de comportamento, sendo formuladas no condicional ou também com expressões que indicam um esforço ou uma tentativa por parte do agente. A norma de Direito Econômico está sempre aderida à realidade flutuante, aliando esta característica à generalidade inerente a toda norma jurídica. Consequência dessa aderência à realidade concreta, surge a característica da maleabilidade, que dá à norma destinada a reger os fenômenos econômicos a possibilidade de mudança contínua. Outra característica é a da prospectividade, ou, mais propriamente, da incitatividade e criatividade. Aqui a norma se entrelaça com o mito e com a ideia de direito, que servem de fundamento para o movimento rumo ao futuro e ao impulso criador.225 Correlato com o problema da caracterização das normas do Direito Econômico Internacional está o de sua sanção. Deve-se salientar desde logo que as questões jurídicas de conteúdo econômico sentem uma rejeição pela solução judicial, normalmente formalista e demorada. Por outro lado, a composição harmônica que se busca na solução dessas questões repudia a decisão de que decorra uma figura de vencedor e outra de vencido. Como assinala Reuter, a sanção do mundo dos negócios se emparelha com a que a Igreja impõe: a excomunhão é uma pena de exclusão, de não participação. Nem por isso essa sanção, que se caracteriza por uma pressão de caráter psicológico e econômico, se torna menos eficaz. Por outro lado, a sanção, no campo do Direito Econômico Internacional, procura assegurar a continuidade da cooperação, ou seja, não quer excluir, mas encontrar condições que possibilitem a perenidade da interdependência econômica pacífica. Como observa Carreau, “alergia ao juiz, procura de um compromisso mutuamente vantajoso, não participação gradual dos recalcitrantes constituem as características da sanção das normas de D.E.I.”226 1.5. A ordem econômica internacional: sujeitos Quando se fala em ordem econômica internacional, faz-se referência a dois aspectos: o institucional e o pessoal. O primeiro é representado pelo ordenamento, pelo conjunto coerente de regras jurídicas, que tem como função concretizar os ideais políticos, econômicos e sociais. Já o segundo focaliza as pessoas que atuam na formação e concretização de tais normas. A ordem econômica internacional tem como finalidade precípua a constituição de uma unidade que leve em conta a heterogeneidade, a diversificação dos ordenamentos nacionais. Esta superação da diversidade centrífuga tem como finalidade demonstrar que a interdependência econômica é irrefragável e que a coexistência pacífica é uma condição irrecusável de sobrevivência. Os sujeitos que atuam nesse domínio devem ter consciência profunda dessa irrecusabilidade da ordem econômica internacional. Os Estados, os organismos internacionais e as empresas multinacionais devem procurar, não somente submeter-se às normas jurídicas de caráter
internacional, mas efetivamente enquadrar-se na perspectiva prospectiva e criadora do ordenamento jurídico-econômico internacional, na certeza de que um novo mito se projeta no mundo moderno.227 1.6. A nova ordem econômica internacional O final da Segunda Grande Guerra (1939-1945) deixou fundamentalmente debilitadas ou mesmo destruídas as grandes potências do passado recente (Alemanha, Japão, França, Itália e Inglaterra). Surgiram em seu lugar duas grandes potências, os Estados Unidos e a União Soviética, que constituíram os dois grandes polos de atração mundial. A bipolarização que se formou, levou cada um desses países a procurar consolidar seus respectivos blocos, com finalidades políticas e econômicas. Esta bipolarização levou o mundo a situações radicalmente conflitivas e violentas, e, ao mesmo tempo, à descoberta de que esta tendência não resolvia os problemas mundiais. Partiu-se então para a busca da harmonização dos conflitos humanos através da reforma do sistema internacional e também dos sistemas internos, num esforço para superar o etnocentrismo até então imperante, caminhando-se para a construção de uma política mundial, principalmente em nível econômico.228 A queda do ritmo de crescimento, o baixo nível de produção das nações industrializadas e seus efeitos, o desemprego, a inflação e o déficit, tiveram como consequência uma tomada de consciência no sentido de que os problemas econômicos internacionais não poderiam mais ser resolvidos em nível nacional, mas deveriam buscar soluções e decisões ao nível internacional. O período posterior à Segunda Grande Guerra, veio dar continuidade a um esforço que já se iniciara a partir de 1914-1918 e também implementar novas ideias e novos direcionamentos nas relações internacionais. O chamado Direito Internacional clássico, que dominou inteiramente a cena mundial anteriormente à Primeira Guerra Mundial (1914-1918), pautava-se por uma ideologia de caráter eminentemente europeia. Fora plasmado para regular as relações entre os Estados civilizados, assim entendidos os Estados europeus, e especificamente os da Europa cristã. A partir da Primeira Guerra Mundial, e mais fortemente a partir da segunda, introduzem-se critérios que se aplicam também aos países antigamente colônias. Consagraram-se o princípio da autodeterminação dos povos e o da justiça e progresso social para todos os países da nova comunidade universal.229 Uma leitura comparativa de alguns tópicos do Pacto da Sociedade das Nações – 1918 – e da Carta das Nações Unidas – 1948 – revela uma mudança substancial de postura, posto que, como se dirá, ainda insuficiente a satisfazer os anseios de todas as nações. O preâmbulo do Pacto assim preconiza: “As Altas Partes Contratantes:
CONSIDERANDO que, para desenvolver a cooperação entre as Nações e para lhes garan r paz e segurança, é necessário aceitar certos compromissos tendentes a evitar a guerra, manter publicamente relações internacionais fundadas na jus ça e na honra, observar rigorosamente as prescrições do direito internacional, reconhecidas, de hoje em diante, como regra de procedimento efe vo dos Governos, fazer imperar a jus ça e respeitar escrupulosamente todas as obrigações dos tratados nas recíprocas relações entre os povos organizados; Adotam o presente Pacto, que cria a Sociedade das Nações”.
Já a Carta das Nações Unidas aporta condições de uma cooperação mais concreta, no plano econômico, com a finalidade de promover o progresso econômico e social, de tal sorte a propiciar a
todos melhores condições de vida. Os seguintes tópicos demonstram a nova postura ideológica: “Nós, os povos das Nações Unidas, decididos: A preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por duas vezes, no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade; A reafirmar a nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações, grandes e pequenas; A estabelecer as condições necessárias à manutenção da jus ça e do respeito das obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional; A promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de um conceito mais amplo de liberdade; e para tais fins: A empregar mecanismos internacionais para promover o progresso econômico e social de todos os povos”.
Explicitadas as finalidades pelas quais foi criada a nova sociedade de todas as nações, grandes e pequenas, a Carta expõe os objetivos e princípios que deverão nortear as ações: “Os objetivos das Nações Unidas são: 1) Manter a paz e a segurança internacional e para esse fim: tomar medidas cole vas eficazes para prevenir e afastar ameaças à paz; 2) Desenvolver relações de amizade entre as nações baseadas no respeito do princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos; 3) Realizar a cooperação internacional, resolvendo os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, promovendo e es mulando o respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; 4) Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns”.
Para dar concretitude a tais objetivos e princípios, deverá a Assembleia-Geral, como dispõe o art. 13 da Carta, “fomentar a cooperação internacional no domínio econômico, social, cultural, educacional e da saúde e favorecer o pleno gozo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, por parte de todos os povos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”. E o art. 55 estabelece as metas a serem alcançadas: “Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito do princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas promoverão: a) A elevação dos níveis de vida, o pleno emprego e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social; b) A solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, de saúde e conexos, bem como a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; c) O respeito universal e efe vo aos direitos do homem e das liberdades fundamentais para todos, sem dis nção de raça, sexo, língua ou religião”.
Apesar de tais expressões, a realidade mostrou que se passou de um direito internacional de concepção europeia para um direito das grandes potências, deixando de lado os parâmetros de uma colonização política para adotar os de uma colonização e dominação econômica.230 Os países em desenvolvimento tomaram consciência de que aquele direito internacional não satisfazia a seus anseios, propugnando então pela adoção de uma Nova Ordem Econômica Internacional. Alguns marcos são importantes nessa caminhada contra o neocolonialismo. Em 1955 realiza-se a Conferência de Bandung, na qual os países afro-asiáticos, tomando consciência da
situação de exploração dos países em desenvolvimento, se propõem a unir-se para resolver conjuntamente seus problemas. Em 1962 realiza-se a Conferência do Cairo, da qual o Brasil participa, e na qual se recomenda a convocação de uma conferência internacional para tratar de temas sobre comércio e desenvolvimento, e principalmente das relações econômicas entre os países em via de desenvolvimento e os países desenvolvidos. Atendendo a esse reclamo, o Conselho Econômico e Social da ONU, através da Resolução n. 917/XXXIV, de 03.08.1962, decidiu convocar uma Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento. Na Resolução n. 1.875/XVII, de 08.12.1962, a Assembleia-Geral endossou a convocação daquela conferência, que veio a se realizar em Genebra, no período de 23 de março a 15 de junho de 1964, quando se constituiu a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento – CNUCED –, ou, na terminologia inglesa: UNCTAD (United Nations Conference on Trade And Development). 231 Defendeu-se a necessidade de construir uma nova ordem econômica para resolver os problemas do comércio e desenvolvimento, principalmente os atinentes ao desequilíbrio entre nações desenvolvidas e em vias de desenvolvimento. A UNCTAD realizou outras reuniões, em Nova Delhi, em 1968, em Santiago do Chile, em 1972, em Nairobi, em 1976 e em Manila, em 1979. O objetivo básico é o de promover o comércio internacional para acelerar o desenvolvimento, preconizando-se um Sistema Geral de Preferências – SGP – pelo qual os países desenvolvidos devem assegurar um tratamento preferencial para os produtos manufaturados importados do Terceiro Mundo, a fim de reduzir a proteção efetiva e elevada que esses produtos padecem. Esses esforços visavam romper os grilhões do imperialismo, que, engendrado principalmente pela Inglaterra, foi herdado pelos Estados Unidos e sucedido pelo sistema produtivo transnacional do capitalismo. Os anseios formulados para a criação de uma nova ordem econômica internacional decorrem tanto dos países subdesenvolvidos quanto também, e principalmente, dos países desenvolvidos. Aqueles procuram se insurgir contra a manutenção de qualquer tipo de imperialismo; estes tentam, através de uma nova ordem, salvar aquele mesmo imperialismo que lhes deu condições de bem-estar interno e de supremacia no âmbito externo.232 A necessidade de criar uma nova ordem econômica intensifica, para os países capitalistas, a busca de uma solução nos aspectos monetários da crise, enquanto que os países em desenvolvimento se preocupam com a reformulação das estruturas profundas da economia, reivindicando o rompimento dos quadros do imperialismo obstruidor do desenvolvimento. 233 Pode-se dizer que o Direito Econômico Internacional surgido depois da Segunda Grande Guerra foi um direito codificador, porque se limitou a cristalizar as concepções até então predominantes. Já o Direito Econômico Internacional surgido com a Nova Ordem Econômica Internacional é um direito reformador ou transformador, porque pretende estabelecer critérios concretizadores de um desenvolvimento satisfatório para todas as nações, eliminando o grave hiato que as separa.234 Na 2.229a Reunião do Plenário, em 01.05.1974, como resultado dos esforços empreendidos pelos países em desenvolvimento, a Assembleia da ONU aprovou a declaração da Nova Ordem Econômica Internacional e também o Programa de Ação (Resoluções n. 3.201 (S-VI) e 3.202 (S-VI), para implementação dos princípios estabelecidos na primeira (o texto completo destas Resoluções está no final deste Capítulo). Em 12.12.1974, na 2.315a sessão da ONU, foi aprovada a Resolução n. 3.281 (XXIX), que adotou
e proclamou a Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados. Esta Carta se baseia em 15 princípios fundamentais: • Soberania, integridade territorial e independência política dos Estados; • Igualdade soberana de todos os Estados; • Não agressão; • Não intervenção; • Benefício mútuo e equitativo; • Coexistência pacífica; • Igualdade de direitos e livre determinação dos povos; • Solução pacífica de controvérsias; • Reparação das injustiças existentes por império da força, que privem uma nação dos meios naturais necessários para seu desenvolvimento normal; • Cumprimento de boa-fé das obrigações internacionais; • Respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais; • Abstenção de todo intento de buscar hegemonia e esferas de influência; • Fomento da justiça social internacional; • Cooperação internacional para o desenvolvimento; • Livre acesso ao mar e desde o mar para os países sem litoral dentro do marco dos princípios acima enunciados. A análise do contexto da declaração nos levará ainda à extração de alguns princípios fundamentais da Nova Ordem Econômica Internacional. O Direito Econômico Internacional surge como concretamente inigualitário. Enquanto o Direito Internacional clássico partia do pressuposto de que todos os países eram iguais, o novo Direito toma como ponto de partida a desigualdade concreta existente entre os países, a exigir posturas direcionadas a corrigir esse desequilíbrio. Já no preâmbulo da Declaração se estabelece a obrigatoriedade de esforços no “sentido de reparar desigualdades e injustiças, eliminar a lacuna existente entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento social”, reconhecendo que “os vestígios da ocupação e dominação estrangeira, da discriminação racial, o ‘Apartheid’ e o neocolonialismo em todas as suas formas, constituem o maior obstáculo ao progresso e à emancipação dos países em desenvolvimento”. No art. 1o da Carta de Direitos está estabelecido que “todo Estado tem o direito soberano e inalienável de escolher seu sistema econômico, assim como seu sistema político, social e cultural, de acordo com a vontade de seu povo, sem ingerência, coação nem ameaça externas de qualquer espécie” e o art. 2o complementa: “todo Estado tem e exerce livremente soberania plena e permanente, inclusive posse, uso e disposição, sobre toda a sua riqueza, recursos naturais e atividades econômicas”. O reconhecimento da “igualdade soberana dos Estados” atribui a essa soberania um conteúdo substancial e não meramente formal. Atenta-se para o fato de que a soberania política é apenas formal, enquanto a soberania econômica é que confere realidade e substancialidade.235 A este conceito se soma o de “igualdade preferencial”, já que a nova ordem deve ser entendida como um redutor das desigualdades econômicas internacionais. Assim é que a Carta de Direitos estabelece,
no item 3 do art. 13, a obrigação para os países desenvolvidos de “cooperar com os países em desenvolvimento para o estabelecimento, fortalecimento e desenvolvimento de suas infraestruturas científicas e tecnológicas e em suas investigações científicas e atividades tecnológicas, de modo a ajudar a expandir e transformar as economias dos países em desenvolvimento”. E ainda, o art. 19 da Carta de Direitos estabelece para os países desenvolvidos a obrigação de “conceder um tratamento preferencial generalizado, sem reciprocidade e sem discriminação, aos países em desenvolvimento naquelas esferas da cooperação internacional em que seja factível”. Outro princípio fundamental é o da cooperação internacional em nível econômico. O preâmbulo da Declaração coloca como objetivo básico a “cooperação entre todos os Estados, independentemente de seus sistemas econômicos ou sociais”. O art. 11 da Carta de Direitos dispõe: “Todos os Estados devem cooperar para robustecer e melhorar con nuamente a eficácia das organizações internacionais na aplicação de medidas que es mulem o progresso econômico geral de todos os países, em par cular dos países em desenvolvimento, e, para isso, devem cooperar para adotá-las, quando seja apropriado, às necessidades cambiantes da cooperação econômica internacional”.
A interdependência econômica é também um princípio fundamental, garantidor da segurança econômica. A nova ordem se baseia “na interdependência, no prevalecimento do interesse comum”, como consta do preâmbulo da Declaração. A Carta de Direitos acentua essa interdependência no preâmbulo e também no art. 24, onde se determina que “todos os Estados têm o dever de conduzir suas relações econômicas mútuas de forma a levar em conta os interesses dos demais países. Em particular, todos os Estados devem evitar prejudicar os interesses dos países em desenvolvimento”.236 Há que notar ainda dois aspectos assinalados por Maurice Byé: segundo o seu pensamento, a Nova Ordem Econômica Internacional está orientada para o desenvolvimento real dos povos dos países em desenvolvimento através de uma política de industrialização em profundidade; e, para isso, reivindicam uma mobilização geral do conjunto da comunidade internacional sob forma de uma ajuda acrescida e concedida sem qualquer condição política ou econômica.237 1.7. O Fundo Monetário Internacional – FMI A interdependência econômica existente entre os Estados leva à consideração da efetivação racional e eficiente do meio destinado a facilitar as trocas comerciais e o seu financiamento. Para a concretização desse objetivo era necessário criar um sistema monetário que colocasse num plano subalterno a nacionalidade da moeda. A moeda sempre foi a expressão do poder de um soberano sobre determinado e limitado espaço territorial. Através dela o soberano vinculava os povos a seu poder, simbolizando assim o domínio político e econômico sobre eles exercido. Assim, por exemplo, a moeda romana espalhou-se pelo mundo conhecido de então e simbolizava o domínio exercido pelo Império Romano.238 A moeda traduzia a ideia de que um império forte poderia dominar os demais e deles tirar o necessário para garantir mais eficazmente o domínio. A moeda era um meio de garantia maior da independência do que expressão de uma interdependência a vincular os impérios. É certo, contudo, que as políticas monetárias adotadas pelos Estados têm profunda influência sobre as trocas internacionais. Se um Estado desvaloriza a própria moeda relativamente à moeda de um outro país, consegue tornar mais caras as mercadorias daquele país e relativamente mais baratas as suas, de tal sorte a incrementar a exportação destas e a desestimular a importação daquelas. Da
mesma forma, uma elevação das barreiras alfandegárias, através de subvenções ou onerações, traz como consequência a diminuição das importações e aumento das exportações. A política monetária torna-se, assim, uma arma nas mãos do Estado. O incremento do comércio internacional veio exigir um eficiente instrumento dessa troca. O ouro foi o meio encontrado pelos países como forma de viabilizar os pagamentos internacionais, em substituição da moeda nacional de cada um deles. Mas os graves problemas ocorridos no período entre as duas grandes guerras, de 1914 a 1939, vieram estimular a criação de um sistema monetário internacional. Com essa expressão pretendeu-se significar o conjunto de regras criadas pelos Estados e por organismos internacionais com a finalidade de facilitar as trocas internacionais, prevenir as crises e remediá-las.239 Como sistema, ressalta o seu caráter convencional, por decorrer da criação pelos Estados, e também o da publicidade, por ter sido criado pelos e para os Estados, vinculando também a atividade comercial, em nível internacional, das pessoas privadas. Esse sistema pretende ser universal, ou seja, reunir sob sua abrangência todos os países do mundo, embora admitindo também aglomerações regionais. A lógica do sistema não pode, contudo, deixar desconhecida a relação de poder que ela traz. A ordem monetária foi criada como manifestação de poder dos países que maior projeção têm no intercâmbio internacional. O sistema foi elaborado como forma de impedir o surgimento de crises monetárias no mercado e, com isso, garantir às grandes potências a inalterabilidade de sua hegemonia. Estabelece-se, assim, um código de boa conduta. Os países que revelarem esse bom procedimento terão direito à ajuda e à cooperação que serão propiciados aos membros.240 A conversão entre moedas pressupõe a escolha de um padrão ou estalão. É a diversidade destes que propiciou o surgimento de sistemas diferentes. Três dentre estes tiveram maior projeção: o padrão-ouro, o chamado “Gold exchange standard” e o padrão-divisa, também chamado padrãodólar. O primeiro sistema vigorou de 1870 até agosto de 1914, quando a libra esterlina, o franco francês e o marco se tornaram moedas nacionais de papel, e toda vinculação com o ouro se rompeu. A respeito desse sistema, disse Robert Mossé: “A teoria do estalão-ouro é confortável. Ela promete o céu, a terra e o mar, a saber, a conver bilidade, a estabilidade e a liquidez. Ela só esquece uma coisa: ela esquece que o estalão-ouro coincidiu com as graves crises econômicas do século XIX, que ele coincidiu com o desemprego e que coincidiu com o desenvolvimento de nosso espírito de quimera”.241
O segundo sistema, o de padrão de câmbio-ouro – Gold Exchange Standard – veio estabelecer que o termo de referência para a conversão das divisas seriam o ouro e algumas divisas nacionais chamadas divisas-chave. Passaram assim o dólar e a libra esterlina a desempenhar a função de moedas de reserva. Em 15.08.1971, o Presidente Nixon suspendeu a conversibilidade do dólar em ouro. Surge, então, o terceiro sistema, em que o termo de referência para conversão das moedas é uma moeda nacional, não mais conversível em ouro. Surge assim o estalão-divisa, ou estalão-dólar. Na Conferência de Bretton-Woods, realizada de 1 o a 22 de julho de 1944, surge a instituição predestinada a administrar, a partir de então, o sistema monetário internacional. A realização dessa conferência em território americano decorreu exatamente do maior poderio dos Estados Unidos, que
influíram poderosamente nas decisões que foram tomadas. Os princípios fundamentais que regem todo o funcionamento do Fundo podem ser assim sintetizados: – a unidade da taxa de câmbio: os Estados deverão valer-se de uma única taxa de câmbio para a sua moeda, como preceitua o art. VIII dos Estatutos do Fundo, ficando proibida toda e qualquer prática monetária discriminatória. Todos os Estados-Membros se comprometem a declarar oficialmente a paridade de sua moeda em ouro ou em dólares dos Estados Unidos; – a fixidez da taxa de câmbio veio impedir modificações da paridade das moedas dos EstadosMembros. A margem de variação ficou, de 1944 a 1971, numa relação de mais ou menos 1% (um por cento). Somente os Estados Unidos não estavam adstritos a respeitar essa margem em relação ao dólar; – a obrigação de transferibilidade dos pagamentos correntes: o país-membro tem obrigação de não impor restrições sobre pagamentos e transferências, para que sua moeda seja conversível; – a proibição de desvalorizações competitivas: o acordo de Bretton-Woods quis exatamente impedir as manipulações perversas das taxas de câmbio, destinadas a melhorar a posição concorrencial das exportações sobre os mercados estrangeiros. Em 1971, em virtude da grave crise monetária, o Presidente Nixon determinou a reformulação do sistema até então adotado, introduzindo como maior modificação a suspensão da conversibilidade do dólar em ouro. Críticas importantes feitas ao sistema de Bretton-Woods decorrem principalmente de não se ter assegurado uma reciprocidade de interesses entre os Estados. O conhecimento das regras impostas aos países-membros é importante, porque a vinculação ao Fundo Monetário Internacional condiciona necessariamente as políticas econômicas adotadas por eles. A adesão de um país o sujeita a todas as medidas de controle por parte do Fundo Monetário Internacional, bem como às sanções que lhe forem impostas. O direito à ajuda do Fundo, principalmente através dos Direitos de Tiragem Especiais, está condicionado à observância de uma “boa conduta”. O estudo da adoção por um país de eficientes medidas de política econômica não pode desconhecer as suas vinculações com o Fundo Monetário Internacional. Daí a importância de sua menção, quando estudamos o Direito Econômico Internacional.242 1.8. O acordo geral sobre tarifas e comércio O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – General Agreement on Tariffs and Trade – GATT –, foi criado em 1948, com a finalidade de expandir o comércio internacional, reduzindo os direitos alfandegários, através de contingenciamentos,243 de acordos preferenciais, de barreiras não tarifárias, generalizando o princípio da cláusula de nação mais favorecida e concedendo aos países em desenvolvimento um tratamento especial para a exportação de seus produtos manufaturados. Para a consecução desses objetivos foram realizadas Negociações Comerciais Multilaterais, também conhecidas pela denominação de “rodadas”. Tais negociações se realizaram em Genebra (1947), Annecy (1949), Torquay (1950-1951), Genebra (1956), Genebra (1960-1961 – a chamada Rodada Dillon), Genebra (1962-1967 – a chamada Rodada Kennedy), Rodada Tóquio (“Tokyo Round ou Nixon Round” – 1970), Rodada Uruguai (1986) e a Rodada de Doha (2001 até hoje).
A Rodada Doha se propõe o objetivo de conseguir uma grande reforma do sistema de comércio internacional, por meio da introdução de barreiras comerciais menores e revisão das regras do comércio, cujo objetivo fundamental é melhorar as perspectivas comerciais dos países em desenvolvimento. Esta Rodada foi lançada oficialmente na Quarta Conferência Ministerial da OMC em Doha, Qatar, em novembro de 2001. São questões ainda não definidas os subsídios à agricultura mantidos pelos países centrais, que impedem a entrada de produtos originários dos países periféricos. Também há divergências sobre o quanto as nações em desenvolvimento aceitariam abrir seus mercados para bens manufaturados e serviços 244 O art. XXVIII bis do Acordo Geral preceitua o seguinte: “1. As Partes Contratantes reconhecem que os direitos aduaneiros frequentemente cons tuem obstáculos sérios ao comércio; assim, são de grande importância para a expansão do comércio internacional negociações em base recíproca e mutuamente vantajosa, des nadas à redução substancial do nível geral de tarifas e outros gravames sobre as importações e as exportações e em par cular a redução de tarifas e outros gravames sobre as importações e as exportações e em particular a redução de tarifas tão altas que desencorajem a importação mesmo de quantidades mínimas, e conduzidas com a devida atenção aos obje vos deste Acordo e às necessidades variáveis de cada parte contratante. Destarte, as Partes Contratantes podem patrocinar periodicamente tais negociações. 2. As negociações disciplinadas por este ar go podem ser entabuladas com base em uma abordagem sele va produto por produto ou por procedimentos mul laterais aceitos pelas Partes Contratantes envolvidas. Tais negociações podem des nar-se à redução de direitos, à consolidação de direitos aos níveis existentes ou a es pulações de que certos direitos ou a média dos direitos sobre categorias específicas de produtos não devam exceder determinados níveis. A consolidação de direitos baixos ou de isenções deve, em princípio, ser reconhecida como uma concessão de valor equivalente à redução de direitos altos. As Partes Contratantes reconhecem que, em geral, o êxito das negociações mul laterais dependerá da par cipação de todas as Partes Contratantes, que umas com as outras mantenham uma proporção substancial de seu comércio exterior. 3. As negociações devem ser feitas de modo que se ofereça oportunidade adequada a que sejam levadas em consideração: a) as necessidades de cada Parte Contratante e de cada indústria; b) as necessidades que sentem os países de menor desenvolvimento, de um uso mais flexível da proteção tarifária para ajudar seu desenvolvimento econômico, e as necessidades especiais, que esses países sentem, de manter tarifas a fim de obter receita; e c) todas as outras circunstâncias relevantes, inclusive as necessidades fiscais, de desenvolvimento, estratégicas e outras, das Partes Contratantes interessadas”.
1.9. Constituição da Organização Mundial de Comércio O governo brasileiro, através do Decreto n. 1.355, de 30.12.1994, promulgou a Ata Final que incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT, assinada em Marraqueche, em 12.04.1994. O Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio de 1994 – denominado GATT 1994 – é juridicamente distinto do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio datado de 30.10.1947. O acordo constitutivo da Organização Mundial de Comércio – OMC – tem a explicitação de sua finalidade no preâmbulo da Ata Final. Eis o seu conteúdo: “Acordo Constitutivo da Organização Mundial de Comércio As partes do presente Acordo, Reconhecendo que as suas relações na esfera da a vidade comercial e econômica devem obje var a elevação dos níveis de vida, o pleno emprego e um volume considerável e em constante elevação de receitas reais e demanda efe va, o aumento da produção e do comércio de bens e de serviços, permi ndo ao mesmo tempo a u lização ó ma dos recursos
mundiais em conformidade com o obje vo de um desenvolvimento sustentável e buscando proteger e preservar o meio ambiente e incrementar os meios para fazê-lo, de maneira compa vel com suas respec vas necessidades e interesses segundo os diferentes níveis de desenvolvimento econômico; Reconhecendo ademais que é necessário realizar esforços posi vos para que os países em desenvolvimento, especialmente os de menor desenvolvimento rela vo, obtenham uma parte do incremento do comércio internacional que corresponda às necessidades de seu desenvolvimento econômico; Desejosas de contribuir para a consecução desses obje vos mediante a celebração de acordos des nados a obter, na base da reciprocidade e de vantagens mútuas, a redução substancial das tarifas aduaneiras e dos demais obstáculos ao comércio, assim como a eliminação do tratamento discriminatório nas relações comerciais internacionais; Resolvidas, por conseguinte, a desenvolver um sistema mul lateral de comércio integrado, mais viável e duradouro, que compreenda o Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio, os resultados de esforços anteriores de liberalização do comércio e os resultados integrais das Negociações Comerciais Multilaterais da Rodada Uruguai; Decididas a preservar os princípios fundamentais e a favorecer a consecução dos obje vos que informam este sistema multilateral de comércio, acordam o seguinte: Art. 1o Estabelecimento da Organização Constitui-se pelo presente Acordo a Organização Mundial de Comércio (a seguir denominada ‘OMC’)”.
Importante ressaltar que, em 7 de maio de 2013, o diplomata brasileiro Roberto Carvalho de Azevedo foi escolhido Diretor-Geral da OMC, sendo a primeira vez que um representante do continente americano é escolhido para o cargo. 2. EXISTÊNCIA DE UM DIREITO ECONÔMICO REGIONAL As tentativas de formação de uma unidade internacional, em nível mundial, foram acompanhadas também de esforços de constituição de unidades regionais, quer sob o aspecto político, quer sob o prisma econômico. Aqui abordaremos os projetos para a constituição da unidade europeia e os que foram implantados com vista à construção da unidade latino-americana. A unidade europeia acabou transformando-se num modelo para outras regiões, principalmente pelo sucesso alcançado. 2.1. A União Europeia Um estudo crítico das vicissitudes políticas, econômicas e culturais pelas quais passou a Europa leva à convicção de que aquela parte do mundo trilhou sempre o caminho dialético marcado pelos esforços de unificação, de um lado, e pelas crises desagregadoras, de outro. A Roma Imperial foi o primeiro esforço desenvolvido no sentido de unificar a Europa, sob o signo e o poder de Roma. Ao fulgor e ao fascínio dos tempos áureos do Império Romano, sucedeu-se a desagregação causada pela invasão bárbara que levou o Império ao total desmantelamento. Nesse momento surge a força agregadora do cristianismo, quer sob o aspecto religioso e doutrinário, quer sob o aspecto do prestígio e autoridade dos Papas. Esta autoridade dedicou-se a difundir tanto a religião cristã, quanto o sistema jurídico e social herdado do Império Romano, por todo o período medieval. A partir do século XIV surge o prestígio e poderio unificador dos reis de França, que catalisam em redor de si todo o fausto da civilização europeia. Nova crise surge com a Revolução Francesa, que procura construir uma nova união no plano ideológico, que deu suporte para o constitucionalismo do século XIX. No plano da unificação política, foi sobremaneira importante o papel desempenhado por Napoleão, que procurou construir um novo império, cujo desmantelamento provocou a convocação do Congresso de Viena, de que surge a Santa Aliança. O ideal de paz então implantado perdura, com mais ou menos graves, mas localizadas, convulsões, até que eclode a guerra
de 1914-1918. A partir desta surge a ideia da Sociedade das Nações, na tentativa de construir uma união destinada a reunir os países em torno de um concerto de paz. Nova crise, de enormes e ameaçadoras proporções, surge com a guerra de 1939-1945, cuja dimensão vem alertar a Europa para os perigos de um novo conflito. A partir de 1945, intensificam-se os esforços para a construção de uma união duradoura. Ao lado do desafio de economias destroçadas, surge (ou é criado) um fantasma dinamizador dos mitos desenvolvimentistas. O Leste Europeu se põe como um perigo a estimular a reconstrução econômica, política e militar dos países do ocidente da Europa.245 Diversos acontecimentos se traduzem em marcos dessa meta de reconstrução da Europa. O conteúdo desses acontecimentos apresenta duas configurações fundamentais: numa primeira fase há um movimento de cooperação, mas numa seguinte surge uma tendência para a integração. Em 02.04.1947, o Congresso americano cria por lei o “European Recovery Program”, que corporifica o chamado Plano Marshall para a recuperação da Europa. Em 16.04.1948, na Convenção de Paris, cria-se a Organização Europeia de Cooperação Econômica – OECE, através da qual os países integrantes se propõem como finalidade “praticar uma estreita cooperação nas suas relações econômicas mútuas”. Tinha por missão precípua coordenar a repartição da ajuda do Plano Marshall entre os países europeus. Transformou-se em 1961 na Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico – OCDE –, como organismo de reflexão e de análise econômicas endereçadas aos países capitalistas. O art. 1o da Convenção que criou a OCDE estabelece: “A OCDE tem por objetivo promover políticas visando a: a) Realizar a mais ampla expansão possível da economia e do emprego e a melhoria do nível de vida nos países-membros, sem prejuízo da estabilidade financeira e contribuir assim para o desenvolvimento da economia mundial; b) Contribuir para uma expansão econômica sã, tanto nos países-membros como não membros em vias de desenvolvimento econômico; c) Contribuir para a expansão do comércio mundial numa base mul lateral e não discriminatória, na conformidade das obrigações internacionais”.246
A fase da integração inaugura-se através da criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço – CECA –, pelo Tratado de Paris, de 18.04.1951, preparado por Jean Monnet e por Robert Schuman, que apresenta a finalidade daquela organização: “A Europa não se fará de um golpe, nem por virtude de uma construção global. Far-se-á mediante realizações concretas – criando, antes de mais, uma solidariedade de fato. A congregação das nações europeias exige que a oposição secular entre a França e a Alemanha seja eliminada. Com esta finalidade, o governo francês propõe que a ação incida imediatamente sobre um ponto limitado mas decisivo: ‘O governo francês propõe que o conjunto da produção franco-alemã de carvão e de aço seja colocada sob uma Alta Autoridade Comum, no seio de uma Organização aberta à participação de outros países da Europa’. A colocação em comum das produções do carvão e do aço assegurará imediatamente o estabelecimento de bases comuns de desenvolvimento econômico, primeira “étape” da Federação Europeia, e mudará o des no destas regiões que durante tanto tempo se entregaram ao fabrico de armas de guerra, de que elas têm sido as mais constantes vítimas. A solidariedade de produção que assim será forjada terá como resultado que qualquer guerra entre a França e a Alemanha se tornará não somente impensável, mas materialmente impossível. A Europa poderá, com acrescidos meios, prosseguir na realização de uma das suas tarefas essenciais: o desenvolvimento do continente africano.
Assim será realizada simples e rapidamente a fusão de interesses, indispensável ao estabelecimento de uma comunidade econômica, e introduzido o fermento de uma Comunidade mais larga e mais profunda entre países durante longo tempo opostos por divisões sangrentas. Mediante a colocação em comum de produções de base e a ins tuição de uma Alta Autoridade cujas decisões vincularão a França, a Alemanha e os países que a ela aderirem, esta proposta realizará as primeiras bases concretas de uma federação europeia indispensável à preservação da paz.”247
O preâmbulo do tratado instituidor da CECA explicita as finalidades pelas quais foi criada e que reúne os países interessados em torno de um objetivo amplo, que vai além do simples questionamento do problema industrial do carvão e do aço. Os países envolvidos têm um interesse na formação de uma Comunidade que preserve a paz: “Considerando que a paz mundial não pode ser salvaguardada senão por esforços criadores na medida dos perigos que a ameaçam; Convencidos de que a contribuição que uma Europa organizada e viva pode trazer para a civilização é indispensável para a manutenção de relações pacíficas; Conscientes de que a Europa não se construirá senão por realizações concretas criando em primeiro lugar uma solidariedade de fato, e pelo estabelecimento de bases comuns de desenvolvimento econômico; Preocupados em concorrer pela expansão de suas produções fundamentais para a elevação do nível de vida e para o progresso das obras de paz; Decididos a subs tuir às rivalidades seculares uma fusão de seus interesses essenciais, a fundar pela instauração de uma comunidade econômica as primeiras bases de uma comunidade mais ampla e mais profunda entre povos por muito tempo opostos por divisões sangrentas, e a colocar as bases de ins tuições capazes de orientar um des no a par r de agora partilhado, Decidiram criar uma Comunidade europeia do carvão e do aço.”
O art. 2o do Tratado expõe as finalidades pelas quais foi criada a Comunidade: “Art. 2o A Comunidade europeia do carvão e do aço tem por missão contribuir, em harmonia com a economia geral dos Estados-Membros e graças ao estabelecimento de um mercado comum nas condições definidas no art. 4o, para a expansão econômica, para o desenvolvimento do emprego e para a elevação do nível de vida nos Estados-Membros. A Comunidade deve realizar o estabelecimento progressivo das condições garan doras por si mesmas da repar ção mais racional da produção no nível mais elevado de produ vidade, salvaguardando a con nuidade do emprego e evitando provocar, nas economias dos Estados-Membros, perturbações fundamentais e persistentes”.
O art. 46, que trata das disposições econômicas e sociais, dispõe: “Para orientar, em função das missões atribuídas à Comunidade, a ação de todos os interessados, e para determinar sua ação própria, nas condições previstas no presente tratado, a Alta Autoridade deve, recorrendo às consultas acima: 1o efetuar um estudo permanente da evolução dos mercados e das tendências dos preços; 2o estabelecer periodicamente programas provisionais de caráter indica vo referentes à produção, ao consumo, à exportação e à importação; 3o definir periodicamente obje vos gerais concernentes à modernização, à orientação a longo termo da fabricação, e a expansão das capacidades de produção; 4o par cipar, por solicitação dos governos interessados, ao estudo das possibilidades de reemprego, nas indústrias existentes ou pela criação de a vidades novas, da mão de obra tornada disponível pela evolução do mercado ou pelas transformações técnicas; 5o reunir informações necessárias à apreciação das possibilidades de elevação das condições de vida e de trabalho da mão de obra das indústrias de que está encarregada e dos riscos que ameaçam estas condições de vida”.
Em 25.03.1957 surge o Tratado de Roma, que institui a Comunidade Econômica Europeia, que
reúne inicialmente os mesmos países integrantes da CECA – Bélgica, Alemanha, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos – mas que se propõe a um objetivo bem mais amplo. As razões que levaram estes países a criar uma nova Comunidade e os objetivos que se pretendiam alcançar podem ser apreendidos no preâmbulo do Tratado e nos seus arts. 2o e 3o: “DETERMINADOS a estabelecer os fundamentos de uma união cada vez mais estreita entre os povos europeus;
DECIDIDOS a assegurar por uma ação comum o progresso econômico e social de seus países eliminando as barreiras que dividem a Europa; FIXANDO como finalidade essencial a seus esforços a melhoria constante das condições de vida e de emprego de seus povos;
RECONHECENDO que a eliminação dos obstáculos existentes exige uma ação concertada em vista de garan r a estabilidade na expansão, o equilíbrio nas trocas e a lealdade na concorrência;
PREOCUPADOS em reforçar a unidade de suas economias e em assegurar o seu desenvolvimento harmonioso reduzindo a separação entre as diferentes regiões e o atraso das menos favorecidas; DESEJOSOS de contribuir, graças a uma polí ca comercial comum, para a supressão progressiva das restrições às trocas internacionais; QUERENDO confirmar a solidariedade que liga a Europa e os países de além-mar, e desejando assegurar o desenvolvimento de sua prosperidade, em conformidade com os princípios da Carta das Nações Unidas; RESOLVIDOS a fortalecer, pela cons tuição deste conjunto de recursos, as salvaguardas da paz e da liberdade, e convidando os outros povos da Europa que partilham seu ideal a se associar a seu esforço; DECIDIRAM criar uma Comunidade econômica europeia.”
Os arts. 2o e 3o do Tratado explicitam o objetivo e o direcionamento da ação da Comunidade para concretização dos fins propostos: “Art. 2o A Comunidade tem por missão, pelo estabelecimento de um mercado comum e pela aproximação progressiva das polí cas econômicas dos Estados-Membros, promover um desenvolvimento harmonioso das a vidades econômicas no conjunto da Comunidade, uma expansão con nua e equilibrada, uma estabilidade aumentada, uma elevação acelerada do nível de vida e das relações mais estreitas entre os Estados que ela reúne. Art. 3o Para os fins enunciados no art. precedente, a ação da Comunidade comporta, nas condições e em conformidade com os ritmos previstos pelo presente tratado: a) a eliminação, entre os Estados-Membros, dos direitos aduaneiros e das restrições quan ta vas à entrada e saída de mercadorias, assim como de outras medidas de efeito equivalente; b) o estabelecimento de uma tarifa aduaneira comum e de uma política comercial comum para com terceiros Estados; c) a abolição, entre os Estados-Membros, de obstáculos à livre circulação das pessoas, dos serviços e dos capitais; d) a instauração de uma política comum no domínio da agricultura; e) a instauração de uma política comum no domínio dos transportes; f) o estabelecimento de um regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado comum; g) a aplicação de procedimentos que permitam coordenar as polí cas econômicas dos Estados-Membros e enfrentar os desequilíbrios em suas balanças de pagamentos; h) a aproximação das legislações nacionais na medida necessária ao funcionamento do mercado comum; i) a criação de um Fundo social europeu, para melhorar as possibilidades de emprego dos trabalhadores e para contribuir à elevação de seu nível de vida; j) a ins tuição de um Banco europeu de inves mento, des nado a facilitar a expansão econômica da Comunidade pela criação de recursos novos; k) a associação dos países e territórios de além-mar, para aumentar as trocas e perseguir em comum o esforço de
desenvolvimento econômico e social”.
O art. 102-A do Tratado deixa evidente que, a partir de então, a política econômica adotada por um Estado não pode mais prescindir de sua integração no contexto da Comunidade da qual faz parte. A adoção de uma política econômica transcende aos limites territoriais e encontra implicações em nível de Comunidade,248 devendo os Estados-Membros, como consta do art. 6o, coordenar “suas respectivas políticas econômicas na medida necessária para atingir os objetivos do presente tratado”. Na mesma data de criação da Comunidade Econômica Europeia, 25.03.1957, também em Roma era instituída a Comunidade Europeia da Energia Atômica. A adesão ao Tratado da CEE pelos demais países europeus foi ocorrendo posteriormente, como o permitia o art. 237. Em 1972 ocorreram as adesões da Inglaterra, da Irlanda e da Dinamarca. Em 1979, a Grécia adere formalmente, pelo Tratado de Adesão assinado em Atenas, em 28.05.1979. Em 12.06.1985 foi a vez do Tratado de Adesão que incluiu Portugal, e em 01.01.1986 o da Espanha. Em 28.02.1986 é firmado o Ato Único Europeu, que congrega os doze países que passaram a integrar a Comunidade Europeia. Os países signatários estão decididos a “colocar em prática esta União europeia”, convencidos de que a “ideia europeia, os resultados conquistados nos domínios da integração econômica e da cooperação política assim como a necessidade de novos desenvolvimentos respondem aos anseios dos povos democráticos europeus”, e determinados a “melhorar a situação econômica e social pelo aprofundamento das políticas comuns e pela prossecução de objetivos novos e determinados também a assegurar um melhor funcionamento das Comunidades”.249 Em 07.02.1992 surge como um marco importante em Maastricht o Tratado da União Europeia que assinala uma nova fase no processo de integração europeia com a instituição das Comunidades Europeias. O preâmbulo do novo Tratado enfatiza as razões de sua elaboração:
“RESOLVIDOS a assinalar uma nova fase no processo de integração europeia iniciada com a ins tuição das Comunidades Europeias; RECORDANDO a importância histórica do fim da divisão do con nente europeu e a necessidade da criação de bases sólidas para a construção da futura Europa;
CONFIRMANDO o seu apego aos princípios da liberdade, da democracia, do respeito pelos direitos do homem e liberdades fundamentais e do Estado de direito; DESEJANDO aprofundar a solidariedade entre os seus povos, respeitando a sua história, cultura e tradições; DESEJANDO reforçar o caráter democrá co e a eficácia do funcionamento das ins tuições, a fim de lhes permi r melhor desempenhar, num quadro institucional único, as tarefas que lhes estão confiadas;
RESOLVIDOS a conseguir o reforço e a convergência das suas economias e a ins tuir uma união econômica e monetária, incluindo, nos termos das disposições do presente Tratado, uma moeda única e estável;
DETERMINADOS a promover o progresso econômico e social dos seus povos, no contexto da realização do mercado interno e do reforço da coesão e da proteção do ambiente, e a aplicar polí cas que garantam que os progressos na integração econômica sejam acompanhados de progressos paralelos noutras áreas; RESOLVIDOS a instituir uma cidadania comum aos nacionais dos seus países; RESOLVIDOS a executar uma polí ca externa e de segurança que inclua a definição, a prazo, de uma polí ca de defesa comum que poderá conduzir, no momento próprio, a uma defesa comum, fortalecendo assim a iden dade europeia e a sua independência, em ordem a promover a paz, a segurança e o progresso na Europa e no mundo;
REAFIRMANDO o seu obje vo de facilitar a livre circulação de pessoas, sem deixar de garan r a segurança dos seus povos,
através da inclusão, no presente Tratado, de disposições relativas à justiça e aos assuntos internos;
RESOLVIDOS a con nuar o processo de criação de uma união cada vez mais estreita entre os povos da Europa, em que as decisões sejam tomadas ao nível mais próximo possível dos cidadãos, de acordo com o princípio da subsidiariedade; Na perspectiva das etapas ulteriores a transpor para fazer progredir a integração europeia; DECIDIRAM instituir uma UNIÃO EUROPEIA.”
Os esforços serão encaminhados no sentido do estabelecimento de uma política econômica coerente entre os Estados que compõem a União. Essa unificação pode ser vista no art. B do Título I: “Art. B. À União atribuem-se os seguintes objetivos: – a promoção de um progresso econômico e social equilibrado e sustentável, nomeadamente mediante a criação de um espaço sem fronteiras internas, o reforço da coesão econômica e social e o estabelecimento de uma união econômica e monetária, que incluirá, a prazo, a adoção de uma moeda única, de acordo com as disposições do presente Tratado”.
A par da mudança da denominação para “Comunidade Europeia”, da instituição da cidadania da União, parte-se para a concretização de uma uniformização da política econômica e monetária, como se verifica nos Títulos VI e VII. O art. 102-A dispõe sobre a unificação das políticas econômicas: “Art. 102-A. Os Estados-Membros conduzirão as suas polí cas econômicas no sen do de contribuir para a realização dos objetivos da Comunidade, tal como se encontram definidos no art. 2o, e no âmbito das orientações gerais a que se refere o n. 2 do art. 103. Os Estados-Membros e a Comunidade atuarão de acordo com o princípio de uma economia de mercado aberto e de livre concorrência, favorecendo uma repar ção eficaz dos recursos, e em conformidade com os princípios estabelecidos no art. 3o-A”.
As políticas econômicas dos Estados-Membros passam a ser uma questão de interesse comum, e são coordenadas pelo Conselho, que dita as orientações gerais que deverão ser seguidas por eles (art. 103). Esta limitação se traduz, por via de consequência, numa restrição ao princípio da soberania.250 Em 1º de maio de 1997, entra em vigor o Tratado de Amsterdã, que consolida os Tratados da Comunidade Europeia. O Regulamento (CE) n. 974, de 3 de maio de 1998, introduziu o euro como moeda única: Artigo 2º Com efeitos a par r das respec vas datas de adoção do euro, a moeda dos Estados-Membros par cipantes é o euro. A respectiva unidade monetária é um euro. Cada euro divide-se em cem cêntimos.
Em 1º de fevereiro de 2003, passa a vigorar o Tratado de Nice, com a reforma das instituições de modo a preparar o funcionamento com 25 países. O Tratado de Lisboa, em vigor a partir de 1º de dezembro de 2009, institui a União Europeia: Artigo 1º
Pelo presente Tratado, as ALTAS PARTES CONTRATANTES ins tuem entre si uma UNIÃO EUROPEIA, adiante designada po “União”, à qual os Estados-Membros atribuem competências para atingirem os seus objetivos comuns. O presente Tratado assinala uma nova etapa no processo de criação de uma união cada vez mais estreita entre os povos da Europa, em que as decisões serão tomadas de uma forma tão aberta quanto possível e ao nível mais próximo possível dos cidadãos. A União funda-se no presente Tratado e no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (a seguir designados “os Tratados”). Estes dois Tratados têm o mesmo valor jurídico. A União substitui-se e sucede à Comunidade Europeia.
Artigo 2.º A União funda-se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. Estes valores são comuns aos Estados-Membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres. Artigo 3.º (ex-artigo 2.º TUE) 1. A União tem por objetivo promover a paz, os seus valores e o bem-estar dos seus povos. 2. A União proporciona aos seus cidadãos um espaço de liberdade, segurança e jus ça sem fronteiras internas, em que seja assegurada a livre circulação de pessoas, em conjugação com medidas adequadas em matéria de controlos na fronteira externa, de asilo e imigração, bem como de prevenção da criminalidade e combate a este fenómeno. 3. A União estabelece um mercado interno. Empenha-se no desenvolvimento sustentável da Europa, assente num crescimento económico equilibrado e na estabilidade dos preços, numa economia social de mercado altamente compe va que tenha como meta o pleno emprego e o progresso social, e num elevado nível de proteção e de melhoramento da qualidade do ambiente. A União fomenta o progresso científico e tecnológico. A União combate a exclusão social e as discriminações e promove a jus ça e a proteção sociais, a igualdade entre homens e mulheres, a solidariedade entre as gerações e a proteção dos direitos da criança. A União promove a coesão económica, social e territorial, e a solidariedade entre os Estados-Membros. A União respeita a riqueza da sua diversidade cultural e linguís ca e vela pela salvaguarda e pelo desenvolvimento do património cultural europeu. 4. A União estabelece uma união económica e monetária cuja moeda é o euro. 5. Nas suas relações com o resto do mundo, a União afirma e promove os seus valores e interesses e contribui para a proteção dos seus cidadãos. Contribui para a paz, a segurança, o desenvolvimento sustentável do planeta, a solidariedade e o respeito mútuo entre os povos, o comércio livre e equita vo, a erradicação da pobreza e a proteção dos direitos do Homem, em especial os da criança, bem como para a rigorosa observância e o desenvolvimento do direito internacional, incluindo o respeito dos princípios da Carta das Nações Unidas. 6. A União perseguirá seus obje vos pelos meios apropriados, de acordo com as competências a ela atribuídas nos Tratados.
2.2. A perspectiva latino-americana O surgimento e desenvolvimento das ordens econômicas internacionais, com mais profundidade e eficácia a partir da Segunda Guerra Mundial, vem comprovar a importância da vida de interrelação econômica a fundamentar a convivência das nações. A convicção de que todos os confrontos bélicos tiveram por base e origem dissensões de caráter econômico levou os países a buscar uma solução radical, no exato sentido do termo, ou seja, a procurar curar o mal pela raiz. Pode-se ver que houve uma evolução sensível na visualização dos fenômenos da inter-relação econômica entre os países, no sentido de uma concretude maior, se se fizer um confronto entre os preâmbulos do Tratado da Sociedade das Nações 251 e da Carta das Nações Unidas,252 e no intuito de se afirmar que a manutenção da paz e da segurança internacionais está visceralmente vinculada ao emprego de mecanismos eficientes para promover o progresso econômico e social de todos os povos. A meta de um equilibrado desenvolvimento econômico impôs a adoção de medidas que propiciassem e incentivassem a criação de áreas economicamente homogêneas, aceitando-se o princípio de que é difícil a convivência e a inter-relação no plano econômico entre países cujo nível de desenvolvimento econômico seja gravemente desigual. E como a convivência se concretiza
primeiramente pela proximidade geográfica, necessário se fez criar mecanismos de homogeneização das relações econômicas regionais. As iniciativas de criação de ordens econômicas regionais vieram a ser ratificadas pela Resolução n. 3.281 (XXIX), também chamada Carta dos Direitos e Deveres Econômicos dos Estados, que, em seu art. 12.1, se propõe a compatibilizar tais ordens com a ordem econômica internacional: “Os Estados têm o direito de par cipar, com o assen mento das partes envolvidas, na cooperação sub-regional, regional e inter-regional no seu empenho de conseguir seu desenvolvimento econômico e social. Todos os Estados par cipantes desta cooperação têm o dever de velar por que as polí cas das associações a que pertencem mantenham correspondência com as disposições desta Carta.”253
O movimento de unificação regional, após a Segunda Grande Guerra, teve seu modelo implantado a partir do Tratado de Roma, que criou a Comunidade Econômica Europeia, como visto acima. Mas o mesmo movimento se manifestou através de outros modelos, como o da criação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio. O Tratado de Montevidéu, de 1960, destinou-se, como o nome está a significar, à criação de uma zona de livre comércio, através da eliminação das barreiras aduaneiras, na linha de pensamento traçada pelo Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT instituído em 1947. É esta uma primeira fase da adoção de políticas econômicas destinadas a fortalecer os elos econômicos entre os países da América Latina.254 É o que se pode verificar em seu preâmbulo: Os governos representados na Conferência Intergovernamental para o Estabelecimento de uma Zona de Livre Comércio entre Países da América Latina; Persuadidos de que a ampliação das atuais dimensões dos mercados nacionais, através da eliminação gradual das barreiras ao comércio intrarregional, cons tui condição fundamental para que os países da América La na possam acelerar seu processo de desenvolvimento econômico, de forma a assegurar um melhor nível de vida para seus povos; Conscientes de que o desenvolvimento econômico deve ser alcançado mediante o melhor aproveitamento dos fatores da produção disponíveis e uma melhor coordenação dos planos de desenvolvimento dos diferentes setores de produção, dentro de normas que contemplem devidamente os interesses de todos e de cada um, e que compensem convenientemente, através de medidas adequadas, a situação especial dos países de menor desenvolvimento econômico relativo; Convencidos de que o fortalecimento das economias nacionais contribuirá para o incremento do comércio dos países latino-americanos entre si e com o resto do mundo; Seguros de que mediante fórmulas adequadas poderão ser criadas condições propícias para que as a vidades produtoras existentes se adaptem, gradualmente e sem perturbações, a novas modalidades de comércio recíproco, promovendo outros estímulos para sua melhoria e expansão; Certos de que toda ação des nada à consecução de tais propósitos deve levar em conta os compromissos derivados dos instrumentos internacionais que regem seu comércio; Decididos a perseverar em seus esforços em favor de uma progressiva complementação e integração de suas economias com base numa efe va reciprocidade de bene cios, decidem estabelecer uma zona de livre comércio e celebrar, com esse objetivo, um Tratado que institui a Associação Latino-Americana de Livre Comércio”.
De 1960 a 1980 surge um percurso evolutivo de considerável importância, passando-se de uma fase de simples cooperação para outra, de maior abrangência e de maior profundidade, de integração. Na primeira fase, enfatiza-se o esforço para a realização de um trabalho em comum para dar curso mais flexível à produção, para eliminar as barreiras protecionistas que pudessem vir obstaculizar a fluência das relações de produção, circulação e consumo. A segunda fase se caracteriza pela presença de um esforço global de reagrupamento, de unificação e de coordenação com a finalidade de construir-se um conjunto coerente. Este esforço pode efetivar-se como forma de
superação da integração econômica nacional que se realiza através da criação de políticas econômicas nacionais que se fortalecem através de medidas fiscais, sociais e monetárias, tendentes a estabelecer barreiras excludentes dos demais Estados. A fase da integração é justamente a tentativa de criação de uma integração econômica internacional, que tem por finalidade precípua eliminar a discriminação, afastar toda e qualquer medida de política econômica imposta por um Estado em seu exclusivo proveito.255 A diferença entre esses dois conceitos ressalta logo à primeira leitura de confronto dos preâmbulos dos Tratados de 1960 e 1980. O preâmbulo deste último evidencia de logo que os esforços de formação de uma comunidade vão bem além da simples criação de uma zona de livre comércio: “ANIMADOS do propósito de fortalecer os laços de amizade e solidariedade entre seus povos;
PERSUADIDOS de que a integração econômica regional cons tui um dos principais meios para que os países da América La na possam acelerar seu processo de desenvolvimento econômico e social, de forma a assegurar um melhor nível de vida para seus povos; DECIDIDOS a renovar o processo de integração latino-americano e a estabelecer objetivos e mecanismos compatíveis com a realidade da região; SEGUROS de que a con nuação desse processo requer o aproveitamento da experiência posi va, colhida na aplicação do Tratado de Montevidéu, de 18 de fevereiro de 1960;
CONSCIENTES de que é necessário assegurar um tratamento especial para os países de menor desenvolvimento econômico relativo; DISPOSTOS a impulsionar o desenvolvimento de vínculos de solidariedade e cooperação com outros países e áreas de integração da América La na, com o propósito de promover um processo convergente que conduza ao estabelecimento de um mercado comum regional;
CONVENCIDOS da necessidade de contribuir para a obtenção de um novo esquema de cooperação horizontal entre países em desenvolvimento e suas áreas de integração inspirado nos princípios do direito internacional em matéria de desenvolvimento;
CONSIDERANDO a decisão adotada pelas Partes Contratantes do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio, qu permite a celebração de acordos regionais ou gerais entre países em desenvolvimento, com a finalidade de reduzir ou eliminar mutuamente os entraves a seu comércio recíproco;
CONVÊM EM subscrever o presente Tratado, o qual subs tuirá, de acordo com as disposições nele con das, o Tratado que institui a Associação Latino-Americana de Livre Comércio”.
A maior amplitude conceitual desse novo tratado se revela desde logo pelo conteúdo de seu art. 1o: “Pelo presente Tratado, as Partes Contratantes dão prosseguimento ao processo de integração encaminhado a promover o desenvolvimento econômico-social, harmônico e equilibrado, da região e, para esse efeito, ins tuem a Associação La noAmericana de Integração (doravante denominada ‘Associação’), cuja sede é a cidade de Montevidéu, República Oriental do Uruguai”.
Os princípios informadores e norteadores dos esforços comuns a serem empreendidos pelas Partes Contratantes são os do pluralismo, pretendendo-se superar a diversidade política e econômica com a vontade unânime rumo à integração, o da convergência, pretendendo-se com a multilateralização progressiva dos acordos chegar à formação de um mercado comum,256 o da flexibilidade, em que se quer permitir a formação de acordos de alcance parcial sem perder de vista a meta proposta. A Constituição Federal de 1988 inclui entre seus princípios fundamentais, enumerados no Título Primeiro, e especificamente no parágrafo único do art. 4o, a norma impositiva da busca da integração
econômica: “A República Federa va do Brasil buscará a integração econômica, polí ca, social e cultural dos povos da América La na, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.
2.3. A perspectiva latino-americana: o Mercosul Os dois Tratados de Montevidéu não conseguiram implantar o desiderato por eles manifestado, pois que para tal seria necessária uma vontade efetiva, e esta não se pode dizer que tenha existido. Com efeito, os dois maiores países da América do Sul, Brasil e Argentina, se distanciavam, e muito, dos objetivos a serem conseguidos através de uma Comunidade. Após a Segunda Grande Guerra, o que buscaram eles com pertinácia foi a hegemonia no Continente. Essa atitude, inspirada certamente pelos processos governamentais militares e autoritários que regeram seus destinos por muito tempo, fere profundamente os princípios norteadores dos tratados por eles assinados. Após a queda daqueles governos, evidenciado o sucesso alcançado pelas Comunidades existentes e principalmente pela Comunidade Europeia, manifesta-se a tendência para a formação efetiva de um processo de implantação de bases comunitárias.257 Brasil e Argentina iniciam a caminhada rumo à cooperação e à integração a partir da Declaração de Iguaçu, em 1985, e do Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, em 1988. Em 26.03.1991, os Presidentes da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinam, em Assunção, o Tratado que cria entre eles um Mercado Comum. O preâmbulo deste Tratado expõe os motivos que levaram os quatro países à formação de uma nova união e as metas que pretendem alcançar:
“CONSIDERANDO que a ampliação das atuais dimensões de seus mercados nacionais, através da integração, cons tu condição fundamental para acelerar seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social;
ENTENDENDO que esse obje vo deve ser alcançado mediante o aproveitamento mais eficaz dos recursos disponíveis, a preservação do meio ambiente, o melhoramento das interconexões sicas, a coordenação de polí cas macroeconômicas e a complementação dos diferentes setores da economia, com base nos princípios de gradualidade, flexibilidade e equilíbrio;
TENDO EM CONTA a evolução dos acontecimentos internacionais, em especial a consolidação de grandes espaços econômicos, e a importância de lograr uma adequada inserção internacional para seus países; EXPRESSANDO que este processo de integração constitui uma resposta adequada a tais acontecimentos;
CONSCIENTES de que o presente Tratado deve ser considerado como um novo avanço no esforço tendente ao desenvolvimento progressivo da integração da América Latina, conforme o objetivo do Tratado de Montevidéu de 1980;
CONVENCIDOS da necessidade de promover o desenvolvimento cien fico e tecnológico dos Estados-Partes e de modernizar suas economias para ampliar a oferta e a qualidade dos bens de serviço disponíveis, a fim de melhorar as condições de vida de seus habitantes;
REAFIRMANDO sua vontade polí ca de deixar estabelecidas as bases para uma união cada vez mais estreita entre seus povos, com a finalidade de alcançar os objetivos supramencionados, acordam”.
Os objetivos, as metas, a serem alcançados estão explicitados no art. 1o do Tratado, e os instrumentos a serem utilizados vêm mencionados no art. 5o.258 O texto do Tratado está acompanhado de cinco anexos, sendo os quatro primeiros voltados para a implementação de metas mais imediatas, e especificamente para a eliminação dos gravames e demais restrições aplicadas ao seu comércio recíproco. O Anexo V tem relevante função dentro do contexto, porque estabelece as políticas que o Grupo Mercado Comum, na concretização da competência que lhe é dada pelo art. 13 – fixar programas de trabalho que assegurem avanços para o estabelecimento do Mercado Comum. O Grupo Mercado Comum “para fins de coordenação das políticas macroeconômicas e setoriais” constitui 10 Subgrupos de Trabalho, para Assuntos
Comerciais, para Assuntos Aduaneiros, para Normas Técnicas, para Política Fiscal e Monetária Relacionadas com o Comércio, para Transporte Terrestre, para Transporte Marítimo, para Política Industrial e Tecnológica, para Política Agrícola, para Política Energética, e para Coordenação de Políticas Macroeconômicas. Posteriormente foi criado o Subgrupo de Trabalho encarregado do estudo das “Relações Trabalhistas, Emprego e Seguridade Social”. Esse Tratado torna mais uma vez evidente que a adoção de políticas econômicas não pode mais fazer-se restritamente ao âmbito de um Estado. A necessidade da integração impõe direcionamentos à ação estatal rumo à convergência dos esforços, eliminando-se as posições político-econômicas discriminatoriamente protecionistas. Os programas de trabalho acima enumerados tornam-se temas para trabalhos de aprofundamento, em que se poderá analisar a convergência das medidas de política econômica a serem adotadas pelos países-membros. 2.4. A consolidação do Mercosul Em 17.12.1991, reuniram-se em Brasília os Presidentes e os Ministros das Relações Exteriores do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, e nessa ocasião foi assinado um Protocolo para a Solução de Controvérsias no Mercosul, instituindo-se três fases: a da negociação direta, a da submissão do conflito ao Grupo Mercado Comum e a da jurisdição do Tribunal Arbitral. O texto que surgiu dessa negociação ficou conhecido como Protocolo de Brasília. Em 16 e 17.12.1994, realizou-se em Ouro Preto a VII Reunião do Conselho do Mercosul, em que importantes decisões foram tomadas para a consolidação dos valores democráticos, políticos, econômicos e sociais defendidos pelo Mercosul. Foram aprovadas 18 decisões de fundamental importância para a implantação e para a consolidação do Organismo Interestatal. São as seguintes: 1) Princípio da supervisão bancária global consolidada. 2) Padronização da informação para o mercado de valores. 3) Transportes de produtos perigosos. 4) Acordo sobre transporte multimodal internacional entre os Estados-Partes do Mercosul. 5) Norma de aplicação sobre despacho aduaneiro de mercadorias. 6) Acordo sobre propriedade intelectual. 7) Regime do setor açucareiro. 8) Políticas públicas que distorcem a competitividade. 9) Defesa da concorrência. 10) Tarifa Externa Comum – TEC. 11) Regime de adequação. 12) Código aduaneiro. 13) Norma de tramitação de decisões e critérios tarifários de mercadorias. 14) Protocolo de medidas cautelares. 15) Tribunais ad hoc do Protocolo de Brasília. 16) Adequação ao regime automotriz comum. 17) Requisitos específicos de origem para produtos excetuados da TEC. 18) Norma de aplicação sobre valoração aduaneira. Grande importância teve a VII Reunião do Conselho do Mercosul, porque ali estabelecido o
Protocolo Adicional ao Tratado de Assunção sobre a Estrutura Institucional do Mercosul – Protocolo de Ouro Preto. O art. 34 desse Protocolo conferiu ao Mercosul personalidade jurídica, ao determinar expressamente: “O Mercosul terá personalidade jurídica de Direito Internacional”. E, em virtude justamente dessa decisão, é que o Mercosul poderá, no uso de suas atribuições, praticar todos os atos necessários à realização de seus objetivos, em especial contratar, adquirir ou alienar bens móveis e imóveis, comparecer em juízo, conservar fundos e fazer transferências. O art. 1o do Protocolo instituiu os órgãos que comporão a estrutura institucional do Mercosul: o Conselho do Mercado Comum – CMC; o Grupo Mercado Comum – GMC; a Comissão de Comércio do Mercosul – CCM; a Comissão Parlamentar Conjunta – CPC; o Foro Consultivo Econômico-Social – FCES; a Secretaria Administrativa do Mercosul – SAM. Com base nas determinações do Protocolo de Ouro Preto, o governo brasileiro editou o Decreto n. 1.343, de 23.12.1994, em que se altera a Tarifa Aduaneira do Brasil – TAB, para o fim da aplicação da Tarifa Externa Comum – TEC, aprovada no âmbito do Conselho do Mercado Comum do Mercosul. Este Decreto é um marco decisivo na entrada em funcionamento de uma zona de livre comércio, como previsto no Tratado de Assunção, e uma união aduaneira, tudo isto trazendo uma nova dimensão política ao processo de integração que se instalou e que se acha francamente em curso. O Mercosul surge como a concretização de um novo espaço econômico, a incrementar e agilizar o intercâmbio entre os países do Cone Sul. Esse novo espaço exige a adoção de novas políticas econômicas dos países que fazem parte desse novo pacto. Serão políticas econômicas que deverão levar em conta não somente os aspectos quantitativos, mas também, e principalmente, os qualitativos, para que se possa alcançar uma verdadeira integração e convergência política. 2.5. Situação atual Nas relações internacionais, o respeito ao princípio da boa-fé é fundamental para a subsistência do relacionamento intergrupal. O interesse econômico dos participantes do grupo não pode ficar subordinado a preferências políticas. A exclusão do Paraguai e a imediata inclusão da Venezuela como participante do grupo estão ainda a depender da transparência da tomada de decisões. Por outro lado, constituem um obstáculo para a implementação plena da realidade do bloco as sucessivas medidas protecionistas tomadas por governos dos respectivos países. Para a subsistência e para a coesão das relações econômicas, necessário se faz que as instituições sejam fortalecidas e adquiram estabilidade. DOCUMENTÁRIO A NOVA ORDEM ECONÔMICA INTERNACIONAL Nós, os membros das Nações Unidas, CONVOCAMOS uma sessão especial da Assembleia-Geral para estudar, pela primeira vez, os problemas relacionados à matéria-prima e desenvolvimento, considerando os problemas econômicos mais importantes, em face da comunidade mundial; Tendo em mente o espírito, os propósitos e princípios da Carta Constitucional das Nações Unidas para promover o avanço econômico e o progresso social a todos os povos;
Solenemente proclamamos nossa determinação de trabalhar urgentemente para o estabelecimento de uma nova ordem econômica internacional, baseada na equidade, na soberania, na igualdade, na interdependência, no prevalecimento do interesse comum e na cooperação entre todos os Estados, independentemente de seus sistemas econômicos ou sociais, no sentido de reparar desigualdades e injustiças, eliminar a lacuna existente entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento social, baseada ainda na paz e na justiça para as presentes e futuras gerações, e, para esse fim, declara-se: 1 – O maior e mais significativo feito das últimas décadas tem sido a independência de um grande número de povos e nações da dominação estrangeira, independência esta que os habilitou a se tornarem membros da comunidade dos povos livres. O progresso tecnológico também ocorrido em todas as esferas das atividades econômicas, aumentando desta maneira, o bem-estar de todos os povos. Entretanto, os vestígios da ocupação e dominação estrangeira, da discriminação racial, o ‘Apartheid’ e o neocolonialismo em todas as suas formas, constituem o maior obstáculo ao progresso e à emancipação dos países em desenvolvimento. Os benefícios do progresso tecnológico não são desfrutados igualmente por todos os membros da comunidade internacional. Os países em desenvolvimento, os quais constituem 70% da população mundial, contam com apenas 30% do rendimento mundial. Isso prova a impossibilidade de se atingir um sequer balanceado desenvolvimento da comunidade internacional, tendo em vista esta ordem existente. A lacuna entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento continua a se expandir num sistema que foi estabelecido num tempo em que os países em desenvolvimento sequer existiam como Estados independentes, sistema este que foi se perpetuando inadequadamente. 2 – A presente ordem econômica internacional está em conflito com as relações políticas atuais. Desde 1970, a economia mundial tem passado por uma série de crises graves com repercussões severas, especialmente nos países em desenvolvimento, principalmente pela sua vulnerabilidade a impulsos econômicos externos. O mundo em desenvolvimento se tornou fator de grande importância e influência todos os campos da atividade internacional. As alterações irreversíveis no relacionamento de forças no mundo necessitam da ativa, total e igual participação dos países em desenvolvimento na formulação e aplicação de todas as decisões que dizem respeito à Comunidade Internacional. 3 – Todas essas alterações admitem como sendo de fundamental importância a realidade da interdependência de todos os membros da comunidade mundial. Eventos atuais têm demonstrado que os interesses dos países desenvolvidos e os daqueles ainda em desenvolvimento não estão isolados uns dos outros; há uma íntima correlação entre a prosperidade dos países desenvolvidos e o crescimento e o desenvolvimento dos países em desenvolvimento. Além disso, a prosperidade da Comunidade Internacional como um todo depende da prosperidade de suas partes constituintes. A cooperação internacional para o desenvolvimento é o objetivo compartilhado e a tarefa comum de todos os países. Deste modo, o bem-estar econômico, social e político das presentes e futuras gerações depende, mais do que nunca, da cooperação entre todos os membros da Comunidade Internacional, tendo como base a Igualdade soberana e a eliminação do desequilíbrio que existe entre os mesmos. 4 – A NOVA ORDEM ECONÔMICA INTERNACIONAL deve fundar-se no respeito aos seguintes princípios: a) A Igualdade soberana dos Estados, a autodeterminação dos povos, a inadmissão da aquisição de territórios pela força, a integridade territorial e a não interferência em transações internas de
outros Estados. b) A ampla cooperação por parte de todos os Estados-Membros da Comunidade Internacional, baseada na equidade, pela qual as disparidades predominantes no mundo possam ser banidas e a prosperidade assegurada a todos. c) Total e efetiva participação, sob base de igualdade entre todos os países, na solução dos problemas econômicos de interesse comum, tendo em mente a necessidade de assegurar o acelerado progresso dos países em desenvolvimento, bem como para os atingidos por crises econômicas ou calamidades naturais. d) O direito de todo país de adotar o sistema econômico e social que pareça ser o mais apropriado ao seu próprio desenvolvimento e a sua não sujeição a qualquer tipo de discriminação como resultado dessa atitude. e) Total soberania permanente de todo Estado independentemente de seus recursos naturais e atividades econômicas. Para resguardar seus recursos, cada Estado é encarregado de exercer controle efetivo sobre os mesmos e sobre sua exploração, através de meios condizentes com sua própria situação, incluindo o direito de nacionalização e transferência de propriedade aos seus nacionais; este direito é uma expressão da soberania permanente de cada Estado. Nenhum Estado pode ser sujeito à coerção política, econômica ou de qualquer outro tipo que impeça o livre exercício de seu inalienável direito. f) O direito de todos os Estados de serem indenizados (compensados) pela exploração e dano aos seus recursos naturais e outros, ocorridos quando ainda estavam sob ocupação estrangeira, dominação colonial ou ‘Apartheid’. g) Regulamentação e Supervisão das atividades de corporações transnacionais, adotando medidas de interesse das economias nacionais dos países onde essas corporações operam baseadas na total soberania de suas próprias nações. h) O direito dos países em desenvolvimento e dos povos pertencentes à territórios sob dominação colonial e racial ou ocupação estrangeira, de atingir a sua liberação e obter controle efetivo sobre seus recursos naturais e sobre suas atividades econômicas. i) A extensão da assistência aos países em desenvolvimento, povos e territórios os quais estão sob dominação colonial e estrangeira, discriminação racial ou ‘Apartheid’: ou que estão sujeitos a medidas coercitivas de ordem política, econômica ou de qualquer outro tipo, medidas estas que intentem obter deles a subordinação do exercício de seus direitos soberanos e assegurar, sobre eles, vantagens de todo o tipo, neocolonizá-los de todas as formas e estabelecer efetivo controle sobre os recursos naturais e atividades econômicas que estiveram ou ainda estão sob o controle estrangeiro. j) Um justo e equitativo relacionamento entre os preços das matérias-primas, artigos principais, manufaturados e semimanufaturados exportados pelos países em desenvolvimento, e os preços dos mesmos quando importados, com o intuito de incrementar o seu desenvolvimento (nos seus insatisfatórios termos de comércio) e a expansão da economia mundial. k) Extensão da assistência ativa aos países em desenvolvimento por parte de toda a Comunidade Internacional, independente de qualquer condição política ou militar. l) Garantia de que um dos principais objetivos do Sistema Monetário Internacional reformado será a promoção do desenvolvimento dos países subdesenvolvidos e o adequado fluxo de recursos aos mesmos.
m) Incremento da valorização dos materiais naturais em face da competição com substitutos sintéticos. n) Um tratamento preferencial e não recíproco para com os países em desenvolvimento, quando e onde quer que seja praticável, em todos os campos da cooperação econômica internacional. o) Garantia de condições favoráveis à transferência de recursos financeiros aos países em desenvolvimento. p) Oferecimento aos países em desenvolvimento de acesso às realizações da ciência moderna e da tecnologia e a promoção da transferência de tecnologia e de tecnologia indígena para o benefício desses países, de forma compatível com os procedimentos tomados em suas próprias economias. q) A necessidade de todos os Estados porem um fim ao desperdício de recursos naturais, incluindo produtos alimentícios. r) A necessidade dos países em desenvolvimento voltarem todos os seus recursos ao seu próprio desenvolvimento. s) O fortalecimento de uma cooperação técnica, financeira, comercial e econômica mútua entre os países em desenvolvimento, através da atividade coletiva e individual, principalmente sobre uma base preferencial. t) Encaminhamento da ação de Associados produtores dentro da estrutura da cooperação internacional e, de acordo com seus objetivos, estímulo ao crescimento da economia mundial e à aceleração do progresso dos países em desenvolvimento. 5 – A adoção unânime da estratégia de Desenvolvimento Internacional pela ‘Second United Nations Development Decade’ (Resolução n. 2626 – XXV) foi um importante passo na promoção da cooperação econômica internacional sobre uma base justa e igualitária. A implementação acelerada de obrigações e compromissos assumidos pela Comunidade Internacional visando às necessidades dos países em desenvolvimento, contribuiria significativamente para a execução dos fins almejados pela presente declaração. 6 – As Nações Unidas, como uma organização universal, deveriam ser capazes de lidar com os problemas de cooperação internacional de maneira compreensiva, e assegurar os interesses de cada país igualmente. Isso deve ter um papel muito importante no estabelecimento de uma nova ordem econômica internacional. A carta dos Direitos Econômicos e das Obrigações dos Estados proverá uma fonte adicional de inspiração, constituirá uma contribuição significante a esse respeito. Todos os Estados-Membros das Nações Unidas são, por conseguinte, encarregados de exercer o máximo de esforços no sentido de assegurar a implementação da presente declaração, a qual é uma das principais garantias para a criação de condições melhores para uma vida digna de todos os povos. 7 – A presente Declaração para o Estabelecimento de uma Nova Ordem Econômica Internacional será uma das mais importantes bases das relações entre os povos e nações. (2.229o Reunião do Plenário – 1o de maio de 1974)” CARTA DE DIREITOS E DEVERES ECONÔMICOS DOS ESTADOS A Assembleia-Geral Recordando que a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, em sua Resolução 45 (III), de 18 de maio de 1972, frisou a urgente necessidade de estabelecer normas obrigatórias que rejam em forma sistemática e universal as relações econômicas entre os Estados e
reconheceu que não é factível alcançar uma ordem internacional justa nem um mundo estável enquanto não se formule a carta que há de proteger os direitos de todos os países e em particular dos países em desenvolvimento. Recordando do mesmo modo que na citada resolução se decidiu estabelecer um Grupo de Trabalho de representantes governamentais para elaborar o texto de um projeto de Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados que a Assembleia-Geral, em sua Resolução 3.037 (XXVII), de 19 de dezembro de 1972, decidiu que ficará integrado por quarenta Estados-Membros. Tomando nota de que, em sua Resolução 3.082 (XXVIII), de 6 de dezembro de 1973, reafirmou sua convicção da urgente necessidade de estabelecer ou melhorar normas de aplicação universal para o desenvolvimento das relações econômicas internacionais sobre bases justas e equitativas e encareceu ao grupo de trabalho sobre a Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados que, como primeiro passo no trabalho de codificação e desenvolvimento da matéria, terminasse a elaboração de um projeto final da Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados para ser examinado e aprovado durante o vigésimo nono período de sessões da Assembleia-Geral. Levando em conta o espírito e a letra de suas Resoluções 3.201 (S-VI) e 3.202 (S-VI), de 1o de maio de 1974, que contêm, respectivamente, a declaração e o programa de ação sobre o estabelecimento de uma nova ordem econômica internacional, nas quais se sublinhava a importância vital de que a carta fosse adotada pela Assembleia-Geral em seu vigésimo novo período de sessões e se repisava o fato de que a carta constituiria um instrumento eficaz para criar um novo sistema de relações econômicas internacionais baseado na equidade, na igualdade soberana e na interdependência dos interesses dos países desenvolvidos e os países em desenvolvimento. Tendo examinado o informe do grupo de trabalho sobre a Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados sobre seu quarto período de sessões, transmitido à Assembleia-Geral pela Junta de Comércio e Desenvolvimento em seu 14o período de sessões. Expressando seu reconhecimento ao grupo de trabalho sobre a Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados que, como resultado do trabalho realizado durante seus quatro períodos de sessões celebrados entre fevereiro de 1973 e junho de 1974, reuniu os elementos necessários para concluir a elaboração e adotar a Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados no vigésimo nono período de sessões da Assembleia-Geral, tal como esta o havia recomendado previamente. Adota e proclama solenemente a seguinte Carta: CARTA DE DIREITOS E DEVERES ECONÔMICOS DOS ESTADOS PREÂMBULO A Assembleia-Geral Reafirmando os propósitos fundamentais das Nações Unidas, especialmente a manutenção da paz e a segurança internacionais, o fomento das relações de amizade entre as nações e a realização da cooperação internacional na solução de problemas internacionais de caráter econômico e social. Afirmando a necessidade de fortalecer a cooperação internacional nesses campos. Reiterando também a necessidade de consolidar a cooperação internacional para o desenvolvimento. Declarando que um objetivo fundamental da presente Carta é promover o estabelecimento da nova ordem econômica internacional, baseada na equidade, na igualdade soberana, na
interdependência, no interesse comum e na cooperação entre todos os Estados, sem distinção de sistemas econômicos e sociais. Desejando contribuir para a criação de condições favoráveis para: a) A consecução de uma prosperidade mais ampla em todos os países e de níveis de vida mais elevados para todos os povos. b) A promoção, por toda a comunidade internacional, do progresso econômico e social de todos os países, especialmente dos países em desenvolvimento. c) O fomento, sobre a base do proveito comum e benefícios equitativos para todos os Estados amantes da paz, desejosos de cumprir com as disposições desta Carta, da cooperação em matéria econômica, comercial, científica e técnica, sejam quais forem seus sistemas políticos, econômicos ou sociais. d) A eliminação dos principais obstáculos ao progresso econômico dos países em desenvolvimento. e) A aceleração do crescimento econômico dos países em desenvolvimento com vistas a eliminar o hiato econômico entre países em desenvolvimento e países desenvolvidos. f) A proteção, a conservação e a melhoria do meio ambiente. Consciente da necessidade de estabelecer e manter uma ordem econômica e social que seja justa e equitativa mediante: a) A consecução de relações econômicas internacionais mais racionais e equitativas e o fomento de mudanças estruturais na economia mundial. b) A criação de condições que permitam uma maior expansão do comércio e intensificação da cooperação econômica entre todas as nações. c) O robustecimento da independência econômica dos países em desenvolvimento. d) O estabelecimento e promoção de relações econômicas internacionais tendo em conta as diferenças reconhecidas de desenvolvimento dos países em desenvolvimento e suas necessidades específicas. Decidida a promover a segurança econômica coletiva para o desenvolvimento, em particular dos países em desenvolvimento, com estrito respeito da igualdade soberana de cada Estado e mediante a cooperação de toda a comunidade internacional. Estimando que uma autêntica cooperação entre os Estados, baseada no exame em comum dos problemas econômicos internacionais e na ação relativamente aos mesmos, é essencial para cumprir o desejo de toda a comunidade internacional de alcançar um desenvolvimento justo e racional a nível mundial. Ressaltando a importância de assegurar condições apropriadas para o exercício de relações econômicas normais entre todos os Estados, independentemente das diferenças de sistemas sociais e econômicos, assim como para o pleno respeito dos direitos de todos os povos e a importância de robustecer os instrumentos de cooperação econômica internacional como meios para consolidar a paz em benefício de todos. Convencida da necessidade de desenvolver um sistema de relações econômicas internacionais sobre a base da igualdade soberana, o benefício mútuo e equitativo e a estreita inter-relação dos interesses de todos os Estados.
Reiterando que a cada país incumbe principalmente a responsabilidade de seu próprio desenvolvimento, mas também que uma cooperação internacional concomitante e efetiva é um fator essencial para a consecução cabal de seus próprios objetivos de desenvolvimento. Firmemente convencida da urgente necessidade de elaborar um sistema de relações econômicas internacionais substancialmente melhorado. Adota solenemente a presente Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados. Capítulo I PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DAS RELAÇÕES ECONÔMICAS INTERNACIONAIS As relações econômicas, políticas e de outra índole entre os Estados se regerão, entre outros, pelos seguintes princípios: a) Soberania, integridade territorial e independência política dos Estados; b) Igualdade soberana de todos os Estados; c) Não agressão; d) Não intervenção; e) Benefício mútuo e equitativo; f) Coexistência pacífica; g) Igualdade de direitos e livre determinação dos povos; h) Solução pacífica das controvérsias; i) Reparação das injustiças existentes pelo império da força que privem a uma nação dos meios naturais necessários para seu desenvolvimento normal; j) Cumprimento de boa-fé das obrigações internacionais; k) Respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais; l) Abstenção de todo intento de buscar hegemonia e esferas de influência; m) Fomento da justiça internacional; n) Cooperação internacional para o desenvolvimento; o) Livre acesso ao mar e desde o mar para os países sem litoral dentro do marco dos princípios acima enunciados. Capítulo II DIREITOS E DEVERES ECONÔMICOS DOS ESTADOS Artigo 1o Todo Estado tem o direito soberano e inalienável de eleger seu sistema econômico, assim como seu sistema político, social e cultural, de acordo com a vontade de seu povo, sem ingerência, coação nem ameaça externas de nenhum tipo. Artigo 2o 1. Todo Estado tem e exerce livremente soberania plena e permanente, inclusive posse, uso e
disposição, sobre toda a sua riqueza, recursos naturais e atividades econômicas. 2. Todo Estado tem o direito de: a) Regulamentar e exercer autoridade sobre os investimentos estrangeiros dentro de sua jurisdição nacional segundo suas leis e regulamentos e de conformidade com seus objetivos e prioridades nacionais. Nenhum Estado deverá ser obrigado a outorgar um tratamento preferencial ao investimento estrangeiro. b) Regulamentar e supervisionar as atividades de empresas transnacionais que operem dentro de sua jurisdição nacional e adotar medidas para assegurar-se de que estas atividades se ajustem às suas leis, regulamentos e disposições e estejam de acordo com as suas políticas econômicas e sociais. As empresas transnacionais não intervirão nos assuntos internos do Estado em que estejam. Todo Estado deverá, tendo em conta plenamente seus direitos soberanos, cooperar com outros Estados no exercício do direito a que se refere este inciso. c) Nacionalizar, expropriar ou transferir a propriedade de bens estrangeiros, e neste caso o Estado que adote estas medidas deverá pagar uma compensação apropriada, tendo em conta suas leis e regulamentos aplicáveis e todas as circunstâncias que o Estado considere pertinentes. No caso em que a questão da compensação seja motivo de controvérsia, esta será resolvida em conformidade com a lei nacional do Estado que nacionaliza por seus tribunais, a menos que todos os Estados interessados acordem livre e mutuamente que se recorra a outros meios pacíficos sobre a base da igualdade soberana dos Estados e de acordo com o princípio de livre eleição dos meios. Artigo 3o Na exploração dos recursos naturais compartidos entre dois ou mais países, cada Estado deve cooperar sobre a base de um sistema de informação e consulta prévia com o objetivo de obter uma ótima utilização dos mesmos de tal sorte que não cause danos aos legítimos interesses dos outros. Artigo 4o Todo Estado tem o direito de praticar o comércio internacional e outras formas de cooperação econômica independentemente de quaisquer diferenças de sistemas políticos, econômicos e sociais. Nenhum Estado será objeto de discriminação de natureza alguma baseada unicamente em tais diferenças. No exercício do comércio internacional e de outras formas de cooperação econômica, todo Estado pode livremente eleger as formas de organização de suas relações econômicas exteriores e celebrar acordos bilaterais e multilaterais que sejam compatíveis com suas obrigações internacionais e com as necessidades da cooperação econômica internacional. Artigo 5o Todos os Estados têm o direito de associar-se em organizações de produtores de matérias-primas a fim de desenvolver suas economias nacionais, lograr um financiamento estável para seu desenvolvimento e, no cumprimento de seus propósitos, colaborar na promoção do crescimento sustentado da economia mundial, em particular acelerando o desenvolvimento dos países em desenvolvimento. Em consequência, todos os Estados têm o dever de respeitar esse direito abstendose de aplicar medidas econômicas e políticas que o possam limitar. Artigo 6o É dever dos Estados contribuir para o desenvolvimento do comércio internacional de
mercadorias, em especial através de convênios e mediante a conclusão de acordos multilaterais de largo prazo sobre produtos básicos, conforme o caso, e tendo em conta os interesses de produtores e consumidores. Todos os Estados compartem a responsabilidade de promover a circulação e o acesso regulares de todas as mercadorias a preços estáveis, remuneradores e equitativos, contribuindo assim para o desenvolvimento harmônico da economia mundial, tendo em conta, em particular, os interesses dos países em desenvolvimento. Artigo 7o Todo Estado tem a responsabilidade primordial de promover o desenvolvimento econômico, social e cultural de seu povo. Para este efeito, cada Estado tem o direito e a responsabilidade de eleger seus objetivos e meios de desenvolvimento, de mobilizar e utilizar cabalmente seus recursos, de levar a cabo reformas econômicas e sociais progressivas e de assegurar a plena participação de seu povo no processo e nos benefícios do desenvolvimento. Todos os Estados têm o dever, individual e coletivamente, de cooperar a fim de eliminar os obstáculos que entorpecem esta mobilização e utilização. Artigo 8o Os Estados devem cooperar para facilitar relações econômicas internacionais mais racionais e equitativas e para fomentar mudanças estruturais no contexto de uma economia mundial equilibrada, em harmonia com as necessidades e interesses de todos os países, em particular os países em desenvolvimento, e com esse propósito devem adotar medidas adequadas. Artigo 9o Todos os Estados têm a responsabilidade de cooperar nas esferas econômica, social, cultural, científica e tecnológica para promover o progresso econômico e social em todo o mundo, especialmente nos países em desenvolvimento. Artigo 10 Todos os Estados são juridicamente iguais e, como membros iguais da comunidade internacional, têm o direito de participar plena e efetivamente no processo internacional de adoção de decisões para a solução dos problemas econômicos, financeiros e monetários mundiais, inter alia, por meio das organizações internacionais apropriadas, de conformidade com as suas normas atuais ou futuras, e o de compartir equitativamente dos benefícios que dele decorram. Artigo 11 Todos os Estados devem cooperar para robustecer e melhorar continuamente a eficácia das organizações internacionais na aplicação de medidas que estimulem o progresso econômico geral de todos os países, em particular dos países em desenvolvimento, e, para tanto, devem cooperar para adotá-las, quando seja apropriado, às necessidades cambiantes da cooperação econômica internacional. Artigo 12 1. Os Estados têm o direito de participar, com o assentimento das partes envolvidas, na cooperação sub-regional, regional e inter-regional no seu esforço de alcançar seu desenvolvimento econômico e social. Todos os Estados participantes nessa cooperação têm o dever de velar por que
as políticas dos agrupamentos a que pertencem correspondam às disposições desta Carta e tenham em conta o mundo exterior, sejam compatíveis com suas obrigações internacionais e com as necessidades da cooperação econômica internacional e tenham plenamente em conta os legítimos interesses de terceiros países, especialmente dos países em desenvolvimento. 2. No caso de agrupamentos aos quais os Estados interessados tenham transferido ou transfiram certas competências no que se refira a questões que se encontrem dentro do âmbito da presente Carta, suas disposições se aplicarão também a esses agrupamentos no que se refere a essas questões, de maneira compatível com as responsabilidades destes Estados como membros de tais agrupamentos. Estes Estados devem prestar sua cooperação para que os agrupamentos cumpram com as disposições desta Carta. Artigo 13 1. Todo Estado tem o direito de aproveitar os avanços e o desenvolvimento da ciência e da tecnologia para acelerar seu desenvolvimento econômico e social. 2. Todos os Estados devem promover a cooperação internacional em matéria de ciência e de tecnologia assim como a transmissão de tecnologia, tendo devidamente em conta todos os interesses legítimos inclusive, entre outros, os direitos e deveres dos titulares, promotores e beneficiários de tecnologia. Em particular, todos os Estados devem facilitar o acesso dos países em desenvolvimento aos avanços da ciência e da tecnologia modernas, a transmissão de tecnologia e a criação de tecnologia autóctone em benefício dos países em desenvolvimento, segundo formas e procedimentos que convenham às economias e necessidades destes países. 3. Em consequência, os países desenvolvidos devem cooperar com os países em desenvolvimento para o estabelecimento, fortalecimento e desenvolvimento de suas infraestruturas científicas e tecnológicas e para suas investigações científicas e atividades tecnológicas, de modo a ajudar a expandir e transformar as economias dos países em desenvolvimento. 4. Todos os Estados devem cooperar na investigação com miras a desenvolver diretrizes ou regulamentações aceitas internacionalmente para a transferência de tecnologia, tendo plenamente em conta os interesses dos países em desenvolvimento. Artigo 14 Todo Estado tem o dever de cooperar para promover uma expansão e liberalização sustentadas e crescentes do comércio mundial e uma melhoria do bem-estar e do nível de vida de todos os povos, em particular os dos países em desenvolvimento. Em consequência, todos os Estados devem cooperar com o objetivo, inter alia, de eliminar progressivamente os obstáculos que se opõem ao comércio e a melhorar o marco internacional em que se desenvolve o comércio mundial; para estes fins, far-se-ão esforços coordenados com o objetivo de resolver de maneira equitativa os problemas comerciais de todos os países, tendo em conta os problemas comerciais específicos dos países em desenvolvimento. A este respeito, os Estados adotarão medidas destinadas a alcançar benefícios adicionais para o comércio internacional dos países em desenvolvimento de modo a obter para estes um aumento substancial de seus ingressos em divisas, a diversificação de suas exportações, a aceleração da taxa de crescimento de seu comércio, tendo em conta suas necessidades em matéria de desenvolvimento, um aumento das possibilidades destes países de participar na expansão do comércio mundial e um equilíbrio mais favorável aos países em desenvolvimento na distribuição das
vantagens resultantes desta expansão mediante, na maior medida possível, um melhoramento substancial das condições de acesso aos produtos de interesse para os países em desenvolvimento e, quando seja apropriado, mediante medidas tendentes a alcançar preços estáveis, equitativos e remunerativos para os produtores primários. Artigo 15 Todos os Estados têm o dever de promover a consecução de um desarmamento geral e completo sob um controle internacional eficaz e de utilizar os recursos liberados como resultado das medidas efetivas de desarmamento para o desenvolvimento econômico e social dos países, destinando uma proporção considerável de tais recursos como meios adicionais para financiar as necessidades de desenvolvimento dos países em desenvolvimento. Artigo 16 1. É direito e dever de todos os Estados, individual e coletivamente, eliminar o colonialismo, o ‘Apartheid’, a discriminação racial, o neocolonialismo e todas as formas de agressão, ocupação e dominação estrangeiras, assim como as consequências econômicas e sociais destas como condição prévia para o desenvolvimento. Os Estados que praticam essas políticas coercitivas são economicamente responsáveis perante os países, territórios e povos afetados, no que se refere à restituição e à plena compensação pela exploração e pelo esgotamento dos recursos naturais e de toda outra índole destes países, territórios e povos, assim como pelos danos causados a esses recursos. É dever de todos os Estados prestar-lhes assistência. 2. Nenhum Estado tem o direito de promover ou fomentar inversões que possam constituir um obstáculo para a liberação de um território ocupado pela força. Artigo 17 A cooperação internacional para o desenvolvimento é objetivo compartido e dever comum de todos os Estados. Todo Estado deve cooperar nos esforços dos países em desenvolvimento para acelerar seu desenvolvimento econômico e social assegurando-lhes condições externas favoráveis e dando-lhes uma assistência ativa, compatível com suas necessidades e objetivos de desenvolvimento, com estrito respeito à igualdade soberana dos Estados e livre de quaisquer condições que menoscabem sua soberania. Artigo 18 Os países desenvolvidos devem aplicar, melhorar e ampliar o sistema de preferências alfandegárias generalizadas, não recíprocas e não discriminatórias, aos países em desenvolvimento de conformidade com as conclusões entendidas pertinentes e decisões pertinentes aprovadas sobre essa matéria dentro do marco das organizações internacionais competentes. Da mesma forma, os países desenvolvidos devem estudar seriamente a possibilidade de adotar outras medidas diferenciais, nas esferas em que isto seja factível e apropriado e de maneira que se dê aos países em desenvolvimento um tratamento especial e mais favorável a fim de satisfazer suas necessidades em matéria de comércio e desenvolvimento. Em suas relações econômicas internacionais os países desenvolvidos tratarão de evitar toda medida que tenha um efeito negativo sobre o desenvolvimento das economias nacionais dos países em desenvolvimento e que tenha sido promovido pelas preferências alfandegárias generalizadas e por outras medidas diferenciais geralmente adotadas em
seu favor. Artigo 19 Com o propósito de acelerar o crescimento econômico dos países em desenvolvimento e estreitar a distância econômica entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, os países desenvolvidos deverão conceder um tratamento preferencial generalizado, sem reciprocidade e sem discriminação, aos países em desenvolvimento naquelas esferas da cooperação internacional em que seja factível. Artigo 20 Os países em desenvolvimento, em seus esforços por aumentar seu comércio global, devem prestar a devida atenção à possibilidade de ampliar seu comércio com os países socialistas, concedendo a estes países condições comerciais que não sejam inferiores às concedidas normalmente aos países desenvolvidos com economia de mercado. Artigo 21 Os países em desenvolvimento deverão esforçar-se por promover a expansão de seu comércio mútuo e, com tal fim, poderão, de modo compatível com as disposições atuais e futuras e os procedimentos estabelecidos em acordos internacionais, quando sejam aplicáveis, conceder preferências comerciais a outros países em desenvolvimento sem estar obrigados a outorgar tais preferências aos países desenvolvidos, sempre que essas convenções não constituam um impedimento à liberação e expansão do comércio global. Artigo 22 1. Todos os Estados devem responder às necessidades e objetivos geralmente reconhecidos ou mutuamente convencionados dos países em desenvolvimento promovendo maiores correntes de recursos reais, desde todas as fontes, aos países em desenvolvimento, tendo em conta quaisquer obrigações e compromissos contraídos pelos Estados interessados, com a finalidade de reforçar os esforços dos países em desenvolvimento por acelerar seu desenvolvimento econômico e social. 2. Neste contexto, em forma compatível com as finalidades e objetivos mencionados anteriormente e tendo em conta quaisquer obrigações e compromissos contraídos a este respeito, devem realizar-se esforços por aumentar o volume líquido dos investimentos financeiros para os países em desenvolvimento, provenientes de fontes oficiais e por melhorar seus termos e condições. 3. A inversão de recursos da assistência para o desenvolvimento deve incluir assistência econômica e técnica. Artigo 23 Para promover a mobilização eficaz de seus próprios recursos, os países em desenvolvimento devem afiançar sua cooperação econômica e ampliar seu comércio mútuo, a fim de acelerar seu desenvolvimento econômico e social. Todos os países, em particular os desenvolvidos, individualmente e por intermédio das organizações internacionais competentes de que sejam membros, devem prestar a tal fim um apoio e uma cooperação apropriados e eficazes. Artigo 24
Todos os Estados têm o dever de conduzir suas relações econômicas mútuas de forma que tenham em conta os interesses dos demais países. Em particular, todos os Estados devem evitar prejudicar os interesses dos países em desenvolvimento. Artigo 25 Em apoio do desenvolvimento econômico mundial, a comunidade internacional, em particular seus membros desenvolvidos, prestará especial atenção às necessidades e problemas peculiares dos países em desenvolvimento menos adiantados, dos países em desenvolvimento sem litoral e também dos países em desenvolvimento insulares, com mira a ajudá-los a superar suas dificuldades particulares e coadjuvar assim seu desenvolvimento econômico e social. Artigo 26 Todos os Estados têm o dever de coexistir na tolerância e de conviver em paz, independentemente das diferenças de seus sistemas políticos, econômicos, sociais e culturais, e de facilitar o comércio entre países com sistemas econômicos e sociais diferentes. O comércio internacional deve conduzirse sem prejuízo de preferências generalizadas, não recíprocas e não discriminatórias em favor dos países em desenvolvimento, sobre a base da vantagem mútua, dos benefícios equitativos e do intercâmbio do tratamento de nação mais favorecida. Artigo 27 1. Todo Estado tem o direito de desfrutar plenamente dos benefícios do comércio mundial de invisíveis e de praticar a expansão deste comércio. 2. O comércio mundial de invisíveis, baseado na eficácia e no benefício mútuo e equitativo, que promova a expansão da economia mundial, é o objetivo comum de todos os Estados. O papel dos países em desenvolvimento no comércio mundial de invisíveis deve ser aumentado e fortalecido de maneira compatível com as finalidades acima mencionadas, prestando-se particular atenção às necessidades especiais dos países em desenvolvimento. 3. Todos os Estados devem cooperar com os países em desenvolvimento nos esforços que estes façam por aumentar a capacidade de gerar divisas com suas transações de invisíveis, em conformidade com a potencialidade e as necessidades de cada país em desenvolvimento e de modo compatível com os objetivos acima mencionados. Artigo 28 Todos os Estados têm o dever de cooperar a fim de alcançar ajustes nos preços das exportações dos países em desenvolvimento com relação aos preços de suas importações com o propósito de promover relações de intercâmbio justas e equitativas para estes, de maneira tal que sejam remunerativos para os produtores e equitativos tanto para os produtores como para os consumidores. Capítulo III RESPONSABILIDADES COMUNS PARA A COMUNIDADE INTERNACIONAL Artigo 29 Os fundos marinhos e oceânicos e seu subsolo fora dos limites da jurisdição nacional, assim como
os recursos da zona, são patrimônio comum da humanidade. Sobre a base dos princípios aprovados pela Assembleia-Geral em sua Resolução 2.749 (XXV), de 17 de dezembro de 1970, todos os Estados deverão assegurar que a exploração da zona e a exploração de seus recursos se realizem exclusivamente para fins pacíficos e que os benefícios que dele derivem se repartam equitativamente entre todos os Estados, tendo em conta os interesses e necessidades especiais dos países em desenvolvimento; mediante o concerto de um tratado internacional de caráter internacional que seja aplicável à zona e seus recursos e que inclua um mecanismo internacional apropriado para tornar efetivas suas disposições. Artigo 30 A proteção, a preservação e a melhoria do meio ambiente para as gerações presentes e futuras é responsabilidade de todos os estados. Todos os Estados devem tratar de estabelecer suas próprias políticas ambientais e de desenvolvimento de conformidade com essa responsabilidade. As políticas ambientais de todos os Estados devem promover e não afetar adversamente o atual e futuro potencial de desenvolvimento dos países em desenvolvimento. Todos os Estados têm a responsabilidade de velar por que as atividades realizadas dentro de sua jurisdição ou sob seu controle não causem danos ao meio ambiente de outros estados ou das zonas situadas fora dos limites da jurisdição nacional. Todos os Estados devem cooperar na elaboração de normas e regulamentações internacionais na esfera do meio ambiente. Capítulo IV DISPOSIÇÕES FINAIS Artigo 31 Todos os estados têm o dever de contribuir para a expansão equilibrada da economia mundial, tendo devidamente em conta a estreita relação que existe entre o bem-estar dos países desenvolvidos e o crescimento e desenvolvimento dos países em desenvolvimento, e tendo em conta que a prosperidade da Comunidade Internacional em seu conjunto depende da prosperidade de suas partes constitutivas. Artigo 32 Nenhum Estado poderá empregar medidas econômicas, políticas ou de nenhuma outra índole, nem fomentar o emprego de tais medidas, com a finalidade de coagir outro Estado para obter dele a subordinação do exercício de seus direitos soberanos. Artigo 33 1. Em caso nenhum poderá interpretar-se a presente carta num sentido que menoscabe ou derrogue as disposições da Carta das Nações Unidas ou as medidas adotadas em cumprimento das mesmas. 2. Em sua interpretação e aplicação, as disposições da presente carta estão relacionadas entre si e cada uma delas deve interpretar-se em consonância com o contexto. Artigo 34 Será incluído um tema sobre a Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados no programa do trigésimo período de sessões da Assembleia-Geral e, sucessivamente, no de cada quinto período
de sessões. Assim se levará a cabo um exame sistemático e completo da aplicação da Carta, que abarque tanto os progressos realizados como as melhorias e adições que possam verificar-se necessárias, e serão recomendadas medidas apropriadas. Neste exame deverá ter-se em conta a evolução de todos os fatores econômicos, sociais, jurídicos e de outra índole que guardam relação com os princípios em que se baseia a presente carta e com suas finalidades. (Resolução 3.281 [XXIX] aprovada na 2.315a sessão plenária de 12 de dezembro de 1974)” TRATADO DE ASSUNÇÃO TRATADO PARA A CONSTITUIÇÃO DE UM MERCADO COMUM ENTRE A REPÚBLICA ARGENTINA, A REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, A REPÚBLICA DO PARAGUAI E A REPÚBLICA ORIENTAL DO URUGUAI A República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai, doravante denominados “Estados-Partes”; Considerando que a ampliação das atuais dimensões de seus mercados nacionais, através da integração, constitui condição fundamental para acelerar seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social; Entendendo que esse objetivo deve ser alcançado mediante o aproveitamento mais eficaz dos recursos disponíveis, a preservação do meio ambiente, o melhoramento das interconexões físicas, a coordenação de políticas macroeconômicas e a complementação dos diferentes setores da economia, com base nos princípios de gradualidade, flexibilidade e equilíbrio; Tendo em conta a evolução dos acontecimentos internacionais, em especial a consolidação de grandes espaços econômicos, e a importância de lograr uma adequada inserção internacional para seus países; Expressando que este processo de integração constitui uma resposta adequada a tais acontecimentos; Conscientes de que o presente Tratado deve ser considerado como um novo avanço no esforço tendente ao desenvolvimento progressivo da integração da América Latina, conforme o objetivo do Tratado de Montevidéu de 1980; Convencidos da necessidade de promover o desenvolvimento científico e tecnológico dos Estados-Partes e de modernizar suas economias para ampliar a oferta e a qualidade dos bens de serviço disponíveis, a fim de melhorar as condições de vida de seus habitantes; Reafirmando sua vontade política de deixar estabelecidas as bases para uma união cada vez mais estreita entre seus povos, com a finalidade de alcançar os objetivos supramencionados; acordam: Capítulo I PROPÓSITOS, PRINCÍPIOS E INSTRUMENTOS Artigo 1o Os Estados-Partes decidem constituir um Mercado Comum, que deverá estar estabelecido a 31 de dezembro de 1994, e que se denominará ‘Mercado Comum do Sul’ (Mercosul). Este Mercado Comum implica: A livre-circulação dos bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não tarifárias à circulação de mercadorias de
qualquer outra medida de efeito equivalente; O estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições em foros econômicos comerciais regionais e internacionais; A coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados-Partes – de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetário, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem –, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados-Partes, e O compromisso dos Estados-Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração. Artigo 2o O Mercado Comum estará fundado na reciprocidade de direitos e obrigações entre os Estados-Partes. Artigo 3o Durante o período de transição, que se estenderá desde a entrada em vigor do presente Tratado até 31 de dezembro de 1994, e a fim de facilitar a constituição do Mercado Comum, os Estados-Partes adotam um Regime Geral de Origem, um Sistema de Solução de Controvérsias e Cláusulas de Salvaguarda, que constam como Anexos JI, III e IV ao presente Tratado. Artigo 4o Nas relações com terceiros países, os Estados-Partes assegurarão condições equitativas de comércio. Para tal fim, aplicarão suas legislações nacionais para inibir importações cujos preços estejam influenciados por subsídios dumping ou qualquer outra prática desleal. Paralelamente, os Estados-Partes coordenarão suas respectivas políticas nacionais com o objetivo de elaborar normas sobre concorrência comercial. Artigo 5o Durante o período de transição, os principais instrumentos para a constituição do Mercado Comum são: a) Um Programa de Liberação Comercial, que consistirá em reduções tarifárias progressivas, lineares e automáticas, acompanhadas da eliminação de restrições não tarifárias ou medidas de efeito equivalente, assim como de outras restrições do comércio entre os Estados-Partes, para chegar a 31 de dezembro de 1994 com tarifa zero, sem barreiras não tarifárias sobre a totalidade do universo tarifário (Anexo I). b) A coordenação de políticas macroeconômicas que se realizará gradualmente e de forma convergente com os programas de desgravação tarifária e eliminação de restrições não tarifária, indicados na letra anterior. c) Uma tarifa externa comum, que incentive a competitividade externa dos Estados-Partes. d) A adoção de acordos setoriais, com o fim de otimizar a utilização e mobilidade dos fatores de produção e alcançar escalas operativas eficientes. Artigo 6o Os Estados-Partes reconhecem diferenças pontuais de ritmo para a República do Paraguai e para a República Oriental do Uruguai, que constam no Programa de Liberação Comercial (Anexo I). Artigo 7o Em matéria de impostos, taxas e outros gravames internos, os produtos originários de um Estado-Parte gozarão, nos outros Estados-Partes, do mesmo tratamento que se aplique ao produto nacional. Artigo 8o Os Estados-Partes se comprometem a preservar os compromissos assumidos até a data
da celebração do presente Tratado, inclusive os Acordos firmados, no âmbito da Associação LatinoAmericana de Integração, e a coordenar suas posições nas negociações comerciais externas que empreendam durante o período de transição. Para tanto: a) evitarão afetar os interesses dos Estados-Partes nas negociações comerciais que realizem entre si até 31 de dezembro de 1994; b) evitarão afetar os interesses dos demais Estados-Partes ou os objetivos do Mercado Comum no Acordos que celebrarem com outros países-membros da Associação Latino-Americana de Integração durante o período de transição; c) realizarão consultas entre si sempre que negociem esquemas amplos de desgravação tarifária, tendentes à formação de zonas de livre-comércio com os demais países-membros da Associação Latino- Americana de Integração; d) estenderão automaticamente aos demais Estados-Partes qualquer vantagem, favor, franquia, imunidade ou privilégio que concedam a um produto originário de ou destinado a terceiros países não membros da Associação Latino-Americana de Integração. Capítulo II ESTRUTURA ORGÂNICA Artigo 9o A administração e execução do presente Tratado e dos Acordos específicos e decisões que se adotem no quadro jurídico que o mesmo estabelece durante o período de transição estarão a cargo dos seguintes órgãos: a) Conselho do Mercado Comum; b) Grupo Mercado Comum. Artigo 10. O Conselho é o órgão superior do Mercado Comum, correspondendo-lhe a condução política do mesmo e a tomada de decisões para assegurar o cumprimento dos objetivos e prazos estabelecidos para a constituição definitiva do Mercado Comum. Artigo 11. O Conselho estará integrado pelos Ministros de Relações Exteriores e os Ministros de Economia dos Estados-Partes. Reunir-se-á quantas vezes estime oportuno, e, pelo menos uma vez ao ano, o fará com a participação dos Presidentes do Estados-Partes. Artigo 12. A Presidência do Conselho se exercerá por rotação dos Estados-Partes e em ordem alfabética, por períodos de seis meses. As reuniões do Conselho serão coordenadas pelos Ministros de Relações Exteriores e poderão ser convidados a delas participar outros Ministros ou autoridades de nível ministerial. Artigo 13. O Grupo Mercado Comum é o órgão executivo do Mercado Comum e será coordenado pelos Ministérios das Relações Exteriores. O Grupo Mercado Comum terá faculdade de iniciativa. Suas funções serão as seguintes: – velar pelo cumprimento do Tratado; – tomar as providências necessárias ao cumprimento das decisões adotadas pelo Conselho; – propor medidas concretas tendentes à aplicação do Programa de Liberação Comercial, à coordenação de políticas macroeconômicas e à negociação de Acordos frente a terceiros; – fixar programas de trabalho que assegurem avanços para o estabelecimento do Mercado
Comum. O Grupo Mercado Comum poderá constituir os Subgrupos de Trabalho que forem necessários para o cumprimento de seus objetivos. Constará inicialmente com os Subgrupos mencionados no Anexo V. O Grupo Mercado Comum estabelecerá seu regime interno no prazo de sessenta (60) dias a partir de sua instalação. Artigo 14. O Grupo Mercado Comum estará integrado por quatro membros titulares e quatro membros alternos por país, que representem os seguintes órgãos públicos: – Ministério das Relações Exteriores; – Ministério da Economia ou seus equivalentes (áreas de indústria, comércio exterior e ou coordenação econômica); – Banco Central. Ao elaborar e propor medidas concretas no desenvolvimento de seus trabalhos, até 31 de dezembro de 1994, o Grupo Mercado Comum poderá convocar, quando julgar conveniente, representantes de outros órgãos da Administração Pública e do setor privado. Artigo 15. O Grupo Mercado Comum contará com uma Secretaria Administrativa cujas principais funções consistirão na guarda de documentos e comunicações de atividades do mesmo. Terá sua sede a cidade de Montevidéu. Artigo 16. Durante o período de transição, as decisões do Conselho do Mercado Comum e do Grupo Mercado Comum serão tomadas por consenso e com a presença de todos os Estados-Partes. Artigo 17. Os idiomas oficiais do Mercado Comum serão o português e o espanhol e a versão oficial dos documentos de trabalho será a do idioma do país sede de cada reunião. Artigo 18. Antes do estabelecimento do Mercado Comum, a 31 de dezembro de 1994, os EstadosPartes convocarão uma reunião extraordinária com o objetivo de determinar a estrutura institucional definitiva dos órgãos de administração do Mercado Comum, assim como as atribuições específicas de cada um deles e seu sistema de tomada de decisões. Capítulo III VIGÊNCIA Artigo 19. O presente Tratado terá duração indefinida e entrará em vigor 30 dias após a data do depósito do terceiro instrumento de ratificação. Os instrumentos de ratificação serão depositados ante o Governo da República do Paraguai, que comunicará a data do depósito aos Governos dos demais Estados-Partes. O Governo da República do Paraguai notificará ao Governo de cada um dos demais EstadosPartes a data de entrada em vigor do presente Tratado. Capítulo IV ADESÃO Artigo 20. O presente Tratado estará aberto à adesão, mediante negociação, dos demais paísesmembros da Associação Latino-Americana de Integração, cujas solicitações poderão ser examinadas pelos Estados-Partes depois de cinco (5) anos de vigência deste Tratado.
Não obstante, poderão ser consideradas antes do referido prazo as solicitações apresentadas por países-membros da Associação Latino-Americana de Integração que não façam parte de esquemas de integração sub-regional ou de uma associação extrarregional. A aprovação das solicitações será objeto de decisão unânime dos Estados-Partes. Capítulo V DENÚNCIA Artigo 21. O Estado-Parte que desejar desvincular-se do presente Tratado deverá comunicar essa intenção aos demais Estados-Partes de maneira expressa e formal, efetuando no prazo de sessenta (60) dias a entrega do documento de denúncia ao Ministério das Relações Exteriores da República do Paraguai, que o distribuirá aos demais Estados-Partes. Artigo 22. Formalizada a denúncia, cessarão para o Estado denunciante os direitos e obrigações que correspondam a sua condição de Estado-Parte, mantendo-se os referentes ao programa de liberação do presente Tratado e outros aspectos que os Estados-Partes, juntos com o Estado denunciante, acordem no prazo de sessenta (60) dias após a formalização da denúncia. Esses direitos e obrigações do Estado denunciante continuarão em vigor por um período de dois (2) anos a partir da data da mencionada formalização. Capítulo VI DISPOSIÇÕES GERAIS Artigo 23. O presente Tratado se chamará ‘Tratado de Assunção’. Artigo 24. Com o objetivo de facilitar a implementação do Mercado Comum, estabelecer-se-á uma Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul. Os Poderes Executivos dos Estados-Partes manterão seus respectivos Poderes Legislativos informados sobre a evolução do Mercado Comum objeto do presente Tratado. Feito na cidade de Assunção, aos 26 dias do mês de março de mil novecentos e noventa e um, em um original, nos idiomas português e espanhol, sendo ambos os textos igualmente autênticos. O Governo da República do Paraguai será o depositário do presente Tratado e enviará cópia devidamente autenticada do mesmo aos Governos dos demais Estados-Partes signatários e aderentes. Governo da República da Argentina. Governo da República Federativa do Brasil. Governo da República do Paraguai. Governo da República Oriental do Uruguai.” PROTOCOLO DE BRASÍLIA PARA A SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS A República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai, doravante denominados Estados-Partes; Em cumprimento ao disposto no Artigo 3 e no Anexo III do Tratado de Assunção, firmado em 26 de março de 1991, em virtude do qual os Estados-Partes se comprometeram a adotar um Sistema de Solução de Controvérsias que vigorará durante o período de transição; Reconhecendo a importância de dispor de um instrumento eficaz para assegurar o cumprimento do
mencionado Tratado e das disposições que dele derivem; Convencidos de que o Sistema de Solução de Controvérsias contidos no presente Protocolo contribuirá para o fortalecimento das relações entre as Partes com base na justiça e na equidade; Convieram no seguinte: Capítulo I ÂMBITO DE APLICAÇÃO Artigo 1o As controvérsias que surgirem entre os Estados-Partes sobre a interpretação, a aplicação ou o não cumprimento das disposições contidas no Tratado de Assunção, dos acordos celebrados no âmbito do mesmo, bem como das decisões do Conselho do Mercado Comum, serão submetidas aos procedimentos de solução estabelecidos no presente Protocolo. Capítulo II NEGOCIAÇÕES DIRETAS Artigo 2o Os Estados-Partes numa controvérsia procurarão resolvê-la, antes de tudo, mediante negociações diretas. Artigo 3o 1. Os Estados-Partes numa controvérsia informarão o Grupo Mercado Comum, por intermédio da Secretaria Administrativa, sobre as gestões que se realizarem durante as negociações e os resultados das mesmas. 2. As negociações diretas não poderão, salvo acordo entre as partes, exceder um prazo de quinze (15) dias, a partir da data em que um dos Estados-Partes levantar a controvérsia. Capítulo III INTERVENÇÃO DO GRUPO MERCADO COMUM Artigo 4o 1. Se mediante negociações diretas não se alcançar um acordo ou se a controvérsia for solucionada apenas parcialmente, qualquer dos Estados-Partes na controvérsia poderá submetê-la à consideração do Grupo Mercado Comum. 2. O Grupo Mercado Comum avaliará a situação, dando oportunidade às partes na controvérsia para que exponham suas respectivas posições e requerendo, quando considere necessário, o assessoramento de especialistas selecionados da lista referida no Artigo 30 do presente Protocolo. 3. As despesas relativas a esse assessoramento serão custeadas em montantes iguais pelos Estados-Partes na controvérsia ou na proporção que o Grupo Mercado Comum determinar. Artigo 5o Ao término deste procedimento, o Grupo Mercado Comum formulará recomendações aos EstadosPartes na controvérsia, visando à solução do diferendo.
Artigo 6o O procedimento descrito no presente capítulo não poderá estender-se por um prazo superior a trinta (30) dias, a partir da data em que foi submetida a controvérsia à consideração do Grupo Mercado Comum. Capítulo IV PROCEDIMENTO ARBITRAL Artigo 7o 1. Quando não tiver sido possível solucionar a controvérsia mediante a aplicação dos procedimentos referidos nos Capítulos II e III, qualquer dos Estados-Partes na controvérsia poderá comunicar à Secretaria Administrativa sua intenção de recorrer ao procedimento arbitral que se estabelece no presente Protocolo. 2. A Secretaria Administrativa levará, de imediato, o comunicado ao conhecimento do outro ou dos outros Estados envolvidos na controvérsia e ao Grupo Mercado Comum e se encarregará da tramitação do procedimento. Artigo 8o Os Estados-Partes declaram que reconhecem como obrigatória, ipso facto e sem necessidade de acordo especial, a jurisdição do Tribunal Arbitral que em cada caso se constitua para conhecer e resolver todas as controvérsias a que se refere o presente Protocolo. Artigo 9o 1. O procedimento arbitral tramitará ante um Tribunal ad hoc composto de três (3) árbitros pertencentes à lista referida no Artigo 10. 2. Os árbitros serão designados da seguinte maneira: i) cada Estado-parte na controvérsia designará um (1) árbitro. O terceiro árbitro, que não poderá ser nacional dos Estados-Partes na controvérsia, será designado de comum acordo por eles e presidirá o Tribunal Arbitral. Os árbitros deverão ser nomeados no período de quinze (15) dias, a partir da data em que a Secretaria Administrativa tiver comunicado aos demais Estados-Partes na controvérsia a intenção de um deles de recorrer à arbitragem; ii) cada Estado-parte na controvérsia nomeará, ainda, um árbitro suplente, que reúna os mesmos requisitos, para substituir o árbitro titular em caso de incapacidade ou escusa deste para formar o Tribunal Arbitral, seja no momento de sua instalação ou no curso do procedimento. Artigo 10 Cada Estado-Parte designará dez (10) árbitros que integrarão uma lista que ficará registrada na Secretaria Administrativa. A lista, bem como suas sucessivas modificações, será comunicada aos Estados-Partes. Artigo 11 Se um dos Estados-Partes na controvérsia não tiver nomeado seu árbitro no período indicado no Artigo 9o, este será designado pela Secretaria Administrativa dentre os árbitros desse Estado, segundo a ordem estabelecida na lista respectiva.
Artigo 12 1. Se não houver acordo entre os Estados-Partes na controvérsia para escolher o terceiro árbitro no prazo estabelecido no Artigo 9 o, a Secretaria Administrativa, a pedido de qualquer deles, procederá a sua designação por sorteio de uma lista de dezesseis (16) árbitros elaborada pelo Grupo Mercado Comum. 2. A referida lista, que também ficará registrada na Secretaria Administrativa, estará integrada em partes iguais por nacionais dos Estados-Partes e por nacionais de terceiros países. Artigo 13 Os árbitros que integrem as listas a que fazem referência os Artigos 10 e 12 deverão ser juristas de reconhecida competência nas matérias que possam ser objeto de controvérsia. Artigo 14 Se dois ou mais Estados-Partes sustentarem a mesma posição na controvérsia, unificarão sua representação ante o Tribunal Arbitral e designarão um árbitro de comum acordo no prazo estabelecido no Artigo 9.2.i. Artigo 15 O Tribunal Arbitral fixará em cada caso sua sede em algum dos Estados-Partes e adotará suas próprias regras de procedimento. Tais regras garantirão que cada uma das partes na controvérsia tenha plena oportunidade de ser escutada e de apresentar suas provas e argumentos, e também assegurarão que os processos se realizem na forma expedida. Artigo 16 Os Estados-Partes na controvérsia informarão o Tribunal Arbitral sobre as instâncias cumpridas anteriormente ao procedimento arbitral e farão uma breve exposição dos fundamentos de fato ou de direito de suas respectivas posições. Artigo 17 Os Estados-Partes na controvérsia designarão seus representantes ante o Tribunal Arbitral e poderão ainda designar assessores para a defesa de seus direitos. Artigo 18 1. O Tribunal Arbitral poderá, a pedido da parte interessada, determinar venha a ocasionar as medidas provisionais que considere apropriadas, segundo as circunstâncias e nas condições que o próprio Tribunal estabelecer, para prevenir, danos graves e irreparáveis a uma das partes em litígio. 2. As partes na controvérsia cumprirão, imediatamente ou no prazo que o Tribunal Arbitral determinar, qualquer medida provisória, até que se dite o laudo a que se refere o Artigo 20. Artigo 19 1. O Tribunal Arbitral decidirá a controvérsia com base nas disposições do Tratado de Assunção, nos acordos celebrados no âmbito do mesmo, nas decisões do Conselho do Mercado Comum, bem como nos princípios e disposições de direito internacional aplicáveis na matéria. 2. A presente disposição não restringe a faculdade do Tribunal Arbitral de decidir uma
controvérsia ex aequo et bono, se as partes assim o convierem. Artigo 20 1. O Tribunal Arbitral se pronunciará por escrito num prazo de sessenta (60) dias, prorrogáveis por um prazo máximo de trinta (30) dias, a partir da designação de seu Presidente. 2. O laudo do Tribunal Arbitral será adotado por maioria, fundamentado e firmado pelo Presidente e pelos demais árbitros. Os membros do Tribunal Arbitral não poderão fundamentar votos dissidentes e deverão manter a confidencialidade da votação. Artigo 21 1. Os laudos do Tribunal Arbitral são inapeláveis, obrigatórios para os Estados-Partes na controvérsia a partir do recebimento da respectiva notificação e terão, a seu respeito, força de coisa julgada. 2. As decisões, deverão ser cuampridas imediatamente, a menos que o Tribunal Arbitral fixe outro prazo. Artigo 22 Se no prazo de trinta (30) dias um Estado-Parte não cumprir a decisão do Tribunal Arbitral, os outros Estados-Partes na controvérsia poderão adotar medidas compensatórias temporárias, tais como a suspensão de concessões ou outras equivalentes, tendentes a obter seu cumprimento. Artigo 23 1. Qualquer dos Estados-Partes na controvérsia poderá, dentro de quinze (15) dias de notificada a decisão, solicitar um esclarecimento da mesma ou uma interpretação da forma com que se deverá cumprir. 2. O Tribunal Arbitral se manifestará nos quinze (15) dias subsequentes. 3. Se o Tribunal Arbitral considerar que as circunstâncias o exigem, poderá suspender o cumprimento da decisão até que decida sobre a solicitação apresentada. Artigo 24 1. Cada Estado-Parte na controvérsia custeará as despesas ocasionadas pela atividade do árbitro por ele nomeado. 2. As despesas do Presidente, bem como as demais despesas do Tribunal Arbitral, serão custeadas em montantes iguais pelos Estados-Partes na controvérsia, a menos que o Tribunal decida distribuí-los em diferente proporção. Capítulo V RECLAMAÇÕES DE PARTICULARES Artigo 25 O procedimento estabelecido no presente capítulo se aplicará às reclamações efetuadas por particulares (pessoas físicas ou jurídicas) por motivo da sanção ou aplicação, por qualquer dos Estados-Partes, de medidas legais ou administrativas de efeito restritivo, discriminatórias ou de concorrência desleal, em infração ao Tratado de Assunção, dos Acordos celebrados no âmbito do
mesmo, das decisões que emanem do Conselho do Mercado Comum. Artigo 26 1. Os particulares afetados formalizarão as reclamações ante a seção Nacional do Grupo Mercado Comum do Estado-Parte onde tenham sua residência habitual ou a sede de seus negócios. 2. Os particulares deverão fornecer elementos que permitam à referida Seção Nacional determinar a verossimilhança da infração, a existência e a ameaça de um prejuízo. Artigo 27 A menos que a reclamação se refira a uma questão que tenha motivado a iniciação de um procedimento de Solução de Controvérsias ao amparo dos Capítulos II, III e IV deste Protocolo, a Seção Nacional do Grupo Mercado Comum que tenha admitido a reclamação de conformidade com o Artigo 26 do presente Capítulo poderá, em consulta com o particular afetado: a) estabelecer contatos diretos com a Seção Nacional do Grupo Mercado Comum do Estado-Parte a que se atribui a violação, a fim de procurar, por meio de consultas, uma solução imediata para a questão suscitada; ou b) elevar a reclamação, sem mais exames, ao Grupo Mercado Comum. Artigo 28 Se no prazo de quinze (15) dias, contados a partir da comunicação da reclamação de conformidade com o previsto pelo Artigo 27i, não tiver sido resolvida a Seção Nacional que realizou a comunicação poderá, a pedido do particular afetado, elevá-la, sem outro trâmite, ao Grupo Mercado Comum. Artigo 29 1. Recebida a reclamação, o Grupo Mercado Comum, na primeira reunião subsequente a seu recebimento, avaliará os fundamentos nos quais se baseou sua admissão pela Seção Nacional. Se concluir que não reúne os requisitos necessários para dar-lhe curso, denegará a reclamação sem outro trâmite. 2. Se o Grupo Mercado Comum não denegar a reclamação, procederá de imediato à convocação de um grupo de peritos que deverá emitir uma decisão acerca de sua procedência no prazo improrrogável de trinta (30) dias, a partir da sua designação. 3. Dentro desse prazo, o grupo de especialistas dará oportunidade ao particular reclamante e ao Estado contra o qual se efetuou a reclamação de serem escutados e de apresentarem seus argumentos. Artigo 30 1. O grupo de peritos a que se refere o Artigo 29 será composto de três (3) membros eleitos pelo Grupo Mercado Comum ou, na falta de acordo, por sorteio de uma lista de vinte e quatro (24) peritos. Neste último caso, e salvo se o Grupo Mercado Comum decidir de outra maneira, um dos peritos designados não poderá ser nacional do Estado contra o qual foi formulada a reclamação, nem do Estado ante cuja Seção Nacional esta foi apresentada. 2. A fim de constituir a lista de peritos, cada um dos Estados-Partes designará seis (6) pessoas de reconhecida competência nas questões que possam ser objeto de controvérsia. A referida lista ficará registrada na Secretaria Administrativa.
Artigo 31 As despesas derivadas da atuação do grupo de especialistas serão custeadas na proporção que determinar o Grupo Mercado Comum ou, na falta de acordo, em partes iguais pelas partes diretamente interessadas. Artigo 32 O grupo de peritos elevará sua decisão ao Grupo Mercado Comum, se nessa decisão se tiver verificado a procedência da reclamação formulada contra um Estado-Parte, qualquer outro EstadoParte poderá requerer-lhe a adoção de medidas corretivas ou a anulação das medidas questionadas. Se seu requerimento não lograr resultados, o Estado-Parte que o tiver efetivado poderá recorrer diretamente ao procedimento arbitral, nas condições estabelecidas no Capítulo IV do presente Protocolo. Capítulo VI DISPOSIÇÕES FINAIS Artigo 33 O presente Protocolo entrará em vigor quando os quatro Estados-Partes tiverem depositado os respectivos instrumentos de ratificação. Os instrumentos serão depositados ante o Governo da República do Paraguai, que comunicará a data de depósito aos Governos dos demais Estados-Partes. Artigo 34 O presente Protocolo permanecerá vigente até que entre em vigor o Sistema Permanente de Solução de Controvérsias para o Mercado Comum a que se refere o item 3 do Anexo III do Tratado de Assunção. Artigo 35 A adesão por parte de um Estado ao Tratado de Assunção implicará ipso jure a adesão ao presente Protocolo. Artigo 36 Serão idiomas oficiais em todos os procedimentos previstos no presente Protocolo o português e o espanhol, segundo seja aplicável. Feito na cidade de Brasília aos 17 dias do mês de dezembro de 1991, em um original, nos idiomas português e espanhol, sendo ambos os textos igualmente autênticos. O Governo da República do Paraguai será o depositário do presente Protocolo e enviará cópia devidamente autenticada do mesmo aos Governos dos demais Estados-Partes. Pelo Governo da República da Argentina: Carlos Saúl Menem – Guido di Tella. Pelo Governo da República Federativa do Brasil: Fernando Collor – Francisco Rezek. Pelo Governo da República do Paraguai: Andrés Rodríguez – Alexis Frutos Vaesken. Pelo Governo da República Oriental do Uruguai: Luiz Alberto Lacalle Herrera – Héctor Gros Espiell.” “PROTOCOLO ADICIONAL AO TRATADO DE ASSUNÇÃO SOBRE A ESTRUTURA
INSTITUCIONAL DO MERCOSUL PROTOCOLO DE OURO PRETO A República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai, doravante denominadas ‘Estados-Partes’; Em cumprimento ao disposto no Artigo 18 do Tratado de Assunção de 26 de março de 1991; Conscientes da importância dos avanços alcançados e da implementação da união aduaneira como etapa para a construção do mercado comum; Reafirmando os princípios e objetivos do Tratado de Assunção e atentos para a necessidade de uma consideração especial para países e regiões menos desenvolvidos do Mercosul; Atentos para a dinâmica implícita em todo processo de integração e para a consequente necessidade de adaptar a estrutura institucional do Mercosul às mudanças ocorridas; Reconhecendo o destacado trabalho desenvolvido pelos órgãos existentes durante o período de transição; Acordam: Capítulo I ESTRUTURA DO MERCOSUL Artigo 1o A estrutura institucional do Mercosul contará com os seguintes órgãos: I – O Conselho do Mercado Comum – CMC; II – O Grupo Mercado Comum – GMC; III – A Comissão de Comércio do Mercosul – CCM; IV – A Comissão Parlamentar Conjunta – CPC; V – O Foro Consultivo Econômico-Social – FCES; VI – A Secretaria Administrativa do Mercosul – SAM. Parágrafo único. Poderão ser criados, nos termos do presente Protocolo, os órgãos auxiliares que se fizerem necessários à consecução dos objetivos do processo de integração. Artigo 2o São órgãos com capacidade decisória, de natureza intergovernamental, o Conselho do Mercado Comum, o Grupo Mercado Comum e a Comissão de Comércio do Mercosul. Seção I DO CONSELHO DO MERCADO COMUM Artigo 3o O Conselho do Mercado Comum é o órgãos superior do Mercosul ao qual incumbe a condução política do processo de integração e a tomada de decisões para assegurar o cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo Tratado de Assunção. Artigo 4o O Conselho do Mercado Comum será integrado pelos Ministros das Relações Exteriores; e pelos Ministros da Economia, ou seus equivalentes, dos Estados-Partes. Artigo 5o A Presidência do Conselho do Mercado Comum será exercida por rotação dos EstadosPartes, em ordem alfabética, pelo período de seis meses. Artigo 6o O Conselho do Mercado Comum reunir-se-á quantas vezes estime oportuno, devendo fazê-lo pelo menos uma vez por semestre com a participação dos Presidentes dos Estados-Partes.
Artigo 7o As reuniões do conselho do Mercado Comum serão coordenadas pelos Ministérios das Relações Exteriores e poderão ser convidados a delas participar outros Ministros ou autoridades de nível ministerial. Artigo 8o São funções e atribuições do Conselho do Mercado Comum: I – Velar pelo cumprimento do Tratado de Assunção, de seus Protocolos e dos acordos firmados em seu âmbito; II – Formular políticas e promover as ações necessárias à conformação do Mercado Comum; III – Exercer a titularidade da personalidade jurídica do Mercosul; IV – Negociar e firmar acordos em nome do Mercosul com terceiros países, grupos de países e organizações internacionais. Estas funções podem ser delegadas ao Grupo Mercado Comum por mandato expresso, nas condições estipuladas no inciso VII do art. 14; V – Manifestar-se sobre as propostas que lhe sejam levadas pelo Grupo Mercado Comum; VI – Criar reuniões de ministros e pronunciar-se sobre os acordos que lhe sejam remetidos pelas mesmas; VII – Criar os órgãos que estime pertinentes, assim como modificá-los ou extingui-los; VIII – Esclarecer, quando estime necessário, o conteúdo e o alcance de suas decisões; IX – Designar o diretor da Secretaria Administrativa do Mercosul; X – Adotar decisões em matéria financeira e orçamentária; XI – Homologar o Regimento Interno do Grupo Mercado Comum. Artigo 9o O Conselho do Mercado Comum manifestar-se-á mediante decisões, as quais serão obrigatórias para os Estados-Partes. Seção II DO GRUPO MERCADO COMUM Artigo 10. O Grupo Mercado Comum é o órgão executivo do Mercosul. Artigo 11. O Grupo Mercado Comum será integrado por quatro membros titulares e quatro membros alternos por país, designados pelos respectivos Governos, dentre os quais devem constar necessariamente representantes dos Ministérios das Relações Exteriores, dos Ministérios da Economia (ou equivalentes) e dos Bancos Centrais. O Grupo Mercado comum será coordenado pelos Ministérios das Relações Exteriores. Artigo 12. Ao elaborar e propor medidas concretas no desenvolvimento de seus trabalhos, o Grupo Mercado Comum poderá convocar, quando julgar conveniente, representantes de outros órgãos da Administração Pública ou da estrutura institucional do Mercosul. Artigo 13. O Grupo Mercado Comum reunir-se-á de forma ordinária ou extraordinária, quantas vezes se fizerem necessárias, nas condições estipuladas por seu Regimento Interno. Artigo 14. São funções e atribuições do Grupo Mercado Comum: I – Velar, nos limites de suas competências, pelo cumprimento do Tratado de Assunção, de seus Protocolos e dos acordos firmados em seu âmbito; II – Propor projetos de decisão ao Conselho do Mercado Comum; III – Tomar as medidas necessárias ao cumprimento das decisões adotadas pelo Conselho do
Mercado Comum; IV – Fixar programas de trabalho que assegurem avanços para o estabelecimento do Mercado Comum; V – Criar, modificar ou extinguir órgãos tais como subgrupos de trabalho e reuniões especializadas, para o cumprimento de seus objetivos; VI – Manifestar-se sobre as propostas ou recomendações que lhe forem submetidas pelos demais órgãos do Mercosul no âmbito de suas competências; VII – Negociar com a participação de representantes de todos os Estados-Partes, por delegação expressa do Conselho do Mercado Comum e dentro dos limites estabelecidos em mandatos específicos concedidos para esse fim, acordos, em nome do Mercosul com terceiros países, grupos de países e organismos internacionais. O Grupo Mercado Comum, quando dispuser de mandato para tal fim, procederá à assinatura dos mencionados acordos. O Grupo do Mercado Comum, poderá delegar os referidos poderes à Comissão de Comércio do Mercosul; VIII – Aprovar o orçamento e a prestação de contas anual apresentada pela Secretaria Administrativa do Mercosul; IX – Adotar Resoluções em matéria financeira e orçamentária, com base nas orientações emanadas do Conselho do Mercado Comum; X – Submeter ao Conselho do Mercado Comum seu Regimento Interno; XI – Organizar as reuniões do Conselho do Mercado Comum e preparar os relatórios e estudos que este lhe solicitar; XII – Eleger o Diretor da Secretaria Administrativa do Mercosul; XIII – Supervisionar as atividades da Secretaria Administrativa do Mercosul; XIV – Homologar os Regimentos Internos da Comissão de Comércio e do Foro Consultivo Econômico-Social. Artigo 15. O Grupo Mercado Comum manifestar-se-á mediante Resoluções, as quais serão obrigatórias para os Estados-Partes. Seção III DA COMISSÃO DE COMÉRCIO DO MERCOSUL Artigo 16. À Comissão de Comércio do Mercosul, órgão encarregado de assistir o Grupo Mercado Comum, compete velar pela aplicação dos instrumentos de política comercial comum acordados pelos Estados-Partes para o funcionamento da união aduaneira, bem como acompanhar e revisar os temas e matérias relacionados com as políticas comerciais comuns, com o comércio intraMercosul [sic] e com terceiros países. Artigo 17. A Comissão de Comércio do Mercosul será integrada por quatro membros titulares e quatro membros alternos por Estado-Parte e será coordenada pelos Ministérios das Relações Exteriores. Artigo 18. A Comissão de Comércio do Mercosul reunir-se-á pelo menos uma vez por mês ou sempre que solicitado pelo Grupo Mercado Comum ou por qualquer dos Estados-Partes. Artigo 19. São funções e atribuições da Comissão de Comércio do Mercosul: I – Velar pela aplicação dos instrumentos comuns de política comercial intra-Mercosul e com
terceiros países, organism os internacionais e acordos de comércio; II – Considerar e pronunciar-se sobre as solicitações apresentadas pelos Estados-Partes com respeito à aplicação e ao cumprimento da tarifa externa comum e dos demais instrumentos de política comercial comum; III – Acompanhar a aplicação dos instrumentos de política comercial comum nos Estados-Partes; IV – Analisar a evolução dos instrumentos de política comercial comum para o funcionamento da união aduaneira e formular Propostas a respeito ao Grupo Mercado Comum; V – Tomar as decisões vinculadas à administração e à aplicação da tarifa externa comum e dos instrumentos de política comercial comum acordados pelos Estados-Partes; VI – Informar ao Grupo Mercado Comum sobre a evolução e a aplicação dos instrumentos de política comercial comum, sobre o trâmite das solicitações recebidas e sobre as decisões adotadas a respeito delas; VII – Propor ao Grupo Mercado Comum novas normas ou modificações às normas existentes referentes à matéria comercial e aduaneira do Mercosul; VIII – Propor a revisão das alíquotas tarifárias de itens específicos da tarifa externa comum, inclusive para contemplar casos referentes a novas atividades produtivas no âmbito do Mercosul; IX – Estabelecer os comitês técnicos necessários ao adequado cumprimento de suas funções, bem como dirigir e supervisionar as atividades dos mesmos; X – Desempenhar as tarefas vinculadas à política comercial comum que lhe solicite o Grupo Mercado Comum; XI – Adotar o Regimento Interno, que submeterá ao Grupo Mercado Comum para sua homologação. Artigo 20. A Comissão de Comércio do Mercosul manifestar-se-á mediante diretrizes ou Propostas. As Diretrizes serão obrigatórias para os Estados-Partes. Artigo 21. Além das funções e atribuições estabelecidas nos Arts. 16 e 19 do presente Protocolo, caberá à Comissão de Comércio do Mercosul considerar reclamações apresentadas pelas Seções Nacionais da Comissão de Comércio do Mercosul, originadas pelos Estados-Partes ou em demandas de particulares – pessoas físicas ou jurídicas – relacionadas com as situações previstas nos Arts. 1 o ou 25 do Protocolo de Brasília, quando estiverem em sua área de competência. § 1o O exame das referidas reclamações no âmbito da Comissão de Comércio do Mercosul não obstará a ação do Estado-Parte que efetuou a reclamação ao amparo do Protocolo de Brasília para solução de controvérsias. § 2o As reclamações originadas nos casos estabelecidos no presente artigo obedecerão ao procedimento previsto no Anexo deste Protocolo. Seção IV DA COMISSÃO PARLAMENTAR CONJUNTA Artigo 22. A Comissão Parlamentar Conjunta é o órgão representativo dos Parlamentos dos Estados-Partes no âmbito do Mercosul. Artigo 23. A Comissão Parlamentar Conjunta será integrada por igual número de parlamentares representantes dos Estados-Partes.
Artigo 24. Os integrantes da Comissão Parlamentar Conjunta serão designados pelos respectivos Parlamentos Nacionais, de acordo com seus procedimentos internos. Artigo 25. A Comissão Parlamentar Conjunta procurará acelerar os procedimentos internos correspondentes nos Estados-Partes para a pronta entrada em vigor das normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no Art. 2 o deste Protocolo. Da mesma forma, coadjuvará na harmonização de legislações, tal como requerido pelo avanço do processo de integração. Quando necessário, o Conselho do Mercado Comum solicitará à Comissão Parlamentar Conjunta o exame de temas prioritários. Artigo 26. A Comissão Parlamentar Conjunta encaminhará, por intermédio do Grupo Mercado Comum, Recomendações ao Conselho do Mercado Comum. Artigo 27. A Comissão Parlamentar Conjunta adotará o seu Regimento Interno. Seção V DO FORO CONSULTIVO ECONÔMICO-SOCIAL Artigo 28. O Foro Consultivo Econômico-Social é o órgão de representação dos setores econômicos e sociais e será integrado por igual número de representantes de cada Estado-Parte. Artigo 29. O Foro Consultivo Econômico-Social terá função consultiva e manifestar-se-á mediante Recomendações ao Grupo Mercado Comum. Artigo 30. O Foro Consultivo Econômico-Social submeterá seu Regimento Interno ao Grupo Mercado Comum, para homologação. Seção VI DA SECRETARIA ADMINISTRATIVA DO MERCOSUL Artigo 31. O Mercosul contará com uma Secretaria Administrativa como órgão de apoio operacional. A Secretaria Administrativa do Mercosul será responsável pela prestação de serviços aos demais órgãos do Mercosul e terá sede permanente na cidade de Montevidéu. Artigo 32. A Secretaria Administrativa do Mercosul desempenhará as seguintes atividades: I – Servir como arquivo oficial da documentação do Mercosul; II – Realizar a publicação e a difusão das decisões adotadas no âmbito do Mercosul. Nesse contexto, lhe corresponderá: i) Realizar, em coordenação com os Estados-Partes, as traduções autênticas para os idiomas espanhol e português de todas as decisões adotadas pelos órgãos da estrutura institucional do Mercosul, conforme previsto no art. 39; ii) Editar o Boletim Oficial do Mercosul. III – Organizar os aspectos logísticos das reuniões do Conselho do Mercado Comum, do Grupo Mercado Comum e da Comissão de Comércio do Mercosul e, dentro de suas possibilidades, dos demais órgãos do Mercosul, quando as mesmas forem realizadas em sua sede permanente. No que se refere às reuniões realizadas fora de sua sede permanente, a Secretaria Administrativa do Mercosul fornecerá apoio ao Estado que sediar o evento; IV – Informar regularmente os Estados-Partes sobre as medidas implementadas por cada país para incorporar em seu ordenamento jurídico as normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no
Art. 2o deste Protocolo; V – Registrar as listas nacionais do árbitros e especialistas, bem como desempenhar outras tarefas determinadas pelo Protocolo de Brasília, de 17 de dezembro de 1991; VI – Desempenhar as tarefas que lhe sejam solicitadas pelo Conselho do Mercado Comum, pelo Grupo Mercado Comum e pela Comissão do Comércio do Mercosul; VII – Elaborar seu projeto de orçamento e, uma vez aprovado pelo Grupo Mercado Comum, praticar todos os atos necessários à sua correta execução; VIII – Apresentar anualmente ao Grupo Mercado Comum a sua prestação de contas, bem como relatório sobre suas atividades. Artigo 33. A Secretaria Administrativa do Mercosul estará a cargo de um Diretor, o qual será nacional de um dos Estados-Partes. Será eleito pelo Grupo Mercado Comum, em bases rotativas, prévia consulta aos Estados-Partes, e designado pelo Conselho do Mercado Comum. Terá mandato de dois anos, vedada a reeleição. Capítulo II PERSONALIDADE JURÍDICA Artigo 34. O Mercosul terá personalidade jurídica de Direito Internacional. Artigo 35. O Mercosul poderá, no uso de suas atribuições, praticar todos os atos necessários à realização de seus objetivos, em especial contratar, adquirir ou alienar bens móveis e imóveis, comparecer em juízo, conservar fundos e fazer transferências. Artigo 36. O Mercosul celebrará acordos de sede. Capítulo III SISTEMA DE TOMADA DE DECISÕES Artigo 37. As decisões dos órgãos do Mercosul serão tomadas por consenso e com a presença de todos os Estados-Partes. Capítulo IV APLICAÇÃO INTERNA DAS NORMAS EMANADAS DOS ÓRGÃOS DO MERCOSUL Artigo 38. Os Estados-Partes comprometem-se a adotar todas as medidas necessárias para assegurar, em seus respectivos territórios, o cumprimento das normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no Art. 2o deste Protocolo. Parágrafo único. Os Estados-Partes informarão à Secretaria Administrativa do Mercosul as medidas adotadas para esse fim. Artigo 39. Serão publicados no Boletim Oficial do Mercosul, em sua íntegra, nos idiomas espanhol e português, o teor das Decisões do Conselho do Mercado Comum, das Resoluções do Grupo Mercado Comum, das Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul e dos Laudos Arbitrais de Solução de Controvérsias, bem como de quaisquer atos aos quais o Conselho do Mercado Comum ou o Grupo Mercado Comum entendam necessário atribuir publicidade oficial. Artigo 40. A fim de garantir a vigência simultânea nos Estados-Partes das normas emanadas dos
órgãos do Mercosul previstos no Art. 2 o deste Protocolo, deverá ser observado o seguinte procedimento: i) Uma vez aprovada a norma, os Estados-Partes adotarão as medidas necessárias para a sua incorporação ao ordenamento jurídico nacional e comunicarão as mesmas à Secretaria Administrativa do Mercosul; ii) Quando todos os Estados-Partes tiverem informado sua incorporação aos respectivos ordenamentos jurídicos internos, a Secretaria Administrativa do Mercosul comunicará o fato a cada Estado-Parte; iii) As normas emanadas dos órgãos do Mercosul entrarão em vigor simultaneamente nos EstadosPartes 30 dias após a data da comunicação efetuada pela Secretaria Administrativa do Mercosul, nos termos do item anterior. Com esse objetivo, os Estados-Partes, dentro do prazo acima, darão publicidade do início da vigência das referidas normas por intermédio de seus respectivos diários oficiais. Capítulo V FONTES JURÍDICAS DO MERCOSUL Artigo 41. As fontes jurídicas do Mercosul são: I – O Tratado de Assunção, seus protocolos e os instrumentos adicionais ou complementares; II – Os acordos celebrados no âmbito do Tratado de Assunção; III – As Decisões do Conselho do Mercado Comum, as Resoluções do Grupo Mercado Comum e as Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul, adotadas desde a entrada em vigor do Tratado de Assunção. Artigo 42. As normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no Art. 2 o deste Protocolo terão caráter obrigatório e deverão, quando necessário, ser incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais mediante os procedimentos previstos pela legislação de cada país. Capítulo VI SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS Artigo 43. As controvérsias que surgirem entre os Estados-Partes sobre a interpretação, a aplicação ou o não cumprimento das disposições contidas no Tratado de Assunção, dos acordos celebrados no âmbito do mesmo, bem como das Decisões do Conselho do Mercado Comum, das Resoluções do Grupo Mercado Comum e das Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul, serão submetidas aos procedimentos de solução estabelecidos no Protocolo de Brasília, de 17 de dezembro de 1991. Parágrafo único. Ficam também incorporadas aos Arts. 19 e 25 do Protocolo de Brasília as Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul. Artigo 44. Antes de culminar o processo de convergência da Tarifa Externa Comum, os EstadosPartes, efetuarão uma revisão do atual sistema de solução de controvérsias do Mercosul, com vistas à adoção do sistema permanente a que se referem o item 3 do Anexo III do Tratado de Assunção e o Art. 34 do Protocolo de Brasília. Capítulo VII
ORÇAMENTO Artigo 45. A Secretaria Administrativa do Mercosul contará com orçamento para cobrir seus gastos de funcionamento e aqueles que determine o Grupo Mercado Comum. Tal orçamento será financiado, em partes iguais, por contribuições dos Estados-Partes. Capítulo VIII IDIOMAS Artigo 46. Os idiomas oficiais do Mercosul são o espanhol e o português. A versão oficial dos documentos de trabalho será a do idioma do país sede de cada reunião. Capítulo IX REVISÃO Artigo 47. Os Estados-Partes convocarão, quando julgarem oportuno, conferência diplomática com o objetivo de revisar o Protocolo, assim como as atribuições específicas de cada um de seus órgãos. Capítulo X VIGÊNCIA Artigo 48. O presente Protocolo, parte integrante do Tratado de Assunção, terá duração indefinida e entrará em vigor 30 dias após a data do depósito do terceiro instrumento de ratificação. O presente Protocolo e seus instrumentos de ratificação serão depositados ante o Governo da República do Paraguai. Artigo 49. O Governo da República do Paraguai notificará aos governos dos demais EstadosPartes a data do depósito dos instrumentos de ratificação e da entrada em vigor do presente Protocolo. Artigo 50. Em matéria de adesão ou denúncia, regerão como um todo, para o presente Protocolo, as normas estabelecidas pelo Tratado de Assunção. A adesão ou denúncia ao Tratado de Assunção ou ao presente Protocolo significam, ipso iure, a adesão ou denúncia ao presente Protocolo e ao Tratado de Assunção. Capítulo XI DISPOSIÇÃO TRANSITÓRIA Artigo 51. A estrutura institucional prevista no Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991, assim como seus órgãos, será mantida até a data de entrada em vigor do presente Protocolo. Capítulo XII DISPOSIÇÕES GERAIS Artigo 52. O presente Protocolo chamar-se-á ‘Protocolo de Ouro Preto’. Artigo 53. Ficam revogadas todas as disposições do Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991, que conflitem com os termos do presente Protocolo e com o teor das Decisões aprovadas pelo Conselho do Mercado Comum durante o período de transição.
Feito na cidade de Ouro Preto, República Federativa do Brasil, aos dezessete dias do mês de dezembro de mil novecentos e noventa e quatro, em um original, nos idiomas português e espanhol, sendo ambos os textos igualmente autênticos. O Governo da República do Paraguai enviará cópia devidamente autenticada do presente Protocolo aos Governos dos demais Estados-Partes. Pela República Argentina: Carlos Saúl Menem – Guido di Tella. Pela República Federativa do Brasil: Itamar Franco – Celso L.N. Amorim. Pela República do Paraguai: Juan Carlos Wasmosy – Luís María Ramírez Boettner. Pela República Oriental do Uruguai: Luís Alberto Lacalle Herrera – Sérgio Abreu”. “DECRETO N. 1.765, de 28.12.1995 Dispõe sobre a vigência das Resoluções do Grupo Mercado Comum e das Decisões do Conselho do Mercado Comum que menciona O Presidente da República, no uso da atribuição que lhe confere o artigo 84, inciso IV, da Constituição, e considerando o que dispõe o Tratado para a Constituição de um Mercado Comum entre a República Federativa do Brasil, a República Argentina, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai, firmado em Assunção, em 26 de março de 1991, cujo texto foi aprovado pelo Decreto Legislativo n. 197, de 25 de setembro de 1991, e ratificado pelo Decreto n. 350, de 21 de novembro de 1991, decreta: Art. 1o Passam a viger no Território Nacional os textos das Decisões aprovadas na VII Reunião do Conselho do Mercado Comum – CMC, realizada na Cidade de Ouro Preto-MG, nos dias 16 e 17 de dezembro de 1994, e das Resoluções aprovadas na XVI Reunião do Grupo Mercado Comum – GMC, realizada nos dias 14 e 15 de dezembro de 1994, apensas por cópia a este Decreto e a seguir relacionadas: I – Decisões n.: a) 16/94 Norma de Aplicação sobre Despacho Aduaneiro de Mercadorias; b) 17/94 Norma de Aplicação sobre a Valoração Aduaneira das Mercadorias; c) 18/94 Norma de Aplicação Relativa ao Regime de Bagagem no Mercosul; e d) 26/94 Norma de Tramitação de Decisões, Critérios e Opiniões de Caráter Geral sobre Classificação Tarifária de Mercadorias. II – Resoluções n.: a) 111/94 – Recursos Financeiros e Humanos Necessários para o Funcionamento dos Controles Integrados de Fronteiras; b) 115/94 – Regime Especial Destinado ao Material Promocional; c) 116/94 – Norma sobre Mercadorias Carregadas em Distintas Aduanas do País de Partida com um mesmo MIC/DTA e na mesma Unidade de Transporte; d) 117/94 – Norma sobre a Operação Aduaneira para o Transporte de Correspondência e Encomendas em Ônibus de Passageiros de Linha Regular, Habilitados para Viagens Internacionais; e) 118/94 – Lista Positiva de Produtos que Não Devem Ser Submetidos a Nenhuma Intervenção Fitossanitária; f) 127/94 – Horário nos Dias Úteis de Segunda a Sexta-Feira nos Pontos de Fronteira; e g) 131/94 – Norma Relativa à Circulação de Veículos Comunitários do Mercosul de uso
Particular Exclusivo dos Turistas. Art. 2o O Ministério da Fazenda expedirá as normas complementares necessárias à aplicação dos referidos atos. Art. 3o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Seguem-se os Anexos”.259 Introducción al Estudio del Derecho. 1974. p. 127. Ibidem. p. 147. Derecho Internacional Económico: ¿Mito o Realidad?Estudios de Derecho Económico. 1980. I, p. 211. “Afirma, contudo, o mesmo autor: Quer isto dizer que a expressão mesma de direito internacional econômico deveria ser proscrita de nosso vocabulário? Isto seria, seguramente, ir demasiado longe. Como o sublinhamos, nada impede que nos interessemos mais par cularmente por tal ou qual setor de uma disciplina ou de reagrupar ao redor de um centro de interesse determinado certos elementos tomados de várias disciplinas. Assim nascem disciplinas como o direito monetário internacional ou o direito marí mo internacional e por cima da dis nção entre direito interno e direito internacional, disciplinas como o direito da arbitragem internacional ou o direito dos transportes internacionais; o já célebre direito internacional do desenvolvimento é do mesmo gênero. Não é senão sob esta forma modesta e pragmá ca, desprovida de toda ambição cien fica, que o vocábulo de direito internacional econômico ou de direito econômico internacional pode ser recebido. Não se trata de um conceito, mas de um termo-resumo: não define o direito internacional econômico, descreve-o. Por isso o problema de seu conteúdo e de sua delimitação rela vamente a outros ramos do direito não tem nem significado, nem alcance: o direito internacional econômico pode ser delimitado de mil maneiras diferentes e todas igualmente válidas” (ibidem. p. 208). Droit international économique. 1980. p. 4. Indaga Aron: “Mas será possível uma sociedade internacional homogênea, sem corrida armamen sta, sem conflitos territoriais e ideológicos? A resposta é sim, num plano abstrato, sujeita a diversas condições. O fim da corrida armamen sta exigirá não apenas que os Estados não alimentem suspeitas mútuas, mas também que não queiram mais usar a força para impor sua vontade. As vontades de potências cole vas precisariam desaparecer – ou antes, transformar-se. Quanto aos conflitos de natureza econômica, que no passado não foram causa direta ou principal das guerras, mas que tornam inteligíveis, a nosso espírito u litarista, as guerras das civilizações tradicionais, eles em nossos dias têm diminuído de importância autonomamente: todas as sociedades modernas podem crescer em intensidade melhor ainda do que em extensão” (Paz e Guerra entre as Nações. Trad. de Sérgio Bath. 1979. p. 672). Droit International Économique. 1980. p. 11. Ibidem. p. 15. Afirmam Carreau, Juillard e Flory: Os Estados, instruídos pela experiência das duas guerras mundiais, reconheceram o caráter indivisível da paz; eles raram algumas consequências jurídicas desse fato: a saber, sua interdependência diante da paz ou da guerra. Sobretudo, não teria toda cooperação internacional sua explicação pelo funcionamento desta noção? Entretanto, é conveniente afirmar que a soberania estatal permanece o fundamento central do direito internacional, restando à interdependência um papel secundário, suple vo. A situação é exatamente inversa em direito internacional econômico. A interdependência econômica é um fato que se impõe a todos os países, tanto desenvolvidos como em vias de desenvolvimento, capitalistas e socialistas” (Droit Interna onal Économique. 1980. p. 16). Afirma ainda o Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade que foi a par r dos anos cinquenta, com as nacionalizações que se seguiram, que o conceito de soberania permanente dos Estados (de conteúdo econômico, dis ntamente do conceito anterior de soberania, pura e ingenuamente polí co) passou a formar-se no seio da ONU, com a adoção de uma resolução em 1952 sobre o direito de se explorar livremente os recursos e riquezas naturais. Nessa época já se prenunciava a emergência polí ca do terceiro mundo, com o comunicado final da Conferência de Bandung (abril de 1955). Na década seguinte verificou-se uma mudança básica na terminologia adotada pelas resoluções da ONU: já não mais se falava de “direito de explorar livremente os recursos” mas antes de “soberania permanente sobre os recursos”. A mudança conceitual foi de grande importância por suas inúmeras implicações. Observa ainda que um marco nessa evolução foi a adoção pela Assembleia-Geral da ONU, em 14 de dezembro de 1962, da famosa Resolução 1.803 (XVII) sobre “Soberania Permanente sobre Recursos Naturais”, ponto de par da para resoluções subsequentes a respeito. As Nações Unidas e a nova ordem econômica internacional. In: Revista de Informação Legislativa, v. 21, n. 81, p. 213-232, jan.-mar. 1984. A este respeito afirma Burdeau: Notaremos que esta análise da função que desempenha o mito se ajusta perfeitamente com a teoria da ideia de direito que propusemos para dar conta do fenômeno do Poder. Uma e outra enfa zam o fato segundo o qual o liame social não é uma relação está ca mas a fonte de uma força cole va que visa a coerência do grupo no presente e a sua perpetuação no futuro. Esta força cole va, eu a chamo de ideia de direito. Na ó ca antropológica, ela está incluída no mito que diz ao grupo o que ele é, e funda, consequentemente, o poder norma vo do conjunto sobre os comportamentos individuais. Como a ideia de direito, o mito da representação reúne os homens ao redor de uma imagem: imagem deles mesmos com o mito, imagem de um futuro desejável com a ideia de direito. Mas, num caso como noutro, a imagem suscita a ação (BURDEAU, G.Traité de
Science Politique: la Revolte des colonisés. 1986. t. X, p. 362). Droit international économique. 1980. p. 23. Joseph Campbell, depois de assinalar as quatro funções dos mitos, a mística, a cosmológica, a sociológica e a pedagógica, enfatiza o surgimento de novos mitos que deverão reger o mundo moderno: “Você não pode prever que mito está para surgir, assim como não pode prever o que irá sonhar esta noite. Mitos e sonhos vêm do mesmo lugar. Vêm de tomadas de consciência de uma espécie tal que precisam encontrar expressão numa forma simbólica. E o único mito de que valerá a pena cogitar, no futuro imediato, é o que fala do planeta, não da cidade, não deste ou daquele povo, mas do planeta e de todas as pessoas que estão nele. Esta é a minha ideia fundamental do mito que está por vir. (...) Sim, essa é a base do que o mito deve ser. E já se encontra aqui: o olho da razão, não da minha nacionalidade; o olho da razão, não da minha comunidade religiosa; o olho da razão, não da minha comunidade linguís ca. Você percebe? E esta será a filosofia do planeta, não deste ou daquele grupo. Quando a Terra é avistada da Lua, não são visíveis, nela, as divisões em nações ou Estados. Isso pode ser, de fato, o símbolo da mitologia futura. Essa é a nação que iremos celebrar, essas são as pessoas às quais nos uniremos” (O poder do mito. 1990. p. 33-34). Enfa za Celes no Del Arenal “a consideração de que o modelo estatocêntrico, dominante nas relações internacionais, já não é válido para explicar os fenômenos internacionais”. Tende-se, por isso, a ressaltar mais os aspectos coopera vos do que os estritamente confli vos e violentos. Afirma-se, em consequência, que o sistema interestatal está sendo subs tuído por um sistema mundial, por uma sociedade global. Fala-se de polí ca mundial, de relações transnacionais. A clássica dis nção entre o interno e o internacional tende, assim, a desvanecer-se (Introducción a las relaciones internacionales. 1990. p. 309). Afirma Raymond Aron: “O direito internacional que se transformou no direito do sistema mundial é, essencialmente, ojus europaeum. Sua aplicação estava limitada, inicialmente, às nações cristãs, depois às europeias, estendendo-se em seguida às nações ‘civilizadas’ mais tarde, ‘nações amantes da paz’. Hoje, a ‘igualdade soberana’, que em outros tempos era reservada aos privilegiados, isto é, aos ‘grandes’ da sociedade internacional (cujo centro era a Europa), é concedida explicitamente a todos os Estados, pequenos ou grandes, que resultaram da desagregação dos impérios coloniais. Os Estados que assumem responsabilidade pelas populações ‘não autônomas’ precisam agora agir em função do seu bem-estar e desenvolvimento. Já passou o tempo em que um deputado, na Câmara dos Comuns, em Londres, podia declarar francamente, sem qualquer vergonha, que a Inglaterra só procurava lucro na administração da Índia. A ideologia do dever que têm os países ricos e civilizados, com relação aos povos que não alcançaram ainda os níveis da civilização moderna, é mais do que uma homenagem prestada pelo vício à virtude, é a tomada de consciência de um fato histórico: a extensão mundial do sistema interestatal. Contudo, além desses fatos, não há qualquer indicação de progresso a respeito dos pontos essenciais. Para que se chegue ao império da lei, é preciso que os Estados renunciem a aplicar sua própria jus ça, que os cidadãos e os governantes acreditem que a sujeição dos Estados a um juiz imparcial é moralmente recomendável” (Paz e guerra entre as nações. 1979. p. 670). A respeito dessa an ga ordem econômica internacional observa Héctor Cuadra: A ordem econômica internacional aos olhos da imensa maioria da espécie humana se apresenta como uma ordem que é tão injusta e tão superada como a ordem colonial de que re ra sua origem e sua substância. Porque se sustenta, se consolida e prospera segundo uma dinâmica que sem cessar empobrece aos pobres e enriquece aos ricos, esta ordem econômica cons tui o obstáculo maior a toda oportunidade de desenvolvimento e de progresso para o conjunto dos países do Terceiro Mundo (Aspectos jurídicos del nuevo orden económico internacional. Estudios de Derecho Económico. 1979. III, p. 168). Ou ainda, para os críticos: Under no Circunstances Take Any Decision. Afirma Maurice Byé que o capitalismo procura, através de uma nova ordem, superar a crise do imperialismo e organizar a economia mundial como condição de sua sobrevivência: “É, portanto, normal que os países subdesenvolvidos se unam progressivamente, malgrado suas contradições imediatas, para afirmar a necessidade de uma nova ordem econômica internacional. Fazendo isto, eles exprimem a contestação fundamental de toda ordem imperialista (a atual ou aquela que poderia surgir da crise). É também compreensível que os dirigentes dos países capitalistas industrializados evoquem, por sua vez, a necessidade de uma nova ordem econômica internacional. Não se trata somente, para eles, de ‘recuperar’ a contestação precedente para melhor dominá-la. Eles testemunham a seu modo a gravidade desta crise do imperialismo e da necessidade de, para salvá-lo, instaurar uma ordem econômica nova” (Relations économiques internationales: I – échanges internationaux. 1977. p. 1.012). Eis o pensamento de Maurice Byé: “Pode-se compreender que os dirigentes dos países capitalistas avançados procurem de imediato as soluções nos aspectos monetários da crise: eles procuram assim evitar de tocar nas estruturas profundas da economia; seus téoricos são mais sensíveis aos aspectos monetários da economia do que ao seu fundamento na produção; achava-se desde mais de um quarto de século que os Estados tinham a gestão dos meios de pagamentos internacionais. Os responsáveis pelos países em desenvolvimento são, pelo contrário, sensíveis primeiramente às realidades do desenvolvimento, isto é, resumidamente não da produção em si mas de uma organização da produção que assegure a médio e a longo prazo uma elevável e do grau de sa sfação das necessidades do conjunto de sua população, o que implica de início uma dinâmica das condições obje vas da acumulação” (ibidem. p. 1.029-1.030). Como acentuam Carreau, Juillard e Flory, “a concre zação de uma nova ordem internacional econômica pressupõe uma concepção do direito totalmente diferente. Este se torna agora um instrumento de transformação da sociedade econômica internacional em função do obje vo fundamental perseguido por esta nova ordem: reduzir o hiato de desenvolvimento, corrigir o desequilíbrio econômico entre países industrializados e nações do Terceiro Mundo. Segundo essa missão, o direito internacional econômico ‘novo’ deverá ser dirigista, intervencionista. Sua ideologia dominante será de inspiração terceiro-mundista” (Droit Interna onal
Economique. 1980. p. 87). O conceito de igualdade soberana é claramente enfa zado por Carreau, Juillard e Flory: “Este conceito de igualdade soberana mudou de sen do: outrora, ele nha um sen do nega vo, indicava a defesa do Estado que queria preservar sua independência polí ca formal. Agora, ele se torna um princípio a vo de intervenção em favor dos países mais desprovidos em nome de uma reconquista de sua independência econômica real e de seu desenvolvimento. Em suma, a igualdade soberana real dos Estados jus fica, exige mesmo, um tratamento inigualitátrio de favor em proveito dos países mais pobres. Soberania formal (polí ca) e soberania real (econômica), não cons tuiriam a transposição para o plano do direito internacional do velho e clássico debate sobre as liberdades?” (Droit International Économique. 1980. p. 87-88). Segundo observa Héctor Cuadra, “uma nova ordem econômica internacional implica necessariamente – se deseja ser mais equita va e mais posi va desde o ponto de vista das necessidades essenciais dos homens de todos os países – em modificações profundas na orientação do crescimento econômico atual da maioria dos países do Terceiro Mundo. Uma estratégia orientada para a sa sfação das necessidades básicas das maiorias (alimentação, moradia, cultura, saúde) é a que deve guiar este cresci mento e não uma estratégia defortalecimento do poder do Estado ou de conservação dos privilégios atuais das classes dominantes. Se não se mudar a orientação atual do crescimento na maior parte dos países subdesenvolvidos, que só acentuam as desigualdades e os desequilíbrios sociais no interior de suas sociedades, novas relações internacionais mais justas não beneficiarão aos povos destes países, mas tão somente farão consolidar os interesses dos atuais grupos dominantes (oligarquias rurais, burguesias industriais, burocracias civis ou militares, classes médias altas) em detrimento das maiorias populares”. E acrescenta ainda uma pesada advertência: “A construção da nova ordem econômica internacional a serviço do desenvolvimento dos povos implicará também, em muitos países do Terceiro Mundo, em conflitos internos para mudar a dominação que exercem as minorias privilegiadas que controlam os governos desses países. Nesses conflitos, as forças sociais e polí cas internas, amantes da mudança, deverão estar na primeira fila” (El nuevo orden económico internacional. In: Estudios de derecho económico, 1979. III, p. 179-180). Relations Économiques Internationales. 1977. p. 1.030. É ilustra vo o episódio do confronto entre Jesus e os fariseus, narrado por Mateus, 22, 15-22; Lucas, 20, 20-26; Marcos, 12, 13-17; e também por Paulo, Rom. 13, 7. Segundo Jacques Blanc, pode-se afirmar que “o sistema monetário internacional é cons tuído pelo conjunto dos mecanismos financeiros e bancários que permitem as trocas econômicas entre as Nações” (Droit économique. 1979. p. 2). Pode-se também afirmar que “um sistema monetário internacional é a combinação de um sistema de trocas, e de uma ou várias moedas internacionais. A moeda internacional desempenha a nível internacional o papel de uma moeda em nível internacional: padrão das outras moedas, instrumentos de troca entre as moedas, uma moeda das moedas que permite reduzir as operações de conversão, e reserva de valor para os Bancos Centrais” (Léxique d’économie. 4e. éd. 1992, verbete “Système Monétaire International”). Afirma Jacques Blanc que esse empreendimento correria o risco de revelar-se logo incompleto e contestável. “Incompleto na medida em que toda ordem monetária é, em defini vo, inspirada pelas manifestações de poder entre os Estados que par cipam do intercâmbio mundial. É fácil constatar que os negócios monetários internacionais obedecem a uma determinada lógica e que os termos empregados por alguns jornalistas – são excessivos, porque se existe efe vamente uma evolução mais ou menos imprevisível do curso das divisas, não há também dúvida de que esta aparência de liberdade cega corresponde de fato à expressão da vontade dos Estados mais fortes. Contestável, porque, precisamente, uma tal concepção dissimularia a influência e a importância da u lização, por estes Estados, do jogo dos mecanismos monetários para melhor estabelecer sua dominação” (Droit économique 2. 1979. p. VII). Cf. também Carreau, D. Droit international économique. 1980. p. 102. Apud BLANC, Jacques. Le Système Monetaire International. In: Droit économique 2. 1979. p. 11. Como observa Dominique Carreau, “O FMI cons tui um vastopool, de recursos cuja u lização está reservada aos países-membros que estejam em dificuldades temporárias de balanço de pagamentos, algumas das quais decorrem de fatores de ordem interna (ou endógena) e outras de ordem externa (ou exógena). Nos dois casos, as condições da assistência do Fundo revelar-se-ão diferentes” (Droit international économique. 1980. p. 132). Política econômica fundada no princípio da compensação, e que visa restringir ou suprimir a importação, estabelecendo, em função dos con ngentes, cotas legais para as mercadorias importáveis, traduzindo-se numa restrição quan ta va do fluxo sico das importações, sendo assim mais eficaz para restringir as importações do que a restrição alfandegária (cf. Novo dicionário – Aurélio e Lexique d’économie, de Ahmed Silem e Jean-Marie Albertini). Recebi valioso subsídio do Mestrando Thiago Almeida, sobre os dados atuais da Organização Mundial do Comércio. Disponível em:
. Acesso em 15 de junho de 2013. E também em . Acesso em 15 de junho de 2013, como ainda em . Acesso em: 15 jun. 2013. A criação desse mito provocador do desenvolvimento, por contraste, se deve ao discurso proferido por Winston Churchill, em 5 de março de 1946, no Westminster College, em Fulton, Missouri. Disse ele: “From Ste n in the Bal c to Trieste in the Adria c, an iron curtain has descended across the continent.” Apud CAMPOS, João Mota de. Direito Comunitário. 1989. v. I, p. 61. Apud CAMPOS, João Mota de. Direito Comunitário. v. I, p. 90-91.
Como acentua Juan Ignacio Font Galán, a aproximação progressiva das polí cas econômicas dos Estados-Membros exige, por seu lado, que estes considerem, na elaboração de suas respec vas polí cas econômicas, não somente seus interesses nacionais, mas também o interesse comunitário, harmonizando e coordenando suas polí cas econômicas conjunturais e estruturais com as dos demais países-membros da CEE (La Libre Competencia en la Comunidad Europea. 1986. p. 23). Como assinala Henri Oberdorff, “a Europa comunitária prossegue seu caminho, com convicção, rumo à concre zação do grande mercado interior, com mais prudência, e quem sabe com re cências para com alguns Estados, rumo à união polí ca. Para a ngir estes obje vos, os doze Estados-Membros harmonizam suas legislações nos domínios cobertos pelos tratados de Roma. Eles constroem assim pelo direito e pelo mercado um futuro comum às vezes qualificado de federal, ou mais modestamente de confederal” (Les constitutions de l’Europe des douze. 1992. p. 7). Quanto às restrições ao princípio da soberania nacional, assinala Patrice Collas que “em alguns domínios, como o da polí ca monetária ou da polí ca estrangeira e de segurança, o tratado prevê transferências determinantes de competência dos EstadosMembros para a União. E suas transferências explícitas poderiam ser agravadas pela interpretação do princípio de subsidiariedade em proveito das instâncias comunitárias, à qual estas úl mas são susce veis de se entregar” (Le Traité de Maastricht et la Souveraineté Na onale. In: Revue Poli que et Parlementaire: Maastricht et Europe, p. 7). Sobre a cooperação em matéria de polí ca econômica podem-se ver decisões do Tribunal de Jus ção da Comunidade, anteriores ao Tratado de Maastricht. Como exemplos, podem citar-se a decisão proferida no caso 6/64, proferida em 15 de julho de 1964, no caso 203/80, proferida em 11 de novembro de 1981, no caso 5/73, proferida em 24 de outubro de 1973 (cf. RUIZ-NAVARRO PINAR, J. L. Derecho comunitario básico: legislación y jurisprudencia. 1991. p. 28, 694 e 772). Deve-se também salientar o ponto de vista de Rosemiro Pereira Leal, em recente publicação. Segundo este jurista, “o ufanismo da mundialização das economias estatais ainda não exclui, em Ciência Polí ca, as convicções de que a soberania é condição sine qua non da própria legi midade do Estado Democrá co de Direito. ... Com efeito, o fortalecimento das Instituições e Organismos Comunitários Internacionais ainda não obteve a eficácia de torná-los mais soberanos que as soberanias dos Estados Signatários dos estatutos (tratados) dessas En dades. Os termos ‘supranacional’ e ‘soberania comunitária’ indicam somente maneiras de exprimir atuações das Comunidades, não significando propriamente a somatória das soberanias dos Estados componentes” (Soberania e mercado mundial. 1996. p. 64-65). Parte I do Tratado de Versalhes, assinado em Versalhes, a 28 de junho de 1919. Assinada em São Francisco a 26 de junho de 1945. Ao final deste capítulo está o texto integral da Resolução n. 3.281 (XXIX), que deverá ser objeto de estudo. Como observa Fausto Pocar, “a importância desta disposição é notável porque implica o reconhecimento do papel que estas organizações podem e devem desempenhar na instauração da nova ordem econômica internacional, como sujeitos de cuja a vidade não se pode prescindir e isto, tanto em matéria de integrações de países industrializados, aos quais se fixam obrigações de modo a evitar que fujam às suas responsabilidades, quanto no que tange, ao contrário, aos países em via de desenvolvimento, obrigando-os a evitar uma dispersão dos recursos da implantação de programas de desenvolvimento econômico. As integrações regionais tornam-se assim um aspecto central da vida de relação internacional, não só num plano estritamente econômico, como também sob um ponto de vista mais especificamente jurídico” (Modelos de integração regional na Europa e na América La na e papel das integrações regionais, trad. Anna Maria Villela. Revista de Informação Legislativa, a. 21, n. 81, p. 9-18, jan.-mar. 1984). Observa Andrea Comba que “o Tratado cons tu vo da ALALC correspondia, talvez mais ainda que a Comunidade Econômica Europeia, aos esquemas do Acordo Geral. O seu obje vo era o de cons tuir uma zona de livre comércio que se pudesse mais facilmente inserir num contexto de tendência universal como o concebido pelo GATT, especialmente no seu espírito originário, onde as formas regionais de liberalização eram toleradas como etapas intermediárias para alcançar a liberdade generalizada das trocas. Também as técnicas u lizadas, que consis am em negociações bilaterais, produto por produto, recordavam as técnicas iniciais do Acordo Geral, antes do Kennedy Round e diferiam das já introduzidas na Comunidade Econômica Europeia e na Associação Europeia de Livre Comércio, que consis am em esquema de liberalizações automá cas e lineares” (Da Alalc à Aladi. Revista de Informação Legislativa, a. 21, n. 81, p. 33-46, jan.-mar. 1984). Bela Balassa sintetiza de forma lapidar a distinção entre os conceitos de cooperação e integração: “Excluída a integração nacional do conceito, podemos definir integração econômica como um processo e condição de empresas. Vista como um processo, encerra várias medidas no sen do de abolir discriminações existentes entre unidades econômicas pertencentes a diferentes estados nacionais; vista como uma situação de empresas, pode ser representada pela ausência de várias formas de discriminação entre economias nacionais. Interpretando nossa definição, deve-se fazer diferença entre integração e cooperação. A diferença é qualita va assim como quan ta va. Ao passo que a cooperação inclui várias medidas des nadas a harmonizar polí cas econômicas e diminuir a discriminação, o processo de integração econômica encerra medidas que obrigam à supressão de algumas formas de discriminação. Por exemplo, os acordos internacionais de polí cas de comércio pertencem à área da cooperação internacional, enquanto que a abolição de restrições de intercâmbio é um ato de integração econômica” (A procura de uma teoria de integração econômica. In: A Integração Económica da América La na: experiências e perspec vas, editado por Miguel S. Wionczek, 1966. p. 40-41). A propósito do mecanismo da convergência dos acordos de alcance parcial, afirma Alberto Zelada Castedo: “La concepción enunciada está avalada por el hecho de que dentro del concepto de área de preferencias económicas, tal como se ha visto, se combinam armónicamente y, por consiguiente, con un valor equivalente instrumentos de integración, de concertación y ámbito
mul laterales – como la preferencia arancelaria regional y los acuerdos de alcance regional – con mecanismos de concertación descentralizada y ámbito restringido, sea bilateral o plurilateral, com los acuerdos de alcance parcial. De la noción misma de área de preferencias económicas, entonces, así como de la asociación implícita pero necesaria entre ésta y la noción del proyecto integrador de la Aladi como un proyecto de integración económica regional, deriva el concepto de la convergencia de las acciones originariamente descentralizadas. Dicho en otras palavras, la noción de convergencia se inserta dentro de la lógica expansiva inherente al área de preferencias económicas. Ésta, en efecto, tal como se desprende de la concepción que subyace ao Tratado de Montevideo 1980, apunta o debe apuntar en su desarrollo hacia dos metas: una inherente al espacio de los países miembros, consistente en reducir y eliminar las discriminaciones transitorias y en equiparar los tratamientos privilegiados y otra situada más allá de ese espacio, consistente en incorporar los tratamientos privilegiados al orden jurídico preferencial a otros países la noamericanos. Lo anterior supone que el área de preferencias económicas no es una forma está ca de múl ples mecanismos de tratamientos privilegiados, sino un proceso dinámico que apunta, necesariamente, tanto hacia su propio perfeccionamiento como hacia su encuentro con, por lo menos, el establecimiento de condiciones propicias para intentar el tránsito hacia el obje vo de largo plazo del mercado común la no-americano” (Convergencia y mul lateralismo en la Aladi, Estudios sobre integración económica y cooperación regional en el Cono Sur, dir. de Raymundo Barros Charlín. 1985. p. 30-31). Afirma a este respeito Paulo Roberto de Almeida: “A opção polí ca fundamental – propriamente geopolí ca, no bom sen do da palavra – feita pelas lideranças polí cas de ambos os países, no sen do de encerrar décadas de egoísmos nacionais estreitamente mesquinhos e rivalidades hegemônicas de origem supostamente castrense para inaugurar uma nova era de concórdia e de cooperação polí ca e econômica no relacionamento bilateral, cons tui provavelmente o elemento mais significa vo da história da região neste úl mo meio século. É certo também que, sem descartar a influência de fatores econômicos dotados de forte capacidade de atração – como são hoje os fenômenos da globalização e da regionalização no cenário macroeconômico global – a definição estratégica pela integração Brasil/Argen na obedeceu a critérios essencialmente polí cos em sua mo vação e sustentação. Conformada essa nova a tude, estava aberto o caminho para uma história do con nente radicalmente diferente do que ela foi até aqui, tanto do ponto de vista econômico quanto no que se refere a seus aspectos propriamente polí cos” (O Mercosul no contexto regional e internacional. 1993. p. 72-73). No final do capítulo está o texto integral do Tratado, para melhor estudo de seu conteúdo. A referência aos anexos está sendo feita somente a tulo informa vo. Esses anexos cons tuem um texto de mais ou menos 500 páginas.
5 INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO O Estado passou a ter, no correr do século XX, acentuado papel no relacionamento entre o domínio jurídico e o econômico. Hoje, e principalmente a partir da adoção pela Constituição de 1988 do regime de economia de mercado, aquela atuação, que vinha sendo aceita pacificamente, passou a ser questionada, de tal forma a perguntar-se qual deve ser o papel do Estado na realização do fenômeno econômico, ou, por outra forma, qual será o futuro do Estado numa economia de mercado.260 A indagação deverá fazer-se com maior abrangência, quer diacrônica, quer sincronicamente, para que se possa ter uma visão mais completa da questão. Essa análise deverá levar em conta que o fenômeno jurídico, tanto quanto o econômico, não se restringem a contornos lógicos, mas se amoldam também à vivência histórica, ou seja, o relacionamento entre direito e economia não pode explicar-se somente à luz da lógica formal, mas receberá luz também da experiência vivida. Afirmou Oliver Wendell Holmes que a vida do Direito não tem sido somente lógica, mas também experiência.261 Para se ter um conhecimento mais adequado dessa vida, dever-se-á perscrutar o que foi o Direito no passado, o que é no presente e o que será no futuro. Assim, no tema que agora nos ocupa, para melhor entender o papel desempenhado pelo Estado, ao editar normas para reger o fenômeno econômico, deveremos fazer uma abordagem teórica e, depois, um acompanhamento da história dessa atuação. 1. RELAÇÃO ENTRE DIREITO E ECONOMIA O estudo da atuação do Estado no domínio econômico exige que, preambularmente, se faça uma análise da relação entre direito e economia . Diversos autores se detiveram na análise da interrelação desses dois fenômenos culturais, focalizando aspectos a cada um deles pertinente, segundo sua linha de pensamento. Antes de adentrar o questionamento da utilização pelo Estado de instrumentos jurídicos para conduzir a economia, convém apresentar um escorço das principais teorias, sem qualquer preocupação com sermos completos. 2. O MATERIALISMO HISTÓRICO DE MARX Utilizando-se da tese de Feuerbach relativa à alienação do homem, afirmou Marx que Hegel somente se interessou pela vida interior do homem, pela vida da ideia, esquecendo-se de sua vida real, concretamente histórica. Entende Marx que “a condição primária de toda a história humana é naturalmente a existência de seres humanos vivos. Por conseguinte, o primeiro estado de fato a verificar é a compleição corpórea destes indivíduos, e as relações que ela lhes cria com o resto da natureza”.262 Para Marx, a base da história será o resultado da atuação da força produtiva: É assim que em tudo isto se manifesta o laço materialista que une os homens entre si, laço condicionado pelas necessidades e pelo modo de produção. Este laço, que é tão velho como o homem, toma incessantemente novas formas, o que equivale a dizer que apresenta uma ‘história’, mesmo que ainda não exista qualquer estupidez (Unsinn) polí ca ou religiosa que reúna, por acréscimo, os homens.263
N a Crítica da Economia Política (1859), expõe Marx as relações entre a infraestrutura – “ estrutura econômica da sociedade” – e a superestrutura. Assim diz ele:
Na produção social da sua própria existência os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, quais sejam as relações de produção que respondem a um certo estádio do desenvolvimento das forças produ vas materiais. O conjunto das relações de produção cons tui a estrutura econômica da sociedade, que é a base real em que se ergue uma superestrutura jurídica e política, a que correspondem determinadas formas sociais de consciência.
Segundo essa concepção materialista da história, os homens não são determinados pela sua consciência, mas esta é que é determinada pelo modo de produção da vida material.264 Fica, assim, evidenciada a influência que as condições materiais da vida humana exercem sobre o pensamento. 3. O PENSAMENTO DE STAMMLER Orientando-se a partir da distinção entre matéria e forma, afirma Stammler a supremacia da segunda sobre a primeira. A matéria se manifesta na atividade concreta dos indivíduos associados, ao passo que a forma é dada pela regulação geral que permeia toda atividade humana, que é condicionada pela forma. Ao distinguir os planos da política e da economia, assinala: Aquela se refere às regras vinculatórias que fazem possível a existência de uma comunidade jurídica, às normas que regulam simplesmente o agrupamento dos indivíduos vinculados e se propõem implantar e manter em pé este agrupamento enquanto tal. A a vidade que se ocupa em ditar e fazer observar o direito pode chamar-se polí ca, diferentemente da econômica, que afeta mais imediatamente a própria conduta dos indivíduos agrupados, e tende de um modo relativamente direto a procurar o necessário para subsistir com o proveitoso e o agradável.265
O plano da forma se atualiza no momento em que incide sobre a matéria da atuação, ou melhor, sobre a cooperação entre os indivíduos para a satisfação de suas necessidades. Essa possibilidade de ordenação se apresenta como um condicionamento lógico que direciona a matéria, como cooperação, e que é logicamente condicionada. Após rejeitar o posicionamento materialista a respeito da relação entre economia e direito, afirma Stammler: A regra exterior é o elemento que condiciona logicamente o conceito de cooperação humana. Para encontrar a direção metodológica em que se projeta a vida e atividade coletiva dos homens, fora da qual a vida social não existiria como objeto de uma ciência específica e peculiar, não há mais remédio do que conceber a cooperação humana como um regime governado por regras exteriores. Portanto, toda modalidade de convivência que se enfoque como social leva implícito, necessariamente, o conceito de regra exterior, posto que sem ela seria formalmente impossível conceber a cooperação humana como um conjunto de fins enlaçados entre si. (...) O elemento conceitual da regra exterior não pretende, pois, ser o prius da conduta ordenada no tempo, mas sua condição puramente lógica; isto é, a noção formal e necessária que preside o conceito e a lei da vida social.266
4. A CONCEPÇÃO DE MAX WEBER Max Weber procura salientar que a ordem jurídica e a ordem econômica se situam em planos distintos. A primeira tem um sentido ideal e se indaga que sentido normativo logicamente correto deve corresponder a uma formação verbal que se apresenta como norma jurídica. Ao passo que a segunda se pergunta sobre o que de fato acontece numa comunidade em razão de existir a probabilidade de que os homens que participam da atividade comunitária considerem subjetivamente como válida uma determinada ordem. Para ele “a ciência econômico-social considera aquelas ações humanas que estão condicionadas pela necessidade de orientar-se na realidade econômica, em suas conexões efetivas”.267 Por isso define a ordem econômica como “a distribuição do poder de disposição efetivo sobre
bens e serviços econômicos que se produz consensualmente – consensus – segundo o modo de equilíbrio dos interesses, e à maneira como esses bens e serviços se empregam segundo o sentido desse poder fático de disposição que descansa sobre o consenso”.268 Acentua também que a “ordem jurídica ideal da teoria jurídica nada tem que ver diretamente com o cosmos do atuar econômico real, porque tais coisas se situam em planos distintos: uma na esfera ideal do dever-ser, a outra na dos acontecimentos reais”.269 Mas essa distinção de planos não impede que a ordem jurídica e a ordem econômica se encontrem. Assinala então Max Weber: Se, apesar disto, a ordem econômica e a ordem jurídica se encontram mutuamente na mais ín ma relação, tal significa que esta úl ma não se entende em sen do jurídico mas sociológico: como validez empírica. Neste caso o sen do da expressão ‘ordem jurídica’ se muda totalmente. Então não significa um cosmos lógico de normas ‘corretamente’ inferidas, mas um complexo de motivações efetivas do atuar humano real.270
Nessa relação entre a economia e o direito, ressalta Weber que: A aceleração moderna do tráfico econômico reclama um direito de funcionamento rápido e seguro, garan do por uma força coa va da mais alta eficácia e, sobretudo, a economia moderna destruiu por sua peculiaridade as demais associações que eram portadoras de direito e, portanto, garan a do mesmo. Esta é a obra do desenvolvimento do mercado. O poderio universal da sociedade que cons tui o mercado exige, por um lado, um funcionamento do direito calculável segundo regras racionais. E, por outro, a extensão do mercado, que mostraremos ser uma tendência caracterís ca daquele desenvolvimento, favorece, em virtude de suas consequências imanentes, o monopólio e regulamentação de toda força coa va ‘legí ma’ por meio de um ins tuto coa vo universal, destruindo todas as estruturas coa vas par culares, que descansam, na maioria das vezes, em monopólios econômicos, estamentais ou de outra classe.271
5. A ESCOLA HISTÓRICA DA ECONOMIA POLÍTICA As perspectivas acima apontadas, em que predomina o influxo da força produtiva, da força das ideias, da força do contexto social, não exaurem a possibilidade receptiva do fenômeno jurídico. A partir de Montesquieu (L’Esprit des Lois ), de Ihering (O espírito do direito romano) e de Frederick Pollock (genius of the common law), intensifica-se a tendência de inserção da relação direito e economia no contexto histórico. A ideia fundamental assentada por essa tendência é a de que “ a vida social não se pode reduzir a um complexo de ações submetidas a leis econômicas ou sociológicas: ela é também expressão da cultura histórica, entendida como manifestação suprapessoal própria de cada época”.272 Pode-se dizer que economia e direito são expressões de uma mesma cultura, criações de um único espírito, componentes de um universo de valores e testemunhos do estilo de um povo e de uma época. Assim é que o liberalismo econômico pode dizer-se radicado numa fé quase religiosa na harmonia do todo e na racionalidade da ordem imanente a esse todo. É esse mesmo espírito de racionalidade, de liberdade e de ordem rigorosa e indefectível que domina as leis constitucionais do início do século XIX. As teorias iluministas foram buscar o fundamento para essa crença na filosofia estoica, que acreditava numa ordem universal suprapessoal e supralegal, na qual os indivíduos se integravam, e que os indivíduos não deveriam jamais perturbar. Com o andar do século XIX, com o avultar-se do surgimento e crescimento industrial, com a influência do desenvolvimento das ciências naturais, o naturalismo e o positivismo perderam de vista o significado originário daquele conceito de liberdade, que passou a ser a vontade. Como assinala Raiser: O papel de força motriz da economia capitalista tornou-se, então, a cega e desenfreada vontade de autoafirmação do
indivíduo na luta pela existência. Como consequência, mudaram-se os valores fundamentais do universo jurídico: o direito subjetivo e a declaração de vontade se tornaram os eixos da dogmática privatística.273
Ludwig von Raiser descreve de forma empolgante este relacionamento entre direito e economia e sua inserção no contexto cultural formado pela evolução histórica. Assim diz ele: A economia não consiste num conjunto desordenado de ações e de eventos, mas sim em uma estrutura dotada de forma e de sen do, na qual – excetuada a sua específica individualidade histórica – se podem encontrar elementos estruturais e es lís cos fundamentais determinantes. Esclarecer a sua relação significa colocar em evidência o sistema material envolto na realidade econômica. É necessário não esquecer que o conceito de sistema econômico material é somente uma esquema zação da realidade histórica. A experiência e a análise histórica ensinam que a economia de uma nação é a resultante de vários fatores concomitantes e de diversos princípios propulsores de natureza ideal ou moral, peculiares a sistemas diversos. De um lado, com efeito, no curso da história o novo não suplanta nunca completamente o velho, mas se superpõe a ele dando origem a uma vasta gama de formas intermediárias; de outro, também no interior de um mesmo sistema, as diversas esferas da vida econômica não são sempre organizadas com base nos mesmos princípios estruturais. Só uma estrutura econômica tão variadamente ar culada mas em si unitária pode ser definida como o ordenamento concreto da economia de uma nação. No quadro de um dado sistema econômico, o ordenamento jurídico cons tui um elemento estrutural essencial, e, por outro lado, os princípios e as ins tuições jurídicas conquistam pleno significado sob o aspecto sociológico e dogmá co somente em relação com o correspondente sistema econômico. Procurarei agora esclarecer qual função desempenha e quais efeitos gere esta componente jurídica do sistema econômico. O criador de toda a cultura, economia e direito incluídos, é o homem entendido como unidade sica, espiritual e moral, membro de comunidades suprapessoais como a família ou a nação. As condições naturais têm sem dúvida um papel essencial na criação de um ordenamento econômico, mas os fatores decisivos são, em úl ma instância, o espírito, a vontade, as ideias e o comportamento dos homens. É, portanto, discu vel a proposta, sugerida por Eucken, de dis nguir entre ordenamentos espontâneos e ordenamentos impostos. Tal proposta evoca ideias inspiradas no materialismo e no roman smo, e as respec vas filosofias da história. A cultura é sempre o produto, mais ou menos consciente, de uma livre criação do homem. Mas como é diverso o grau de consciência, diversa é também a capacidade do homem de conceber o sistema econômico como totalidade, como uma unidade regulada, e de realizá-lo segundo um projeto bem definido: independentemente do fato de que depois seja um sistema de mercado ou de economia planificada. O impulso do homem moderno para dominar racionalmente o mundo em que vive se reflete na crescente tendência – descrita muito bem por Max Weber – para organizar o sistema jurídico e os processos econômicos segundo princípios lógicos. Hoje perdemos a confiança na força da razão e dolorosamente nos apercebemos de que, não obstante o avolumar-se de nossos conhecimentos, não aumentou, antes diminuiu, a capacidade de criar e de organizar. Em lugar de dis nguir entre ordenamentos econômicos espontâneos ou impostos, seria portanto melhor falar de ordenamentos econômicos adotados por tradição ou de ordenamentos ideados com base em específicas escolhas polí cas. Um tal sistema, projetado em modo consciente, poderá chamar-se, com Eucken, de ‘cons tuição econômica’. Não se deverá porém esquecer que tal cons tuição, idealizada e querida, às vezes até definida a nível cons tucional, não coincide com a ‘cons tuição vivente’ que se afirma historicamente como resultante de um jogo de forças contrapostas.274
Há que verificar-se ainda que hoje mais se enfatiza o aspecto promocional do Direito, como assinala Norberto Bobbio. O ordenamento jurídico liberal manifestava-se como garantidor de uma ordem econômica existente. Sua atuação não pode dizer-se abstencionista, porque se caracterizava pela força de garantia. Hoje, contudo, a função do Direito passou a ser a de criar, a de dar forma a uma nova realidade. O direito se manifesta como força prospectiva, como força impulsionadora. Adverte, pois, Raiser: Numa época em que o Estado intervém para programar e para dirigir a economia nacional, o papel do ordenamento jurídico se manifesta completamente novo. Aos olhos do observador, economia e direito não estão mais ligados por uma relação meramente causal, mas por um nexo finalís co ou instrumental: a ordem imposta pelo Estado sob forma de direito está direcionada à prossecução de obje vos estabelecidos pela polí ca econômica. Nesta perspec va, o direito da economia assume relevo somente como “transposição jurídica das escolhas de política econômica”.275
Com base em tais pressupostos, assinala Raiser três funções fundamentais para o Direito: A primeira tarefa do Direito é a de tornar possível a atuação da política econômica. O Direito é
visto assim como um instrumento para realizar, para tornar concreta a Constituição econômica. A segunda tarefa do Direito é a de imprimir certeza e estabilidade às relações econômicas. São características próprias do Direito a regularidade e a legalidade, quer pela via jurisdicional, quer pela via legal. Por essas características, podem-se prever valorações uniformes dos comportamentos sociais. A terceira tarefa do Direito, a de mais elevado nível, é a de prossecução da justiça substancial, abandonando-se o campo da justiça formal. Como assinala Raiser, “o perfeito funcionamento da economia, a eficiência produtiva e o incremento da renda nacional não garantem de per si a justiça social. A justiça substancial deveria satisfazer a mais verdadeira e profunda aspiração do homem”.276 A consecução dessa justiça substancial está condicionada à solução de três problemas. O primeiro é o da liberdade concreta, liberada dos condicionamentos meramente idealistas. O segundo é o da compatibilização do princípio da propriedade privada com uma economia dirigida pelo Estado. O terceiro é o da solidificação da posição jurídica dos trabalhadores e dos consumidores, no confronto com o poder econômico privado das empresas, que tendem sempre a uma concentração cada vez mais perfeita. 6. A ATUAÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO: CONTEXTO HISTÓRICO Para melhor se entender a atuação que deverá ter, hoje, o Estado no domínio econômico, para se apreender o seu papel no mercado, hoje, será conveniente ter uma visão histórica da questão, atentos ao ensinamento de Raiser, acima exposto, de que “no curso da história o novo não suplanta nunca completamente o velho, mas se superpõe a ele dando origem a uma vasta gama de formas intermediárias”. A atuação do Estado, no âmbito da relação direito-economia, se manifesta sempre num contexto de relação dialética, em que da oposição criativa de uma tese e de uma antítese surge uma síntese que é o resultado engendrado pelas posições que lhe deram origem. A cada momento histórico, direito e economia se relacionaram de forma peculiar, como resultado do fenômeno cultural de que são expressão. Em cada fase da história a relação direito – economia se exprimiu através de uma linguagem própria, formando um discurso propiciador da imposição de princípios destinados a reger a interação humana.277 A cada passo da sucessão dos momentos históricos será possível detectar uma razão jurídica, que é o fruto da ação hermenêutica que dá origem ao ordenamento jurídico imperante a cada momento. Como opção por uma visão do mundo, num determinado período histórico, ela é expressão de um referencial, é uma tomada de posição filosófica e é uma decisão por uma determinada linha política. Nesse sentido está dotada de uma unidade, mas sujeita sempre, como expressão de linguagem e como discurso ordenador, à peculiaridade de uma polissemia disjuntiva, sucessiva e simultânea.278 A sucessão dos eventos em que direito e economia se confrontaram numa perspectiva integracionista, sob qualquer tipo de influência do Estado, leva à indagação a respeito da razão jurídica que imperou em cada período histórico. Essa indagação passa a ser pertinente a partir do mercantilismo, principalmente porque foi aquele tipo de organização da vida econômica que, pela oposição dialética que a ele fez o liberalismo, passa a ter repercussões sobre a organização moderna. Tomaremos esse período, em que começam a formar-se os Estados modernos, como termo inicial
das indagações sobre a atuação do Estado no âmbito da relação direito – economia, principalmente porque, a partir dessa época, começam a delinear-se as diversas formas de atuação do Estado no que respeita à condução de políticas econômicas. A Inglaterra realiza sua unidade a partir do reinado de Henrique VII (1485-1509), a França consegue a sua unidade nacional a partir do reinado de Luís XI (1461-1483), a Espanha se unifica a partir de 1469, com o casamento de Fernando de Aragão com Isabel de Castela, Portugal consolida sua independência a partir de 1640, quando se separa de Espanha. O mercantilismo surge como reflexo das concepções ideológicas daquele momento. A ideia de nacionalidade começa a afirmar-se, o Estado se propõe a solidificar seu poder perante as nações estrangeiras, o poder central se desenvolve e, com isso, ascendem as despesas públicas, o comércio internacional se desenvolve em busca de riquezas, dando-se ênfase aos metais preciosos como instrumentos de troca, e, ao mesmo tempo, desperta o espírito capitalista.279 O capitalismo se define como um sistema econômico280 baseado na propriedade privada dos meios de produção, propiciadora de acúmulo de poupança com finalidade de investimento de grandes massas monetárias, dentro de uma organização de livre mercado, através de uma organização permanente e racional. O capitalismo pode ser visto sob um prisma jurídico, e significa o estatuto jurídico que adota o princípio da propriedade privada dos meios de produção. Pode visualizar-se sob o aspecto político, significando uma ideologia e um regime de livre empresa. No sentido econômico se manifesta como um sistema que, adotando a apropriação privada dos bens de produção, dá origem à economia de empresa e de mercado. O capitalismo, assim definido, existiu sempre, sob variadas formas, em todos os períodos da história. No período histórico que agora chama a nossa atenção, o de formação e consolidação do Estado moderno, adquire importância especial, porque passa a ser uma preocupação fundamental para o fortalecimento do poder econômico, quer aquele detido pelos particulares, quer o de que se utiliza o próprio Estado. O mercantilismo se revela por princípios básicos, quais sejam a vontade de fortalecimento do poder através da busca da riqueza (centralizada no ouro e na prata), o protecionismo pela implantação de fortes barreiras aduaneiras, o favorecimento da exportação e o correspondente desfavorecimento da importação, com a finalidade de estabelecer uma balança comercial favorável.281 O mercantilismo utilizou de forma agressiva a xenofobia, incentivando assim as rivalidades internacionais. Procurou afastar os mercadores estrangeiros e, ao mesmo tempo, como forma de fortalecer o próprio comércio, vinculou os próprios mercadores através de concessões de licenças para o exercício da atividade.282 O fortalecimento econômico do Estado, propiciado pelo mercantilismo, trouxe-lhe o poder absoluto, decorrente da centralização total dos poderes nas mãos dos soberanos. David Hume, em seus Ensaios econômicos, procura refutar o mercantilismo, mostrando a importância do comércio exterior como estimulante da economia e fonte do progresso manufatureiro. É o primeiro a expor a teoria do equilíbrio automático das trocas. É o precursor de Adam Smith, seu amigo e a quem influenciou grandemente. A teoria mercantilista é suplantada pela ideia do liberalismo econômico, que se assenta nos princípios do liberalismo filosófico e político trazidos principalmente pelas doutrinas jusnaturalistas do século XVII, em que se exaltam os princípios de liberdade, de valorização do indivíduo, de revolta contra os privilégios e contra o poder absoluto dos reis. O liberalismo pode assumir variadas
formas, mas o que sucedeu ao mercantilismo caracterizou-se pela defesa do princípio segundo o qual o desenvolvimento econômico deveria fazer-se em conformidade com as leis naturais do mercado, sem os grilhões anteriormente postos pelo Estado. Neste ponto se sobressai a doutrina de Adam Smith. Defende-se, a partir de então, a teoria segundo a qual a economia está sujeita a leis naturais que a levam fatalmente a uma situação de equilíbrio entre os integrantes do mercado, com frutos positivos para toda a sociedade, que será rica se os seus integrantes o forem. O Estado não deveria, portanto, através da lei, interferir no funcionamento do mercado. Eis o que diz Adam Smith: “Portanto, sem qualquer intervenção da lei, os interesses privados e as paixões dos homens levam-nos, naturalmente, a dividirem e a distribuírem o capital de qualquer sociedade entre os diferentes empregos com ele realizados, tanto quanto possível, na proporção mais vantajosa para o interesse de toda a sociedade. As várias regulamentações do sistema mercan l vêm, necessariamente, perturbar mais ou menos esta distribuição natural e muito vantajosa do capital”.283
O trabalho de cada indivíduo contribui para o seu próprio enriquecimento, e o proveito da sociedade está na razão direta do bem individual. O governante não deve interferir, de forma alguma, nesse processo natural de desenvolvimento do mercado: “Cada indivíduo esforça-se con nuamente por encontrar o emprego mais vantajoso para qualquer que seja o capital que detém. Na verdade, aquilo que tem em vista é o seu próprio bene cio e não o da sociedade. Mas o juízo da sua própria vantagem leva-o, naturalmente, ou melhor, necessariamente, a preferir o emprego mais vantajoso para a sociedade. Portanto, como cada indivíduo tenta, tanto quanto possível, aplicar o seu capital no apoio à indústria interna e, por consequência, dirigir essa indústria de modo a que a sua produção tenha o máximo valor, cada um trabalha, necessariamente, para que o crédito anual da sociedade seja o maior possível. Na realidade, ele não pretende, normalmente, promover o bem público, nem sabe até que ponto o está a fazer. Ao preferir apoiar a indústria interna em vez da externa, só está a pensar na sua própria segurança; e, ao dirigir essa indústria de modo que a sua produção adquira o máximo valor, só está a pensar no seu próprio ganho, e, neste como em muitos outros casos, está a ser guiado por uma mão invisível a a ngir um fim que não fazia parte das suas intenções. Nem nunca será muito mau para a sociedade que ele não fizesse parte das suas intenções. Ao tentar sa sfazer o seu próprio interesse promove, frequentemente, de uma maneira mais eficaz, o interesse da sociedade, do que quando realmente o pretende fazer. O estadista que tentasse orientar as pessoas privadas sobre o modo como deveriam aplicar os seus capitais, não só se estaria a sobrecarregar com uma tarefa desnecessária, como ainda assumiria uma autoridade que não só dificilmente poderia ser confiada a uma única pessoa como, nem sequer, a qualquer conselho ou senado, e que representaria um perigo nas mãos de um homem que tivesse a loucura e a presunção suficientes para se considerar capaz de a exercer.284
O constitucionalismo do século XIX surgiu impregnado de liberalismo, tanto político quanto econômico. As Constituições brasileiras de 1824 e de 1891 basearam-se no princípio básico do liberalismo econômico e que serve de distintivo para o capitalismo: o princípio da propriedade individual dos bens de produção. Este princípio é fixado como absoluto naqueles dois textos. Numa interpretação contextual, deve-se assinalar que este princípio está contido no título referente às “garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros”. E o § 22 do art. 179 da Constituição de 1824 determina: “é garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude”. Por sua vez, o § 17 do art. 72 da Constituição de 1891 dispõe: “ o direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude”. Esse princípio informa toda a doutrina da economia de mercado então vigente. Corolário inarredável do princípio absoluto do direito de propriedade individual é o da liberdade de iniciativa no mercado. Como consequência, adota o constitucionalismo do século XIX o princípio segundo o qual o Estado não deve intervir na atividade econômica, sob pena de romper o equilíbrio a
que ela, natural e necessariamente, tende. O Estado tem uma função fundamental, qual seja a de garantidor da liberdade de mercado. Não seria adequado afirmar-se que naquelas duas Constituições inexistiriam disposições sobre a organização econômica da sociedade. Nem se poderia dizer que naqueles textos não existisse uma Constituição econômica. O que se deveria dizer é que a ordem econômica liberal ali está presente, com a imposição de o Estado garantir os direitos individuais, entre eles o direito individual de propriedade em toda a sua plenitude.285 Não se pode esquecer que o constitucionalismo dos séculos XVIII e XIX surgiu sob o pressuposto ideológico de defesa das liberdades individuais em confronto com o absolutismo até então imperante. E entre estas liberdades individuais estava o direito absoluto de propriedade individual, garantidor da atuação econômica individual no mercado. As normas constitucionais protetoras desses direitos têm um sentido negativo, porque têm por objetivo impedir que o Estado os desrespeite, os afronte. A concepção de um liberalismo atomista, de liberdade do indivíduo no âmbito do mercado, veio a ser desmentida pela realidade histórica. A partir de meados do século XIX o capitalismo se transforma. As unidades se unem, formando grupos, dando origem ao novo Estado industrial. Com os grupos econômicos surgem os primeiros questionamentos sobre a plena liberdade de comércio.286 A crise se instaura e provoca, no período entre as duas grandes guerras, o surgimento de um novo Direito e a imperiosidade da atuação do Estado no domínio econômico.287 A concentração econômica é o fenômeno pelo qual as empresas tendem a aumentar a sua dimensão, quer pela ampliação de sua extensão setorial e geográfica, quer também pela eliminação da concorrência. Pode-se afirmar que a decisão que leva à concentração tem sua origem em dois princípios fundamentais: o da maximização dos lucros e o da segurança. O fenômeno da concentração empresarial foi, segundo Farjat, o elemento decisivo para o surgimento do Direito Econômico, pois que, a partir de então, surgiu a necessidade de o Estado intervir (através de normas) no mercado, não para impedir a concentração de empresas, como falsamente se entende, mas para garantir efetivamente a liberdade de mercado, com a proteção das classes que poderiam vir a ser desfavorecidas com a nova feição das empresas.288 A concentração empresarial provocou dois fenômenos importantes: de um lado a grave situação da questão social. O grande poderio econômico acumulado pelas empresas passou a impor pesado ônus à classe trabalhadora. Daí surgiu a necessidade de elaboração de leis destinadas à proteção dos empregados, com a finalidade de garantir-lhes a observância dos direitos fundamentais garantidos ao homem. O Tratado de Versalhes, na letra a do art. 23 da Parte I, já dispõe sobre a necessidade de o Estado interferir na ordem econômica com a finalidade de estabelecer normas garantidoras dos direitos relativos ao trabalho: Art. 23. Sob reserva e em conformidade com as disposições das convenções internacionais atualmente existentes ou das que se concluírem ulteriormente, os Membros da Sociedade: a) Esforçar-se-ão por assegurar e manter condições de trabalho equita vas e humanas para o homem, mulher e criança nos seus próprios territórios, assim como em todos os países aos quais se estendam as suas relações de comércio e indústria, e, nesse intuito, deverão criar e manter as organizações internacionais necessárias.
Ainda no âmbito das relações sociais de trabalho, o Tratado de Versalhes, 289 na segunda parte do Capítulo XII, fixou os princípios que deveriam nortear a legislação dos Estados, estabelecendo assim os critérios que deveriam orientar a intervenção do Estado na regulamentação das relações de
mercado, no atinente aos direitos do trabalhador. Tais princípios são os seguintes: 1. O trabalho não pode ser considerado como simples mercadoria. 2. Deve-se garantir o direito de associação tanto para trabalhadores quanto para patrões. 3. Deve-se garantir aos trabalhadores um salário que seja capaz de garantir-lhes um nível de vida condizente com o tempo e o país. 4. Deve-se adotar a jornada de oito horas ou a semana de 48 horas. 5. Adotar-se-á um período de repouso semanal de 24 horas, que deverá coincidir, sempre que possível, com o domingo. 6. Deverá ser suprimido o trabalho de crianças, e o trabalho dos jovens não deverá ser obstáculo à sua formação e educação. 7. Para trabalho igual deverá haver salário igual, sem distinção de sexo. 8. As normas destinadas a reger as relações econômicas de trabalho deverão garantir a todos os trabalhadores residentes num país um tratamento equitativo. 9. O Estado deverá criar um serviço de inspeção para garantir a aplicação das leis que regem as relações de trabalho. Essa tendência já estava manifesta na Constituição do México, 1917, que, em seu art. 123 já determina que o Congresso da União “deverá emitir leis sobre o trabalho”. A Constituição de Weimar290 vem incorporar, no seu art. 157, o princípio internacionalmente aceito no Tratado de Versalhes, estabelecendo que “o trabalho está sob proteção especial do Império. O Império instituirá um direito do trabalho uniforme”. Por outro lado, o fenômeno da concentração do poder econômico nas mãos de uns poucos veio trazer a necessidade de o Estado intervir para sanar a crise do liberalismo econômico, salvando a liberdade de iniciativa. Assinale-se que o Estado não interveio para coibir a liberdade econômica das empresas, mas para garanti-la mais concreta e efetivamente. A primeira manifestação constitucional dessa tendência, temo-la na Constituição do México de 1917, que, no seu art. 27, confere à Nação o direito de “impor à propriedade privada as regras que dite o interesse público” e no art. 28, estabelece a proteção contra os monopólios e o combate à concentração ou açambarcamento: Art. 28. Nos Estados Unidos Mexicanos não haverá monopólios nem exclusivos de qualquer espécie... A lei cas gará severamente e as autoridades combaterão eficazmente toda a concentração ou açambarcamento dos ar gos de consumo necessários e que tenham por objetivo a alta de preços...
Já a Constituição de Weimar vem estabelecer que “a organização da vida econômica deverá realizar os princípios da justiça”, fixando os limites dentro dos quais “deve ser assegurada a liberdade econômica individual” (art. 151), estabelecendo-se ainda que “nas relações econômicas a liberdade contratual só vigora nos limites da lei” (art. 152). Estava aberto o caminho para um novo contexto das relações econômicas no âmbito do mercado. Se continua o liberalismo, como de fato se quis,291 aceita-se, a partir de então, o ingresso naquelas relações de um terceiro personagem, o Estado. É preciso, contudo, assinalar que a relação que se estabelece entre Estado e empresa não se limita a influir nos interesses desta, mas transcende-os para defender primordialmente o interesse da coletividade. Um exemplo interessante desta nova
perspectiva é, hoje, o projeto de lei para a nova lei de falências, em que se procura, em lugar de liquidar a empresa, recuperá-la e dar-lhe continuidade.292 A Constituição brasileira de 1934 aderiu ao novo discurso manifestador das ideias imperantes, introduzindo, por vez primeira, um título configurador da nova postura do Estado dentro da ordem liberal. O ingresso do Estado para atuar no mercado gera uma nova ordem a ser disciplinada, a Ordem Econômica e Social. O art. 115 garante a liberdade econômica, mas a situa dentro da possibilidade de ser organizada pelo Estado, em conformidade com os princípios da Justiça e com as necessidades da vida nacional, e impondo-lhe um limite de caráter teleológico, o de possibilitar a todos existência digna. Ao Estado destinam-se duas novas e importantes funções, a de atuar no mercado, podendo monopolizar determinada indústria ou atividade econômica, quando assim o exigir o interesse público, mediante autorização de lei especial,293 e a de influir no mercado, impondo-se-lhe o dever de promover o fomento da economia popular.294 A Constituição brasileira de 1937 é a primeira a valer-se da expressão “intervenção do Estado no domínio econômico”, estabelecendo também a distinção, de caráter doutrinário, entre a intervenção mediata e imediata, e conceituando-lhes as formas de manifestação: controle, estímulo e gestão direta. O art. 135 assim dispõe: Na inicia va individual, no poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legi ma para suprir as deficiências da inicia va individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das compe ções individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, reves ndo a forma do controle, do es mulo ou da gestão direta.
Esse dispositivo legal, pela ênfase dada ao papel do indivíduo no âmbito da atuação econômica, merece ulteriores considerações, em face dos contextos histórico e ideológico nos quais ele surgiu. Paralelamente com o disposto no art. 117 da Constituição de 1934, o art. 141 da Constituição de 1937 explicita a forma de atuação do Estado sob a forma de controle, através do aspecto positivo do fomento, mas agora também através do aspecto negativo da punição, instituindo os crimes contra a economia popular. Diz o art. 141: A lei fomentará a economia popular, assegurando-lhe garan as especiais. Os crimes contra a economia popular são equiparados aos crimes contra o Estado, devendo a lei cominar-lhes penas graves e prescrever-lhes processos e julgamentos adequados à sua pronta e segura punição.
É importante assinalar que o crime de usura, antes contemplado no parágrafo único do art. 117, passa a ser fixado no art. 142: “ A usura será punida”. Os arts. 141 e 142 têm importância histórica, porque propiciaram o surgimento, entre nós, das primeiras leis de proteção à liberdade de concorrência. Assim é que o Decreto-Lei n. 869, de 18.11.1938, define quais sejam os crimes contra a economia popular e determina a sua punição. A competência para julgamento dos crimes definidos naquele diploma legal foi atribuída ao Tribunal de Segurança Nacional. A Constituição de 1946 torna explícitos os parâmetros fundamentais que balizam a intervenção do Estado no domínio econômico. Depois de fixar, no art. 145, os pilares da ordem econômica liberal que se instaura, a liberdade de iniciativa e a valorização do trabalho humano, o texto maior
estabelece, no art. 146, que a intervenção tem como princípio propulsor o interesse público, mas deverá ater-se ao limite dos direitos fundamentais, assim entendidos os direitos garantidos ao indivíduo. Assim determina o art. 146: A União poderá, mediante lei especial, intervir no domínio econômico e monopolizar determinada indústria ou a vidade. A intervenção terá por base o interesse público e por limite os direitos fundamentais assegurados nesta Constituição.
A mentalidade intervencionista do Estado está expressa nas determinações para que a lei disponha sobre o regime dos bancos de depósito, das empresas de seguro, de capitalização e de fins análogos (art. 149), disponha sobre a criação de estabelecimentos de crédito especializado de amparo à lavoura e à pecuária (art. 150), disponha sobre o regime das empresas concessionárias de serviços públicos federais, estaduais e municipais (art. 151), e facilite a fixação do homem no campo, estabelecendo planos de colonização e de aproveitamento das terras públicas (art. 156). São importantes ainda o art. 154, que determina que a usura, em todas as suas modalidades, seja punida, como, e principalmente, a disposição do art. 148, que deu nova figura àquilo que os textos de 1934 e 1937 configuravam como simples crimes contra a economia popular. Surge a figura mais ampla das formas de abuso do poder econômico, que deverá ser reprimida por lei. E o texto constitucional define quais sejam essas formas: A lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de empresas individuais ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros.
Sob o império dessa disposição constitucional, surge a Lei n. 1.522, de 26.12.1951, que criou a Comissão Federal de Abastecimento e Preços – Cofap –, posteriormente substituída pela Superintendência Nacional do Abastecimento – Sunab –, criada pela Lei Delegada n. 4, de 26.09.1962. É importante assinalar ainda que, mesmo anteriormente ao surgimento da Constituição de 1946, a questão dos atos contrários aos interesses da economia nacional fora objeto do Decreto-Lei n. 7.666, de 22.06.1945, que foi revogado logo depois da queda do Governo Vargas através da Decreto-Lei n. 8.167, de 9.11.1945. Esse decreto-lei é importante, por ter sido o criador da Comissão Administrativa de Defesa Econômica – Cade –, que depois o art. 8 o da Lei n. 4.137, de 10.09.1962, transformou em Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Esta lei tem fundamental importância por ter sido a regulamentadora da disposição do art. 148 da Constituição de 1946.295 A Constituição de 1967 colocou a intervenção do Estado no domínio econômico sob inspiração de um tema propulsor novo: o desenvolvimento econômico. De fato, o art. 157 daquela Constituição colocou como um dos princípios ideológicos da ordem econômica, ao lado dos de liberdade de iniciativa e de valorização do trabalho, o do desenvolvimento econômico. É interessante notar que a faculdade de intervir no domínio econômico e de monopolizar está inscrita como parágrafo do art. 157, significando que essa faculdade está vinculada aos princípios ideológicos que figuram como incisos do caput do artigo. De fato, a partir do contexto revolucionário de 1964, adotou-se a fórmula de fazer com que o Estado tomasse a seu cargo o desenvolvimento econômico. Assim, o Estado passa a figurar, não mais como regulador da atividade econômica a ser desenvolvida pelos particulares (titulares da liberdade de iniciativa), mas como um ator, como empresa a competir com a iniciativa privada (titular também o Estado da liberdade de iniciativa). É verdade que o texto constitucional submete essa atuação
direta do Estado à condição da indispensabilidade, a ser revelada quer pela exigência da segurança nacional, quer pela inexistência de eficiência do setor privado. Assim dispõe o § 8o do art. 157: São facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinada indústria ou a vidade, mediante lei da União, quando indispensável por mo vos de segurança nacional, ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficiência no regime de competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais.
A Emenda n. 1, de 17.10.1969, que deu praticamente nova redação ao texto constitucional de 1967, no título relativo à Ordem Econômica e Social, transformou o “desenvolvimento econômico” em “desenvolvimento nacional” e o colocou, juntamente com a exigência de justiça social (mas a ele sintomaticamente precedente), como finalidades daquela mesma ordem. O Estado passa a atuar cada vez mais amplamente no domínio econômico. O § 8o do art. 157 foi transformado no art. 163: São facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinada indústria ou a vidade, mediante lei federal, quando indispensável por mo vo de segurança nacional ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficácia no regime de competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais.
À ideia de indispensabilidade, vinda do texto de 1967 e conservada no de 1969, o legislador maior acrescentou as de preferencialidade e de suplementaridade, estabelecendo ainda, para evitar uma concorrência desleal institucionalizada, a norma da imposição do regime privado. Tais ideias vêm expressas no art. 170: Art. 170. Às empresas privadas compete, preferencialmente, com o es mulo e apoio do Estado, organizar e explorar as atividades econômicas. § 1o Apenas em caráter suplementar da inicia va privada o Estado organizará e explorará diretamente a a vidade econômica. § 2o Na exploração, pelo Estado, da a vidade econômica, as empresas públicas e as sociedades de economia mista regerse-ão pelas normas aplicáveis às empresas privadas, inclusive quanto ao direito do trabalho e ao das obrigações. § 3o A empresa pública que explorar a vidade não monopolizada ficará sujeita ao mesmo regime tributário aplicável às empresas privadas.
A Constituição de 1988 trouxe outra fundamentação ideológica para a atuação do Estado no domínio econômico. Esta Constituição sofre a influência das Constituições de Portugal e da Espanha, mas recebe também o sopro modernizador do papel do Estado no domínio econômico. A Constituição portuguesa de 1976, no seu art. 81, enumera as incumbências prioritárias do Estado, entre elas a de “orientar o desenvolvimento econômico e social a fim de obter um crescimento equilibrado de todos os setores e de todas as regiões e de eliminar progressivamente as diferenças econômicas e sociais existentes entre as cidades e os campos”, e a de “ assegurar uma concorrência equilibrada entre as empresas”. Inclui também o princípio da “planificação democrática da economia”, que é explicitado nos arts. 91 e seguintes. As modificações introduzidas pela revisão de 1982 e pela Lei Constitucional de 08.07.1989 geraram uma modificação do papel do Estado na economia, principalmente a redação do atual art. 85, que trata da reprivatização. O art. 128.2 da Constituição espanhola estabelece que “ a iniciativa pública é reconhecida na atividade econômica. Uma lei poderá reservar ao setor público recursos ou serviços essenciais, principalmente em caso de monopólio, e decidir igualmente o controle de empresas quando o exija o interesse geral”. Além dessa influência ibérica, há que se assinalar-se também a que provém da situação de crise do Estado moderno, no que tange ao desempenho no domínio econômico. A uma situação de
entusiasmo com o chamado Estado empreendedor sucede uma posição de desconfiança e descrédito, principalmente pela baixa eficiência comprovada. Surge assim nos países ocidentais um movimento de reprivatização da atividade econômica, bem como a pergunta sobre qual deva ser o novo papel do Estado numa economia de mercado. Surge então a árdua tarefa de redefinir o papel do Estado de forma a ajustá-lo às exigências dos novos tempos.296 Essa mudança da forma de desempenho no âmbito da economia deverá provir de uma substancial alteração da concepção filosófica do Estado. Será preciso compreender que o Estado não tem mais uma postura de dirigente ou impulsionador da economia, mas incumbe-lhe assumir o papel de facilitador da atuação da empresa. Incumbe-lhe, antes de mais nada, estar ao serviço da sociedade, em vez de procurar assumir a direção de seus rumos. Incumbe-lhe viabilizar e compatibilizar a primordial atividade e iniciativa individuais.297 O futuro do Estado está para ser inventado e criado, o que faz descortinar diante dos economistas, dos políticos, dos sociólogos e dos juristas, da sociedade em geral, uma imensa tarefa superadora do passado. Para implementar essa ingente tarefa de recriar o novo Estado apto a atuar no domínio econômico, ensina Pierre-Yves Cossé que o mundo moderno deverá se dedicar a suprir cinco graves carências, que se referem à necessidade de um amplo debate público sobre tais questões, à adoção de instrumentos adequados, à atenção ao princípio da subsidiariedade, à internacionalização da economia e à postura do poder político perante a vida democrática. Há necessidade de um debate aberto sobre a modernização da organização econômica, sobre os riscos individuais ou coletivos, sobre a atuação do Estado e sobre o funcionamento do mercado. O fórum adequado para este debate deverá ser o Congresso Nacional, que, liberado de preocupações de higiene própria e de fisiologismos retrógrados, terá condições de captar a opinião nacional de todas as correntes e discuti-la com profundidade. Outra tarefa será a realização de estudos de profundidade sobre tais questões, no que terá papel primordial a universidade brasileira, liberada de academicismos formalistas para dedicar-se à discussão acurada dos problemas jurídico-econômicos nacionais. Como observa Cossé, “temos o hábito de planificar, pelo menos no discurso, o que é implanificável, por exemplo a taxa de crescimento, e de não planificar o que resulta em grande parte de tendências concretas e previsíveis, demográficas por exemplo, ou de comportamentos estáveis: educação, comunicação, saúde”. Uma terceira tarefa decorre da compreensão do princípio de subsidiariedade, que explica que as decisões nacionais, em termos de economia, não são mais integralmente soberanas. O Estado nacional deve inserir-se nos contextos regionais de que faz parte, quer para influenciá-lo, quer para “informar a todos os agentes econômicos sobre o que foi decidido, tirar o melhor partido das novas regras do jogo e aliviar as estruturas administrativas”. A internacionalização da economia traz ainda uma outra modificação que exige posicionamentos novos da Administração estatal. Faz 30 anos, os homens que acompanhavam a evolução da economia mundial e tomavam decisões pertenciam aos quadros do Estado. Mudou-se atualmente o quadro, pois que hoje “ os homens de empresa estão abertos para o mundo e adquiriram uma cultura e uma prática internacionais”. A quinta tarefa se refere à relação entre o poder político, que deverá afirmar-se dentro de nova figura, e o respeito às exigências da vida democrática. A crise política vivida pelo País nos últimos anos deverá vir a ser o germe de uma nova postura perante os problemas com que o Estado moderno
se defronta. Lembra Cossé: O ce cismo e a inquietude, ligados à derrota das ideologias e à crescente complexidade do mundo, não devem ser u lizadas como uma arma a minar toda a ação polí ca. Sem reabilitação do polí co, toda mudança será vivida como um acontecimento nefasto e corremos o risco de uma paralisia. O problema é de convencer os cidadãos – e os intelectuais – de que graças a um desdobramento de suas missões e a novos métodos de gestão, o estado nacional pode reencontrar uma legi midade e crescer em eficácia. A mutação necessária não é necessariamente uma perda de substância para os agentes públicos e uma falta para os cidadãos habituados a um quadro e a modos de intervenção determinados.298
A Constituição de 1988 surgiu sob o influxo de tais direcionamentos modernos, rompendo assim com a tendência francamente intervencionista da Constituição de 1967-1969, mas deixando-se ainda impregnar de ideias protecionistas originadas de um tradicionalismo incoerente com a moderna tendência da atuação estatal. O art. 173 da Constituição se coloca como um marco divisório, contrapondo-se ao art. 163 da Constituição de 1967-1969. Diz o texto atual: Ressalvados os casos previstos nesta Cons tuição, a exploração direta de a vidade econômica pelo Estado só será permi da quando necessária aos impera vos da segurança nacional ou a relevante interesse cole vo, conforme definidos em lei.
Donde se deduz que a exploração direta da atividade econômica pelo Estado constitui-se numa exceção. A regra é a de que o Estado não deve atuar diretamente no domínio econômico. A exceção está restrita à necessidade decorrente de dois fatores determinantes: imperativos de segurança nacional e relevante interesse coletivo. Mas tais fatores deverão ser definidos em lei. Ressalte-se a importância do Poder Legislativo na definição dessa necessidade (não conveniência) dessa intervenção direta do Estado. A ressalva aos casos previstos nesta Constituição se refere às disposições contidas nos arts. 175, 176 e 177. O contexto constitucional traçado por estes artigos foi profundamente alterado, como já se mostrou no Capítulo 2. Será necessário, diante das afirmações aqui feitas, reportar-se ao que já foi ali dito. O art. 175 estabelece que “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. Aqui estão incluídos os serviços de transporte coletivo, os de telecomunicações, os de fornecimento de energia elétrica, de água, etc. O Estado poderá geri-los diretamente através de empresas públicas ou sociedades de economia mista, ou ainda concedê-los ou permiti-los aos particulares. É importante repetir que as Leis n. 8.987, de 13.02.1995, e 9.074, de 07.07.1995, concretizando o permissivo constitucional contido no parágrafo único – “ a lei disporá sobre” –, vieram enfatizar a necessidade de o Estado transferir para o setor privado a prestação de alguns serviços públicos. O art. 176 prevê a propriedade da União relativamente às jazidas, recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica, fixando ainda que a pesquisa e a lavra, bem como o seu aproveitamento somente poderão ser efetuados por autorização ou concessão da União. Nesse tema, a Emenda Constitucional n. 6, de 15.08.1995, alterou a redação do parágrafo único. Confrontem-se as redações, a anterior com a atual: Redação primitiva: § 1o A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste ar go somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa brasileira de capital nacional, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas a vidades
se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.
Redação atual: § 1o A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste ar go somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa cons tuída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.
O art. 177 prevê as hipóteses de monopólio relativamente ao petróleo e a minérios e minerais nucleares. Também no tocante a esta matéria, houve alteração no texto constitucional, introduzida pela Emenda n. 9, de 09.11.1995, e também pela Emenda n. 19/1998. Também aqui o § 1 o foi o portador da mudança de postura do Estado. Confrontem-se, também aqui, as duas alterações: Redação primitiva: § 1o O monopólio previsto neste ar go inclui os riscos e resultados decorrentes das a vidades nele mencionadas, sendo vedado à União ceder ou conceder qualquer po de par cipação, em espécie ou em valor, na exploração de jazidas de petróleo ou gás natural, ressalvado o disposto no art. 20, § 1o.
Redação atual: § 1o A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das a vidades previstas nos incisos I a IV deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei.
Ressalvados esses casos expressamente apontados no texto constitucional, é vedada ao Estado a exploração direta de atividade econômica. A ressalva contida no art. 173 permanece como mandamento vigente, mas o seu alcance, ante as alterações introduzidas pelas Emendas n. 6, 7 e 9, bem como pela promulgação da legislação regulamentadora já prevista constitucionalmente, foi substancialmente reduzido. O Estado, quando explora diretamente a atividade econômica, o faz através de empresas públicas, de sociedades de economia mista e suas subsidiárias (E.C. n. 19/98). Nestes casos, a Constituição lhes impõe a adoção do mesmo regime jurídico aplicável às empresas privadas, tornando explícita sua sujeição aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários, e proíbe a concessão de privilégios fiscais que não sejam extensivos àquelas empresas. Estas determinações, previstas nos §§ 1o e 2o do art. 173, têm por finalidade precípua impedir uma posição dominante no mercado derivada de fatores estranhos à própria livre competição. O Estado, sob a forma de pessoa de direito público ou de direito privado, está sujeito às normas da Lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011, como disposto no art. 31: Esta Lei aplica-se às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como a quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime de monopólio legal. É conveniente ressaltar que os §§ 4o e 5o do art. 173 estão indevidamente colocados como parágrafos do art. 173, primeiro porque a matéria por eles tratada deveria ter sido colocada como um artigo, como ocorreu na Constituição de 1946, segundo porque o assunto ali versado não se inclui como dependente do caput. Com o esforço por afastar a exploração direta do Estado na atividade econômica, restava ao Constituinte definir-lhe os novos papéis. Assim o art. 174 vem definir essa nova função: a de agente normativo e regulador da atividade econômica. Prescreve o texto: Como agente norma vo e regulador da a vidade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização,
incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
A atuação reguladora da atividade econômica por parte do Estado está sujeita ao princípio da subsidiariedade, no que tange a deixar aos indivíduos a tarefa de regulamentar a própria atividade, ou de não criar regras que dificultem, em lugar de viabilizar, a atividade econômica. É o fenômeno atualmente conhecido como desregulamentação da economia.299 Valendo uma remissão às fontes do Direito, com peculiaridades às fontes do Direito Econômico, é importante destacar o papel das fontes reais e de uma fonte formal de grande operacionalidade no mundo da economia, que é a medida provisória. As fontes reais são a origem das fontes formais, e estas não podem destacar-se daquelas sob pena de nascerem absolutamente ineficazes. Se o Direito Econômico pode ser visto como uma antítese do sistema liberal, deve sê-lo também como uma expressão de uma nova ordem econômica e social e, consequentemente, como um esforço constante de resposta adequada às exigências da realidade econômica e social do momento.300 A medida provisória, consagrada no art. 59, V, e no art. 62, da Constituição Federal, é o instrumento adequado de captação das fontes reais e sua transformação em fonte formal do Direito. Desnecessário será enfatizar sua necessidade para normatizar a relação de caráter econômico e social. 7. INTERVENÇÃO DO ESTADO: DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA CATÓLICA Em 01.05.1991, para que o “Centesimus Annus” de edição da Encíclica “Rerum Novarum” fosse comemorado, o Papa João Paulo II lançou a Encíclica que leva aquele nome, defendendo a tese de que o papel do Estado no setor da economia deve estar alicerçado numa ordem democrática e esta fundamentada numa “reta concepção da pessoa humana” e no respeito a seus direitos,301 sendo certo que o econômico nada mais é do que um aspecto da vida humana. Reconhece-se a necessidade da institucionalização de uma economia de mercado, em que ao Estado toca a tarefa de, através de prudentes decisões políticas e de sólido direcionamento jurídico, garantir a segurança aos que participam do mercado, quer como empresas, quer como consumidores: “A a vidade econômica, em par cular a da economia de mercado, não se pode realizar num vazio ins tucional, jurídico e polí co. Pelo contrário, supõe segurança no referente às garan as da liberdade individual e da propriedade, além de uma moeda estável e serviços públicos eficientes. A principal tarefa do Estado é, portanto, a de garan r esta segurança, de modo que quem trabalha e produz possa gozar dos frutos do próprio trabalho e, consequentemente, sinta-se es mulado a cumpri-lo com eficiência e hones dade. A falta de segurança, acompanhada pela corrupção dos poderes públicos e pela difusão de fontes impróprias de enriquecimento e de lucros fáceis fundados em a vidades ilegais ou puramente especulativas, é um dos obstáculos principais ao desenvolvimento e à ordem econômica”.
O Estado tem competência para intervir no setor econômico, e deve fazê-lo, secundando a atividade das empresas, principalmente em momentos de crise, quando será mais importante sua presença para garantir a plenitude do exercício dos direitos humanos: Outra tarefa do Estado é a de vigiar e orientar o exercício dos direitos humanos, no setor econômico; neste campo, porém, a primeira responsabilidade não é do Estado, mas dos indivíduos e dos diversos grupos e associações em que se ar cula a sociedade. O Estado não poderia assegurar diretamente o direito de todos os cidadãos ao trabalho, sem uma excessiva estruturação da vida econômica e restrição da livre inicia va dos indivíduos. Contudo, isto não significa que ele não tenha qualquer competência neste âmbito, como afirmaram aqueles que defendiam uma ausência completa de regras na esfera econômica. Pelo contrário, o Estado tem o dever de secundar a a vidade das empresas, criando as condições que garantam ocasiões de trabalho, estimulando-a onde for insuficiente e apoiando-a nos momentos de crise.
A intervenção do Estado no setor econômico deve ocorrer também para propiciar o equilíbrio, e, nestas condições, será ela supletiva, exigida e limitada no tempo, para que não se fira o princípio da livre iniciativa no campo econômico:
O Estado tem também o direito de intervir quando situações par culares de monopólio criem atrasos ou obstáculos ao desenvolvimento. Mas, além destas tarefas de harmonização e condução do progresso, pode desempenhar funções de suplência em situações excepcionais, quando setores sociais ou sistemas de empresas, demasiado débeis ou em vias de formação, se mostram inadequados à sua missão. Estas intervenções de suplência, jus ficadas por urgentes razões que se prendem com o bem comum, devem ser, quanto possível, limitadas no tempo, para não re rar permanentemente aos mencionados setores e sistemas de empresas as competências que lhes são próprias e para não ampliar excessivamente o âmbito da intervenção estatal, tornando-se prejudicial tanto à liberdade econômica como à civil.
Defende finalmente o princípio de subsidiariedade, segundo o qual uma sociedade de nível superior não deve interferir na vida de uma sociedade de ordem inferior, privando-a de suas competências, mas deve estimulá-la e apoiá-la para que ela, com sua própria potencialidade, consiga realizar as finalidades sociais que se propôs. A interferência desmesurada, pelo chamado Estado assistencial, leva à atrofia do setor privado (que se acostuma ao protecionismo) e hipertrofia o setor público, com enorme carga de custos: ... Ao intervir diretamente, irresponsabilizando a sociedade, o Estado assistencial provoca a perda de energias humanas e o aumento exagerado do setor estatal, dominando mais por lógicas burocrá cas do que pela preocupação de servir os usuários com um acréscimo enorme das despesas. De fato, parece conhecer melhor a necessidade e ser mais capaz de satisfazê-la quem a ela está mais vizinho e vai ao encontro do necessitado...302
Dando sequência ao pensamento de seus antecessores, BENTO XVI, na Encíclica Caritas in Veritate, sinaliza que a crise econômica de 2008-2009 exige uma reavaliação do papel e da medida do poder do Estado, sempre com atenção aos valores humanos: Hoje, aproveitando inclusive a lição resultante da crise econômica em curso que vê os poderes públicos do Estado diretamente empenhados a corrigir erros e disfunções, parece mais realista uma renovada avaliação do seu papel e poder, que hão de ser sapientemente reconsiderados e reavaliados para se tornarem capazes, mesmo através de novas modalidades de exercício, de fazer frente aos desafios do mundo atual...303 8. O PENSAMENTO DE ARIÑO ORTIZ 8.1. Razões que determinaram a intervenção do Estado Gaspar Ariño Ortiz304 faz uma análise das razões pelas quais surgiu o fenômeno da intervenção do Estado no setor da economia, das formas primitivamente assumidas pela atuação do Estado, e das mudanças dessas formas para formas impostas pelas tendências atuais, sempre à luz do princípio fundamental do respeito aos direitos humanos e de sua garantia, bem como da subsidiariedade e da solidariedade. A primeira razão da intervenção do Estado se situa no fracasso do mercado e na necessidade imperiosa de recriar o mercado. A intervenção teve por finalidade justamente garantir a livre competição no mercado, dando-lhe consistência. O Estado veio assumir tarefas que, sem a sua interferência, poderiam constituir-se em perturbadoras do funcionamento adequado do mercado: a existência de monopólios naturais, de estruturas de mercado não competitivas (monopólio de fato, abuso de posição dominante, distribuição assimétrica de informação), bens públicos e externalidades.305 A segunda razão consiste nos critérios de equidade na distribuição. Ante a insuficiência dos puros e naturais critérios econômico-capitalistas, torna-se necessária a intervenção estatal para se eliminarem as desigualdades. O Estado assume o compromisso de atuar na justiça distributiva,
buscando uma justa distribuição da renda. Uma terceira razão, a que mais tem dado azo a críticas e servido de repulsa à crescente atuação do Estado no setor econômico, é a que “consiste na obtenção rápida de determinados objetivos de política econômica e na luta contra o ciclo da economia”. O Estado passa a exercer a função empresarial com o fim de conseguir mais prontamente metas que só demoradamente seriam alcançadas pelos particulares. Em decorrência dessas razões de intervir, a atuação do Estado passou a assumir quatro modalidades: a de regulação econômica, a de atuação fiscal e financeira, a de iniciativa pública, com a criação de empresas públicas que atuam concorrencialmente com empresas do setor privado, e a de reserva ao setor público, com ou sem monopólio de fato. 8.2. Modalidades da atuação governamental 8.2.1. Regulação econômica A atividade neste campo pode dar-se sob o enfoque da edição de normas destinadas a, de alguma forma, influir na concretização do fenômeno econômico, e para consegui-lo “o Governo condiciona, corrige, altera os parâmetros naturais e espontâneos do mercado”, mas neste caso o faz sob dois enfoques: o de uma simples fiscalização administrativa da atuação dos agentes econômicos, e o de uma influência mais determinante, quer sob o aspecto de estímulo quer sob o de apoio da atividade econômica. 8.2.2. Atuação fiscal e financeira Também aqui o Estado permanece fora da atividade econômica, mas edita normas de conteúdo financeiro ou fiscal através das quais impulsiona medidas de fomento ou de dissuasão. Concedendo benefícios fiscais ou impondo cargas tributárias mais ou menos pesadas, o Estado estimula determinadas atividades econômicas ou desestimula outras. 8.2.3. Iniciativa pública Aqui, como observa Ariño Ortiz, o Estado adota uma “iniciativa pública empresarial na atividade econômica, mediante a criação ex novo de empresas concorrenciais nas mesmas condições de mercado que podem adotar os agentes privados”. Observa ainda: A a vidade empresarial do Estado não tem sido consequência, em nenhum país, de um plano sistemá co de atuação, mas tem sido resposta ocasional e variada a específicas necessidades de cada lugar. Umas vezes foi a reconstrução nacional, depois de uma guerra devastadora, outras vezes a ‘necessária’ socialização de empresas em crise (para manter o emprego), outras a promoção industrial de zonas do território subdesenvolvidas (...) ou o caráter estratégico de determinados abastecimentos nacionais (mineração de carvão).
Entende, contudo, que se deva dar sempre ênfase à iniciativa privada, que é sempre mais criadora e se presta a secundar o desenvolvimento da personalidade do indivíduo, devendo ser sempre regra numa sociedade aberta e livre. Em sua opinião, a atuação do Estado na economia somente se justifica na medida em que sirva aos interesses gerais: A intervenção empresarial do Estado deve vir exigida por um interesse geral prevalente e certo, pela existência de uma especial u lidade pública em tal atuação, pela necessidade de atender a necessidades cole vas, que de outra forma ficariam desatendidas.
8.2.4. Reservas ao setor público Entende ainda que podem ser reservados ao setor público de forma exclusiva alguns setores da economia, o que se traduz numa negação da liberdade de empreender em tais campos:
[Tais reservas] supõem, em princípio, um monopólio de iure a favor da Administração, que pode ser ou não acompanhado de um monopólio de facto na medida em que esta assuma diretamente a execução de tal a vidade em todos os seus âmbitos ou a outorgue, também de forma exclusiva, a um terceiro.
Assinaladas essas modalidades da atuação do Estado, procura demonstrar “as linhas de evolução do setor público espanhol” nos últimos anos. Estas linhas específicas são as seguintes: 1. Tendência a uma redução da atuação do Estado na área empresarial. A principal crítica feita à atuação direta do Estado no setor econômico se prende à sua ineficiência. Neste ponto emite opinião que certamente propiciará muita polêmica: É significa vo que os grandes defensores da empresa pública não são hoje os socialistas, mas os Sindicatos, o que encontra sua explicação em dois fatos: no extraordinário ‘poder sindical’ que se gerou no interior das empresas públicas e na debilidade destas, tradicional, perante a negociação cole va, que permite aos trabalhadores obter melhores condições no setor público do que no privado. Naturalmente, isto se consegue à custa do resto da sociedade.306
2. Tendência à austeridade, reforma e flexibilidade do gasto. No que tange ao financiamento da economia por parte do Estado, introduzem-se alterações de profundo significado. Incrementa-se a poupança pública, diminuindo-se a quantidade de recursos públicos destinados à inversão, dando-se prioridade à destinação de capital social à infraestrutura social e à educação. Busca-se acabar com os projetos faraônicos e aumentar a eficácia e rentabilidade das inversões públicas. Procura-se principalmente cortar o desperdício e o fausto oficial. 3. Novo sentido e eficácia da regulamentação econômica. Observa Ariño Ortiz que, na economia espanhola, à diminuição da atuação do Estado substitui-se “um aumento, um novo sentido e maior eficácia da função reguladora do Estado na atividade econômica”. A regulamentação econômica assume a feição de trabalhar em consonância com o mercado e com a finalidade de preservá-lo e de aperfeiçoá-lo.307 Ao terminar sua exposição, vale-se da alegoria mítica de Homero, conhecida pela frase “navegar entre Cila e Caribde”, para expressar o dilema em que vive hoje o Estado quando se trata de incrementar ou regular a atividade econômica. A inexistência de qualquer papel destinado ao Estado poderia levar à exacerbação do individualismo, mas uma ingerência desmesuradamente indevida do Estado poderia levar à supressão da iniciativa individual, em tese originadora da criatividade, da inventividade e da produtividade.308 9. INTERVENÇÕES DIRETA E INDIRETA Como visto, as formas ou modalidades pelas quais o Estado intervém no setor econômico são diversas e cada uma delas pode assumir as mais amplas esfumaturas. Vimos que o Estado pode atuar diretamente no domínio econômico, e pode atuar só indiretamente. No primeiro caso, assume a forma de empresas públicas, nome genérico que compreende no sistema jurídico brasileiro as empresas públicas propriamente ditas e as sociedades de economia mista, assim mencionadas no art. 173, §§ 1o, 2o e 3o, da Constituição Federal. No segundo caso, atuação indireta, o Estado o faz através de normas, que têm como finalidade fiscalizar, incentivar ou planejar ; o planejamento, como se verá, é somente indicativo para o setor privado. Esta forma de atuação do Estado está prevista no art. 174 da Constituição Federal. Através da atuação direta o Estado passa a atuar como empresário, comprometendo-se com a atividade produtiva, quer sob a forma de empresa pública quer sob a de sociedade de economia mista. Sob estas duas formas pode ele atuar em regime concorrencial, em que se equipara com as
empresas privadas, ou em regime monopolístico. Como exemplos do primeiro caso (regime concorrencial) podem ser apontados o da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil, a primeira, como empresa pública federal, e o segundo, como sociedade de economia mista, atuam em regime de concorrência com as demais entidades bancárias do País. Como exemplos do segundo caso (regime monopolístico), devem-se considerar a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e a Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobrás –, a primeira como empresa pública federal, e a segunda como sociedade de economia mista. O monopólio da primeira está consagrado no art. 21, X, e o da segunda no art. 177, I, II e III, da Constituição Federal.309 A intervenção direta pode fazer-se ainda por um outro caminho: o Estado assume a gestão da empresa privada, passando a dirigi-la quando interesses de ordem social o exijam. Caso específico dessa forma de intervenção é a prevista na Lei n. 6.024, de 13.03.1974, em que o Banco Central do Brasil assume a direção de instituições financeiras privadas e públicas não federais, com o intuito de normalizar o seu funcionamento ou, se isto for inviável, de decretar e realizar a sua liquidação extrajudicial.310 Bernard Chenot e Alberto Venâncio Filho adotam a denominação de Direito Regulamentar Econômico para caracterizar o conjunto de normas destinado a reger, estimular e incentivar a atividade econômica do setor privado, e a de Direito Institucional Econômico para a situação em que o Estado se imiscui diretamente na atividade econômica.311 Já J. Simões Patrício, M. Afonso Vaz e L.S. Cabral de Moncada adotam a terminologia de intervenção direta e intervenção indireta.312 10. A INTERVENÇÃO DIRETA A organização da intervenção direta do Estado no domínio econômico tem embasamento legal no Decreto-Lei n. 200, de 25.02.1967, e na legislação subsequente, que o modificou substancialmente. O art. 4o daquele diploma legal, após distinguir a Administração Pública Federal em direta e indireta, enumera, dentre as categorias de entidades que compõem esta última, as autarquias, as empresas públicas as fundações públicas e as sociedades de economia mista. O legislador se preocupou em definir cada uma destas entidades. Interessam-nos as definições de empresa pública e de sociedade de economia mista. Por empresa pública entende ele “ a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criada por Lei para a exploração de atividade econômica que o governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa, podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito” e por sociedade de economia mista “ a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por Lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou à entidade da Administração Indireta”.313 Determina ainda o § 1o do mesmo artigo que “quando a atividade for submetida a regime de monopólio estatal, a maioria acionária caberá apenas à União, em caráter permanente”. É importante assinalar também que o art. 6o do mesmo diploma legal já submete as atividades da Administração Federal ao princípio e exigência fundamental do planejamento, colocando-o sob os parâmetros do “desenvolvimento econômico-social do País” e da “segurança nacional”. 11. A INTERVENÇÃO INDIRETA Ao atuar indiretamente na condução, no estímulo e no apoio da atividade econômica empreendida pelos particulares, o Estado adota determinadas formas de política econômica, peculiares a cada
campo de atuação. A política econômica tem como objetivos fundamentais, nos países desenvolvidos, assegurar o crescimento sustentado da economia, assegurar o pleno emprego dos fatores de produção, particularmente da mão de obra, uma relativa estabilidade de preços, e garantir o equilíbrio da balança de pagamentos. Para garantir a consecução desses objetivos, deverá o Estado adotar uma série de medidas de política econômica que podem dizer-se instrumentos para alcançar aqueles objetivos fundamentais, mas que não têm por isso sua importância diminuída. É imperioso notar que a adoção de uma determinada medida não exclui outras, até porque a utilização isolada de certa medida terá efeitos negativos em outros setores, de tal forma que se pode e se deve afirmar que a situação de equilíbrio buscada como perfeita continuará sendo sempre uma meta a ser alcançada.314 É evidente que nenhum governo tem condição de adotar simultaneamente e na mesma medida essas quatro políticas fundamentais a que os economistas denominam de “quadrado mágico” (crescimento, pleno emprego, estabilidade de preços e equilíbrio exterior), por isso as necessidades conjunturais é que determinarão o privilegiamento de uma ou outra dentre elas.315 A adoção de determinada política econômica leva também a conflitos com o objetivo de outra, como, por exemplo, a adoção de uma política energética pode levar, e frequentemente leva, a confrontos com as preocupações de uma política ambiental. Podem ocorrer também conflitos entre os objetivos imediatos de uma política social e os de uma política de competitividade industrial. Existem ainda limitações ou restrições de ordem geográfica, ou demográfica. Por exemplo, qual seria a perspectiva de implantação de uma política agrícola num país de diminuta extensão territorial ou de território desértico? Qual seria a perspectiva de adoção de uma política de crescimento num país de grande explosão demográfica? Acentuem-se ainda as restrições de ordem concorrencial internacional, as políticas protecionistas que impedem o desenvolvimento de países em fase de desenvolvimento. A originalidade e novidade de determinadas políticas econômicas depende ainda de situações conjunturais peculiares a cada país. Por exemplo, os Estados Unidos tiveram que defrontar-se com o problema da concentração de empresas já no final do século XIX, e a partir de então tiveram que adotar uma política econômica garantidora da livre concorrência. Tal problema somente veio preocupar os países europeus a partir da Primeira Grande Guerra. No Brasil, tal questão somente veio a aflorar a partir dos anos 30; basta ver que somente após a Constituição de 1934 é que houve a preocupação com os crimes contra a economia popular. A Lei n. 4.137, de 1962, que estabelece entre nós as primeiras normas garantidoras da liberdade de concorrência, pode dizer-se um diploma teórico privado de eficácia.316 Ressalte-se ainda que uma política econômica que consiga a adesão dos setores interessados tem muito maiores probabilidades de sucesso do que uma imposta autoritariamente. Daí porque atualmente os países se voltam para a adoção de políticas econômicas através do consenso.317 Não se pode desconsiderar a necessidade do planejamento que tem como finalidade conferir racionalidade, coerência às políticas econômicas adotadas. O planejamento tem como finalidade fixar metas que servem de norte para os esforços empreendidos.318 Somente um planejamento global, que preveja todo o contexto econômico e social, será capaz de conferir coerência e compatibilidade às medidas de política econômica a serem adotadas. Medidas de política econômica adotadas hoje devem estar em consonância com as metas previstas para serem alcançadas no período de 10 a 20
anos (planos de longo prazo), ou de cinco anos (planos de médio prazo), ou de um a dois anos (planos de curto prazo). Jacques e Colette Nême319 sugerem uma divisão das políticas econômicas em três grupos: a) Políticas Econômicas de Salvaguarda: que compreendem as políticas de regulação demográfica, as de provisionamento de gêneros alimentícios e as de proteção ambiental; b) Polí cas de Crescimento Equilibrado: que compreendem as polí cas de garan a da livre concorrência, as polí cas industriais, as de pesquisa e desenvolvimento com a finalidade de es mular a criação tecnológica, as polí cas de emprego, as políticas de equilíbrio regional, políticas da educação, da participação dos trabalhadores; c) Polí cas de Regulação Conjuntural: dentre elas se destacam as polí cas monetárias, a polí ca orçamentária, as polí cas de preços e as políticas de rendas.
Adotando uma outra perspectiva, Philippe Maystadt320 conceitua uma política econômica geral do Estado, em que inclui a política dos preços, a política de rendas, a política da moeda, da poupança e do crédito e a política de emprego, política relativa à concorrência e à dimensão das empresas, política ambiental, política relativa ao comércio exterior e às trocas e política de equilíbrio territorial. Num contexto de políticas setoriais, inclui a política de minas e de recursos do subsolo, a política energética, a política dos transportes, a política de melhoria e de construção de moradias, a política relativa a determinados ramos da indústria; por exemplo, da siderurgia, e a política relativa a determinadas prestações de serviços, por exemplo, o turismo. Poderíamos acrescentar como de magna importância para os países em desenvolvimento uma política de desenvolvimento. O estudo sobre esse tema levaria ao estudo de outros de não menor importância. O trabalho consistirá numa pesquisa sobre a legislação brasileira, no levantamento de problemas relativos ao estágio de desenvolvimento brasileiro e, se possível, ao levantamento do pensamento do Poder Judiciário. Nessa pesquisa, diversos outros temas poderão ser abordados, c omo política de privatização, política de integração com os países do Cone Sul, política habitacional, política de salários, política de proteção ao consumidor, integrada no esforço de garantia da livre concorrência. Afirma a este respeito Jean-Claude Paye: “Parece que o mundo inteiro, e não somente o mundo industrializado, tenha entrado numa fase de monoteísmo em matéria de religião econômica. Quer seja a leste ou a oeste, quer seja ao sul ou ao norte, todos e cada um proclamam agora sua fé na economia de mercado. E o único credo que talvez seja conveniente exprimir parece ser a crença na economia de mercado e em suas virtudes. Depois de tantos anos em que, em muitos países, o Estado nha por missão e, dizia-se, por dever compensar as imperfeições do mercado, e até mesmo de se subs tuir ao mercado para guiar um desenvolvimento econômico e social racional e equita vo, dá-se uma mudança importante. A economia de mercado parece que está para triunfar em todo lugar” (L’État à l’épreuve du marché: l’encadrement ins tu onnel de l’économie de marché. Revue Française d’Administration Publique. n. 61, p. 19-23), jan.-mar. 1992. Afirmou Holmes: “The life of the law has not been logic: it has been experience. The felt necessi es of the me, the prevalent moral and poli cal theories, intui ons of public policy, avowed or unconscious, even the prejudices which judges share with their fellow-men, have had a good deal more to do than the syllogism in determining the rules by which men should be governed. The law embodies the story of a na on’s development through many centuries, and it cannot be dealt with as if it contained only the axioms and corollaries of a book of mathema cs. In order to know what it is, we must know what it has been, and what it tends to become. We must alternately consult history and exis ng theories of legisla on. But the most difficult labor will be to understand the combina on of the two into new products at every stage. The substance of the law at any given me pre y nearly corresponds, so far as it goes, with what is then understood to be convenient; but its form and machinery, and the degree to which it is able to work out desired results, depend very much upon its past” (The common law. p. 5). Ideologia Alemã. p. 39. Ideologia Alemã. p. 19. Crítica da Economia Política. p. 13. Tratado de filosofia del derecho. 1974. p. 141-142.
Economía y derecho, según la concepción materialista de la historia – una investigación filosófico-social. 1929. p. 94. Economía y sociedad: esbozo de sociología comprensiva. 1969. p. 251. Ibidem. p. 251. Ibidem. p. 251. Ibidem. p. 252. Ibidem. p. 272. RAISER, Ludwig von. Il compito del diritto privato: saggi di diritto privato e di diritto dell’economia di tre decenni. 1990. p. 37. Ibidem. p. 38. Il compito del diritto privato: saggi di diritto privato e di diritto dell’economia di tre decenni. 1990. p. 39-41. Ob. cit. p. 41-42. Ob. cit. p. 44. Como acentua H. A. Schwarz-Liebermann von Wahlendorf, “o direito aparece sobretudo como o lugar privilegiado em que se realiza a formulação dos princípios que devem reger as relações entre as individualidades de diversas ordens (sujeitos de direito) na perspec va de sua associação, de uma associação que brota das necessidades que estes sujeitos arrostam (em úl ma instância, sempre homens, individualidades humanas) desde que se trate de organizar sua sobrevivência, nas condições de interdependência e portanto de comunicação. (...) O ato de comunicação do direito se situa essencialmente no nível da decisão concreta, porque é ela que dá vida ao direito. A interpretação é a condição permanente e inexorável da realização, da atualização do direito. Ora, a interpretação implica uma maneira de compreender, e uma maneira de compreender está, ainda, ligada à formulação de termos; e mais, a exteriorização de uma compreensão está necessariamente ligada à linguagem no sen do ‘normal’ do termo. A linguagem emerge, na ordem do direito, segundo os dados e as condições de uma hermenêu ca” (Politique, droit, raison: récueil d’études. 1982. p. 163, 165). O confronto entre Direito e Economia reclama sempre, por parte do Estado e de seus órgãos, uma postura decisória. A importância da decisão, como forma de solução desse conflito permanente, é mostrada por Tércio Sampaio Ferraz Júnior: “Decisão é termo correlato de conflito, que é entendido como conjunto de alterna vas que surgem da diversidade de interesses, da diversidade no enfoque dos interesses, da diversidade das condições de avaliação, etc., que não preveem, em princípio, parâmetros qualificados de solução, exigindo, por isso mesmo, decisão. (...) Decidir, assim, é um ato de uma série que visa transformar incompa bilidades indecidíveis em alterna vas decidíveis, que, num momento seguinte, podem gerar novas situações até mais complexas que as anteriores. Na verdade, o conceito moderno de decisão liberta-a do tradicional conceito de harmonia e consenso, como se em toda decisão es vesse em jogo a possibilidade mesma de safar-se de vez de uma relação de conflito. Ao contrário, se o conflito é condição de possibilidade da decisão, à medida que a exige, a par r dela ele não é eliminado, mas apenas transformado” (A ciência do direito. 1977. p. 89-90). Ensina André-Jean Arnaud que “a razão jurídica é o motor em virtude do qual um sistema jurídico se organiza de maneira coerente e própria para realizar certos fins. A perspec va teleológica é inseparável do aspecto estrutural do sistema jurídico, cuja dinâmica ela jus fica. A razão jurídica é a condição necessária e suficiente da existência de um sistema jurídico. Isto deve entender-se de quatro maneiras: primeiramente, é necessária uma razão susce vel de ditar raciocínios e condutas uniformes e conformes com as finalidades perseguidas; em segundo lugar, somente esta razão pode estabelecer um conjunto suficientemente adaptado, ordenado e consistente para ser considerado como racional; em terceiro lugar, um mesmo sistema não pode ser animado por mais de uma razão; em quarto lugar, conflitos de razões nascem da simultaneidade de sistemas jurídicos, e o sistema de direito imposto não pode deixar de levá-las em conta, sob pena, por esse mo vo, de manifestar-se rapidamente como ultrapassado e defasado” (Critique de la raison juridique: 1. où va la sociologie du droit? 1981. p. 27). Assinala Max Weber: “ É verdade que a u lidade de uma vocação, e sua consequente aprovação por Deus, é orientada primeiramente por critérios morais e depois pela escala de importância dos bens produzidos para a ‘coletividade’, colocando-se, porém, logo em seguida, um terceiro, e do ponto de vista prá co, mais importante critério: a ‘lucratividade’ individual do empreendimento. Com efeito, quando Deus, em cujas disposições o puritano via todos os acontecimentos da vida, aponta, para um de Seus eleitos, uma oportunidade de lucro, este deve aproveitá-la com um propósito, e, consequentemente, o cristão autên co deve atender a esse chamado, aproveitando a oportunidade que se lhe apresenta”. “Se Deus vos aponta um meio pelo qual legalmente ob verdes mais do que por outro (sem perigo para a vossa alma ou para a de outro), e se o recusardes e escolherdes um dos fins de vossa vocação, e recusareis a ser o servo de Deus, aceitando suas dádivas e usando-as para Ele, quando Ele assim o quis. Deveis trabalhar para serdes ricos para Deus, e, evidentemente, não para a carne ou para o pecado”. Aqui cita Weber parte de um sermão do pastor puritano Richard Baxter (Works of the puritan divines. I, cap. X, 1, 9, § 24). Salienta Henri Denis que essa mesma a tude perante a riqueza foi assumida também entre os católicos – conforme consta do estudo feito por R. H. Tawney, (La religion et l’essor du capitalisme. Trad. franc. Paris, 1951). O sistema econômico se define como “ um conjunto coerente de estruturas econômicas, ins tucionais, jurídicas, sociais e mentais organizadas com a finalidade de assegurar a realização de um determinado número de obje vos econômicos (equilíbrio, crescimento, repar ção...)”. Existem diversas classificações de sistemas econômicos, dentre as quais se destacam hoje o capitalismo e o socialismo. Quando um ordenamento jurídico adota um sistema econômico, passa ele a ter o nome de regime econômico (cf. SILEM, Ahmed; ALBERTINI, Jean-Marie. Lexique d’économie. Verbete système économique). Adam Smith enfatiza essa tendência do mercantilismo: “Embora o encorajamento à exportação e o desencorajamento à importação cons tuam os dois principais instrumentos através dos quais o sistema mercan l propõe enriquecer os países, contudo, em
relação a determinadas mercadorias, parece ter seguido um plano oposto: desencorajar a exportação e encorajar a importação. Todavia, segundo parece, o seu obje vo úl mo é sempre o mesmo – enriquecer o país através de uma balança comercial vantajosa” (A riqueza das nações. Gulbenkian, 1983. livro IV, cap. VIII, p. 217). Assinala Pierre Deyon: “Mas o elemento comum, o elemento essencial é a teoria da balança comercial, ou mais exatamente a convicção de que uma ação harmonizada, dirigida pelo Estado, deve permi r o equilíbrio posi vo desta balança; fonte de prosperidade e de poder. Esta permanente preocupação com o equilíbrio das importações e das exportações faz a realidade e a unidade do pensamento mercantilista” (O mercantilismo. 1973. p. 57). A riqueza das nações. Gulbenkian, 1983. livro IV, cap. VII, p. 199. A riqueza das nações. Gulbenkian, 1983. livro IV, cap. II, p. 755, 757-758. Cf. VAZ, Manuel Afonso. Direito económico: a ordem económica portuguesa. 1990. p. 75. As reações a esse liberalismo exacerbado já podem ser encontradas, mi gadamente, no cons tucionalismo de meados do século XIX. A Cons tuição francesa de 1848 já estabelecia, no seu art. 13: “A Cons tuição garante aos cidadãos a liberdade do trabalho e da indústria. A sociedade favorece e encoraja o desenvolvimento do trabalho pelo ensino primário gratuito, a educação profissional, a igualdade de direitos entre patrão e trabalhador, as ins tuições de previdência e de crédito, as ins tuições agrícolas, as associações voluntárias, e o estabelecimento, pelo Estado, pelos departamentos e pelas comunas, de trabalhos públicos próprios para empregar os braços desocupados; ela fornece a assistência aos meninos abandonados, aos enfermos e aos velhos sem recursos, e aos quais suas famílias não podem socorrer”. Como acentua G. Farjat, “ os economistas colocam geralmente entre os anos 1850 a 1880 o aparecimento de um novo po de capitalismo (o capitalismo de grupo, ou oligopolís co, ou simplesmente ‘o novo Estado industrial’ ), ou do verdadeiro capitalismo (a sociedade anterior sendo uma sociedade ‘pré-industrial’). Os juristas colocam geralmente mais tarde o período das mutações jurídicas: o período entre as duas guerras, período marcado por uma intervenção do Estado, cuja intensidade muda as estruturas jurídicas” (Droit économique. 1982. p. 141). Afirma Farjat que “a concentração capitalista é o fenômeno decisivo do direito econômico. É ela que está na origem de todas as grandes mutações das sociedades industriais: a intervenção do Estado (teremos ocasião de voltar a isto) é uma consequência da concentração. Mas, além do direito econômico, o nascimento e o desenvolvimento do direito do trabalho e do direito social são também consequências da concentração. Enfim, o direito do consumo e o direito do meio ambiente da qualidade de vida o são também em grande medida” (ob. cit. p. 143). Em 28.06.1919. De 11.08.1919. Aliás, o texto da Constituição de Weimar, no seu art. 17, estabelecia que “cada estado deve ter uma Constituição liberal”, no sentido predominantemente político, é verdade. É esta a perspectiva de Martín Bassols Coma, que diz ser necessário “ aprofundar os componentes fundamentais da fenomenologia da intervenção: o sujeito passivo da intervenção – a empresa –, o mo vo ou causa jus fica va – o interesse geral – e o sujeito a vo – o setor público – habilitado para concre zar as modalidades da intervenção. É óbvio que o tratamento jurídico do fenômeno empresarial é, na maioria das vezes, unidimensional e tradicionalmente tem sido contemplado desde uma ó ca puramente patrimonial, atendendo somente à problemá ca que afeta o capital, marginalizando-se os interesses dos que trabalham nela e o interesse que para a cole vidade representa a empresa em si mesma considerada como organização econômica produ va”. Dentro desse contexto é que se mostra a diferença entre o modelo clássico de economia de mercado que só se preocupava com a defesa dos interesses dos credores, e o modelo concre zado pelo Direito moderno: “Diante da realidade da liquidação da empresa em mãos dos credores, o Direito moderno teve que reagir, quer através de meios priva stas (aperfeiçoamento dos procedimentos concursais), quer através de procedimentos de intervencionismo público, para salvaguardar a continuidade da empresa ou evitar antecipadamente sua liquidação” (Constitución y sistema económico. 2. ed. 1985. p. 209-210). O art. 116 assim determina: “Por motivo de interesse público e autorizada em lei especial, a União poderá monopolizar determinada indústria ou a vidade económica, asseguradas as indenizações devidas, conforme o art. 112, n. 17, e ressalvados os serviços municipalizados ou de competência dos Poderes locais”. O art. 117 assim dispõe: “A lei promoverá o fomento da economia popular, o desenvolvimento do crédito e a nacionalização progressiva dos bancos de depósito. Igualmente providenciará sobre a nacionalização das empresas de seguros em todas as suas modalidades, devendo constituir-se em sociedades brasileiras as estrangeiras que atualmente operam no País. E o parágrafo único deste artigo determina: “é proibida a usura, que será punida na forma da Lei.” A Lei n. 4.137, de 1962, vigorou até 1994, quando foi revogada pela Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994, que vigora ainda. Está em tramitação no Congresso Nacional projeto de lei que revoga a lei atual. Assinala Arturo Israel, conselheiro principal junto ao Banco Mundial: “ Todos falam do consenso rela vo às estratégias de desenvolvimento pelo mercado que todos os países em desenvolvimento atualmente perseguem e per nente à necessidade de redefinir o papel do Estado, papel que não deve mais ser de produção e de controle, mas de catálise ou de facilitação. Há também consenso sobre o fato de que é a qualidade antes que o tamanho do setor público que interessa. Mas tem-se descuidado de saber precisamente o que convém entender com isso, ou seja, de saber o que cons tui a diferença entre os ‘novos’ e os ‘antigos’ setores públicos” (L’État, garant du futur de l’économie de marché. In: Revue Française d’Administration Publique, n. 61, jan.-mars 1992. p. 139). É importante referir também o pensamento de Gaspar Ariño Or z: “Assis mos, nos úl mos anos, em todos os países
do mundo ocidental – não precisamos dizer do oriental, depois da queda do regime comunista – a uma generalizada tomada de consciência de crise do público. Aquilo que, faz cinquenta anos, foi a expressão de entusiasmo de toda a Europa pela empresa pública como grande instrumento do novo Estado social que eclodiu depois da Segunda Guerra Mundial, en trou hoje em crise. Vem-se estendendo a convicção de que o Estado de bem-estar, com seus níveis de gasto público cada vez mais altos, com sua baixa eficiência em muitas de suas a vidades, não poderia perdurar e que alguém viria antes ou depois dizer: ‘acabou-se a festa, voltemos a trabalhar’” (Economía y Estado: crisis y reforma del sector público. 1993. p. 25). Como o acentua Yves Cannac, “será necessário que, fundamentalmente, o Estado realize uma mudança de cultura. Isto pode parecer ar ficial, mas as empresas se dedicam, também, elas a transformar sua cultura. Trata-se de fazer evoluir a cultura de Estado de uma cultura de comando para uma cultura de serviço, porque, mesmo quando ele desempenha sua função de regulação, creio que ele deva concebê-la como uma maneira de servir à sociedade e não com arrogância. Isto vai desde o modo com que se elabora uma regra, mesmo inferior – que implica que haja uma preocupação séria com as condições nas quais ela poderá ser aplicada pelos administrados ou pelas empresas, em lugar de publicá-la brutalmente – até ao comportamento do agente de guichê e até ao do diretor ou do ministro. Por espírito provoca vo, pode-se lembrar que, no Japão, é o Primeiro Ministro que visita o empresariado e não o inverso. É uma maneira de afirmar que o Estado está a serviço da sociedade e que ele deve reduzir sua especificidade à parte que é verdadeiramente necessária” (Modernisa on de l’État: l’essen el reste à faire. In: Revue Française d’Administra on Publique, n. 61, p. 149, janv.-mars 1992). Acentua Jean-Bap ste de Foucauld, Comissário do Plano, que “ a descentralização se tornou hoje objeto de um amplo consenso e cons tui já uma aquisição de nossa sociedade. Ela modificou profundamente os circuitos da decisão e da ação públicas. Ela cons tui um novo dado da reflexão concernente ao cidadão, à solidariedade nacional e territorial. Ela é também um componente essencial da reforma do Estado, não podendo estas duas questões ser dissociadas” (Décentralisation: l’âge de raison. 1993. p. 5). COSSÉ, Pierre-Yves. Un Avenir à Inventer. In: Revue Française d’Administration Publique, n. 61, p. 155-158, janv.-mars 1992. O princípio da subsidiariedade pode ser entendido num duplo sen do. Segundo Michel Gentot, numa primeira acepção, “o Estado não deve fazer o que a sociedade pode fazer e ele não deve subs tuir-se nos esforços e nas inicia vas das empresas, dos cidadãos e de seus grupamentos. O segundo aspecto do princípio de subsidiariedade é mais conhecido, e significa que o Estado não deve reger do centro o que pode sê-lo alhures, isto é, da periferia, através de mecanismos de descentralização e de desconcentração, mas também por meio de organismos públicos que permanecem na órbita do Estado, embora atuando independentes ao mesmo tempo dos ministros e do poder polí co” (Un double principe de subsidiarité. In: Revue Française d’Administra on Publique, n. 61, p. 153, janv.-mars 1992). Também Ariño Or z analisa o princípio de subsidiariedade: “Com frequência o princípio de subsidiariedade se refere a dois fenômenos diferentes: um é o que poderíamos chamar de subsidiariedade ins tucional, o que significa que não devem centralizar-se no mais alto nível aquelas decisões que possam ser adotadas com igual ou maior eficiência a um nível polí co e administra vo inferior e, por conseguinte, mais próximo aos cidadãos. Este princípio tem sido defendido nas relações intergovernamentais, tanto nacionais (é o que se conhece com o nome de descentralização polí co-administra va: reserva aos Governos regionais e locais de todas aquelas questões que afetem predominantemente seus interesses), como na ordem internacional: transferência aos órgãos das organizações supranacionais – é o caso da Comunidade Europeia – só daquelas questões em que esteja comprome do o interesse comum, mantendo-se as competências em todas as demais questões reservadas a cada Estado. Mas há outro sen do diferente do princí pio de subsidiariedade que se refere às relações entre o indivíduo e o Estado. Nesta ordem, o princípio contempla não uma questão organiza va mas substancial: qual deve ser o grau de intervenção e protagonismo do Estado na vida econômica e social de um país, e qual deve ser o âmbito de livre atuação dos cidadãos e dos grupos sociais intermediários” (Economía y Estado: crisis y reforma del sector público. 1993. p. 64-65). FARJAT, Gérard. Las enseñanzas de medio siglo de derecho económico. Estudios de derecho económico. II, p. 13. Afirma o Papa no Cap. V, n. 47: “Após a queda do totalitarismo comunista e de muitos outros regimes totalitários e de ‘segurança nacional’ assis mos hoje à prevalência, não sem contrastes, do ideal democrá co, em conjunto com uma viva atenção e preocupação pelos direitos humanos. Mas, exatamente por isso, é necessário que os povos, que estão reformando seus regimes, deem à democracia um autên co e sólido fundamento mediante o reconhecimento explícito dos referidos direitos” (Centesimus Annus. Ed. Paulinas. p. 87). Defende Gomes Cano lho o princípio da democracia econômica e social colocando-o em contrariedade com o da subsidiariedade, mas dá a este úl mo um conteúdo significacional diferente do que aqui se examina: “O princípio da democracia econômica e social exclui o princípio da subsidiariedade como princípio cons tucional. O princípio da subsidiariedade, tradicionalmente erigido em princípio cons tucional, significava que o Estado nha uma função apenas acessória ou complementar na conformação da vida econômica e social. Era uma ideia do capitalismo liberal. Todavia, como suges vamente foi salientado, o Estado, ao converter-se em Estado socialmente vinculado, colocou-se em ‘oposição à ideia de subsidiariedade ’. Isto não significa que tenha sido eliminado o princípio da autorresponsabilidade: cada um tem, em princípio, capacidade para obter um grau de existência digno, para si e para a sua família (arqué po do ‘Grande-Pai’). O princípio da democracia econômica social e cultural é, porém, uma imposição cons tucional que obriga à adoção de medidas existenciais para os indivíduos e grupos que, em virtude de condicionalismos pessoais ou de condições sociais, encontram dificuldades no desenvolvimento da personalidade, em termos econômicos, sociais e culturais” (Direito Constitucional. 1991. p. 476). Caritas in veritate, § 24. Economia y Estado: crisis y reforma del sector público. Madrid: Marcial Pons, 1993.
Por externalidades entende-se “a consequência nega va ou posi va da interdependência dos agentes econômicos que escapa ao sistema de apreciação do mercado. A consequência benéfica para um agente decorrente da ação de um outro agente é chamada economia externa; a consequência desfavorável ou nociva é uma deseconomia externa” (Léxique d’économie. Cf. verbete Effet externe ou externalité). Economía y Estado: crisis y reforma del sector público. 1993. p. 56-57. Economía y Estado: crisis y reforma del sector público. 1993. p. 47-62. Vale aqui lembrar o pensamento de José Eduardo Faria: “ A negociação relativa a um formato mais original das instituições políticas nacionais, em condições de propiciar o prevalecimento da ‘razão da sociedade’ frente à clássica ‘razão de Estado’, mediante regras de procedimento capazes de neutralizar o arbítrio governamental explícito, difuso ou simbólico, se assenta, como se vê, na produção de um novo ‘sen do de ordem’. Entre outras razões porque as ins tuições de direito vigentes, ainda apegadas a uma tradição individualista que remonta ao Corpus Juris do an go direito romano, às an gas Ordenações do direito filipino e ao Código Civil francês do começo do século XIX, não apenas encontram enormes dificuldades para colocar em perspec va democrá ca os fenômenos socioeconômicos cada vez mais complexos, por meio de uma ampla reorganização e racionalização de burocracias estatais demasiado pesadas e emperradas para a execução de novas polí cas públicas, como também já não dão mais conta dos inúmeros conflitos cole vos que, mul plicando-se e intercruzando-se con nuamente, estão por trás da erosão dos tradicionais mecanismos de formação das iden dades cole vas” ( Direito e economia na democra zação brasileira. 1993. p. 149). O dilema entre a preponderância do interesse do Estado ou da segurança da pessoa humana é focalizado com profundidade por Mireille Delmas-Marty: “por detrás de cada Estado se esconde, como uma tentação permanente e qualquer que seja o regime polí co, a tentação da razão de Estado. A esta tentação sempre ameaçadora quis-se opor um Estado de razão, de que a Convenção Europeia dos Direitos do Homem teria cons tuído a consagração em nível europeu” (Raisonner la raison d’État: vers une Europe des droits de l’homme. 1989. p. 13). E mais adiante completa: “ considerar que a necessidade possa ter vantagem sobre a lei representa de qualquer forma uma negação do Estado de direito e da garantia essencial que dele se espera: a segurança pessoal” (ibidem. p. 21). A atuação da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos está prevista na Lei n. 6.538, de 22.06.1978. J. Simões Patrício assinala caso idên co no Direito português, através do Decreto-Lei n. 574-A, de 12 de outubro de 1974: “Tal diploma veio facultar ao Governo ‘intervir na administração’ das ins tuições de crédito e parabancárias – nomeando delegados seus administradores ou uma comissão administra va – desde que a extensão e a con nuidade da ‘situação de desequilíbrio’ em que se encontrassem tais empresas pudessem afetar o regular funcionamento delas ou tendessem a perturbar as condições normais (de funcionamento) dos mercados monetário, cambial ou financeiro” ( Curso de Direito Econômico. 2. ed. 1981. p. 402403). Diz B. Chenot: “Durante o mesmo período, as leis e os regulamentos nos revelam derrogações, cada vez mais numerosas e cada vez mais graves, aos princípios do individualismo liberal. O estatuto das profissões, a legislação social e até uma legislação estritamente econômica caracterizam em numerosos pontos uma evolução do direito” (Organisa on économique de l’État. 1965. p. 54). E quanto à a vidade estatal: “ Uma dupla cadeia de sintomas anuncia também o dirigismo. Ao mesmo tempo que o poder procura impor sua vontade, por lei ou regulamento, aos atores da vida econômica, ele penetra entre eles e se imiscui mais ou menos abertamente na gestão dos negócios industriais e comerciais. O desenvolvimento das empresas públicas, entre as duas guerras, sublinha por seu turno a evolução do direito” (ibidem. p. 57). No mesmo sen do, Venâncio Filho: “ Adotamos, também, a classificação de Chenot, dividindo o Direito Público Econômico em dois grandes setores: o Direito Regulamentar, que trata das formas regulamentares da intervenção do Estado, sendo a sua forma extrema o dirigismo total; e o Direito Ins tucional, em que o Estado se transforma em atos da vida econômica, apresentando como caso limite o cole vismo total” (A intervenção do Estado no domínio econômico: o direito público econômico no Brasil. 1968. p. 69). Segundo o ponto de vista de M. Afonso Vaz, “ quando se fala da inicia va econômica pública, da coexistência de três setores de propriedade dos meios de produção e da reserva de setor público, está a referir-se um po de atuação econômica do Estado substancialmente diferente daquela intervenção do Estado que se expressa na imposição de limites à a vidade econômica privada. A dis nção baseia-se agora nos sujeitos que detêm o domínio da a vidade econômica, designando-se de intervenção direta se é o próprio Estado que assume o papel de agente econômico e de intervenção indireta se o Estado condiciona, mo va ou enquadra o comportamento dos agentes econômicos dele independentes, sem tomar parte a va no processo produ vo, ou seja, não se assumindo como produtor ou distribuidor de bens ou serviços. Ao falarmos aqui de inicia va econômica pública temos essencialmente em vista a intervenção direta do Estado na economia, até porque a intervenção indireta não é propriamente uma a vidade econômica do Estado, mas a imposição de limites ou a concessão de bene cios à a vidade econômica dos par culares. Esta é uma intervenção ‘regulamentadora’, aquela é uma intervenção ‘produtiva’. No âmbito da intervenção direta distinguiremos a atuação do Estado em regime de monopólio, em regime de concorrência e no uso de instrumentos específicos de ‘apropriação’ da propriedade ou da gestão das empresas privadas” (Direito econômico. 2. ed. 1990. p. 126-127). Cf. PATRÍCIO, Simões.Curso de direito econômico. 1981. p. 327-718; MONCADA, Cabral de. Direito econômico. 2. ed. 1988. p. 183-397). Essas são definições legais, dadas nos incisos II e III, respectivamente, do artigo 5o do Decreto-lei n. 200/67. “Os economistas e os homens polí cos, como afirmam M. Bertonéche e J. Teulié, estão perenemente à procura da receita mágica, que assegure ao mesmo tempo o pleno emprego e a estabilidade dos preços sem comprometer o crescimento da economia e o equilíbrio exterior. E a polí ca econômica surge, cada vez mais, como uma mistura de medidas técnicas e de componentes psicológicos e sociológicos. O sucesso de um programa, qualquer que seja, supõe um certo consenso da cole vidade nacional
(Théorie macro-économique: textes fondamentaux. 1977. p. 464). A este respeito, a opinião de Jacques e Cole e Nême: “Se estas quatro exigências se manifestam pouco conciliáveis, os governos serão levados a preferir uma ou outra dentre elas: o crescimento no Japão e na França depois da guerra, como na Espanha dos anos 60; o pleno emprego na Suécia e na Noruega; a estabilidade dos preços na RFA e na Suíça, o equilíbrio exterior para os Estados Unidos no fim dos anos 80” (Politiques économiques comparées. 1989. p. 17). A Lei n. 4.137, de 1962, foi revogada pela Lei n. 8.884, de 1994, que está atualmente em vigor. Tramita no Congresso Nacional o PL n. 06/2008, que reformulará totalmente o ordenamento da concorrência. Observam Jacques e Cole e Nême que não se deve colocar nos textos legais demasiada severidade, pois que “as polí cas dos países la nos são frequentemente mais rigorosas em sua formulação do que em sua aplicação; enquanto que no Japão a oficiosa pressão dos poderes públicos – como o histórico imposto sobre o chá do establishment britânico –, invocando o interesse geral, tem resultados substanciais. Às vezes até mesmo a ausência de uma verdadeira polí ca econômica pode ser seguida por sucessos brilhantes, como para os preços desde uns quarenta anos na RFA – enquanto que a longa prá ca de regulamentação francesa teve efeitos pouco convincentes” (ibidem. p. 22). Philippe Maystadt, referindo afirmação de R. Maldague (Le débat sur la planifica on en belgique, intermédiaire. 28 juin 1974), entende que “a única visão realista de um Plano, ao mesmo tempo cada vez mais di cil e indispensável, é a de um quadro de referência inserido numa perspec va de mais longo termo, no qual os poderes públicos iden ficariam alguns obje vos prioritários traduzidos em programas concretos ‘finalizados’ e precisados cada ano, de orçamento em orçamento” (Poli ques d’interven on de l‘État et administra on économique. In: Favresse, Jean-Michel. Aspects juridiques de l’interven on des pouvoirs publics dans la vie économique. 1976. p. 27). Politiques économiques comparées. 1989. p. 40-42. Politiques d’intervention de l’État et administration économique. In: Aspects juridiques de l’intervention des pouvoirs publics dans la vie économique. 1976. p. 33-94.
6 O NOVO PAPEL DO ESTADO 1. UMA NOVA PERSPECTIVA PARA O ESTADO Pode-se afirmar que, após a crise de 1929, houve um período de crença no poder do Estado, no seu potencial de organizar a economia. Essa crença foi alimentada pelas teorias de J. M. Keynes,321 o que leva a verem-se duas perspectivas no fenômeno do intervencionismo econômico, a intelectual, representada pelas ideias de Keynes, e a institucional, efetivada pelo desenvolvimento de uma administração pública econômica. A partir, contudo, dos anos 60, alguns teóricos começam a questionar e avaliar os resultados da intervenção efetuada pelo Estado e chegam à conclusão de que os custos da intervenção foram maiores do que os que teriam ocorrido se se tivesse deixado o mercado organizar-se e reordenar-se pelos seus próprios mecanismos. Os custos da intervenção se manifestaram maiores, primeiramente pelo excessivo crescimento dos órgãos estatais encarregados de intervir na economia, e, em segundo lugar, pela manifesta ineficiência provocada principalmente pelo esgotamento da capacidade estatal de investir em novas tecnologias, causando a deterioração do serviço público a ser prestado. Teve grande influência sobre essa nova posição o trabalho de Friedrich von Hayek, para quem a crise obedece a uma lógica própria, que permite prevê-la e até mesmo preveni-la. Mas, uma vez desencadeada a crise, não será possível sofreá-la, devendo-se simplesmente acompanhar o seu desenvolvimento até o fim.322 Este pensamento, que levou à concepção do Estado mínimo, teve sua expressão nos Estados Unidos a partir dos trabalhos de Ronald Coase.323 Assiste-se, a partir de então, a uma reabilitação do mercado, obviamente em moldes bem diferentes. Como assinalado em capítulo anterior, já anteriormente à promulgação da Constituição de 1988, tinham sido já editados dois importantes diplomas legislativos: o Decreto n. 91.991, de 28 de novembro de 1985, e o Decreto n. 95.886, de 29 de março de 1988, que instituía o Programa Federal de Desestatização, com vistas à privatização e desregulamentação. Surgiu em 1990 a Medida Provisória n. 155, de 15 de março de 1990, que institui o Programa Nacional de Desestatização, ultrapassando assim o âmbito federal. Essa Medida Provisória se transformou na Lei n. 8.031, de 12 de abril de 1990. Esta lei foi reformulada pela Lei n. 9.491, de 1997. A linha de pensamento desse Programa é a de reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público. O Estado não é eliminado, mas assume funções novas, até então desconhecidas com sua nova caracterização. E o Direito Econômico, como conjunto de normas que regem a organização do mercado, vem não somente presidir à elaboração das novas regras de conduta no mercado, mas sobretudo informar a criação e aplicação dessas regras.324 A partir de 1985, com o fenômeno da desregulamentação, ocorre um apagamento das chamadas economias nacionais. O fenômeno da economia mundial, com sua interinfluência constante, leva o mundo a perspectivas novas na elaboração das normas destinadas a reger o fenômeno econômico. Os direitos comunitários, com a tendência de incrementar cada vez mais a formação de grandes blocos econômicos, têm uma influência gigantesca na formulação dos princípios que regerão a economia do
futuro. 1.1. A perspectiva dos blocos econômicos Um outro fenômeno deverá ser levado em conta na atuação/interferência do Estado no âmbito das atividades econômicas. Enquanto cada Estado procura dirigir sua economia, adotar suas políticas econômicas e atuar como empresário, dentro de seu limite territorial e como afirmação de sua soberania política e econômica, a Europa vê surgir, paralelamente a ideia de um mercado comum, cujas regras devem ser compatibilizadas, harmonizadas. O Direito Econômico Comunitário surge assim como um sistema vivo, susceptível de gerar conflitos com os direitos nacionais no que respeita à adoção de políticas econômicas.325 1.2. As agências reguladoras Embora se possa dizer que exista uma tendência para afastar a aplicação dos pressupostos da teoria keynesiana e uma tentativa muito forte para reabilitar a economia de mercado, substituindo-se assim os instrumentos de regulação estatal do mercado por outros existentes dentro do próprio mercado e que seriam capazes de atuar como reguladores, é evidente que o Estado não pode omitir a sua função de ator dentro do mercado. Resta saber qual o novo papel que será atribuído a este velho e desgastado ator, que sempre ressurge das cinzas com uma nova feição. Não se pode querer afastar completamente o Estado do compromisso segundo o qual o progresso material decorre da lógica da evolução do mundo, pois que ele passa a atuar como o garantidor da coerência e da segurança dessa nova forma de regulamentação dos comportamentos humanos. Lembra Gentot que, nos Estados Unidos, as agências (executive agencies) surgiram como uma extensão do poder executivo e dele dependentes. Dentre as primeiras podem citar-se a Interstate Commerce Commission, criada em 1889, o Conselho dos governadores do Federal Reserve System, em 1913, a Federal Trade Commission, em 1914, a Securities and Exchange Commission, em 1934, a Federal Communication Commission, em 1934, e a National Labor Relations Board, em 1935. Naquele país vem-se discutindo ainda hoje a extensão dos poderes do Executivo, com base no art. II da Constituição dos Estados Unidos: “O poder executivo é confiado ao Presidente dos Estados Unidos “. Questiona-se, em decorrência disso, a independência das Agências perante o Poder Executivo.326 Como se vê, a origem das agências reguladoras remonta ao século XIX, nos Estados Unidos. Em 1877, na decisão Munn v. Illinois 327, e em 1886, na decisão Wabash v. Illinois 328, a Suprema Corte afirma que “com base nos poderes decorrentes da soberania, um governo pode regular a conduta de seus cidadãos reciprocamente, e, quando necessário para o bem público, a maneira pela qual cada um poderá usar sua propriedade”. Como decorrência desse posicionamento judicial, o governo dos Estados Unidos cria, em 1887, a primeira agência reguladora, a Interstate Commerce Commission (ICC) para os transportes ferroviários. A partir da crise de 1929 e com a adoção das medidas de recuperação propostas por JOHN MAYNARD KEYNES, com o New Deal, foram criadas várias agências: O estudo que já foi feito nos capítulos anteriores revelou um período de um Estado garantidor da ordem liberal, um período de intervenção e um terceiro em que o Estado passou ao mesmo tempo a regulamentar e a atuar no domínio econômico. Convém enfatizar mais uma vez que, enquanto a Constituição de 1967 instituía uma profunda intervenção e atuação do Estado no campo econômico,
os Planos Nacionais de Desenvolvimento propugnavam pela institucionalização de uma economia de mercado. A atuação governamental no domínio econômico perdeu o nível de atuação direta, por força do disposto no art. 173 da Constituição Federal, mas conservou o potencial de sustentáculo de atividades econômicas deficientes ou mesmo de atenuador das situações e períodos de crise. Sob este aspecto assumem grande importância as políticas econômicas, quer aquelas estruturais, quer as conjunturais, as de curto, médio ou longo prazo, políticas globais, setoriais ou mesmo regionais. Para a consecução desses objetivos, a política econômica poderá servir-se da fiscalização, do incentivo ou do planejamento. Dois aspectos, que se inserem dentro das duas últimas formas de atuação como agente normativo e regulador da atividade econômica poder-se-iam apontar as chamadas ajudas públicas e também a planificação.329 O impulso para as reformas implantadas nesse setor tem seu ponto de partida na redação do art. 175 da Constituição Federal, que prevê a prestação de serviços públicos sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação. Art. 175. Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II – os direitos dos usuários; III – política tarifária; IV – a obrigação de manter serviço adequado.
Para dar exequibilidade ao fundamento estabelecido no art. 175, vieram a lume a Lei n. 8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão, e, a partir dela a Lei n. 9.074/95, que, no seu art. 4o, dispõe que “as concessões, permissões e autorizações de exploração de serviços e instalações de energia elétrica e de aproveitamento energético dos cursos de água serão contratadas, prorrogadas ou outorgadas nos termos desta e da Lei n. 8.987, de 1995, e das demais.330 Na medida em que os serviços públicos passam a ser executados pelas empresas, através do processo de privatização, ao Estado é atribuída outra função, aliás também prevista na Constituição, que, no art. 174, estabelece que, “como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”. Como as atividades econômicas privatizadas são de grande diversidade e de especialidades bem demarcadas, o Estado cria agências também diversificadas e especializadas para o exercício das incumbências constitucionais. Como veremos adiante, o Brasil vai já encontrar modelos de agências reguladoras que lhe servirão de protótipos para a criação da nossa realidade regulatória.331 Atualmente, estão já criadas as seguintes agências reguladoras: • Banco Central do Brasil – BACEN (Lei n. 4.595/64) • Agência Espacial Brasileira – AEB (Lei n. 8.854/94) • Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL (Lei n. 9.427/96) • Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL – (Lei n. 9.472/97)
• Agência Nacional do Petróleo – ANP – (Lei n. 9.478/97) • Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA (Lei n. 9.782/99)332 • Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS – (Lei n. 9.961/00) • Agência Nacional de Águas – ANA – (Lei n. 9.984/00) • Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA – (Medida Provisória n. 2.157-5/01, revogada pela Lei Complementar n. 124/07, que restituiu a sigla SUDAM) • Agência Nacional do Cinema – ANCINE – (Medida Provisória n. 2.228/01 • Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT – Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT (Lei n. 10.233/01) • Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC – (Lei n. 11.182/05) 1.3. Os poderes das agências A característica da independência das agências perante o Poder Executivo provoca dois questionamentos importantes. O primeiro deles é o relativo ao “poder de decisão”. Se são independentes, somente podem conceituar-se como agências reguladoras se tiverem real poder de decisão na área de atuação que lhes é afeta. Teriam elas poder de decisão, ou estariam adstritas ao cumprimento de uma política traçada previamente pelo governo? O segundo é pertinente à extensão do poder normativo. Poderiam elas criar normas jurídicas e, consequentemente, aplicar sanções pelo seu não cumprimento? Ou a sua atuação somente poderia exercer-se através de recomendações, de pareceres? Informa Gentot que, segundo a doutrina dominante na França, tais agências “não dispõem de qualquer poder de decisão e sua magistratura, puramente moral, se exerce por meio de recomendações e de relatórios públicos. O que importa, portanto, é a qualidade e a competência das pessoas que compõem estas autoridades, a credibilidade de sua independência perante o governo, sua função de vigilante, que não implica necessariamente a de gendarme”.333 Ante essa exigência de definição e caracterização dos elementos constitutivos de uma agência reguladora,334 enumera Gentot as notas distintivas que as devem integrar: Relativamente ao objeto que deve constituir sua finalidade, deve-se dizer que têm elas por finalidade a “regulação de setores sensíveis ” e ao mesmo tempo a “proteção dos administrados “, ou, na linguagem adotada pelo legislador brasileiro, a proteção do consumidor. Quanto à sua natureza jurídica, são organismos públicos (a lei brasileira as caracteriza como autarquias especiais), desprovidos de poder jurisdicional. Elas não têm, diferentemente do que a lei concede ao CADE, no Brasil, o poder judicante. Como autarquias especiais, têm personalidade jurídica e estão vinculadas às mutações da pessoa jurídica que é constituída pelo Estado, mas participam da atividade de comando e de controle decorrentes da competência e da responsabilidade do Estado. Seus membros são independentes e gozam de autonomia de gestão. A independência da Agência se confirma pelo fato de seus dirigentes terem mandato. São nomeados pelo Presidente da República, com prévia aprovação do Senado Federal. Estão sujeitas somente a controles jurisdicionais sobre suas atividades, estando ausente todo controle hierárquico ou de tutela.
Dispõem de uma vasta gama de poderes, desde um simples poder “de influenciar” até poderes repressivos.335 A amplitude dos poderes das agências reguladoras, com ênfase para o princípio da deferência, foi detalhadamente examinada na decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos no caso Chevron:336 Temos reconhecido há muito que se deve atribuir considerável respeito à interpretação de um disposi vo legal que um órgão execu vo está encarregado de administrar, e o princípio da deferência à interpretação administra va tem sido consistentemente seguido por esta Corte quando uma decisão quanto ao sen do ou alcance de uma lei envolva a conciliação de polí cas conflitantes, e um pleno entendimento da força da polí ca legal em determinada situação tenha dependido mais do que ordinariamente do conhecimento relativo a matérias submetidas à regulação das agências.
E noutro passo, a mesma Corte põe em evidência a flexibilidade das definições em face de casos concretos, pois que as decisões das agências não ficam como que cravadas em pedra. Elas evoluem na tentativa de acompanhar e apreender a significação de cada caso. A provocação das situações concretas perante o texto da lei tem por resultado deferir às agências o poder de interpretar e de fixar, caso a caso, o sentido e o alcance da lei. A Corte assinala que os Juízes Federais devem, neste caso, respeitar as legítimas escolhas feitas pelas agências. Com efeito, a responsabilidade para analisar a adequação das escolhas políticas e para resolver a disputa entre entendimentos conflitantes do interesse público não competem ao Judiciário: “Nossa constituição atribui tal responsabilidade aos órgãos políticos”. 1.4. Regular por meio da informação No seminário realizado pelo Centro Robert Schuman do Instituto Universitário Europeu, em Florença, em março de 1996, sobre as novas agências europeias, Giandomenico Majone afirma que as políticas públicas hoje dependem mais do que nunca, principalmente na área da regulação econômica e social, de uma informação relevante, oportuna e especialmente dotada de credibilidade. Afirma ele que “o papel da informação na elaboração das políticas contemporâneas não é somente instrumental mas também constitutiva”. Por outras palavras, a informação é não somente um insumo necessário ao processo político: sob certas condições, a informação constitui a política. Neste sentido é que falo de “regulação por meio da informação”, para indicar que a provisão de informação e de provas pode ser utilmente vista como um modo de regulação – uma alternativa para outros modos mais coercitivos – antes que um mero prerrequisito para decisões reguladoras sólidas”.337 Observa Majone que alguns fatores estão lenta mas seguramente mudando a natureza da elaboração de políticas a níveis quer nacionais, quer supranacionais, quer internacionais. Em primeiro lugar, a crescente interdependência econômica, financeira, ecológica e política entre as nações tem como efeito o enfraquecimento do impacto das ações políticas no país de origem, enquanto potencialmente fortalecem seu impacto sobre outros países. Mas há que enfatizar que essa interdependência será cada vez mais fortalecida quanto mais confiável for a soma de informações comunicadas. Em segundo lugar, a crescente complexidade das políticas públicas continua a corroer a efetividade das técnicas tradicionais de comando-e-controle da burocracia governamental. Adquirem predomínio a informação e persuasão com as quais se procura modificar os comportamentos das pessoas. Por isso, a mais importante característica da nova forma de regulação econômica e social está em que o seu sucesso depende de se conseguir mudar as atitudes, expectativas, hábitos de
consumo ou padrões de produção de milhões de indivíduos.338 Se, por um lado, se poderia falar da “captura da agência” pelas empresas do setor que deveria ser fiscalizado, deve-se hoje reconhecer que através da atuação dessas agências será possível afirmar que os problemas públicos são “socialmente construídos” antes que objetivamente acontecidos.339 Os instrumentos normativos para se conseguir a construção social dos problemas não se restringem mais unicamente aos textos legais tradicionais. Surgem no mundo jurídico figuras que se podem denominar de “soft law”, ou seja, normas menos rígidas que as tradicionais, mas nem por isso menos eficazes.340 São resoluções, declarações, programas de ação, deliberações, memorandos, “guidelines “ e outros. Se sua eficácia não se revela diretamente sobre as ações, estes instrumentos normativos influenciam a criação de normas e decisões legais.341 A delegação de poderes para elaborar políticas é outra peculiaridade das agências. A transferência de poderes que os governos efetuam a elas, dá-lhes mais independência e credibilidade.342 Outro aspecto peculiar às agências é que elas podem constituir redes de comunicação com agências de outros países, o que lhes dá também maior credibilidade, pois que adquirem maior poder de resistir às pressões políticas, conferindo-lhes assim maior independência.343 Esta independência das agências, para que se torne efetiva, deverá ser democraticamente controlada. E quais seriam os instrumentos adequados para concretizar esse controle? Repare-se que os tecnocratas que são colocados para dirigir essas agências o são por indicação e nomeação do governo. Assim sendo, como é que se conseguirá controlar democraticamente esse poder? Para que esse controle possa efetivar-se de maneira adequada, observa Majone, deveriam combinar-se diversos instrumentos: objetivos claros e delimitados, exigência de prestação de contas, revisão por supervisores profissionais e de igual nível, controle judicial (quando adequado) e participação pública (também quando apropriada). É verdade que não se exclui a supervisão do Poder Legislativo e do Executivo, mas qualquer tentativa de “captura” (“micromanage”) da agência por autoridades e razões meramente políticas deveriam ser afastadas.344 Postos estes princípios gerais que deverão presidir à instituição e funcionamento das agências reguladoras, o Seminário do Robert Schumann Center passou ao delineamento de alguns tipos de agências, como a de Monitoramento das drogas e da Sujeição às drogas, a de Avaliação de Produtos Medicinais, a de Proteção do meio ambiente e a de harmonização do mercado interno. Quanto ao Observatório Europeu das Drogas e das Toxicomanias, assinala Georges Estievenart que a luta contra a droga tem sido sempre um problema muito difícil de ser equacionado, assim como coordenar as ações de tipo repressivo, adoção de medidas de saúde pública destinadas quer a remediar quer a prevenir a toxicomania. A partir de 1993 foi instalado em Lisboa o Observatório, após aprovação do Conselho da Comunidade, em que se analisou a vantagem de ter informações sobre a ausência delas.345 Com um começo modesto, em número de integrantes e de orçamento, assinala que o Observatório se tornou um centro de excelência em matéria de medida técnica do fenômeno da droga na Europa. Mas dois pontos devem ser enfatizados como altamente positivos nesse Observatório: é que ele se transformou numa corrente de transmissão para os centros encarregados de tomar decisões políticas da União, e se constituiu num centro de animação dos observatórios nacionais sobre drogas.346
Também em 1993 o Conselho da União Europeia adotou a regulação e as diretivas referentes à criação da Agência Europeia de Avaliação de Remédios (European Medicines Evaluation Agency), com sede em Londres, que começou a funcionar em 1995. Esta agência tem como finalidade promover a livre circulação de produtos medicinais dentro da União Europeia, procurando simultaneamente reforçar as medidas de proteção de saúde pública, permitindo o rápido acesso a novos produtos para o mercado comunitário em escala.347 Ainda em 1993, a Comissão decidiu instalar em Copenhagen a Agência para o Meio Ambiente. Assinala Domingo Jimenez-Beltrán que a proteção ao meio ambiente se tornou uma finalidade para a União Europeia no sentido de perseguir um crescimento sustentável, não inflacionário, e com absoluto respeito ao meio ambiente.348 Esta agência é concebida não somente como um parceiro, com a finalidade de prover informações, mas também como um vigia, ou até mesmo um cão de guarda da legislação e dos compromissos da União Europeia. Sua função é essencial na medida em que o desenvolvimento da informação contribuirá certamente para um melhor e mais objetivo controle do respeito, da adequação e eficiência da legislação ambiental da União. Desta forma os objetivos da agência consistirão em prover os Estados-Membros com uma informação objetiva, confiável e comparativa, para que eles possam adotar políticas ambientais adequadas.349 Segundo Jean-Claude Combaldieu, presidente da Agência de Harmonização no mercado interior relativamente a marcas, projetos e modelos, a harmonização no mercado interior é uma realidade essencial e incontornável para o futuro da Comunidade, ressalvando que “todas as agências comunitárias estão colocadas, em sua maior parte, numa espécie de pote comum em cuja escuridão é difícil diferenciar as especificidades de cada uma”.350 1.5. Em busca de um modelo genuíno O novo modelo de atuação do Estado no âmbito do mercado, no Brasil, vem buscando inspiração nas formas de controle já adotadas nos Estados Unidos e em recente implantação na Europa. É preciso, contudo, ter em mente que inspirar-se não é sinônimo de copiar. As características culturais, econômicas, políticas e sociais são profundamente diferentes lá e cá, e será preciso que o legislador brasileiro procure criar o modelo brasileiro, adaptado às exigências de um País em desenvolvimento. A inspiração colhida deve levar em conta características essenciais e procurar dar-lhes força informadora das medidas concretas a serem adotadas. Ou seja, o legislador brasileiro deverá haurir o que existe de essencialmente bom e aplicável ao Brasil. A este respeito, assinala Pedro Dutra que a eficiência das agências reguladoras americanas deve seu sucesso principalmente à observância dos princípios constitucionais que regem a atuação fiscalizadora do Estado nos mercados privados, garantindo-lhes um funcionamento concorrencial e, ao mesmo tempo, protegendo os consumidores contra abusos das empresas e mau funcionamento ou omissão dessas agências. Segundo ele, da observância desse princípio decorrem as características básicas dessas agências reguladoras, e que são: “A primeira caracterís ca é a separação desses órgãos do governo, traduzida na independência decisória e financeira das agências, em mandatos com termo fixo para seus dirigentes e na proibição de ministros e órgãos do governo influir na ação das agências. A segunda é o dever estrito de as agências agirem exclusivamente nos termos da Lei que lhes disciplina a ação, estando seus dirigentes pessoal e penalmente a tanto obrigados.
A terceira caracterís ca é a atenta fiscalização pelo Senado da atuação das agências e de seus dirigentes, desde a aprovação destes até o exame de relatórios regulares, sempre em audiências públicas”.351
A respeito das prerrogativas outorgadas pelo legislador a essas agências, afirma Eurico de Andrade Azevedo que elas “caracterizam-se basicamente pela estabilidade de seus dirigentes (mandato fixo), autonomia financeira (renda própria e liberdade de sua aplicação) e poder normativo (regulamentação das matérias de sua competência, sem invadir as chamadas reservas de lei”.352 Essas características podem deduzir-se também do ordenamento jurídico brasileiro, especificamente das disposições constantes do art. 5o, LIV, que consagram o princípio do devido processo legal, do art. 37, que impõe a observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, e dos arts. 170 e seguintes que estabelecem a ordem econômica. Com a criação dessas agências o Estado não fiscaliza diretamente a atividade do mercado, mas se vale de organismos intermediários, que recebem a influência do Poder Executivo, do Poder Legislativo, da palavra definitiva do Poder Judiciário, mas também da atuação reivindicatória e controladora dos consumidores, principais destinatários da atuação dessas novéis entidades. Não se pode esquecer que o ordenamento jurídico brasileiro já contemplava órgãos de fiscalização e controle do mercado, que já tinham uma estrutura definida legalmente e que já vinham se impondo, pela sua competente atuação, ao respeito do Governo, do Judiciário e das empresas. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica foi criado em 1962 pela Lei n. 4.137, reestruturado pela Lei n. 8.884, de 1994, e totalmente reformulado pela Lei n. 12.529, de 2011. Embora não tenha sido visto como uma “agência reguladora”, o Banco Central do Brasil veio atuando nessa condição desde sua criação (por transformação) através da Lei n. 4.595, de 31 de dezembro de 1964. As novas agências reguladoras, como iremos ver logo adiante, deverão atuar em consonância e coordenação com estes órgãos, que se situam num plano superior de coordenação e fiscalização geral. 2. AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA A Lei n. 9.427, de 26 de dezembro de 1996, instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL – autarquia sob regime especial, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, com sede e foro no Distrito Federal e prazo de duração indeterminado. Essa Agência terá por finalidade regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal. A ANEEL veio substituir o antigo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE), que se extinguiu por força do § 4o do art. 34 da Lei n. 9.427/96. Importa salientar dentre suas “incumbências”, ou competências, como definidas no art. 3o da Lei, as seguintes: – implementar as políticas e diretrizes do governo federal para a exploração da energia elétrica e o aproveitamento dos potenciais hidráulicos, expedindo os atos regulamentares necessários; – dirimir, no âmbito administrativo, as divergências entre concessionárias, permissionárias, autorizadas, produtores independentes e autoprodutores, bem como entre esses agentes e seus consumidores; – fixar os critérios para cálculo do preço de transporte de que trata o § 6o do art. 15 da Lei n.
9.074/95. Três observações se impõem a respeito destas competências do órgão regulador criado: em primeiro lugar, sua substituição ao Estado na implementação de políticas e diretrizes, que continuarão a ser formuladas pelo governo federal; em segundo lugar, a competência para dirimir conflitos em sua área específica; e, em terceiro, a possibilidade para a fixação de critérios para cálculo do preço, numa restrição clara à liberdade de mercado revelada na possibilidade de um preço ser controlado por se tratar de um serviço público. Em 28 de novembro de 1997, expediu-se a Portaria n. 349, que aprova o Regimento Interno da ANEEL. Nesta Portaria alguns dispositivos nos chamam a atenção, como, por exemplo, a atribuição de regulação econômica (art. 23, I), de estudos de mercado, mediação administrativa, ouvidoria setorial e participação pública (art. 23, II e III), de regulação dos serviços de geração, de transmissão, de distribuição e de comercialização (art. 23, XII, XIII, XIV, XV) e de comunicação e relações institucionais (art. 23, XVIII). Merecem especial destaque as alterações introduzidas pelo art. 4o da Lei n. 9.648, de 27 de maio de 1998, no texto da Lei n. 9.074/95 e da Lei n. 9.427/96, principalmente no que se refere à obrigação de “estabelecer, com vistas a propiciar concorrência efetiva entre os agentes e a impedir a concentração econômica nos serviços e atividades de energia elétrica, restrições, limites ou condições para empresas, grupos empresariais e acionistas, quanto à obtenção e transferência de concessões, permissões e autorizações, à concentração societária e à realização de negócios entre si” e também “zelar pelo cumprimento da legislação de defesa da concorrência, monitorando e acompanhando as práticas de mercado dos agentes do setor de energia elétrica” (incisos VIII e IX do art. 3o da Lei n. 9.427/96 com a alteração introduzida). A análise dos textos legais e do que vem sendo efetuado pela ANEEL, quer em nível regulamentar quer no plano institucional, é um esforço efetivo e eficiente para criar a concorrência. Este clima de concorrência é hoje de fundamental importância.353 O fenômeno da privatização e da criação da concorrência no setor elétrico não é somente um caso da América Latina ou do Brasil especificamente. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE – publicou um informe a respeito da adoção da política concorrencial pelo setor elétrico.354 O documento da OCDE mostra que, na Austrália, por exemplo, a geração, transmissão e distribuição de eletricidade para os consumidores tem sido responsabilidade dos governos dos Estados; os preços não estão vinculados com os custos; há deficiência no incentivo para aperfeiçoar o nível de serviços para os consumidores; a influência política, a centralização da capacidade decisória levaram a decisões inadequadas de investimento. A partir de maio de 1990 deu-se início a um processo de reforma do sistema de eletricidade através da privatização das empresas de propriedade do Estado, criação de uma regulação ágil para a prestação privada de serviços públicos; separação das atividades de geração, transmissão e distribuição, transformando-as em corpos independentes, e adoção de preço que reflita o custo total da produção.355 No Canadá ocorreu fenômeno paralelo. O setor de eletricidade ali também estava verticalmente integrado e constituía a forma de prestação monopolística de serviços públicos. O incentivo para privilegiar as forças de mercado e o esforço para promover um fornecimento de energia eficiente e
de baixo custo levaram o Competition Bureau a participar das reformas pró-competitivas do setor de eletricidade.356 Também na Inglaterra o setor de eletricidade, depois de privatizado, passou a ser regulado por uma agência especializada – OFFER – criada pelo Electricity Act de 1989. A política de privatização adotada pelo governo inglês refletiu a crença em que a empresa é mais eficiente e fornece melhores serviços ao consumidor. Os objetivos colimados pelo governo inglês foram os de incrementar a concorrência quer na geração quer no fornecimento. O Director General for Electricity Supply (DGES) é uma autoridade independente.357 Nos Estados Unidos os serviços de eletricidade são prestados por empresas privadas, que chegam a obter quase 80% de todos os rendimentos de eletricidade. Procura-se promover a concorrência no setor de eletricidade, com a dissociação das atividades de produção, transmissão e distribuição. Vêm-se adotando políticas regulatórias como formas de propiciar o desenvolvimento de potentes forças de mercado. Em nível federal, a Federal Energy Regulatory Commission – FERC – vem tentando assegurar o acesso de todos os produtores de eletricidade às linhas de transmissão. Tenta-se uma maneira de passar de um monopólio regulado para um ambiente de concorrência, descobrindose ao mesmo tempo qual o papel a ser desempenhado pelo governo.358 3. AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES O Presidente Fernando Henrique Cardoso, em entrevista à revista Veja,359 afirmou: “O que estamos fazendo na prática? Criando agências de regulamentação. Criando um novo Estado. E quando falo de regulamentação, estou pensando também na radicalização da democracia. Controlar vai no sentido de radicalizar a democracia. Controlar por meio de órgãos nos quais a sociedade tenha voz”. As informações fornecidas através da INTERNET são bastante esclarecedoras a respeito da natureza e do papel das agências reguladoras, e, no caso específico, da ANATEL. Dos arquivos fornecidos ao público consta o seguinte:
“A publicação do Decreto que aprova o Regulamento da Agência Nacional de Telecomunicações e a imediata instalação da ANATEL são um marco na criação deste novo Estado, desenhado no programa de governo ‘Mãos à Obra, Brasil’ e reafirmado pelo Presidente da República em recente entrevista. Um Estado não mais empresário, mas fortemente regulamentador, um Estado não mais orientado pelos interesses das corporações, mas responsável pela ins tucionalização de canais diretos de fiscalização e representação da sociedade, impermeáveis às pressões que, historicamente, vêm dissociando a administração pública do interesse público. Um Estado nem mínimo nem máximo, mas o necessário para bem proteger os direitos do cidadão.
No mesmo arquivo estão descritas as características da ANATEL: A ANATEL surge como primeiro exemplo de como esta nova concepção se expressa na prá ca. Criada como autarquia especial, ela é administra vamente independente, financeiramente autônoma, não se subordina hierarquicamente a nenhum órgão de governo – suas decisões só podem ser contestadas judicialmente –, seus dirigentes têm mandato fixo e estabilidade. Acompanhando e fiscalizando todas as inicia vas da Agência, haverá um conselho consul vo, formado por representantes do Execu vo, do Congresso e de en dades das prestadoras de serviço, dos usuários e da sociedade em geral. Além disso, todas as normas elaboradas pela ANATEL serão antes submetidas a consulta pública, seus atos devem ser acompanhados por exposição formal de mo vos que os jus fiquem e haverá ainda um Ouvidor, que apresentará periodicamente avaliações crí cas sobre os trabalhos da Agência. As sessões do Conselho Diretor serão públicas, podendo ser gravadas, salvo os casos em que a publicidade ampla ponha em risco segredo protegido ou a in midade de alguém. Todas as atas de reuniões e os documentos rela vos à atuação da ANATEL estarão disponíveis ao público na Biblioteca da Agência”.
A abertura e ponto de partida para a exploração mediante concessão dos serviços de
telecomunicação e para a criação de um órgão regulador foram dados pela Emenda Constitucional n. 8, de 1995, que alterou a redação do primitivo art. 21 da Constituição Federal. A criação e funcionamento de um órgão regulador dos serviços de telecomunicações foram efetivados através da Lei n. 9.472, de 16 de julho de 1997, que, através de seus 216 artigos estabelece os princípios fundamentais, cria a agência e estabelece suas competências e seus órgãos, os princípios que regerão a atividade de controle, as formas de contratação de obras e serviços, organiza os serviços de telecomunicações. Quanto aos princípios, vale ressaltar que a nova Lei procura colocar as empresas prestadoras de serviços de telecomunicações num contexto de mercado, em que é importante a competição entre elas, o respeito aos direitos dos consumidores e o papel simplesmente regulador (posto que fortemente) do Estado. Dispõe o art. 1o da Lei que compete à União, por intermédio do órgão regulador e nos termos das políticas estabelecidas pelos Poderes Executivo e Legislativo, organizar a exploração dos serviços de telecomunicações. Esta atividade de organização inclui as seguintes competências, enumeradas no parágrafo único: “Disciplinar e fiscalizar a execução, comercialização e uso dos serviços e da implantação e funcionamento de redes de telecomunicações”.
Ressalte-se aqui um aspecto importante. É que a competência para regular a atividade de telecomunicações é da União. O que significa que os Estados-membros perderam qualquer competência para regulação, em qualquer nível, dessas atividades. Dentre os deveres atribuídos pela Lei ao Estado, no concernente à concorrência, devem citar-se a adoção de medidas que promovam a competição e a diversidade dos serviços, que incrementem sua oferta e propiciem padrões de qualidade compatíveis com a exigência dos usuários, o fortalecimento do papel regulador do Estado, a criação de oportunidades de investimento e o estímulo ao desenvolvimento tecnológico e industrial, em ambiente competitivo, bem como ainda a criação de condições para que o desenvolvimento do setor seja harmônico com as metas de desenvolvimento social do País. Aos usuários são conferidos direitos e deveres. Dentre os primeiros, o art. 3o diz que o usuário tem direito de acesso aos serviços de telecomunicações, com padrões de qualidade e regularidade adequados à sua natureza, em qualquer ponto do Território Nacional; à liberdade de escolha de sua prestadora de serviço; de não ser discriminado quanto às condições de acesso e fruição do serviço; ao prévio conhecimento das condições de suspensão do serviço; de resposta às suas reclamações pela prestadora do serviço; de peticionar contra a prestadora do serviço perante o órgão regulador e os organismos de defesa do consumidor; à reparação dos danos causados pela violação de seus direitos. Dentre os segundos, merecem ser citados o dever de utilizar adequadamente os serviços, equipamentos e redes de telecomunicações, bem como o de comunicar às autoridades irregularidades ocorridas e atos ilícitos cometidos por prestadora de serviço de telecomunicações. São estabelecidas as regras comuns e as formas de concessão, por outorga ou por contrato. É significativo o poder de decretar a intervenção na concessionária, nos casos especificados no art. 110. Dentre as competências conferidas pela Lei à agência reguladora, algumas são significativamente
importantes relativamente ao que se poderia chamar de funcionamento privado do mercado. Dentre essas vale ressaltar as seguintes: 1. Implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de telecomunicações. 2. Expedir normas quanto à outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público. 3. Celebrar e gerenciar contratos de concessão e fiscalizar a prestação do serviço no regime público, aplicando sanções e realizando intervenções. 4. Expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado. 5. Expedir e extinguir autorização para prestação de serviço no regime privado, fiscalizando e aplicando sanções. 6. Compor administrativamente conflitos de interesses entre prestadoras de serviço de telecomunicações. 7. Reprimir infrações dos direitos dos usuários. 8. Exercer, relativamente às telecomunicações, as competências legais em matéria de controle, prevenção e repressão das infrações da ordem econômica, ressalvadas as pertencentes ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica. 9. Rever, periodicamente, os planos enumerados nos incisos II e III do artigo anterior, submetendo-os, por intermédio do Ministro de Estado das Comunicações, ao Presidente da República, para aprovação. 10. Promover interação com administrações de telecomunicações dos países do Mercado Comum do Sul – MERCOSUL, com vistas à consecução de objetivos de interesse comum. Os arts. 5o, 6o e 7o da Lei são importantes do ponto de vista do Direito Econômico, especificamente no que tange às novas funções atribuídas pela Constituição Federal ao Estado. O art. 5o faz referência aos princípios constitucionais da soberania nacional, função social da propriedade, liberdade de iniciativa, livre concorrência, defesa do consumidor, redução das desigualdades regionais e sociais, repressão ao abuso do poder econômico e continuidade do serviço prestado no regime público. Ou seja, o legislador se socorre de princípios constitucionais já enumerados no art. 170 e no § 4o do art. 173, acrescentando um princípio implicitamente contido no art. 37 da CF. O art. 6o repete, de forma exemplificativa, os princípios já enumerados no artigo anterior. Dizer que “os serviços de telecomunicações serão organizados com base no princípio da livre, ampla e justa competição entre todas as prestadoras “ nada mais significa que observar os princípios da liberdade de iniciativa e da livre concorrência. Dizer que o Poder Público deve “atuar para propiciá-la, bem como para corrigir os efeitos da competição imperfeita e reprimir as infrações da ordem econômica “ nada acrescenta às disposições constantes da Lei n. 8.884/94. O art. 7o é uma remissão aos princípios e normas já contidos na Lei n. 8.884/94, quer no que tange à referência às normas gerais de proteção à ordem econômica, quer, mais especificamente, no que diz respeito ao controle da concentração e às práticas que possam, por qualquer forma, limitar, falsear ou prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa. Merece especial atenção a disposição contida no § 2o do art. 7o da Lei. Ali está dito que “os atos de que trata o parágrafo anterior serão submetidos à apreciação do Conselho Administrativo de
Defesa Econômica – CADE, por meio do órgão regulador”. No art. 8o da Lei estabelece o legislador que “fica criada a Agência Nacional de Telecomunicações, entidade integrante da Administração Pública Federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das Comunicações, com a função de órgão regulador das telecomunicações, com sede no Distrito Federal, podendo estabelecer unidades regionais”. Deste dispositivo decorre a consequência lógica da existência de um organismo de âmbito nacional, a superar as competências dos Estados-membros. 4. AGÊNCIA NACIONAL DE PETRÓLEO A Agência Nacional do Petróleo – ANP – foi criada pela Lei n. 9.478, de 6 de agosto de 1997, que, no seu art. 7o, a qualificou como entidade integrante da Administração Federal indireta, submetida ao regime autárquico especial, como órgão regulador da indústria do petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis, vinculado ao Ministério de Minas e Energia.360 O art. 1o da Lei pode ser visto como uma versão diferente do mesmo conteúdo estabelecido no art. 170 da Constituição Federal. Aquele artigo expõe os princípios e objetivos da política energética nacional, podendo citar-se a preservação do interesse nacional, a promoção do desenvolvimento, a ampliação do mercado de trabalho e valorização dos recursos energéticos, a proteção dos interesses do consumidor, do meio ambiente e a promoção da conservação de energia, a promoção da livre concorrência e a ampliação da competitividade do País no mercado internacional. A Agência Nacional do Petróleo difere fundamentalmente das duas anteriores no tocante à característica de seu objetivo. Enquanto a ANEEL e a ANATEL têm como finalidade a concessão, controle e fiscalização de um serviço público, a ANP, com base na disposição do art. 177, com as alterações introduzidas pela Emenda n. 9, de 1995, preservado o monopólio da União Federal, tem como finalidade “promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo” como consta do art. 8o da Lei. Essa diferença decorre do contexto e fundamento político-econômico estabelecidos no art. 1o, pois que ali está referida de modo especial a preservação do interesse nacional. O art. 11 tem conteúdo normativo importante relativamente à independência da Agência. Os integrantes da Diretoria serão nomeados pelo Presidente da República, após aprovação do Senado Federal, e terão um mandato de quatro anos. Permite a lei a recondução, mas não a limita (como consta do § 3o do mesmo artigo). O art. 14 estabelece o período de doze meses de quarentena para os ex-Diretores da ANP. Segue ainda o quadro constitucional o art. 17, que determina que o processo decisório deverá obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. Teria sido conveniente que tivesse constado também, por se tratar de um órgão regulador do setor empresarial, o princípio da eficiência, que veio a ser incluído no art. 37 da Constituição Federal pela Emenda n. 19. 5. BANCO CENTRAL DO BRASIL Como já acenado acima, o Banco Central do Brasil, surgido da transformação da Superintendência da Moeda e do Crédito, por determinação do art. 2o da Lei n. 4.595, de 1964, inserido no contexto do sistema financeiro nacional, sempre teve funções de regulação e de
controle, como se depreende dos arts. 8o a 16 da citada lei. É verdade que suas competências, discriminadas mais especificamente nos arts. 10 e 11, se inserem hoje num contexto semântico que lhes dá uma significação inteiramente diferente. Aliás, é este um problema que desafia o intérprete da lei. Esta, criada pelo legislador num determinado contexto político, econômico e jurídico, se destaca daquela moldura que a enformou para adaptar-se a tempos e contextos novos, sem necessidade de modificação dos termos. A nova realidade se encarrega de dar-lhes novo sentido. Pode-se exemplificar o acima dito com a invocação do disposto no artigo 10, inciso X, letra “c”, da Lei n. 4.595, de 1964. Através daquele dispositivo o Banco Central do Brasil tem competência privativa para “conceder autorização às instituições financeiras, a fim de que possam:... c) ser transformadas, fundidas, incorporadas ou encampadas.” Ora, esta competência se conserva. O que mudou foi o quadro dentro do qual se insere. Se em 1964 não havia uma preocupação com a preservação da concorrência, passa esta a ser um prerrequisito essencial, quer pelo dispositivo constitucional garantidor da liberdade de iniciativa e da livre concorrência, quer também pelo contexto de desregulamentação e pela moldura de concorrência traçada hoje pela Lei n. 12.529, de 2011. Aquela competência tem agora um novo contexto de exigências que devem ser observadas rigorosamente pelo Banco Central, como “agência reguladora” da atividade bancária. O legislador criou todo um contexto legislativo para reger o sistema financeiro nacional, através das seguintes leis: 1. Lei n. 4.595, de 31.12.1964, que dispõe sobre a política e as instituições monetárias, bancárias, cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências. 2. Lei n. 4.728, de 14.07.1965, que disciplina o mercado de capitais e estabelece medidas para o seu desenvolvimento. 3. Lei n. 6.024, de 13.03.1974, que dispõe sobre a intervenção e liquidação extrajudicial de instituições financeiras e dá outras providências. 4. Lei n. 6.045, de 15.05.1974, que altera a constituição e a competência do Conselho Monetário Nacional e dá outras providências. 5. Lei n. 6.385, de 07.12.1976, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários. 6. Lei n. 6.404, de 15.12.1976, que dispõe sobre as sociedades por ações. 7. Lei n. 7.450, de 23.12.1985, que altera a legislação tributária federal e dá outras providências. Aqui vale uma observação. O Banco Central do Brasil recebeu da Lei n. 6.024, de 1974, a competência para intervir em instituições financeiras, nos casos especificados naquele diploma. Ao comentar os arts. 69 e seguintes da Lei n. 8.884, de 1994, citei como modelos de intervenção os das Leis n. 6.024/74 e 6.404/76 e do Decreto-lei n. 7.661/45. A criação das agências reguladoras virá certamente fornecer ao Juiz Federal a possibilidade de uma solução adequada do problema da indicação do interventor. Basta-lhe determinar que a agência reguladora específica de cada setor proceda à intervenção, na forma da lei. 6. AGÊNCIAS REGULADORAS E AS RELAÇÕES DE CONCORRÊNCIA
A criação das agências reguladoras tem a ver com a autorização, concessão ou permissão de prestação de serviços públicos por empresas privadas, competência de estudo do Direito Administrativo. Mas, por outro lado, essas mesmas empresas passarão a concorrer no mercado, com a finalidade de prestar ao consumidor um serviço mais eficiente, de menor custo, de melhor qualidade, de menor preço. Essa dupla perspectiva se insere no contexto de interdisciplinaridade, característica essencial do Direito moderno, e principalmente do Direito Econômico. A concorrência no mercado sujeitará essas empresas, por um ângulo diferente mas correlato, à competência fiscalizadora dos órgãos legalmente habilitados para essa função. É natural, portanto, que na lei criadora de cada uma dessas agências reguladoras se encontrem dispositivos pertinentes à concorrência e, por isso mesmo, à compatibilização da atuação de todos os agentes interessados na regulação e fiscalização. Serão dispositivos legais que se situam num contexto de ligação e de coerência, pois que objeto de estudo de dois ramos do Direito. Já assinalamos tal situação, acima, ao tratar das normas referentes à ANATEL. Será, contudo, importante estabelecer um cotejo entre as normas específicas de cada uma dessas agências, como indicação de fontes de estudo. Em se tratando da relação de controle competitivo entre a ANATEL e o CADE, três diplomas são pertinentes e devem ser interpretados conjuntamente: a Lei n. 9.472, de 16 de julho de 1997, o Decreto n. 2.338, de 7 de outubro de 1997 e a Portaria Conjunta n. 1, de 9 de setembro de 1998, assinada entre os Presidentes do CADE e da ANATEL. Relativamente à Lei n. 9.472/97, cinco artigos têm pertinência direta com o controle da concorrência: Art. 2o O Poder Público tem o dever de: III – adotar medidas que promovam a competição e a diversidade de serviços, incrementem sua oferta e propiciem padrões de qualidade compatíveis com a exigência dos usuários; V – criar oportunidades de inves mento e es mular o desenvolvimento tecnológico e industrial, em ambiente competitivo. Art. 5o Na disciplina das relações econômicas no setor de telecomunicações observar-se-ão, em especial, os princípios cons tucionais da soberania nacional, função social da propriedade, liberdade de inicia va, livre concorrência, defesa do consumidor, redução das desigualdades regionais e sociais, repressão ao abuso do poder econômico e con nuidade do serviço prestado no regime público. Art. 6o Os serviços de telecomunicações serão organizados com base no princípio da livre, ampla e justa compe ção entre todas as prestadoras, devendo o Poder Público atuar para propiciá-la, bem como para corrigir os efeitos da compe ção imperfeita e reprimir as infrações da ordem econômica. Art. 7o As normas gerais de proteção à ordem econômica são aplicáveis ao setor de telecomunicações, quando não conflitarem com o disposto nesta Lei. § 1o Os atos envolvendo prestadora de serviço de telecomunicações, no regime público ou privado, que visem a qualquer forma de concentração econômica, inclusive mediante fusão ou incorporação de empresas, cons tuição de sociedade para exercer o controle de empresas ou qualquer forma de agrupamento societário, ficam subme dos aos controles, procedimentos e condicionamentos previstos nas normas gerais de proteção à ordem econômica. § 2o Os atos de que trata o parágrafo anterior serão subme dos à apreciação do Conselho Administra vo de Defesa Econômica – CADE, por meio do órgão regulador. § 3o Pra cará infração da ordem econômica a prestadora de serviço de telecomunicações que, na celebração de contratos de fornecimento de bens e serviços, adotar prá cas que possam limitar, falsear ou, de qualquer forma, prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa.
Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente: XIX – exercer, rela vamente às telecomunicações, as competências legais em matéria de controle, prevenção e repressão das infrações da ordem econômica, ressalvadas as pertencentes ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE.
O Decreto n. 2.338/97 veio, na sua função regulamentar, detalhar as normas já contidas no preceito legal acima citado. Art. 16. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, e especialmente: XX – exercer, rela vamente às telecomunicações, as competências legais em matéria de controle, prevenção e repressão das infrações da ordem econômica, ressalvadas as pertencentes ao Conselho Administra vo de Defesa Econômica – CADE, observado o art. 18; Art. 17. No exercício de seu poder norma vo rela vamente às telecomunicações, caberá à Agência disciplinar, entre outros aspectos, a outorga, a prestação, a comercialização e o uso dos serviços, a implantação e o funcionamento das redes, a utilização de órbita e espectro de radiofrequências, bem como: III – estabelecer, visando a propiciar a compe ção efe va e a impedir a concentração econômica no mercado, restrições, limites ou condições a empresas ou grupos empresariais quanto a obtenção e transferência de concessões, permissões e autorizações; IX – definir os termos em que serão compar lhados com os usuários os ganhos econômicos do concessionário decorrentes da modernização, expansão ou racionalização dos serviços, bem como de novas receitas alternativas; Art. 18. No exercício das competências em matéria de controle, prevenção, e repressão das infrações à ordem econômica, que lhe foram conferidas pelos arts. 7o, § 2o, e 19, inciso XIX da Lei n. 9.472, de 1997, a Agência observará as regras procedimentais estabelecidas na Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994, e suas alterações, cabendo ao Conselho Diretor a adoção das medidas por elas reguladas. Parágrafo único. Os expedientes instaurados e que devam ser conhecidos pelo Conselho Administra vo de Defesa Econômica – CADE, ser-lhe-ão diretamente encaminhados pela Agência.
Saliente-se que a Lei n. 8.884, de 1994, foi revogada pela Lei n. 12.529, de 2011. Para possibilitar a implementação conjunta e coerente dessas normas de controle da concorrência e aplicação dos princípios constitucionais e legais relativos à espécie, os Presidentes do CADE e da ANATEL deliberaram expedir uma Portaria conjunta com a finalidade de criar uma Comissão que deverá elaborar proposta de plano de cooperação institucional, determinando os procedimentos operacionais para atuação do CADE e da ANATEL na prevenção e na repressão às infrações contra a ordem econômica, quando se tratar de matéria que esteja no âmbito de competência das duas entidades.361 Relativamente à ANEEL, podem-se mencionar também os dispositivos pertinentes à preservação da concorrência, quer na Lei n. 9.427, de 26 de dezembro de 1996, quer no Decreto n. 2.335, de 6 de outubro de 1997, quer também na Resolução n. 94, de 30 de março de 1998, emanada pelo DiretorGeral da Agência. A Lei n. 9.427/96 estabelece normas pertinentes à concorrência no setor elétrico em decorrência da privatização e do consequente ingresso de novos agentes no setor de energia:
Art. 3o Além das incumbências prescritas nos incisos II, III, V, VI, VII, X, XI e XII arts. 29 e 30 da Lei n. 8.987, de 13 de fevereir de 1995, aplicáveis aos serviços de energia elétrica,362 compete especialmente à ANEEL: VIII – estabelecer, com vistas a propiciar concorrência efe va entre os agentes e a impedir a concentração econômica nos serviços e a vidades de energia elétrica, restrições, limites ou condições para empresas, grupos empresariais e acionistas quanto à obtenção e transferência de concessões, permissões e autorizações, à concentração societária e à realização de
negócios entre si; IX – zelar pelo cumprimento da legislação de defesa da concorrência, monitorando e acompanhando as prá cas de mercado dos agentes do setor de energia elétrica, na forma a ser estabelecida em regulamento.
O Decreto n. 2.335/97 minudencia, com visível parcimônia, os dispositivos já contidos na lei: Art. 4o À ANEEL compete: II – incentivar a competição e supervisioná-la em todos os segmentos do setor de energia elétrica; XII – autorizar cisões, fusões e transferências de concessões.
Art. 12. A ação regulatória da ANEEL, de acordo com as diretrizes e competências estabelecidas neste anexo visará primordialmente à: IV – manutenção da livre competição no mercado de energia elétrica. Art. 13. O exercício da livre compe ção deverá ser es mulado pelas ações da ANEEL, visando à proteção e defesa dos agentes do setor de energia elétrica e à repartição de forma justa dos benefícios entre esses agentes e os consumidores.
Parágrafo único. A ANEEL celebrará convênios de cooperação com a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça e demais órgãos de proteção e defesa da ordem econômica com o objetivo de harmonizar suas ações institucionais.
Também a Agência Nacional do Petróleo, criada pela Lei n. 9.478, de 6 de agosto de 1997, se coloca no contexto de promoção e defesa da concorrência, como se pode comprovar pelo seus arts. 1o, 10 e 72: Art. 1o As políticas nacionais para o aproveitamento racional das fontes de energia visarão aos seguintes objetivos: IX – promover a livre concorrência;
Art. 10. Quando, no exercício de suas atribuições, a ANP tomar conhecimento de fato que possa configurar indício de infração da ordem econômica, deverá comunicá-lo imediatamente ao Conselho Administra vo de Defesa Econômica – CADE e à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Jus ça, para que estes adotem as providências cabíveis, no âmbito da legislação pertinente. Parágrafo único. Independentemente da comunicação prevista no caput deste ar go, o Conselho Administra vo de Defesa Econômica – CADE no ficará a ANP do teor da decisão que aplicar sanção por infração da ordem econômica come da por empresas ou pessoas sicas no exercício de a vidades relacionadas com o abastecimento nacional de combus veis, no prazo máximo de vinte e quatro horas após a publicação do respec vo acórdão, para que esta adote as providências legais de sua alçada”.363 Art. 72. Parágrafo único. III – a ANP avaliará, periodicamente, o grau de compe vidade das refinarias, realização dos respec vos planos de investimentos e a consequente redução dos subsídios relativos a cada uma delas.
O Decreto n. 2.455, de 14 de janeiro de 1998, que veio detalhar a normatização estabelecida pela lei, enfatiza as questões pertinentes à concorrência nos arts. 3o, 4o e 14: Art. 3o Na execução de suas atividades, a ANP observará os seguintes princípios: IV – regulação pautada na livre concorrência, na obje vidade, na pra cidade, na transparência, na ausência de duplicidade, na consistência e no atendimento das necessidades dos consumidores e usuários; Art. 4o À ANP compete:
XVI – dar conhecimento ao Conselho Administra vo de Defesa Econômica – CADE, de fatos, no âmbito da indústria de petróleo, que configurem infração da ordem econômica. Art. 14. A ANP regulará as a vidades da indústria de petróleo e a distribuição e revenda de derivados de petróleo e óleo combus vel, no sen do de preservar o interesse nacional, es mular a livre concorrência e a apropriação justa dos bene cios auferidos pelos agentes econômicos do setor, pela sociedade e pelos consumidores e usuários de bens e
serviços da indústria do petróleo.
Não consta ainda a existência de um entendimento entre a ANP e os órgãos de defesa da concorrência no sentido de uma colaboração para o controle adequado do mercado. 7. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA Dando seguimento ao movimento de criação de agências reguladoras, surge no cenário legislativo e institucional a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, criada pela Medida Provisória n. 1.791, de 30 de dezembro de 1998, logo transformada na Lei n. 9.782, de 26 de janeiro de 1999, com as transformações introduzidas pela Medida Provisória n. 1.814, de 26 de fevereiro de 1999. O art. 1o da Lei n. 9.782/99 encampa os objetivos já estabelecidos pelos arts. 15 a 18 da Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Estes artigos tratam da competência e atribuições de todos os órgãos governamentais envolvidos no programa de definição da política nacional de vigilância sanitária como também na definição do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária. O art. 3o cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, autarquia sob regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde, conferindo-lhe, ainda, no parágrafo único independência administrativa, estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira. São, como já vimos, os requisitos essenciais a uma agência reguladora, para que possa atuar com eficiência no mercado. Para o perfeito entendimento da função desta lei no contexto do ordenamento jurídico-econômico d e proteção da concorrência, dever-se-á fazer uma análise contextual das competências e atribuições da Agência, a partir, principalmente, do art. 6o, que define sua finalidade institucional e, como consequência, do alcance de sua competência no âmbito de organização do mercado relevante de proteção e defesa da saúde. Veja-se o alcance do art. 6o: “A Agência terá por finalidade ins tucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços subme dos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras”.
A exegese deste texto deverá fazer-se em consonância com o disposto nos arts. 1 o e 2o da mesma Lei n. 9.782/99, que definem o objetivo do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e a competência da União Federal nessa área, bem como em sintonia com os arts. 7o e 8o da mesma Lei, que definem a competência e atribuições da Agência. Mas não se limita a estes dispositivos o contexto enformativo e explicativo da exegese da Lei. Seu entendimento e sua perfeita aplicação exigem ainda que se faça sua inserção no quadro mais amplo dos dispositivos da Lei de Proteção da Concorrência, mais especificamente o contexto dos arts. 36 e 38 da Lei n. 12.529, de 2011. 8. A CRIAÇÃO DE NOVAS AGÊNCIAS Dentro do contexto geral de uma intervenção estatal sobre o domínio econômico foram criados diversos órgãos, cuja função precípua era a de dirigir em nome do Estado os variados setores da economia nacional, com funções de criação, desenvolvimento, coordenação, supervisão e direcionamento. O Estado tinha um papel muito pujante na condução do fenômeno econômico. Embora não se possa dizer que tenha havido um dirigismo econômico, pode-se dizer que havia uma forte interação dos movimentos centrífugos e centrípetos da atuação econômica do Estado em relação às empresas, reduzidas, muitas vezes, a uma situação de dependência do Estado, quase como condição de sobrevivência.
Mudado o contexto para uma economia de livre funcionamento do mercado, com promoção (advocacy)364 da concorrência entre as empresas, alguns daqueles órgãos perderam suas funções ou lhes foram atribuídas outras, compatíveis com o novo quadro da economia. Mas diversos outros órgãos autônomos vêm sendo criados, com a finalidade de coordenar e promover a concorrência nos diversos setores. Assim é que a criação de agências para regulação de outros setores do mercado continuou, como visto acima, com a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, da Agência Nacional de Águas – ANA, da Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA, que fez ressurgir a SUDAM, da Agência Nacional do Cinema – ANCINE, da Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT, e da Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC. Cada uma dessas agências poderá ser estudada dentro da perspectiva de uma economia de mercado, como quadro em que as empresas concorrem com a finalidade de aumentar o bem-estar do consumidor, de propiciar o progresso econômico e a inovação e de criar condições de desenvolvimento. 9. CONTROLE DA ATUAÇÃO DAS AGÊNCIAS O Senado Federal, por meio da Resolução n. 4, de 12 de março de 2013, alterou a redação do seu Regimento Interno, para introduzir o art. 96-A, adotando-se medida salutar de obrigação de prestação de contas por parte dos dirigentes das agências. Ficam eles obrigados a comparecer anualmente perante o Senado, para prestar contas sobre o exercício de suas atribuições e sobre o desempenho da agência. Deverão também apresentar uma avaliação das políticas públicas no âmbito de suas competências. Pretende-se, com esta medida, submeter a atuação das agências ao crivo de fiscalização democrática do legislativo. É óbvio que essa prestação de contas, pelo crivo da transparência que deve nortear todos os atos da administração pública, ficará disponível para a sociedade. Espera-se, como é natural, que esta exigência leve as agências a adotarem uma postura essencialmente técnica, como forma de regulação do mercado, impedindo-se a politização da direção dessas autarquias. Espera-se que essa medida legislativa enfatize cada vez mais a competência técnica dos dirigentes e integrantes encarregados de efetivar uma regulação cada vez mais eficiente e justa das relações de mercado, com uma proteção eficaz dos interesses dos consumidores. 10. ANÁLISE DO IMPACTO REGULATÓRIO O ente regulador, quer antes, quer depois da adoção de determinada medida regulatória, deve sempre ter presentes os impactos que se produzirão no mercado, na relação entre empresas, na relação entre empresas e consumidores. Ocorrerá, assim, uma análise ex ante e uma análise ex post. A OCDE, em 1997, apresentou um modelo de análise de impacto regulatório, com a finalidade de adoção de práticas de excelência nos países que a integram. A implementação da regulação exige por parte dos Governos medidas que aumentem a eficácia, a eficiência e a transparência. A regulação é um instrumento muito importante e deve ser utilizada para promover o interesse público. E, para isto, as decisões a serem tomadas devem ser muito bem analisadas e examinadas, para que os impactos que provocarem sejam benéficos, quer para as empresas, quer para o cidadão-consumidor,
propiciem os investimentos e estejam integradas no contexto do mercado global. 365 A Análise de Impacto Regulatório – AIR – é, portanto, um instrumento a ser usado por quem deva decidir. É um método para examinar de forma sistemática e consistente os potenciais impactos provocados pelas decisões de governo, e para levar esta informação aos que devem tomar decisões.366 O modelo de análise sugerido pela OCDE propõe a adoção de dez medidas a serem tomadas para se obter o máximo benefício com a regulação. As melhores práticas sugeridas são as seguintes: 1. Maximizar o compromisso político para a adoção da Análise de Impacto Regulatório. 2. Alocar cuidadosamente as responsabilidades para a implementação dos elementos programáticos da AIR. Para isto deverá haver um órgão central para supervisionar o processo de AIR e para garantir consistência, credibilidade e qualidade. Este órgão deve ter suficiente autoridade e competência para exercer esta função. 3. Formar e treinar os reguladores, através de programas adequadamente estruturados. 4. Usar um método consistente, mas flexível, tendo por base o princípio do custo/benefício. A flexibilidade propiciará mudanças, tendo em vista os possíveis efeitos positivos ou negativos. Sugere-se a implementação de instruções com autoridade suficiente para maximizar a consistência. 5. Desenvolver e implementar estratégias de reunião de dados, sabendo-se que a qualidade dos dados é essencial para uma análise proveitosa. 6. Focar os esforços de AIR. Os recursos devem ser destinados para aqueles alvos em que os impactos sejam mais significativos. 7. Integrar a AIR com o processo de tomada de decisões, começando o mais cedo possível. 8. Comunicar os resultados. Os resultados da AIR, formalizados pelos experts, devem ser comunicados de forma clara aos que devem tomar as decisões. 9. Associar de forma ampla o público destinatário ao processo. Deve haver envolvimento dos grupos de interesse, através de um processo de consulta pública. 10. Aplicar a AIR tanto à regulação já existente quanto àquela a ser implementada. A União Europeia, em 15 de janeiro de 2009, adotou também uma Normativa de Análise de Impacto, em substituição às anteriores, de 2005 e 2006. Esta normativa é um instrumento-chave para assegurar que as iniciativas da Comissão e a legislação da União sejam preparadas de forma transparente, compreensiva e equilibrada. Deve ser um auxílio para a tomada de decisão política, não um substituto para ela. Ao elaborar um processo de análise de impacto, algumas questões devem ser previamente respondidas: – qual a natureza e a abrangência do problema, como ele se desdobra e quem é mais afetado por ele? – qual é a visão dos grupos interessados? – a União deve envolver-se na solução do problema? – se positiva esta última resposta, quais objetivos devem ser estabelecidos para tratar o problema? – quais as principais opções políticas para alcançar estes objetivos?
– quais os prováveis impactos econômicos, sociais e ambientais destas opções? – como as principais opções diferem em termos de eficácia, eficiência e coerência para a solução dos problemas? – como deverão ser organizadas as futuras medidas de monitoração e de avaliação?
A normativa estabelece os passos que deverão ser seguidos: – identificação do problema; – definição dos objetivos; – desenvolvimento das principais opções políticas; – análise dos impactos das opções; – comparação das opções; – delineamento da política de monitoração e de avaliação.367
O Brasil, desde 28 de março de 2002, com o Decreto n. 4.176, estabeleceu normas e diretrizes para coordenação e implementação dos atos normativos no âmbito do Poder Executivo. O Anexo I deste Decreto se aproxima bastante da temática sugerida no texto da OCDE, ao mencionar as questões que devem ser analisadas na elaboração de atos normativos, ao estabelecer os passos que devem ser perseguidos no detalhamento dos problemas, fixação dos objetivos, dentre os quais, exemplificativamente, os seguintes: – Deve ser tomada alguma providência? – Qual o objetivo pretendido? – Quais as razões que determinaram a iniciativa? – Que repercussões tem o problema que se apresenta no âmbito da economia, da ciência, da técnica e da jurisprudência? – Qual é o conjunto de destinatários alcançados pelo problema, e qual o número de casos a resolver? – O que poderá acontecer se nada for feito? – Quais as alternativas disponíveis? – Qual foi o resultado da análise do problema? Onde se situam as causas do problema? Sobre quais causas pode incidir a ação que se pretende executar? – Quais os instrumentos de ação que parecem adequados?
O Decreto n. 6.062, de 16 de março de 2007, instituiu o Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação – PRO-REG – com a finalidade de contribuir para a melhoria do sistema regulatório, da coordenação entre as instituições que participam do processo regulatório exercido no âmbito do Governo Federal, dos mecanismos de prestação de contas e de participação e monitoramento por parte da sociedade civil e da qualidade da regulação de mercados (art. 1º). O PRO-REG passou a exercer suas atividades com a formulação e implementação de medidas integradas que tenham por objetivo: – fortalecer o sistema regulatório de modo a facilitar o pleno exercício de funções por parte de todos os atores; – fortalecer a capacidade de formulação e análise de políticas públicas em setores regulados; – melhorar a coordenação e o alinhamento estratégico entre políticas setoriais e processo regulatório; – fortalecer a autonomia, transparência e desempenho das agências reguladoras;
– desenvolver e aperfeiçoar mecanismos para o exercício do controle social e transparência no âmbito do processo regulatório.
Em dezembro de 2010, foi publicado documento em que se adota a “Análise do Impacto Regulatório”, fruto do Convênio de Cooperação entre Brasil e Reino Unido, para apoiar a atuação do Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação – PRO-REG. A regulação do mercado por parte das agências reguladoras é hoje um fenômeno mundial, como demonstrado. Os contatos de informação com outros países trazem uma valiosa contribuição, mas não se pode esquecer a peculiaridade cultural de cada um. É o que se depreende do documento que resultou do Convênio mencionado: A regulação é um instrumento de governo que tem enormes consequências para o dia a dia de uma sociedade, assim como para o desempenho de uma economia. [...] Por isso é importante olhar para a forma e os procedimentos existentes para preparar e implementar a regulação. A tendência internacional sugere que muitos países estão se concentrando em manter uma polí ca regulatória de qualidade que abranja toda a administração em seu conjunto e seja guiada por critérios obje vos e procedimentos mais claros e sistematizados. Afirma Alain-Serge Mescheriakoff que “nasce a ideia de que incumbe ao Estado minorar os efeitos das crises econômicas, melhor ainda evitá-las a fim de conduzir os homens à felicidade terrena. Esta concepção do Estado-providência terá campo de aplicação a par r das desordens econômicas após a guerra de 1914-1918 e sobretudo depois da grande depressão de 1929” ( Droit public économique. 2e ed. revue et augmentée, 1996. p. 50). Cf. HAYEK, Friedrich A. La route de la servitude. Paris: PUF, Quadrige, 1985. Droit, legislation et liberté. Paris: PUF, 1980. Observa Coase: “It would seem desirable to summarize the burden of this long section. The problem which we face in dealing with harmful effects is not simply one of restraining those responsible for them. What has to be decided is whether the gain from preven ng the harm is greater than the loss which would be suffered elsewhere as a result of stopping the ac on which produces the harm. […]Furthermore we have to take into account the costs involved in opera ng the various social arrangements (whether it be the working of a market or of a government department), as well as the costs involved in moving to a new system. In devising and choosing between social arrangements we should have regard for the total effect. This, above all, is the change in approach which I am advocating” (The problem of social cost. In: The journal of law and economics, v. III, 44, p. 27-28, october 1960). Observa A.-S. Mescheriakoff que para a concepção extraída dos trabalhos de Hayek “o mercado, bem melhor do que o plano, é ‘redutor de incerteza’ (a expressão é de P. Massé, Le plan ou l’an -hasard. Paris: Gallimard, 1965). Nesta perspec va, o papel do Estado não é mais de se subs tuir ao mercado mas o de melhorar tanto quanto possível o seu funcionamento. Uma nova teoria econômica, a das ‘antecipações racionais’ se des na a formalizar este novo papel. O Estado deve desempenhar um papel de estabilizador das condutas econômicas e não querer modificá-las ar ficialmente. Fala-se de um ‘novo Estado gendarme’, gendarme do mercado, ‘de intervencionismo liberal’ des nado a fazer respeitar a ‘regra do jogo’” ( Droit public économique. 1996. p. 71). No caso COSTA-ENEL (C aso 6/64, decidido pelo Tribunal de Jus ça da Comunidade em 15 de julho de 1964) o Tribunal afirma: “Diferentemente dos tratados internacionais, o Tratado CEE estabeleceu um ordenamento jurídico próprio integrado ao sistema jurídico dos Estados-Membros desde a entrada em vigor do Tratado e que se impõe às suas jurisdições. Ao estabelecer-se uma Comunidade de duração ilimitada, dotada de ins tuições próprias, de personalidade, de capacidade jurídica, de uma capacidade de representação internacional e, mais concretamente, de poderes reais se instaura uma limitação de competências ou uma transferência de faculdades dos Estados-Membros à Comunidade, os quais limitaram seus direitos de soberania e criaram um corpo de Direito aplicável a seus cidadãos e a eles próprios. Esta integração no Direito interno de cada país-membro de normas procedentes de fontes comunitárias e, com caráter mais geral, dos termos e do espírito do Tratado tem como corolário a impossibilidade dos Estados de fazer prevalecer, contra um ordenamento jurídico aceito por eles sobre uma base recíproca, uma medida unilateral ulterior que se oponha a tal ordenamento comunitário; o Direito que surge do Tratado cons tui uma fonte autônoma à qual não pode opor-se, com base em sua natureza específica original, um texto jurídico interno, qualquer que seja ele, sem perder seu caráter comunitário e sem que se ques one a própria base jurídica da Comunidade” (José Luis Ruiz-Navarro Pinar. Derecho comunitario básico: legislación y jurisprudencia. Madrid: Editorial Universitas, 1991. p. 28-50). No caso NICOLO, o Conseil d’État se pauta pelo mesmo pensamento: “A hierarquia que se estabelece entre o tratado internacional e a lei é definida pelo ar go 55 da Cons tuição segundo o qual: ‘Os tratados ou acordos regularmente ra ficados ou aprovados têm, desde sua publicação, uma autoridade superior à das leis, sob reserva, para cada acordo ou tratado, de sua aplicação pela outra parte’” (Long, M. et alii. Les grands arrêts de la jurisprudence administrative. Paris: Dalloz, n. 116, 1993. p. 742-751). Observa Gentot que a extensão dos poderes do Presidente da República, dentre eles a possibilidade legal de revogar o mandato de
um membro da Federal Trade Commission antes de sua expiração. No caso Humphrey’s Executor v. United States, a Suprema Corte decidiu que o Congresso nha do a intenção de criar um corpo independente de toda autoridade execu va, exceto em sua escolha, e livre para exercer seu julgamento sem a autorização dos representantes da administração e, assim fazendo, ele não tinha violado a Constituição. 94 US 126 (1877). 118 US 557 (1886). Cf. MESCHERIAKOFF, Alain-Serge. Droit public économique. 1996. p. 143. Ver também MENY, J.-C. Y. Politiques publiques. 1989. Em trabalho publicado no Movimento Editorial da Faculdade de Direito da UFMG, em 1997, observei que um Estado não pode adotar polí cas econômicas restritamente a determinado campo econômico-social, sem se preocupar com os reflexos das medidas ali adotadas sobre outros campos (LEOPOLDINO DA FONSECA, J. Direito B. econômico: polí cas econômicas. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG, 1997. p. 5-6). Jacques e Cole e Nême também observam que toda polí ca econômica deve ser coerente em seus obje vos, seus meios e os prazos que ela se impõe. A planificação explicita e quan fica esta coerência. Nos países desenvolvidos, de economia de mercado, sua origem varia. A planificação conduz a hierarquizar os obje vos, a quan ficálos e a verificar a compa bilidade dos meios com os fins de maneira mais sistemá ca que uma simples polí ca econômica (Poli ques économiques comparée. Paris, Presses Universitaires de France, p. 26, 1989). No mesmo sen do a análise feita por Calixto Salomão Filho, quando, ao comentar os princípios fundamentais da ordem econômica brasileira, estabelecidos no ar go 170 da Cons tuição Federal de 1988, afirma: é claro que mesmo entre esses princípios fundamentais, é possível o conflito. Medidas obje vando a jus ça social podem não ser totalmente compa veis com a livre inicia va, e vice-versa. Nesse caso, não parece haver outra alterna va a não ser dar prevalência ao princípio mais diretamente afetado pela medida específica em análise” (Direito concorrencial: as estruturas. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 177). Após apresentar os modos tradicionais de intervenção do Estado e que seriam o exercício da a vidade pelo Estado em regime de monopólio, o exercício pelo par cular com regulamentação direta pelo Estado e o controle da entrada no mercado realizada pelo Estado num processo compe vo de licitação, acrescenta Calixto Salomão Filho que a Lei n. 9.074/95 optou por um quarto caminho, numa tenta va de restringir os custos fixos de acesso a fatores de produção, prevendo ainda que “as priva zações seguidas de concessões poderão ser feitas sem reversão dos bens des nados ao serviço público (v.g. linhas de transmissão) que eram u lizados (direito de uso) pelas empresas públicas (ou de economia mista) e con nuarão a sê-lo pelos par culares (art. 28)” (Direito concorrencial: as estruturas. São Paulo: Malheiros, 1998. nota 60, p. 196). Na Espanha, San ago Mar nez Lage, ao in tular o editorial daGaceta jurídica de la C. E., n. 128, com a pergunta “¿Órganos sectoriales de defensa de la competencia?”, observa que a adoção de “entes reguladores” seria uma pura tradução da denominação americana “regulatory agencies”. Cita como já existentes na Espanha a Comisión Nacional del Mercado de Valores (criada pela Lei n. 24/1988), a Comisión del Sistema Eléctrico Nacional (CSEN, criada pela Lei n. 49/1994, reformada pela Lei n 54/97), a Comisión del Mercado de las Telecomunicaciones (CMT, criada pelo Real Decreto-lei n. 6/1996, reformada pela Lei n. 12/97, e em vias de ser novamente reformada pelo Proyecto de Ley General de Telecomunicaciones), a Comisión Nacional de Energía (CNE, em vias de criação se for aprovado o Proyecto de Ley del Sector de Hidrocarburos), e o Comisionado para el Mercado de Tabacos (Co. M.T., em vias de ser criado se aprovado o Proyecto de Ley de Ordenación del Mercado de Tabacos) (San ago Mar nez Lage, “¿Órganos sectoriales de Defensa de la Competencia?”Gaceta jurídica de la C.E. y de la competencia. Boletín, n. 128, p. 1, nov. 1997). A Lei n. 11.972, de 2009, alterou a Lei n. 9.782/99. Les Autorités Administratives Indépendantes. 1994. § 47. Discorda Martínez Lage da denominação de “agência reguladora”, por lhe parecer que detêm estes órgãos um papel mais acentuado de “vigilância”: “No nos proponemos llevar a cabo un análisis sistemá co de las competencias de estos entes, ni un intento de catalogación de los mismos según sus funciones – tarea más propia de un administra vista – aunque no podemos dejar de llamar la atención sobre lo inadecuado de su denominación como entes reguladores, pues todos ellos aparecen legalmente configurados en mucha mayor medida como entes vigilantes que como entes reguladores. Quisiéramos, en cambio, subrayar la existencia de un fenómeno claramente percep ble en la evolución de la prác ca totalidad de estos organismos: su progresivo deslizamiento hacia la vigilancia de la competencia en el mercado” (¿Órganos Sectoriales de Defensa de la Competencia? Gaceta jurídica de la C.E. y de la competencia, n. 128, p. 2, nov. 1997). Ibidem, n. 47-48. Chevron U.S.A. Inc. v. NRDC, 467 U.S. 837 (1984) MAJONE, G., New Agencies in the EC: Regulation by Information. The new european agencies: conference report, Alexander Kreher (editor), San Domenico, Badia Fiesolana, 1996. p. 5. MAJONE, G., ob. cit. p. 6. MAJONE, G., ob. cit. p. 7. No capítulo 1 enfatizamos algumas das características do Direito Econômico, dentre as quais o declínio do princípio da generalidade das leis, o princípio da mobilidade e a crise da impera vidade das leis. Citamos como exemplo as normas emanadas pelo Banco Central do Brasil, que já se afirmava, desde 1965, como uma autên ca Agência Reguladora do setor financeiro. Afirmou-se que a urgência do fenômeno econômico exige a formulação mais rápida de normas reguladoras. As agências reguladoras que hoje estão se implantando deverão fazer uso cada vez mais acentuado desse novo po de normas, mantendo o respeito absoluto ao critério
da legalidade, imposto pela Cons tuição Federal. (OCDE/GD(97)132. Applica on of Compe on Policy to the Electricity Sector, p. 151-152). Ao se referir ao maior custo da elaboração de normas através dos órgãos cons tucionalmente competentes para elaborar leis, afirma POSNER que a elaboração de normas reguladoras pelasagências se torna um instrumento norma vo de menor custo. Assim diz ele: “We must also consider, however, the increase over me in the cost of statutory rulemaking brought about by the fact, emphasized earlier in this paper, that legislatures cannot be expanded to handle a rising workload without very sharp increases in the costs of enactement. This problem has been met by increased delega on to administra ve agencies (as well as by more flexible principles of statutory construc on on the part of both courts and agencies. The importance of agencies, rela ve to courts, as sources of rules has increased drama cally, and this is consistent with the view that society is seeking to adapt to changes over me in the rela ve costs of different methods of producing rules” (POSNER, Richard A., Economic Analysis of Legal Rulemaking. In: The Journal of Legal Studies. V. III, p. 280, January, 1974). MAJONE, G. (New agencies in the EC: Regulation by Information, In: The new european agencies: conference report. p. 9). MAJONE, G. ibidem. p. 9). MAJONE, G. ibidem. p. 10). Diz Es evenart: “Et donc finalement on a pu réaliser un consensus sur la créa on d’une agence de droit communautaire, et on a demandé à la Commission à ce moment-là de faire une proposi on – je crois en 1991 – et ce e proposi on a été faite début 1992 et a été négociée jusqu’au mois de février 1992, où le réglement a finalement été adopté à l’unanimité par le Conseil, puisque basé sur l’ar cle 235 du Traité. Pour quelles raisons a-t-on fait finalement ce grand pas, si on le met en perspec ve avec le cadre juridique pré-existant? C’est que l’absence d’informa on, c’est aussi une poli que. Donc décider de faire de l’informa on, ce n’est pas neutre poli quement, c’est décider d’apporter de la vérité sur un sujet, c’est-à-dire décider que la décision poli que pourra moins se faire à l’avenir sans référence aux réalités présentées par un système d’informa on qui fonc onne plus ou moins correctement” (ESTIEVENART, Georges, L’Observatoire Européen des Drogues et des Toxicomanies. In:The new european agencies – conference report. p. 17). “Il y a un autre élément qui me paraît tout à fait décisif aussi dans la structure de ce e agence, et c’est une plus-value énorme par rapport aux prédécesseurs, aux précurseurs (le Groupe Pompidou du Conseil de l’Europe), ce sont les courroies de transmission vers les niveaux de la prise de décision poli que de l’Union. Une autre plus-value de départ de ce e agence, c’est que justement elle n’est pas du tout appelée à fonc onner comme un ins tut. Elle est surtout appelée à fonc onner comme un animateur, ce qui correspond bien d’ailleurs à la pe te taille de son staff, au départ en tout cas, comme un animateur d’un réseau d’observatoires nationaux sur la drogue” (idem, ibidem. p. 18). “Criteria and procedures for approval of human and veterinary medicines, together with several other important aspects of pharmaceu cal legisla on, have been extensively harmonised within the European Union. The Community provisions applicable to medicinal products include binding legisla on (regula ons and direc ves), as well as ‘so law’ in the form of numerous guidelines on the conduct of the quality, safety and efficacy studies and a no ce to applicants describing the administra ve procedures to be followed in order to obtain authorisation of medicinal products” (SAUER, Fernand. Ibidem. p. 24). “As many of us have repeated, should we not have had an EEC nor an EU, we should have needed one on environment grounds. In the dynamic process, during the 80’s, the required shift from a ‘reactive environmental policy’ to an ‘active’ one was evident, from ‘end of the pipe’ solu ons to ac on at the source’, from ‘correc on’ to ‘preven on’, from the ‘environment as burden’ to ‘environment as a challenge and an opportunity’ for assuring a con nuous and balanced improvement in the quality of life, which implied an increase in the ins tu onal capaci es to provide the policy-makers (and the public in general) with the best informa on to develop and implement adequate measures at na onal and EU level” (JIMENEZ-BELTRAN, Domingo. Ibidem. p. 2930). Afirma Jimenez-Beltrán: “The objec ves of the Agency are to provide the Community and the Member States with objec ve, reliable and comparable informa on, enabling them to develop and implement adequate environmental policies, and to assure that the public is properly informed about the state of the environment “ (JIMENEZ-BELTRAN, Domingo, The European Environment Agency. The new european agencies – conference report, p. 30). COMBALDIEU, J. C. Histoire, experience et futur de l’office de l’harmonisa on dans le marché intérieur (Marques, Dessins et Modéles), The new european agencies – conference report. p. 49). DUTRA, Pedro, Agência de vigilância sanitária. In:Revista do Ins tuto Brasileiro das Relações de Concorrência e de Consumo: doutrina, jurisprudência, legislação, São Paulo, n. 7, v. 5, p. 3, 1998. Ver também do mesmo autor: Regulação na Forma da Lei. In: Revista do Instituto Brasileiro das Relações de Concorrência e de Consumo: doutrina, jurisprudência, legislação, São Paulo, n. 10, v. 5, p. 5-6, 1998; Novos Órgãos Reguladores: Energia, Petróleo e Telecomunicações. In:Revista do Ins tuto Brasileiro das Relações de Concorrência e de Consumo: doutrina, jurisprudência, legislação, São Paulo, p. 37-50, março, 1997; Regulação: Segurança Jurídica e Inves mento Privado. In:Revista do Ins tuto Brasileiro das Relações de Concorrência e de Consumo: doutrina, jurisprudência, legislação, São Paulo, n. 3, v. 5, p. 5-6, 1998; Reforma do Estado: Avanço e Memória. In:Revista do Ins tuto Brasileiro das Relações de Concorrência e de Consumo: doutrina, jurisprudência, legislação, São Paulo, n. 5, v. 5, p. 5-6, 1998; A Saúde da Regulação. In: Revista do Ins tuto Brasileiro das Relações de Concorrência e de Consumo: doutrina, jurisprudência, legislação. São Paulo, n. 6, v. 5, p. 17-18, 1998; Regulação: O Desafio de uma Nova Era. In:Revista do Ins tuto Brasileiro das Relações de Concorrência e de Consumo: doutrina, jurisprudência, legislação, São Paulo, n. 2, v. 5, p. 5-15, 1998. Ver também:
BENJÓ, Isaac, A Urgência do Aparato Regulatório no Estado Brasileiro. In: Revista do Ins tuto Brasileiro das Relações de Concorrência e de Consumo: doutrina, jurisprudência, legislação, São Paulo, p. 3-12, abril 1997. Ao se referir a estas “caracterís cas” das agências reguladoras, na terminologia adotada por Pedro Dutra, o Professor Eurico de Andrade Azevedo, em excelente ar go afirma que “as agências reguladoras federais foram criadas como autarquias sob regime especial, regime este caracterizado pelo conjunto de privilégios específicos que a lei outorga à en dade para a consecução de seus fins”. Permito-me somente uma divergência, não de conteúdo, mas somente terminológica quanto ao uso da palavra “privilégios”, hoje tão distorcida. Bastaria consultar o Dicionário do Aurélio, para encontrarmos outro termo que acredito diga a mesma coisa, mas de maneira mais adequada. Ali se define “privilégio” como a “Vantagem que se concede a alguém com exclusão de outrem e contra o direito comum”. Creio, contudo, que seria melhor outro sinônimo oferecido pelo mesmo dicionarista: “prerroga va”, que não se presta ao uso deprecia vo hoje vulgarizado (Agências reguladoras. In: Revista de Direito Administrativo. n. 213, p. 141-148, jul.-set. 1998). Como enfa zou Judith Warrick em palestra proferida em Seminário promovido pela CEMIG – Centrais Elétricas de Minas Gerais, no período de 9 a 11 de novembro de 1998, toda a América La na passa por um processo de priva zação e de criação de um ambiente de compe vidade no setor elétrico, enfrentando problemas comuns a todos os países, ou seja, um contexto econômico incerto composto por regulações, polí cas e problemas que poderiam tornar a operação de uma empresa de eletricidade di cil em qualquer ambiente. Afirmou ela: “Our objec ve this a ernoon is to share experiences about opera ng in a compe ve environment and restructuring the industry. I’ve been asked to lead-off and address several topics: • Why and how should competition be introduced? • What is the importance of vertical disaggregation in restructuring? • What strategic actions are necessary in a competitive environment? • How can the continuity of a competitive market be insured? • The importance of a transitional period. • And finally, some reflections on the future, including New Products, Investments, Returns”. E, ao finalizar as considerações sobre a primeira parte, por que introduzir a concorrência, assim o faz: “So I conclude that a system should be opened to as much compe on as possible, as soon as possible. I further strongly believe that while today some aspects of the electricity have characteris cs of a monopoly, in the near future there will be essen ally no monopoly aspects in the provision of electricity. I recognize that this is a radical view – one not shared by many of my fellow observers of the electricity industry. As I said, I empathize with those who prefer to move more slowly. I empathize with those faced with real- me, real-life problems of subsidies and overstaffing, of bureaucra c and opera onal inefficiencies, of financial distress and capacity shortages, of a desperate need for capital. Nonetheless, in my experience, the vast majority of non-market solu ons to overcome system inefficiencies simply don’t work. They virtually always create new, o en much greater problems. Making tough decisions, by definition, isn’t easy. But I can’t remember when a Band-Aid approach hasn’t been worse than letting the market work. So, let’s assume that the system is ready to be opened, and that the powers that be open it quickly and completely” (texto fornecido gentilmente pela Direção da CEMIG, através do Dr. Rubens Ferreira Campos). Cf. OCDE/GD(97)132. OCDE/GD(97) 132, “Application of Competition Policy to the Electricity Sector”, p. 7). “The Canadian electricity sector has tradi onally consisted of ver cally integrated, regulated or government-owned monopoly u li es. However, in Canada, as in other countries, there is growing interest in using market forces to promote the efficient and low cost supply of power. (Application of competition policy to the electricity sector. OCDE/GD(97)132, p. 27). “Over the past three years, the compe on Bureau has been ac ve in promo ng pro-compe ve structural and regulatory reforms in the Canadian electricity sector. In 1993, the Bureau provided a submission to the Na onal Energy Board’s Review of Inter-U lity electricity Trade in Electricity. The Compe on Bureau has played an ac ve role in recent ini a ves rela ng to the opening of the Canadian electricity system to compe on. This role will con nue as deregula on of the Canadian electricity sector proceeds” ( Application of competition policy to the electricity sector, OCDE/GD(97)132, p. 32-33). The Government believes that competition is the best guarantee of customers interests. It also provides choice for customers, and an underlying principle of the priva sa on was that decisions about the supply of electricity should be driven by the needs of customers. Compe on was introduced, in both supply and genera on, in 1990. ( Applica on of compe on policy to the electricity sector. OCDE/GD(97)132, p. 134). Regula on and an trust have had an uneasy coexistence, given their somewhat inconsistent thrusts: an trust encourages compe on but for the most part does not a empt to control a firm’s prices, investments, and technology choices, whereas regula on does a empt to control such decisions and o en restricts entry into the industry as well, thereby reducing compe on. The difficul es in reconciling these approaches, and the distor ons that stem from regula ng monopolies, have created growing support for moving toward a more integrated compe ton-cum-an trust regime. Regulatory reforms in the 1970s and 1980s demonstrated that largely unregulated compe on yields more efficient performance in such tradi onally regulated industries as air transport, railroads and trucking, natural gas produc on, and long-distance telephone service. More recently, technological advances have further increased the scope for compe ton in local telephone and cable service and in the electric power industry. Regulatory regimes should adapt to changing condi ons, to help shrink the boundaries of the regulated sector and rely more on competition (Application of competition policy to the electricity sector. OCDE/GD(97)132, p. 140).
Edição de 10.09.1997. Redação alterada pela Lei n. 11.097, de 2005. O texto integral dessa Portaria foi publicado pela Revista de direito econômico, n. 28, p. 121-122, agosto/dezembro de 1998. Dentre as incumbências prescritas nos arts. 29 e 30, rela vamente à matéria concorrencial, vale ressaltar as seguintes: es mular o aumento da qualidade, produ vidade, preservação do meio ambiente e conservação (art. 29, X); incen var a compe vidade (art. 29, XI); es mular a formação de associações de usuários para defesa de interesses rela vos ao serviço (art. 29, XII), e ainda dispõe o legislador que “no exercício da fiscalização, o poder concedente terá acesso aos dados rela vos à administração, contabilidade, recursos técnicos, econômicos e financeiros da concessionária” (art. 30). Com a redação dada pela Lei n. 10.202, de 2001. Lembra-me, neste ponto, a carta reme da pelo Prof. ALBERTO VENÂNCIO FILHO ao Sr. Presidente do IBRAC, Dr. Carlos Francis Magalhães, e ao Sr. Presidente do CADE, Prof. Gesner de Oliveira, publicada naRevista do IBRAC, n. 1, v. 5, p. 3-4, 1998, em que o Mestre assinala que “em trabalhos doutrinários, como nos pronunciamentos do CADE, está se desenvolvendo uma a tude perversa de citação de termos em inglês, perfeitamente traduzíveis para o vernáculo”. Outras vezes se fazem traduções com base numa semelhança de formas, embora os significados sejam diferentes. Assim, o termo “advocacy” é definido pelo Random House Unabridged Dic onary como “the act of pleading for, suppor ng or recommending ac ve espousal”. O Black’s Law Dic onary define “advocacy” com os mesmos termos. A mais adequada tradução para o português seria a de “defender, patrocinar, promover”. Se consultarmos o verbete “advocacia”, no dicionário do Aurélio, ali encontraremos: ação de advogar, profissão ou exercício da profissão de advogado. Daí por que optamos por traduzir a expressão inglesa “advocacy of compe on” por “defesa, patrocínio ou promoção da concorrência”. Regulatory Impact Analysis: Best Practices in OECD Countries, Foreword, p. 3. Regulatory Impact Analysis: Best Practices in OECD Countries: What is Regulatory Impacta Analysis? p. 14 European Commission, Impact Assessement Guidelines, 15 january 2009. Cf. ; poderá também consultar-se: .
7 PLANEJAMENTO ECONÔMICO 1. A BUSCA DA RACIONALIDADE A partir do século XVIII se pode verificar um grande esforço do pensamento filosófico para estabelecer, através da razão, critérios de condução das atividades humanas. O pensamento iluminista correlaciona racionalismo e democracia. É a partir da formulação dos princípios racionalistas que se chega à afirmação da igualdade de todos os seres humanos e à condenação de qualquer forma de autoritarismo. Mas é também partindo da conceituação da supremacia racional que se buscam critérios para organizar toda a sociedade. A racionalidade no agir pressupõe uma adequação entre os meios utilizados e os fins a serem alcançados. Esta racionalidade pode ser encontrada nas relações de mercado, e era assim que Adam Smith concebia o funcionamento do mercado, como impregnado de leis que funcionavam de tal modo a levar aquelas relações a uma situação de harmonia. A esta situação se costuma denominar de racionalidade do mercado. Mas, ainda no século XIX, ficou evidenciado que aquela racionalidade, deixada ao livre funcionamento de suas forças intrínsecas, não produziu resultados satisfatórios. De uma racionalidade que privilegiou exclusivamente o interesse individual, atribuindo ao indivíduo todo o valor, exaltando-o acima da própria sociedade, se passa a uma outra fase. Era necessário enfatizar o interesse da sociedade, como forma de buscar um novo equilíbrio social, uma nova racionalidade. À racionalidade do mercado, centrada sobre o interesse exclusivo do indivíduo, substitui-se uma racionalidade social, que procura concretizar os interesses do grupo social, no pressuposto de que se estaria propiciando um equilíbrio em que todos os indivíduos viessem a ser beneficiados. Mas esse esforço de valorização do social não chegou a produzir frutos concretos. A necessidade de encontrar-se um outro caminho ficou demonstrada quer com os acontecimentos econômicos que antecederam e sucederam à Primeira Grande Guerra, quer com os que se seguiram à Grande Depressão. A partir de então, busca-se uma racionalidade que venha a ser criada de fora, com a participação do Estado. Surgem, a partir do término da Primeira Grande Guerra, os esforços dos planificadores públicos. A planificação passa a ser vista como dotada de uma força externa aos fenômenos sociais e econômicos, a aplicar-se sobre eles para alcançarem as metas propostas. A ação dos planificadores públicos encontrou um problema substancial, qual seja o de sua compatibilidade com o planejamento empresarial, que continuou subsistindo atrelado às leis do mercado. Essa busca de compatibilização é essencial, para que os esforços desenvolvidos não se contraponham, mas persigam a possibilidade de colocação de metas que interessem a ambos os lados.368 1.1. Razão e democracia A marca fundamental dos poderes da mente humana se exterioriza a partir do momento em que o homem descobre que pode organizar a sua própria vida individual e a vida da sociedade em que se situa. O poder é visto e explicitado em lei como uma decorrência da razão humana. Quando os textos constitucionais afirmam que “o poder emana do povo e em seu nome é exercido”, estão a aceitar pressupostos racionalistas que, em lugar de submeter-se a um fatalismo, ou um determinismo ou uma
intromissão do divino na condução dos negócios humanos, atribuem ao homem o poder de reger sua própria vida. Esse poder se estende a todos os campos da vida social: a organização política e a organização econômica. Aquela foi de imediato objeto do estabelecimento de normas nos textos constitucionais, esta só mais tardiamente veio a se impor. Pressupõe-se então que o povo possa se organizar economicamente, fazendo com que a atividade econômica se reja segundo as exigências da organização política e social. O homem se capacita de que pode introduzir uma organização econômica no plano social, não somente no plano da individualidade ou no plano corporativo, como forma de concretizar a democracia, que é então entendida como participação de toda uma coletividade.369 1.2. Racionalidade e mercado É fundamental para a vida moderna aceitar-se a tese de que a racionalidade do mercado, a adequação interna de seus elementos constituintes, possa vir a ser objeto da intervenção de um ator que está impregnado por uma lógica diferente da que rege os seus critérios intrínsecos. O Estado, quando intervém no mercado, o faz levado por forças de coerência diferentes daquelas que ali atuam. Diferentes, contudo, não significa que devam ser-lhes contrárias. Esta diferença se manifesta como resultado de princípios de origem distinta, a liberdade individual e o interesse social. Daí por que o Estado intervém secundando os direcionamentos intrínsecos do mercado, mas também alterando seus rumos. Como veremos mais adiante, a prática da planificação deve situar-se no contexto de um discurso aberto e racional, devendo sujeitar-se a amplas discussões para se atingir uma forma de consenso.370 1.3. Planejamento e racionalidade O planejamento econômico surge no século XX como forma de imprimir ao mercado um direcionamento diferente daquele que o regeria se deixado às suas “leis naturais”. O planejamento tem como finalidade fazer com que a tomada de decisões e a informação de ações sejam impregnadas de racionalidade. Distingue John Friedmann uma planificação “ortogonal”, criada para uma ordem hierárquica e estática, em conformidade com uma razão divina ou cósmica,371 de uma planificação científica e técnica, dotada de dinamicidade e de criatividade, voltada para o futuro e para a criação de uma nova realidade; procura valer-se do conhecimento científico e técnico para poder influir as ações no âmbito público. Para esse autor, o planejamento pode revestir-se de três formas: de manutenção, de mudança evolutiva, e de transformação radical. Lembra Friedman que a ideia de planejamento social vem já de dois séculos, tendo assumido formas variadas nesse lapso de tempo. Saint-Simon (Claude-Henry de Rouvroy – 1760-1825) pode ser considerado o pai do planejamento social,372 através de três de suas obras: O Organizador, O Novo Cristianismo e Da Reorganização da Sociedade Europeia. Seguidor do pensamento de SaintSimon, Augusto Comte (1798-1857) publica em 1822 o Plano de Trabalhos Científicos Necessário para a Reorganização da Sociedade, em que defende a seguinte tese: A elaboração de qualquer plano para a organização social abarca necessariamente duas séries de trabalhos tão diferentes em seus objetos como nos esforços intelectuais que requerem. Uma, teórica ou espiritual, aponta para o desenvolvimento da concepção condutora do plano – isto é, para o novo princípio des nado a coordenar as relações sociais – e para a formação do sistema de ideias gerais, preparadas para guiar a sociedade. A outra, prá ca ou temporal, decide sobre a distribuição da autoridade e a combinação de ins tuições administra vas que melhor se adaptem ao espírito do sistema previamente determinado pelos trabalhos intelectuais”.373
Distingue Friedman quatro perspectivas do planejamento: a da reforma social, e a de mobilização
social, que são de tendência radical, e ainda a análise de políticas e a aprendizagem social, que são de tendência conservadora. A tradição da reforma social, de tendência radical, mas de orientação social, reúne autores que querem encontrar caminhos adequados para institucionalizar a prática da planificação e fazer com que o Estado tenha um papel mais efetivo na condução da economia. Como representantes desta corrente, podemos assinalar John Maynard Keynes (General Theory – 1936) e Herbert Hoover. 374 Foi dentro do pensamento desta corrente que Franklin Delano Roosevelt criou o National Planning Board. Cite-se ainda Harlow S. Person, para quem “a planificação se canaliza mediante uma ‘mente institucional’ que é mais poderosa do que qualquer soma de suas partes. Mediante a percepção, a memória e o raciocínio, a mente institucional realiza a análise científica, projeta um plano de ação global e coordena as ações posteriores ”.375 Deve-se ainda fazer referência a Rexford G. Tugwell, que publicou em 1932 The Battle for Democracy, em que defende a tese segundo a qual a planificação é uma atividade superpolítica, destinando-se a ser o quarto poder do governo. O tema da racionalidade é estudado e apregoado por Max Weber, 376 Karl Mannheim,377 sob o prisma sociológico, e por Karl Popper, sob o aspecto crítico.378 A tradição da mobilização social, também de tendência radical, mas de transformação social, desenvolveu-se desde 1820, na França e na Inglaterra, simultaneamente, tomando como ponto de partida a repulsa contra a ordem existente, principalmente contra a brutalização que se seguiu à Revolução Industrial, e pretendia reformar radicalmente a sociedade. Aqui surge o pensamento utópico de Robert Owen e de Charles Fourier, cuja imaginação visionária os levou a criar “comunidades intencionais”, que aspiravam à perfeição de organização. A feição do anarquismo social se apresenta com Pierre Joseph Proudhon (1809-1865), com Michael Bakunin (1814-1876), com Peter Kropotkin (1842-1921) e com Georges Sorel (1847-1922). A perspectiva do materialismo histórico tem como seu maior representante Karl Marx (1818-1883). A tradição da análise de políticas, que se insere numa perspectiva conservadora e de orientação social, partia do pressuposto de que “os métodos objetivos da ciência podiam, e na realidade deviam, usar-se para tomar decisões mais racionais sobre políticas, e, segundo, que decisões mais racionais melhorariam materialmente a capacidade de solução de problemas das organizações”.379 Aqui surge a obra de Herbert Simon e a análise de Amitai Etzioni.380 Por último, a tradição da aprendizagem social, de caráter conservador, mas com tendência de transformação social. John Dewey foi o grande representante desta tradição, que ensina que o caminhar humano começa e acaba com ação, através da qual existe um processo de aprendizagem que conduz ao progresso. Podem ser apontados, como seus discípulos, Mao-Tse-Tung, Lewis Mumford e Edgar S. Dunn Jr. Em sua obra Liberalism and social Action afirma: A planificação organizada, realizada para a criação de uma ordem em que a indústria e as finanças estão socialmente dirigidas em bene cio de ins tuições que proporcionam a base material para a liberação cultural e o crescimento dos indivíduos, é agora o único método de ação social pelo qual o liberalismo pode realizar seus obje vos declarados. Esta planificação requer, por sua vez, uma nova concepção e lógica da inteligência liberada como força social.381
1.4. Gênese da racionalidade O planejamento econômico passou a ser adotado justamente com o objetivo de enfeixar as diversas medidas de política econômica dentro de um contexto que lhes conferisse unidade dentro da multiplicidade.
Na concretização dessa sua finalidade intrínseca, independe da ideologia política adotada pelos diversos países. Assim é que J. K. Galbraith afirma ser possível a adoção do planejamento econômico dentro do contexto do mercado, que aceite as leis de mercado e que sirva para o bom funcionamento dessas leis.382 Dentro dessa moldura de adaptação, de incentivo e estímulo às leis de mercado é que se pode entender um planejamento econômico nos Estados Unidos. Não se pode negar a existência de planejamento econômico, naquele país, somente pelo fato de se pensá-lo como um protótipo de liberalismo econômico. Como afirma Jean Verjeot, citando um artigo do Professor Gerhard Colm: Se planificação econômica nacional é entendida no sen do de uma organização formal para dirigir os recursos produ vos da Nação para as finalidades da mais alta prioridade nacional, então é verdadeiramente duvidoso que se possa falar de planificação econômica nos Estados Unidos. Em larga medida, o desenvolvimento e a afetação dos recursos nacionais estão dirigidos pelas leis do mercado, pelo jogo recíproco da oferta e da procura. Seria, entretanto, um erro concluir que não existe planificação econômica nos Estados Unidos.383
Dentro de um contexto de Planejamento dos Programas Públicos, podem citar-se o “Interstate Highway System”, instituído com a finalidade de construção de um plano rodoviário em escala nacional, o “Tennessee Valley Authority ”, criado como o primeiro modelo de planificação regional, e a “National Aeronautics and Space Administration”, que vem exercendo profunda influência no avanço das ciências e no desenvolvimento tecnológico das indústrias de ponta. Não se pode deixar de citar também uma planificação dos negócios privados (Business Planning), e uma planificação da política econômica (Economic Policy Planning). Tem particular importância o “ Economic Policy Planning”, que é fruto de um movimento legislativo existente desde muito tempo antes, mas reflexo do pensamento de que o Estado poderia e deveria atuar no domínio econômico.384 Dentro desse contexto evolutivo, convém não esquecer a “Interstate Commerce Commission”, que foi criada em 1887 com a finalidade de fiscalizar a tarifação dos transportes internos; lembre-se ainda o “Shermann Act”, editado em 1890, com a finalidade de propiciar o funcionamento adequado do mercado, proibindo as coalizões e monopólios; em 1914, através do “Clayton Act”, cria-se a “Federal Trade Commission” que tem por finalidade concretizar a aplicação da legislação antitruste; em 1920 cria-se a “Federal Power Commission”, para o controle da tarifação da energia elétrica; em 1934 é instituída a “Federal Communications Commission” para fiscalização e controle dos telégrafos, telefone e rádio. O “New Deal” revela mais profundamente a atitude planificadora do Estado. E, depois da Segunda Grande Guerra, o “Full Employment Act”, em 1946, dá ao Presidente dos Estados Unidos o poder “de coordenar e de utilizar todos os planos, funções e recursos” do governo federal para instaurar e manter uma situação que garanta trabalho a cada um e se possível a todos, e para favorecer ao máximo o emprego, a produção e o poder de compra”.385 Por outro lado, a antiga União Soviética passou a adotar o planejamento econômico já a partir de 1917, quando da instituição do Conselho Superior da Economia Nacional, que tinha por atribuição formular princípios gerais e elaborar um plano destinado a regular a vida econômica da União. No período de 1921-1928 é criado o Gosplan (Comissão Central do Plano de Estado), que tem como uma de suas finalidades a luta contra a escassez de recursos e a reconstrução de uma economia devastada pela guerra. Já em 1925-1926, o Gosplan estabelece as primeiras cifras de controle da economia nacional. Dentro da concepção de que a vida econômica da União Soviética é determinada e dirigida por uma plano estatal da economia, surge em 1928 o 1o Plano Quinquenal, para o período
1928-1932. O planejamento soviético alicerçou-se em bases diferentes, e principalmente no princípio da propriedade coletiva dos meios de produção,386 e, consequentemente, no princípio da direção planificada do desenvolvimento pelo Estado. A destruição do princípio da propriedade privada dos meios de produção e sua substituição pelo da propriedade coletiva trouxe como consequência a eliminação do princípio da liberdade de iniciativa, e, coerentemente com esta mudança, à adoção de uma direção planificada e centralizada da economia.387 A racionalidade no controle das medidas de política econômica surge assim dentro de dois quadros econômicos absolutamente distintos. Não se pode aceitar que o planejamento seja um instrumento de busca da racionalidade vinculado a uma ideologia política. Se se aceitar que o planejamento tenha como finalidade a busca de uma coerência e adequação das medidas de política econômica adotadas por um país, não se poderá restringir sua adoção somente por países que se pautam por uma economia de mercado ou por aqueles que a rejeitam. É sob esse pressuposto que se deve entender a iniciativa da França, em 1947, de adotar o planejamento econômico como forma de coordenar racionalmente as medidas de política econômica. A estranheza que aquela decisão causou num primeiro momento se deveu ao fato de se haver atrelado o instituto do planejamento econômico à implantação de uma ideologia política totalitária vinculada à negativa da propriedade privada dos meios de produção. O I Plano Econômico francês, adotado para o período de 1947-1952, por iniciativa de Jean Monnet, teve por finalidade contribuir para a reconstrução da economia francesa depois da Segunda Grande Guerra, proporcionando à França meios de produção modernos para produzir mais e mais rapidamente. Esta palavra de ordem leva o País a “concentrar seus esforços na reconstituição – renovando-os, porque mesmo antes da guerra já estavam obsoletos – dos setores de base, os que fornecem os recursos-chave e que constituíam à época autênticos gargalos de estrangulamento: transportes, energia, siderurgia, materiais de construção, máquinas agrícolas, a que se acrescentará logo a própria agricultura”.388 O II Plano francês, para o período de 1954-1957, enfatiza não mais os setores de base, mas algumas ações de base que são ainda hoje atuais e relativamente aos quais teve papel precursor: desenvolvimento da pesquisa científica e técnica, difusão dos métodos modernos de produção, especialização e adaptação das empresas, reconversão da mão de obra, organização dos mercados agrícolas. O III Plano francês, para o período de 1958-1961, teve tríplice meta a ser atingida: o restabelecimento dos equilíbrios, que tinham sido rompidos pela aceleração do período anterior; encaminhar a economia para o Mercado Comum; e preparar a formação e o pleno emprego da juventude. O IV Plano francês, para o período de 1962-1965, recebe o novo nome de “Plano de Desenvolvimento Econômico e Social”, por se preocupar com aspectos sociais do desenvolvimento (saúde, cultura e urbanização) e com aspectos regionais. O V Plano francês, para o período de 1966-1970, tem uma perspectiva peculiar, porque faz sobressair a compatibilidade entre planejamento e mercado. O Comissariado Geral do Plano ressalta, pela primeira vez, que: Plano e Mercado não são dois instrumentos alternativos de uma mesma função, um se colocando como substituto do outro, mas desempenham duas funções diferentes, um se posicionando como
complemento do outro. Traduzindo pelo mecanismo dos preços a relação entre a oferta e a procura de um produto dado num dado instante, o mercado tem por função esclarecer e reaproximar as decisões dos produtores e as dos consumidores, enquanto que, numa economia de expansão rápida que torna os investimentos mais rapidamente obsoletos, o plano atua por seu lado como redutor da incerteza por um estudo do mercado generalizado e transformador de atitudes em face da mudança. Pela primeira vez também é esboçada uma distinção entre os ‘objetivos’ que os Poderes Públicos se empenham em defender, sem contudo garanti-los, e as ‘previsões’ que se limitam, para outros elementos da economia, a indicar as evoluções prováveis fundadas sobre as opções nacionais e a taxa escolhida de crescimento geral, mas admitindo certas hipóteses, e estando por conseguinte sujeitas a revisão e a ajustamento se os acontecimentos mostram sua falha.389 Ao prefaciar o VII Plano francês, para o período de 1976-1980, o Presidente da República, Valéry Giscard D’Estaing, afasta os falsos conceitos sobre o Plano, ou seja, os daqueles que nele pretendem ver quer uma infalível predição do futuro, quer um meio ilusório de desenvolver a economia pela constrição, e afirma que a essência do Plano consiste em: Definir a linha de desenvolvimento da França até o fim de 1980. Precisar este eixo é tanto mais importante quanto sem isto num contexto internacional tumultuado, o sofrido correria o risco, no perpassar das necessidades do quotidiano, de levar vantagem sobre o querido. Somente uma ação perseverante a serviço de um projeto coerente pode permitir extrair os meios necessários à manutenção da independência nacional e à realização progressiva de nossas escolhas de sociedade.390 A elaboração do XI Plano francês se efetuou através de estudos de profundidade realizados por Grupos e Comissões de Trabalho. Os Grupos Transversais se dedicaram às visualizações gerais: mundo-Europa, perspectivas econômicas, emprego e além-mar; as Comissões tiveram por missão o estudo do Estado, administração e serviços públicos do ano 2000: modernização e eficácia; competitividade francesa, agricultura, alimentação e desenvolvimento rural, coesão social e prevenção contra a exclusão; meio ambiente, qualidade de vida e crescimento. Os Grupos se dedicaram a temas como descentralização: balanço e perspectivas; educação e formação; criação cultural, competitividade e coesão social; pesquisa, tecnologia e competitividade; cidades. A Comissão “Competitividade Francesa”, presidida por Jean Gandois, salienta: As mutações do sistema produ vo devem apoiar-se sobre um tecido industrial denso e coerente, isto é, sobre uma indústria performa va. Igualmente as empresas subme das a uma forte concorrência devem fundar sua estratégia sobre a qualidade e a fiabilidade dos produtos e dos processos de produção. Isto supõe uma polí ca do emprego de meio-termo visando a elevação dos níveis de qualificação e favorecendo as capacidades criadoras e as competências.391
2. O PLANO É UMA LEI O V Plano francês se pauta por acentuar o seu caráter de Lei. É ele proposto como uma solução razoável: não seria ele uma simples panaceia, não seria uma ofensa às liberdades individuais nem à liberdade de empresa. Na verdade, “o espírito e a originalidade do Plano francês são principalmente a de buscar uma via intermediária entre os dois extremos que são o estatismo e o laisser-faire incondicional, preservando o dinamismo da iniciativa privada mas submetendo-a a uma orientação em conformidade com o bem comum. Justamente por se estar no país de Descartes, pode-se dizer que o Plano é uma ‘solução razoável ’”.392 É necessário não se esquecer de que o Plano é uma lei, e o é porque “para a elaboração do V
Plano, mais ainda do que no passado, procurou-se responder às exigências de uma discussão democrática. Em todos os estágios e pela voz de seus representantes mais qualificados, foi o conjunto da população francesa que foi consultado”.393 E o Parlamento foi acionado em duas oportunidades: pronunciou-se a respeito das grandes opções do Plano e, depois, sobre o próprio Plano. 2.1. O pensamento de Henri Jacquot Henri Jacquot, ao estudar a natureza dos planos franceses, alerta para a realidade de que eles não são imperativos, mas são, por outro lado, mais do que meramente indicativos, assinalando a necessidade de, para defini-los adequadamente, situá-los em seu contexto. A sua natureza jurídica poderia evidenciar-se, então, dentro do critério por ele proposto, através de dois métodos: ou se encontraria uma definição a priori do ato jurídico e far-se-ia a indagação sobre se o Plano ali poderia ser incluído, ou se partiria do Plano, do estudo de suas características intrínsecas, para verificar se estas lhe permitem um lugar no mundo dos atos jurídicos. Dentro dessa segunda perspectiva, mostra ele dois caminhos. Salienta, quanto ao primeiro, que os órgãos encarregados da elaboração e discussão do Plano trabalham dentro de um quadro de normas estabelecidas pelo Executivo e aprovadas pelo Parlamento, e que, ao final, o projeto do Plano é ratificado pelo Parlamento. Assim, sua elaboração e aprovação seguem o mesmo procedimento de outros atos jurídicos. O segundo caminho se refere ao conteúdo, que se mostra dotado da característica comum a todo ato jurídico, a normatividade. Propostos esses caminhos para o estudo da questão, conclui Jacquot, num trabalho de 1969, que o Plano deveria ser colocado na categoria dos atos coletivos. Posteriormente, assinala, mudou o seu pensamento, para ver no Plano um simples comprometimento unilateral do Estado. Rejeita a posição de Laubadère, segundo a qual o Plano seria uma norma de referência. Entende, assim, que seria preferível falar de “normas objetivos”, porque o Plano “se apresenta como um conjunto de medidas a serem tomadas, de tarefas a serem cumpridas, de objetivos a realizar durante um determinado período”.394 A eficácia do Plano, segundo ainda Jacquot, não advém do sopro da vontade geral e menos ainda do comando do Poder Público, mas sim, e sobretudo, do consentimento, da adesão dos subordinados. Daí ter-lhe atribuído, numa primeira fase de seu pensamento, a natureza de “ato coletivo”, pois que consistiria numa “declaração de vontade comum do Estado e dos outros produtores públicos e privados, traduzindo seu acordo para realizar conjuntamente durante o período coberto pelo Plano um determinado número de tarefas, de objetivos que parecem essenciais ao desenvolvimento da Nação”.395 Pareceu-lhe posteriormente que essa tese dificilmente se adequava à evolução posterior do Plano, não se podendo sustentar que o Plano fosse fruto de acordos elaborados por representantes dos grupos socioeconômicos, pois que a experiência dos últimos Planos revelou que eles servem para afirmar as opções econômicas da maioria, a médio prazo. Crê, então, ser “mais correto e mais conforme à interpretação oficial ver nele não um ato coletivo, mas um simples comprometimento unilateral do Estado”.396 Assim, o comprometimento dos Poderes Públicos, pelo fato de haver aprovado o Plano, gera para eles obrigações de comportamento, ou seja, os Poderes Públicos estarão adstritos a agir de forma a perseguir e alcançar os objetivos fixados, a tomar todas as medidas que sejam necessárias,
suficientes e adequadas para realização das metas estabelecidas no Plano. Ressalte-se, contudo, a objeção feita por Burdeau a essa conclusão de Jacquot, ao dizer que “é necessário reconhecer que esse comprometimento, que cria uma obrigação de comportamento, tem um caráter bem mais político do que jurídico”.397 2.2. O pensamento de Laubadère André de Laubadère parte da noção de planos econômicos, como “documentos adotados pelos poderes públicos e destinados a analisar as probabilidades de evolução econômica e a definir as orientações desta evolução que as autoridades públicas consideram como desejáveis e em cuja direção eles pretendem impulsionar os agentes econômicos”.398 Analisa primeiramente as características gerais do Plano, atribuindo-lhe ou deduzindo dele as qualidades essenciais de uma planificação indicativa, flexível e concertada (ou acordada). Quanto à indicatividade, afirma que “os planos franceses são do tipo indicativo, por oposição aos planos imperativos que se encontram nos países socialistas. Os planos indicativos não dão ordens: enunciam objetivos e preferências (opções) e contêm recomendações e não prescrições”.399 Assinala a heterogeneidade do conteúdo do Plano, revelando, em primeiro lugar, uma análise da situação existente, a seguir, um conjunto de previsões sobre as tendências das taxas de desenvolvimento e, finalmente, o conjunto das disposições optativas, que conferem ao Plano uma característica, a nosso ver fundamental, de desejo e de instrumento de orientação. Esta orientação e as recomendações constantes do Plano têm essencialmente um caráter optativo e indicativo, qualidades que distinguem o Plano francês do Plano holandês, que se limita a previsões expressas em cifras.400 Quanto à flexibilidade, entende que é a “possibilidade de modificações e de adaptação de um plano no curso de sua execução”.401 A terceira característica revela, segundo Laubadère, um aspecto fundamental e distintivo do Plano francês: “sendo simplesmente indicativo, o plano não terá chance de alcançar sucesso, se não for ‘aceito’ pelas pessoas interessadas na sua aplicação e se não for entendido como uma obra coletiva, uma espécie de bem-comum, uma linha de conduta que elas têm interesse de seguir”. Feita essa análise das características do Plano, passa ele a inquirir de sua juridicidade. Assinala que, para alguns autores, o Plano não é um ato jurídico, mas meramente técnico e político. Assim, as obrigações por ele criadas provêm do âmbito moral, não tendo qualquer origem no Direito. Entende, contudo, que é necessário reconhecer ao Plano uma certa juridicidade, porque, se se afirma apenas que o Plano não pertence à ordem, ao contexto jurídico, não se lhe podem atribuir efeitos jurídicos. Ficará então destituído de qualquer utilidade, porque não se prestará a um controle administrativo da economia, e com ele não poderá ser questionada a responsabilidade do Estado. Da rejeição da tese da não juridicidade do Plano, conclui que convém afirmar a sua juridicidade. Mas esta afirmação obriga a se perguntar em que categoria de atos jurídicos se pode colocar o Plano, e, por outro lado, que consequências devem ou deveriam ser agregadas ao reconhecimento da juridicidade do Plano.402 Reconhece, contudo, a dificuldade de incluir o Plano francês, com as características acima delimitadas, dentro do contexto da definição clássica do ato jurídico e a classificação dos atos jurídicos até hoje admitidos. Somente uma longa reflexão poderá levar a uma reconsideração da teoria dos atos jurídicos e de sua classificação. Enquanto isso não se faz, será necessário
contentarmo-nos com a afirmação decepcionante de que “o Plano é um ato jurídico sui generis, cuja natureza não pode ser definida senão pelos efeitos que ele possa produzir”.403 Relativamente aos efeitos, assinala que “o Estado tem o dever, não somente moral, mas jurídico, de executar, no que lhe diz respeito, o Plano e de tomar as medidas necessárias à sua execução.” A ausência de sanção para o cumprimento das normas contidas no Plano não é obstáculo para o reconhecimento de sua juridicidade, até porque inúmeras normas, de cuja juridicidade se não duvida, estão destituídas de sanção, máxime algumas normas constitucionais. 2.3. O pensamento de Burdeau Para Georges Burdeau, a ideia de planificação está ligada à própria ideia de responsabilidade: “desde que um responsável, em qualquer domínio que seja, pretende agir como tal, faz planos para dominar o acaso e conjurar acontecimentos prejudiciais. Ao nível do Estado, é uma idêntica consciência de sua responsabilidade a respeito da sociedade que prova o cuidado de planejar”.404 Assinala ainda que o planejamento aparece como um dos imperativos fundamentais de nosso tempo. Daí por que hoje a maioria dos países estabelece planos de desenvolvimento econômico. Na origem da tendência moderna para o planejamento existem dois fatores: o primeiro é fruto das exigências democráticas, o segundo deflui do contexto econômico internacional. Quanto ao primeiro fator, a partir “do momento em que a democracia não se satisfaz mais com a igualdade das oportunidades, mas se orienta em direção à igualação das fruições, é necessário que uma vista sistemática presida ao ordenamento da vida econômica de tal maneira que o máximo de necessidades possa ser satisfeito. Nenhuma das reivindicações enunciadas hoje sob o título de direitos sociais pode atingir seu objetivo sem uma direção da economia”.405 O segundo fator, que orienta os governantes rumo à planificação, é “a preocupação de fundar a situação internacional do Estado sobre o poderio econômico. Uma liberdade completa correria o risco de torná-lo tributário do estrangeiro quanto a certos provisionamentos ou de desequilibrar seu balanço de pagamentos. O Estado vai então estimular ou efetuar por si mesmo investimentos que se não produziriam espontaneamente”.406 Para que um Plano seja coerentemente jurídico, no mais estrito sentido, será necessário que haja uma extinção da liberdade-autonomia. Os planos não se limitam a traçar esboços do futuro. Eles definem praticamente uma estratégia para alcançá-lo. E, como observa Burdeau, “para que não se restrinjam a ser exclusivamente um desejo, o plano deve tornar obrigatórios os comportamentos que esta estratégia pressupõe. Em síntese, não há plano econômico senão imperativo, isto é, autoritário”.407 Pode-se, então, dizer que a “economia planificada é uma economia de comando”. A liberdade econômica é indivisível: restringida e delimitada em um ponto, ela se extingue. Ao lado desse conceito de planejamento imperativo, Burdeau encontra um outro a que denomina “planificação edulcorada”. E explica a razão do termo empregado: ... porque ela traz em si ao mesmo tempo a vocação do plano a executar e as atenuações que traz a esta conduta a preocupação de não proscrever quer a liberdade das escolhas, quer a dos comportamentos. Edulcorada porque, pragmá ca, a planificação francesa é uma perfeita ilustração das contradições internas da democracia governante em que a vontade do povo teoricamente todo-poderosa deve compor-se com as intenções de todos os indivíduos que são o povo.
Ao salientar suas características, afasta o Plano francês dos planos autoritários, para dizer que aquele possui as características do planejamento liberal, que é indicativo, democrático, descentralizado e macroeconômico.
A noção do Plano poderia até mesmo envolver um novo conceito de contrato social. O plano apareceria então como o catalisador das diversas forças sociais. A chamada vontade nacional seria assim uma espécie de resultante de forças. O plano, pela sua forte aparência de racionalidade, assumiria um papel pedagógico, que levaria os interesses divergentes a se unirem na consecução de um objetivo apontado como meta de todos os desejos nacionais. Assim, “a razão de ser do plano é de mobilizar as energias de tal modo que desta mobilização se desprenda uma vontade coletiva que será a asseguradora de seu sucesso. O plano não procede de uma vontade democrática, mas visa criála”.408 Todas as ideologias formam a imagem de uma ordem social proposta como desejável, como meta dos esforços de toda a comunidade. A dificuldade maior surge quando se trata de concretizar aquela imagem. O Parlamento não é o órgão mais indicado para realizar a obra do planejamento. Os técnicos se apresentam como mais qualificados para essa tarefa, sob o pressuposto de dar mais racionalidade às medidas a serem empregadas. O resultado mais brilhante do plano é o de dar azo a essa imagem de que a sociedade está guiada por uma racionalidade que, livre das crenças ideológicas, permitirá aos homens perseguir cientificamente o domínio de seu destino.409 A intervenção do Parlamento na aprovação do Plano traz consigo a impressão de que o plano tenha um valor imperativo, quando na realidade não o tem. Assinala, então, Burdeau que o papel do Parlamento é simbólico.410 O Plano não pode ser preparado a não ser por um grupo restrito de técnicos. E, em razão da sua organicidade, que lhe dá a característica de um todo, não pode estar sujeito a emendas a serem propostas pelos membros do Parlamento: “um bom plano comporta uma lógica e uma coerência tais que constitui um todo indivisível. A aceitação ou rejeição pura e simples são as únicas medidas que ele tolera”.411 Assinala Burdeau uma característica do Plano, ou seja, o sistema normativo do planejamento tem como característica essencial a flexibilidade que lhe garante uma sobrevivência muito maior do que a das normas criadas pela técnica legislativa tradicional. Assim, “o planejamento flexível tem como qualidade essencial o apelo à persuasão mais do que à constrição. Mas onde há persuasão, não há regra”.412 Não se pode, contudo, deixar em segundo plano uma importante contribuição de Burdeau na caracterização do Plano, ou seja a sua qualificação como mito. No contexto da sociedade técnica (ou tecnocrata), a significação do Plano se revela com uma clareza que se torna indiscutível: o Plano é um mito produzido pela sociedade dos novos tempos para, ao mesmo tempo, conseguir um consenso favorável e garantir suas chances de futuro.413 Não quer ele, com esse conceito, denunciar o caráter ilusório ou mistificador que se queira atribuir ao Plano. Verifica ele somente que “uma obra que se prevalece da racionalidade de sua elaboração não tem, paradoxalmente, possibilidade de preencher a sua finalidade, se não se integrar no universo de crenças e de representações que é o universo político. O que se questiona não é o seu conteúdo, é a natureza de constrição que ele é capaz de exercer”. O Plano passa a ter, consequentemente, uma ação psicológica, passa a ter, assim, uma significação mítica. Sua força impositiva se alicerça sobre a crença que os homens tenham no mundo que ele prefigura. O Plano passa a ser um objeto de fé. Consequentemente, a fé no Plano se constitui num poderoso fator de integração social.
Observa então: A força atuante do plano nada tem a captar do ordenamento norma vo imaginado pelas teorias racionalistas do Poder. Que importa que ele não seja uma regra, se ele é uma imagem suficientemente persuasiva para que os comportamentos com ele se conformem? Que importa que não seja ele editado pela via do comando, se sua sanção resulta da situação inconfortável daqueles que dele se desviam? A pressão exercida pela representação de um futuro de que nos assenhoreamos e que temos por inevitável, torna supérfluo o recurso a imperativos formais.414
O Plano contém em si uma antecipação temporal, ou uma concretização do futuro no presente. Por um artifício de linguagem, consciente ou não, inclui no presente dos homens, como se fosse uma experiência vivida, o futuro no qual eles creem. Tal efeito se consegue pela utilização do verbo no presente: Com esta atualização do futuro, afasta-se todo finalismo que poderia parecer gerador de obrigação. Faz-se então apelo à intemporalidade do mito. Mais nada age do exterior sobre a sociedade: nenhuma sujeição, nenhum comando, o grupo obedece a seu dinamismo interior. Se existe constrição, ela procede das coisas, não da vontade dos governantes.415
Os tempos e as mentalidades mudaram. Se os homens do século XVIII sentiram a necessidade de formular um conjunto de leis, foram levados a isso para se afirmar livres relativamente às constrições do passado. O Plano surge hoje como uma técnica de regulação que corresponde à mentalidade dos homens de hoje, para os quais legislar é modelar o futuro com base nos cânones de hoje. E sua perspectiva mítica emana uma energia que é suscetível de incutir na coletividade o sentido da necessidade de sua eficácia. 2.4. O pensamento de Farjat Gérard Farjat conceitua o Plano como possuidor de uma estrutura formal não enquadrável nas categorias jurídicas até hoje reconhecidas. Seria ele então constituído de uma categoria nova de Direito Econômico dentro do contexto do sistema jurídico. Para demonstrar que o Plano apresenta as características da lei, embora sob enfoques novos, analisa as categorias jurídicas da generalidade e da obrigatoriedade. Quanto à generalidade, tem-na o Plano, como é normal a toda lei. E essa generalidade transparece do fato de o Plano se referir a todos os aspectos da vida nacional, quer os sociais, quer até mesmo as atividades culturais. Não há dúvida de que é um ato de alcance geral, englobando o Estado, os empresários, desconhecendo a divisão do Direito em público e privado. Quanto à obrigatoriedade, reconhece poder-se contestar o caráter jurídico do Plano. Chega-se ao ponto de afirmar que “o Plano não é obrigatório para o Estado. Nem o Governo, nem o Parlamento são vinculados pelo Plano. Dentro dos próprios períodos de aplicação (inicialmente, quatro anos; depois cinco, desde o V Plano), podem sempre intervir modificações. E modificações fundamentais efetivamente ocorreram durante o período de aplicação de diversos planos”.416 Mas reconhece que tal revisibilidade não retira ao Plano a juridicidade, ao afirmar que seria errado negar o caráter jurídico do Plano em razão de sua revisibilidade. Os países socialistas também reconheciam essa revisibilidade, porque a mobilidade está essencialmente ligada ao fenômeno econômico, e o Direito Econômico não a pode desconhecer. É verdade, contudo, que o Plano não tem uma eficácia direta, não produz efeitos imediatos. As normas do Plano não são autoaplicáveis, mas precisam de diplomas legais que lhes estabeleçam a ligação entre o abstrato da norma genérica e o concreto da vida real. Assim, para ele “tudo se passa como se o Plano não contivesse senão objetivos, recomendações e definisse orientações para o futuro. Nesse sentido, ele foi um dos motivos da construção doutrinária dos atos prospectivos.”417
2.5. O pensamento de Quadri Giovanni Quadri assinala que o Direito Público da Economia abandona a rigidez das figuras jurídicas tradicionais em favor de instrumentos mais elásticos e informais. Afirma que planos e programas são os atos típicos do Direito Público da Economia, reconhecendo que são eles os instrumentos mais idôneos para o desenvolvimento da direção político-econômica. Tais instrumentos, segundo ele, “representam a figura mais difusa e constante a que a legislação de todos os países, quer socialistas, quer de economia capitalista ou, como se diz, mista, recorre para disciplinar a intervenção do Estado na Economia”.418 Assinala como características do Plano a sua “flexibilidade ou elasticidade, a sua fluidez (fluência), isto é, a aptidão para modificar-se continuamente de acordo com a diversificada situação econômica, e o seu caráter temporário”.419 Conclui que o Plano é um conceito econômico e não um conceito jurídico, ao ver nele: Um conjunto de previsões econômicas e de indicações de direcionamentos e de intervenções econômicas no setor público e no privado, dirigidas a alcançar determinadas finalidades políticas e sociais, como o desenvolvimento econômico geral ou de determinados setores, a superação de uma crise econômica, a eliminação dos desequilíbrios entre as várias partes do território ou de diversos estratos da população, o pleno emprego, o equilíbrio do balanço de pagamentos, etc.
Ainda para Quadri: O plano se torna figura juridicamente relevante (Rechtsfigur, de acordo com a terminologia alemã) no momento em que é transformado em ato jurídico: numa deliberação polí ca, numa lei, num ato administra vo, numa dire va, etc. Neste sen do o plano cons tui o instrumento jurídico de maior relevo para a ação de direcionamento polí coeconômico do Estado.420
Conclui, então, a sua indagação a respeito da eficácia jurídica do Plano, afirmando que “o Plano contém sempre a cláusula ‘rebus sic stantibus’: será aplicado somente se não se mudar a situação econômica ou o equilíbrio das forças políticas”.421 2.6. O pensamento de Gordillo Agustín Gordillo, depois de se perguntar sobre o que é juridicamente o Plano, procura responder que ele pode ser, de acordo com a perspectiva de exame, tanto uma norma quanto um princípio jurídico, um regulamento ou um ato administrativo, ou pode ser também uma simples comunicação sem efeito jurídico direto; em suma, o Plano não tem nenhuma juridicidade específica própria, somente dele, nem constitui uma categoria jurídica específica a acrescentar às já existentes, como se fora um “tertium genus”. No conteúdo do Plano vê ele algumas partes que contêm apenas análises de situações e fatos econômico-sociais. Estas partes têm uma finalidade justificativa, sendo comparáveis às exposições de motivos que antecedem às leis, só que, no Plano, tais exposições se encontram enxertadas nele, como se fossem exposições de motivos incorporadas. Há ainda um segundo conjunto constituído pelos enunciados de princípios, que estabelecem as grandes linhas de orientação a ser seguidas. São princípios tidos como elásticos, dada a sua amplitude e abstração, que os tornam aptos a servir para a interceptação de uma norma ou para a solução de um caso não previsto por uma norma específica. Num terceiro enfoque, distingue Gordillo aquelas “disposições que enunciam com um mínimo de precisão os objetivos, preferências, ações a empreender, etc.” Conclui ele: A juridicidade de tais normas é clara, posto que em primeiro lugar e pelo que diz respeito à Administração, seu caráter,
embora rela vamente discricionário, é de qualquer modo obrigatório; de outra forma teríamos que negar caráter jurídico a toda lei que outorgasse faculdades mais ou menos amplas à administração, o que parece não ter sentido.422
Com relação aos particulares, o Plano, pela sua indicatividade, tem o alcance de ser o fundamento legal da ação que tais indivíduos vão desenvolver e dos benefícios que vão receber. A obrigatoriedade do Plano em relação à Administração Pública tem como consequência o comprometimento de sua responsabilidade perante os particulares que cumpriram ou estão cumprindo as metas propostas pelo Plano, engajando-se nos programas propostos pela Administração. Admite que seja questionável a juridicidade do Plano no que tange às normas meramente indicativas, relativamente àquelas de conteúdo imperativo, não aceita seja questionável o seu caráter normativo. Entende, assim, não ser possível encerrar numa só categoria jurídica a todos os elementos componentes do Plano, pois que “as normas jurídicas do plano (...) podem ser de tipos diferentes: normas que obrigam, embora com certa discricionariedade, à Administração; normas que conferem um fundamento jurídico à ação dos particulares conformada ao plano, para receber em consequência as vantagens que o plano propõe; normas que marcam um certo rumo de ação ao Estado e por isso comprometem, dentro de certos limites, a responsabilidade da administração”,423 para concluir que “o plano, em suma, é um complexo de diversos atos, jurídicos e não jurídicos, legais e regulamentares, gerais e particulares, que se entroncam entre si, formando o sistema que há de orientar a ação do Estado e da sociedade num período dado”.424 2.7. O pensamento de Chambre Henri Chambre perquire a natureza jurídica dos atos de planificação, relativa ao Plano soviético, partindo da verificação de que o Soviete Supremo, de acordo com o disposto na Constituição de 1936, “aprova, em forma de lei, os planos da economia nacional e os Sovietes Supremos das Repúblicas federadas fazem o mesmo com os planos de economia de sua República.425 Essa verificação, contudo, não o satisfaz, pois que é um critério meramente formal. Parte, assim, em busca de um outro critério, ao afirmar que “a aprovação dos planos nas formas prescritas dá-lhes força jurídica, mas a natureza dos planos depende de seu caráter normativo ou não”.426 Após verificar que nos Planos existe uma unidade invariável e também uma indissolubilidade de conteúdo econômico e de forma jurídica, adere à opinião daqueles que respondem positivamente à pergunta a respeito da juridicidade do Plano, pois que “embora constituídos por um conjunto de tarefas concretas e precisas, os planos procuram regulamentar o desenvolvimento de toda a economia nacional tomada como um todo e que, por isso, possuem um caráter normativo”.427 Em decorrência desse caráter normativo atribuído pelo Direito soviético ao Plano, os atos de planificação se constituem numa fonte de direito destinada a regulamentar todas as relações econômicas que se estabelecem entre os agentes no curso da execução do Plano. 2.8. O pensamento de Maystadt Philippe Maystadt informa que a planificação indicativa ou “programação” foi introduzida na Bélgica por decreto real de 14.10.1959, com a finalidade de estabelecer um programa de desenvolvimento econômico e social para alcançar os objetivos gerais da política econômica. É verdade que a concretização “do programa dependia unicamente da autodisciplina dos poderes públicos e da cooperação voluntária do setor privado. Nenhuma medida coercitiva era utilizada”.428
A Lei-Quadro de 15.07.1970, que organiza a planificação, traz profunda evolução tanto no que concerne à natureza jurídica, quanto ao conteúdo do Plano. “A intenção declarada é que o plano (e não mais o programa) tenha uma certa força obrigatória e que ele seja ao mesmo tempo mais global (por tomar em consideração aspectos não quantitativos) e mais bem detalhado (por setor e por região). Ver-se-á, todavia, que a intenção não se traduziu em fatos senão imperfeitamente”.429 Observa aquele autor que as “opções” e os próprios planos “contêm previsões” e que os objetivos definidos pelo Plano são predominantemente quantitativos430 e concluem: A planificação poderia desempenhar um papel central se fosse concebida não somente como um quadro previsional que permita prever com maior ou menor incerteza as possibilidades e os riscos do futuro, mas também e sobretudo como um instrumento de ação, susce vel de reorientar voluntariamente a economia, graças à coordenação das múl plas intervenções possíveis dos poderes públicos. Mas uma tal concepção da planificação, ao mesmo tempo mais rigorosa e mais voluntarista, não se imporá espontaneamente; ela implica uma evolução polí ca profunda, traduzindo-se pela escolha de um novo modelo de desenvolvimento.431
2.9. O pensamento de Bernard Philippe J. Bernard alerta-nos para a verificação de que “a planificação soviética tem caráter imperativo. Isto equivale a dizer que os planos soviéticos não estão constituídos somente por um conjunto de diretrizes gerais, mas que estas se decompõem numa série de normas concretas que, dirigidas a todos os agentes econômicos, traçam rigorosamente o marco de sua atividade”.432 Salienta então as funções que foram desempenhadas pelos planos soviéticos, que eram uma função d e previsão (com a definição de objetivos com a data e o volume que se deseja alcançar), uma função de gestão (pois que o Plano serve de base para a determinação de créditos de inversão, matérias-primas, materiais, mão de obra e entrega de produtos finais), uma função de controle (determinando a distribuição de recompensas, censuras ou castigos, como consequência da execução do Plano) e, por último, uma função de mediação do crescimento dos diversos setores da economia. 2.10. O pensamento de Kucera Joseph Kucera, ao tratar da Teoria do Direito Econômico Socialista e de sua aplicação na Tchecoslováquia, nos traça alguns elementos de definição do Plano com base na Constituição tcheca de 1960 e no Código Econômico da Tchecoslováquia de 1964. A Constituição da República Socialista Tchecoslovaca, de 11.07.1960 (n. 100 da Coletânea das Leis Tchecoslovacas), dizia no seu art. 7, n. 2, que “o sistema econômico socialista, no qual os meios de produção são coletivizados e o conjunto da economia nacional planificado, garante, com a colaboração consciente de todos os cidadãos, o desenvolvimento vigoroso da produção e a elevação do nível de vida dos trabalhadores”.433 A Lei Constitucional de 27 de outubro de 1968 (n. 143 da Coletânea das Leis da República Socialista Tchecoslovaca) no seu art. 10, n. 1, dispunha que “a economia tchecoslovaca, em harmonia com o sistema econômico socialista, é uma economia planificada”. O mesmo art. 10, n. 3, determina que “os planos de Estado do desenvolvimento da economia nacional e os outros planos da economia nacional são obrigatórios para a gestão e as atividades econômicas”. E ainda o art. 10 daquela Lei Constitucional, no n. 5, preceituava: Os planos de Estado do desenvolvimento da economia nacional de prazo médio são promulgados sob forma de lei. A lei concernente ao plano de Estado de desenvolvimento da economia nacional da República Socialista Tchecoslovaca é adotada pela Assembleia Federal; de acordo com esta lei, os Conselhos Nacionais adotam respec vamente a lei concernente ao plano de Estado do desenvolvimento da economia nacional da República Socialista Tcheca e da República
Socialista Eslovaca.
O Código Econômico da Tchecoslováquia, de 1964, dizia no seu preâmbulo: Todas as a vidades das organizações de Estado e outras são dirigidas segundo o princípio do centralismo democrá co. Este princípio é concre zado por meio de uma unidade incessantemente consolidada e aperfeiçoada da direção central exercida pelo Estado e que é indispensável à garantia do desenvolvimento proporcional planificado da economia nacional.
O art. 11 desse Código estabelecia que “o instrumento principal da direção consiste no Plano de Estado de desenvolvimento da economia nacional; o conjunto das atividades de direção e econômicas de todos os órgãos e de todas as organizações socialistas dele procede e com ele deve conformar-se”. Com base nesses pressupostos constitucionais e legais, observou Kucera: A socialização dos meios de produção exigiu necessariamente a direção planificada central da a vidade das organizações socialistas. O setor privado foi posto em segundo plano de sorte que certas ins tuições de direito civil perderam suas funções. Desse modo o alargamento da direção planificada da economia socialista tornou necessária a criação de ins tuições novas que não puderam ser incluídas no quadro do Código Civil senão com extremas dificuldades. As mais importantes dentre elas foram os atos de planificação.434
A ideia fundamental da Lei n. 69-1958 da Coletânea das Leis Tchecoslovacas, era: A posição que as partes contratantes ocupam umas em relação às outras, no sistema socialista, difere qualita vamente daquela que existe na sociedade liberal. Os interesses dos organismos socialistas, enquanto partes contratantes, podem ser temporariamente opostos nos pontos de menor importância, mas, em sua essência, estão sempre em harmonia uns com os outros e conformes com o interesse da comunidade. Daí resulta que os interesses das organizações socialistas, enquanto partes contratantes, não se esgotam pela execução da obrigação em questão, mas que o seu interesse primordial é de preencher, pelo caminho da execução da obrigação, seu dever comum para com a Sociedade, isto é, de realizar os objetivos impostos pelo Plano de Estado.435
Assim, de acordo com o art. 3o da lei supra, “as organizações socialistas são obrigadas a cooperar e a se ajudar mutuamente quando da execução do plano de desenvolvimento da economia nacional”. O plano é, pois, uma verdadeira regra de direito, justamente pelo fato de vincular a todas as organizações socialistas. 2.11. O pensamento de Staïnov Petko Staïnov procura estabelecer uma distinção entre planificação e programação, aquela constituída de normas de conteúdo imperativo e peculiar aos países socialistas, esta constituída de normas indicativas e próprias dos países do Ocidente. Salienta ele: A verdadeira planificação deve apresentar-se como uma a vidade dos órgãos do Estado, pela qual se procura organizar de um modo durável e permanente as relações e os liames entre os diversos ramos de toda a economia do país impondo para tal fim, pela vontade do Estado, planos por ele elaborados, concordantes e sincronizados entre eles para chegar-se a uma melhoria determinada da produção e da distribuição e a assegurar a satisfação das necessidades coletivas.436
Os planos e os atos administrativos de planificação deverão ser, por isso, essencialmente imperativos e não simplesmente indicativos. Quanto à programação, apresenta-se como uma forma de menor intervenção do Estado na vida econômica do país, pois que “se exprime por atos que têm sobretudo um alcance indicativo e não imperativo”.437 A programação econômica assim constituída de normas indicativas é a adotada nos países do Ocidente. Assinala então Petko Staïnov que: Na doutrina jurídica socialista o plano econômico é considerado como um ato jurídico ou mais propriamente como uma norma jurídica obrigatória para todos aqueles que com ela tenham qualquer vinculação. Por este ato o Estado organiza de um modo unificado as vinculações econômicas entre as empresas e, em geral, as atividades econômicas no país.
Segundo ele ainda: A planificação é uma a vidade des nada a se desenrolar durante um período determinado, um processo durável ou ainda uma cadeia de atos jurídicos e de a vidades materiais e técnicas condicionadas e ligadas entre elas, com a finalidade de realizar uma economia mais racional com a mira da elevação do bem-estar geral. Mas a essência mesma da planificação constitui a atividade jurídica desenvolvida pelos órgãos competentes do Estado.438
Assim, segundo o pensamento jurídico socialista, “o plano econômico geral do Estado é uma norma jurídica e, como contém ordens não individualizadas aprovadas pelo Parlamento, possui uma força de lei”.439 Sobressai o seu caráter imperativo, com a peculiaridade própria dos diplomas destinados a reger a economia de ser limitado quanto à sua duração. Distingue-se então o Plano econômico nacional constituído de ordens gerais, com a previsão de uma duração mais longa, de atos administrativos de execução, que têm por finalidade tornar mais tangível e concreta a norma genérica do Plano nacional. A característica de lei atribuída ao Plano Econômico com o qualificativo da imperatividade defluía também dos textos constitucionais da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, da Iugoslávia, da Hungria e da China, que são citadas como exemplos. O art. 11 da Constituição da URSS dispunha que “a vida econômica da URSS é determinada e dirigida por um plano estatal da economia nacional”.440 O art. 26 da Constituição da Iugoslávia determinava que “as comunidades sociopolíticas adotarão medidas, dentro do marco de seus direitos e obrigações, para alcançar um sistema econômico único; planejarão o desenvolvimento da economia e das bases materiais de outras atividades, e com este objetivo elaborarão planos econômicos sociais”. O art. 7o da Constituição da Hungria estabelecia que “a vida econômica da República Popular da Hungria é determinada pelo plano estatal da economia popular”.441 A mesma característica se deduz do que constava do art. 10 da Constituição da China, que estabelecia que o Estado “promove o desenvolvimento planificado e proporcionado da economia socialista”.442 2.12. A definição da Constituição de Portugal A Constituição de Portugal, de 02.04.1976, no seu art. 91, n. 1, marcava a diferença fundamental entre os planos dos países socialistas e os dos países ocidentais. Dizia aquele texto: Para a construção de uma economia socialista, através da transformação das relações de produção e de acumulação capitalistas, a organização econômica e social do país deve ser orientada, coordenada e disciplinada pelo Plano.
E o art. 92º dispunha: “1. O plano tem caráter impera vo para o setor público estadual e é obrigatório, por força de contratos-programa, para outras atividades de interesse público; e 2. O plano define ainda o enquadramento a que hão de submeter-se as empresas dos outros setores”.
Esses dispositivos tiveram nova formulação através da revisão constitucional de 1982 e da Lei Constitucional de 08.07.1989. A questão relativa aos objetivos e à natureza do plano adquiriu orientação diferente da que lhe foi dada na redação original. O artigo 91 foi alterado para estabelecer: Objetivos dos planos. Os planos de desenvolvimento econômico e social terão por obje vos promover o crescimento econômico, o
desenvolvimento harmonioso de setores e de regiões, a justa repar ção individual e regional do produto nacional, a coordenação da polí ca econômica com a polí ca social, educa va e cultural, a preservação do equilíbrio ecológico, a defesa do meio-ambiente e da qualidade da vida do povo português.
Quanto à natureza dos Planos, o art. 92 veio proporcionar nova definição: Natureza dos planos. Os planos de desenvolvimento econômico e social de médio prazo e o plano anual, que tem sua expressão financeira no orçamento do Estado, contêm as orientações fundamentais dos planos setoriais e regionais que serão aprovados quando da aprovação da política econômica. Eles são elaborados pelo Governo de conformidade com o seu programa.
A sétima revisão constitucional, em 2005, deu nova formulação ao capítulo referente ao Plano: Artigo 90 – Objetivos dos planos. Os planos de desenvolvimento econômico e social têm por obje vo promover o crescimento econômico, o desenvolvimento harmonioso e integrado de sectores e regiões, a justa repar ção individual e regional do produto nacional, a coordenação da polí ca econômica com as polí cas social, educa va e cultural, a defesa do mundo rural, a preservação do equilíbrio ecológico, a defesa do ambiente e a qualidade de vida do povo português. Artigo 91 – Elaboração e execução dos planos. 1. Os planos nacionais são elaborados de harmonia com as respec vas leis das grandes opções, podendo integrar programas específicos de âmbito territorial e de natureza setorial. 2. As propostas de lei das grandes opções são acompanhadas de relatórios que as fundamentem. 3. A execução dos planos nacionais é descentralizada, regional e setorialmente.
2.13. A Definição da Constituição da Espanha Já o art. 131 da Constituição espanhola de 1978 dispõe a respeito do plano econômico e de sua natureza: 1. O Estado poderá, por uma lei, planificar a a vidade econômica geral para velar pelas necessidades cole vas, equilibrar e harmonizar o desenvolvimento regional e setorial e es mular o crescimento das rendas e da riqueza e sua mais justa distribuição. 2. O Governo elaborará os projetos de planificação levando em conta previsões que lhe serão fornecidas pelas comunidades autônomas, assim como conselhos e da colaboração dos sindicatos e outras organizações profissionais, patronais e econômicas. Será constituído para esse fim um Conselho cuja composição e funções serão definidas por lei.
2.14. O contexto semântico Vistos esses pressupostos, verifica-se que a conceituação do Plano Econômico e de sua força vinculante estão a depender do contexto cultural e ideológico em que se insere. Daí a importância de se visualizar o Plano Econômico como um fenômeno de linguagem, predominantemente sob o aspecto semântico. É verdade que a perspectiva semântica não elimina a visualização sintática e pragmática, posto que nada pode significar se não estiver num contexto, e nada significa sem uma tendência para a comunicação intersubjetiva, visando influenciar, levar, conduzir o interlocutor.443 Por se inserir dentro do contexto significativo do ordenamento jurídico, é que o Plano Econômico adquire sua essência de normatividade jurídica. Como um documento consistente num conjunto de normas de orientação, de diretrizes e de prioridades, que se antepõem ao Estado na formulação e condução da política econômica, o Plano surge como fenômeno de linguagem que se destina a intercomunicar os componentes de uma sociedade, interliga-se aos componentes do conjunto normativo (sintaxe), significa o pré-conceito imanente dentro do ordenamento jurídico (semântica), e se destina a prefixar e coordenar a ação dos que inserem a própria atividade no contexto jurídico normativo (pragmática).444
3. HISTÓRIA DO PLANEJAMENTO NO BRASIL Como visto acima, a partir da Primeira Guerra Mundial e da quebra da Bolsa de Nova York, passou-se a conceber a necessidade de o Estado intervir no domínio econômico, e o instrumento para tornar eficiente esta nova atitude foi o planejamento. A Constituição de 1934 já insere no seu contexto a palavra “plano”, ao estabelecer, no art. 5 o, inciso IX, a competência privativa da União Federal para “estabelecer o Plano nacional de viação férrea e o de estradas de rodagem, e regulamentar o tráfego rodoviário interestadual ”. Ainda no mesmo art. 5o, incisos XIV, XV e XVI, se encontra a atribuição de competências privativas à União para “traçar diretrizes da educação nacional”, para “organizar defesa permanente contra os efeitos da seca nos Estados do Norte” e para “organizar a administração dos Territórios”. 3.1. Plano especial de obras públicas A Constituição de 1937 não traz a expressão “plano”, mas é sob o seu império formal que surge o primeiro impulso planejador, através do Decreto-Lei n. 1.058, de 19.01.1939. Nos “considerando” desse texto legal, está explicitada a sua finalidade: Considerando que urge promover a criação de indústrias chamadas básicas, como a siderurgia e outras, a execução de obras públicas, bem como prover a defesa nacional dos elementos necessários à ordem e à segurança do País; Art. 1o Fica instituído o Plano Especial de Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional (...).
No art. 4o do mesmo texto está determinado o seguinte: Art. 4o O Presidente da República determinará, anualmente, a aplicação do crédito pelos diversos Ministérios, des nandoo à criação de indústrias básicas, execução de obras públicas produtivas e aparelhamento da defesa e segurança nacionais.
3.2. Plano de obras e equipamentos No final de 1943, através do Decreto-Lei n. 6.144, de 25.12.1943, e do Decreto-Lei n. 6.145, de 29 de dezembro de 1943, surge o Plano de Obras e Equipamentos, que se destina a substituir o anterior, dando-lhe maior vulto, tendo sido fixado para ele o prazo de cinco anos. O art. 1o do Decreto-Lei n. 6.144 estabelecia o seguinte: Art. 1o Fica instituído o ‘Plano de Obras e Equipamentos’, para vigorar por cinco exercícios, a partir de 1o de janeiro de 1944.
É interessante observar que o Decreto-Lei n. 6.145, que estabeleceu a receita do “Plano de Obras e Equipamentos” para o exercício de 1944, fixou a receita do Ministério da Viação e Obras Públicas em Cr$ 554.116.423,00, enquanto o Ministério da Educação e Saúde recebia Cr$ 113.461.589,00, e os demais Ministérios recebiam cifras bem menores. A queda do governo de Getúlio Vargas deu a este Plano duração efêmera. 3.3. Plano Salte A Constituição de 1946, no seu art. 5 o, segue a mesma linha das anteriores, ao fixar como competência da União “estabelecer o Plano nacional de viação” e “organizar defesa permanente contra os efeitos da seca, das endemias rurais e das inundações”. Os arts. 198 e 199 trazem inovação, ao estabelecerem, o primeiro, normas para a execução do plano de defesa contra os efeitos da denominada seca do Nordeste, e o segundo, dispositivo específico quanto à execução do plano de valorização econômica da Amazônia através da destinação, por um período de 20 anos consecutivos, de quantia não inferior a 3% da sua renda tributária. É na vigência dessa Constituição que surge o denominado Plano Salte, através da Lei n. 1.102, de
18.05.1950. O art. 1o desse texto estabelece: Art. 1o É o Presidente da República autorizado a realizar, durante os exercícios de 1950 a 1954, os empreendimentos rela vos à saúde, alimentação, transporte e energia integrantes do plano previsto no texto e nos anexos da presente lei – Plano Salte. Parágrafo único. O Poder Execu vo promoverá entendimentos e firmará acordos com os governos estaduais e municipais, as autarquias, as sociedades de economia mista, en dades paraestatais existentes ou que venham a ser criadas em virtude de lei e entidades privadas, no sentido de coordenar atividades relacionadas com os programas de trabalho deste Plano.
Através do Decreto n. 28.225, de 12.06.1950, foi criada a figura de um Administrador-Geral do Plano Salte, com a finalidade de coordenar a sua execução: Art. 1o O Presidente da República, na realização dos empreendimentos constantes do Plano Salte, a que se refere o art. 1o da Lei n. 1.102, de 18 de maio de 1950, será assis do por um delegado de sua confiança com a denominação de Administrador-Geral do Plano Salte. Art. 2o Além das atribuições que lhe forem especialmente conferidas, mediante instruções baixadas de conformidade com o art. 16 da Lei n. 1.102, de 18 de maio de 1950, compete ao Administrador-Geral do Plano Salte coordenar os diversos programas de trabalho, previstos no mesmo Plano, a fim de estabelecer a ordem de prioridade e a forma por que devam ser executados.
Observe-se que o Plano Salte estava sendo criado já no final do governo Dutra, com prazo de execução projetado sobre o período do governo seguinte. 3.4. Comissão mista Brasil-Estados Unidos Em 19.12.1950, os governos do Brasil e dos Estados Unidos firmam um acordo com a finalidade de promover a execução de programas de desenvolvimento econômico do Brasil. Alicerçado neste acordo, o Ministro de Estado das Relações Exteriores, através da Portaria de 24.10.1951, traça instruções para o funcionamento da Seção Brasileira da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos:
Art. 1o A Comissão Mista Brasil-Estados Unidos de Desenvolvimento Econômico criada por decisão dos Governos Brasileiro e Norte-Americano nos termos do acordo firmado em 19 de dezembro de 1950, por troca de notas entre o Ministério das Relações Exteriores do Brasil e a Embaixada dos Estados Unidos da América, tem por finalidade promover, com a cooperação técnico-financeira dos Estados Unidos da América, a execução de programas de desenvolvimento econômico do Brasil.
A competência dessa Comissão Mista estava discriminada no art. 2 o daquela Portaria, e suas atribuições eram especificamente as seguintes: a) promover a prestação de serviços de assistência técnica, de natureza bilateral com o obje vo principal de facilitar a elaboração de programas e projetos de desenvolvimento econômico, par cularmente nos setores de transportes, energia, agricultura, mineração e indústria; b) receber e estudar os pedidos de assistência técnica que venham a ser feitos por órgãos da União, dos Estados, dos Municípios e outras entidades, providenciando seu atendimento; c) cuidar da difusão e utilização eficiente da assistência técnica fornecida por intermédio da Comissão; d) examinar os recursos naturais e possibilidades do Brasil, com vistas à aplicação, mutuamente vantajosa, de conhecimentos tecnológicos e de capitais, e a promoção de iniciativas; e) elaborar ou cooperar na elaboração de programas e projetos de desenvolvimento econômico; f ) cooperar na obtenção de créditos e financiamento para a realização de projetos considerados técnica e economicamente justificáveis.
Os resultados dos trabalhos dessa Comissão Mista foram altamente positivos, tendo dado origem a 14 projetos sobre a economia básica do País. A criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, pela Lei n. 1.628, de 20.06.1952, foi resultado dos trabalhos dessa Comissão. O art. 8o
dessa lei cria “o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico, que também atuará, como agente do Governo, nas operações financeiras que se referirem ao reaparelhamento e ao fomento da economia nacional”. Mais recentemente, foi ele transformado de autarquia federal em empresa pública (Lei n. 5.662/71), e posteriormente transformado em Banco do Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES. 3.5. Programa de metas Com a candidatura à Presidência da República, para o período 1956-1960, o Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira apresentou como plataforma de governo o seu Plano de Metas. Confrontando-se este plano com os anteriores, ver-se-á que sua globalidade e abrangência contrastam com os anteriores, que primam por suas características setoriais.445 O sistema de planejamento concebido por Kubitschek é muito mais abrangente. A criação de um Conselho de Desenvolvimento, através do Decreto n. 38.774, de 01.02.1956, e regulamentado pelo Decreto n. 38.906, de 15.03.1956, foi uma medida de grande importância, pois que centralizou o processo, para assegurar coerência na sua concepção e aplicação, e para garantir-lhe maior abrangência. O art. 1o do Decreto n. 38.906/56 estabelece as finalidades da criação daquele Conselho: Art. 1o O Conselho do Desenvolvimento (CD), criado pelo Decreto n. 38.774, de 1o de fevereiro de 1956, diretamente subordinado ao Presidente da República, tem por fim: I – estudar as medidas necessárias à coordenação da polí ca econômica do país, par cularmente no tocante ao seu desenvolvimento econômico; II – elaborar planos e programas visando a aumentar a eficiência das a vidades governamentais e fomentar a inicia va privada; III – analisar relatórios e estatísticas relativas à evolução dos diferentes setores da economia nacional; IV – estudar e preparar anteprojetos de lei, decretos ou atos administra vos julgados necessários à consecução dos objetivos mencionados nos incisos I e II; V – manter-se informado da implementação das medidas cuja adoção haja aprovado.
O art. 3o do Decreto n. 38.906/56 determinava que o Conselho seria assistido por Consultores Especiais, escolhidos pelo Presidente da República, dentre pessoas de notório saber e competência técnica. A linha ideológica que incorporou o Programa de Metas foi estabelecida pelo próprio Presidente quando ainda candidato, nos termos seguintes: Sou, decididamente, pelo princípio da livre empresa consagrado no regime cons tucional vigente. Tudo farei de minha parte para que o progresso do Brasil resulte, principalmente, da a vidade incessante, inteligente e dedicada dos homens de empresa, onde quer que se encontrem, na lavoura, na indústria, no comércio, sejam eles nacionais ou estrangeiros. Estou convencido, entretanto, de que a a tude do Governo no campo econômico não deve ser a de expecta va passiva, mas a de intervenção em apoio da inicia va privada, orientando-a e suplementando-lhe os esforços, no sen do de acelerar-se o processo de acumulação de riquezas da cole vidade e da divisão equita va dos bens e bene cios do progresso. Todavia, deverá essa intervenção se processar no quadro de um plano de desenvolvimento em que se defina, de forma clara, o campo de ação da inicia va privada e se delimite obje vamente o âmbito de atuação direta do Estado, coordenando-se esses dois setores, de modo que se evitem atritos, inibições ou excessos de inves mentos simultâneos a absorverem fatores de produção limitados gerando pressões inflacionárias.446
O Programa de Metas estabeleceu cerca de 30 metas principais, centralizando-se nos seguintes setores: Energia, Transportes, Alimentação, Indústrias de Base e Educação. O Conselho de
Desenvolvimento expõe a significação do Programa de Metas nos seguintes termos: Em sua acepção mais ampla, (as metas do governo) compõem-se de projetos de inves mentos que visam a elevar quanto antes o padrão de vida do provo brasileiro, ao máximo compa vel com as condições de equilíbrio econômico e estabilidade social. O conjunto de metas cons tui um esforço de programação, preferindo-se esta denominação, por mais modesta, à de planejamento. Vários mo vos tornam impra cável, ou mesmo indesejável, qualquer tenta va de planificação integral da economia, tal como acontece nos regimes coletivistas. Em primeiro lugar, a autonomia das várias unidades polí cas do país, que há de ser respeitada e preservada, permite-lhes orientar livremente a aplicação dos recursos financeiros e materiais que lhes são afetos. Ao Governo Federal incumbe um trabalho constante de coordenação. Em segundo lugar, a filosofia econômica adotada em nossa Cons tuição e a de livre inicia va, que tem como cossectários a soberania do consumidor, a liberdade de escolha de ocupação pela mão de obra e, finalmente, a inicia va individual na aplicação da propriedade. Por fim, um plano de alto sentido político – o da construção da nova capital em Brasília – tem também um grande significado econômico, porque possibilitará e provocará o alargamento da frente de ocupação humana sobre vas ssimas áreas da hinterlândia, incorporando ao patrimônio a vo do País regiões de ponderável poder econômico. Ar culados ao Plano de Brasília estão alguns projetos, especialmente de transportes, contemplados no Programa de Metas.447
Após o levantamento das necessidades inerentes a cada um desses setores, o governo fixa o Programa da Ação Governamental. No tocante à meta de energia elétrica, o levantamento e a fixação da ação pode assim ser visto: Apesar dos esforços con nuados que veem sendo exercidos, nos úl mos anos, pelo Governo Federal, pelos Governos Estaduais e pela empresa privada, con nua a ser a deficiência de energia elétrica um dos mais sérios entraves ao desenvolvimento da economia brasileira e um dos fatores limita vos da melhoria do padrão de vida da população, principalmente a do interior do país. Esforços redobrados são ainda necessários por parte de todas as en dades direta ou indiretamente responsáveis pela solução do problema de energia, de modo a que a oferta de eletricidade con nue a expandir, em ritmo acelerado, na medida das necessidades do desenvolvimento econômico geral, o parque de usinas geradoras e sistemas elétricos correlatos.448
Diante desse diagnóstico, o governo estabeleceu as metas a serem alcançadas. O Programa da Ação Governamental está assim expresso: Programa da Ação Governamental. Em virtude dos problemas apontados, uma das primeiras preocupações do atual Governo foi a de procurar formular um programa de energia elétrica aplicável a todo o país, tanto em termos de obras específicas, compreendendo geração, transmissão e distribuição, como das necessidades financeiras, em moeda nacional e estrangeira. O primeiro balanço da situação, elaborado pelo Conselho do Desenvolvimento em princípios de 1956, revelou imediatamente três aspectos fundamentais da questão: a) que os programas até então concretamente formulados, embora assegurassem a realização da meta preestabelecida de 5 milhões de kW, eram insuficientes para fazer face às necessidades do quinquênio de 1960 a 1965, tornando-se portanto urgente a imediata mobilização de esforços no sentido de ampliá-los à medida de atenderem necessidades previsíveis; b) que compe ria ao Governo Federal a par cipação vigorosa na execução desse programa, não só através de financiamentos do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico, mas também por meio da execução direta de novos empreendimentos; e c) que era indispensável criar ambiente propício aos inves mentos privados na indústria de energia elétrica, de vez que todos os recursos públicos capturáveis para esse fim, estavam já muito aquém das necessidades do programa. Decidiu, então, o Governo, atacar frontalmente esses obstáculos, tomando medidas para tornar eficaz sua par cipação no
programa e procurando incentivar, no empreendimento, maior participação do capital privado.449
Indaga Celso Lafer a respeito da razão de planejar de que se imbuiu o governo Kubitschek, vendo na mudança das vinculações do processo eleitoral uma resposta para esse questionamento. A maior participação política na escolha dos mandatários passa a vinculá-los aos compromissos assumidos.450 Fazia parte integrante e central daquele Plano o Projeto Brasília, que, apesar de quaisquer restrições que se queiram fazer, foi na verdade o carro-chefe, a síntese de todo o Plano, porque representou a criação de um novo polo de projeção para o desenvolvimento econômico e social. Pode-se dizer que o Plano de Metas foi coroado de sucesso, quer pela sua organicidade, quer pela coerência entre a fase de conhecimento e a de projeção e decisão.451 3.6. Comissão Nacional de Planejamento Depois da saída do Presidente Juscelino Kubitschek e da renúncia do Presidente Jânio Quadros, seguiu-se período de grande turbulência política. Poucos dias antes da renúncia editou-se o Decreto n. 51.152, de 05.08.1961, com que se criou a Comissão Nacional de Planejamento. Os “considerando” são importantes para o entendimento da finalidade da criação dessa Comissão: Considerando a) que é obje vo fundamental do País melhorar as condições de bem-estar do povo brasileiro, o que depende de um esforço de desenvolvimento da economia nacional; b) que esse desenvolvimento deve ser orientado no sen do de uma efe va ocupação do vasto território brasileiro e do crescimento equilibrado das distintas regiões que o constituem; c) que o incremento rápido da renda ‘per capita’ brasileira não pode ficar entregue ao automa smo do mercado, pois as suas condições estruturais e o comportamento vegeta vo da economia nacional não asseguram o crescimento mínimo compatível com as necessidades do País; d) que as técnicas e programação foram criadas e aprimoradas como instrumento para a ngir o ritmo de desenvolvimento mais rápido compatível com os recursos disponíveis; e) que o desenvolvimento acarreta inevitáveis mudanças da estrutura econômica e social do país, bem como requer a atualização constante de aspectos de seu aparelho institucional; f) que cabe ao Governo alta responsabilidade como elemento propulsor e disciplinador do processo de desenvolvimento, em coordenação com a ação dos setores privados que, [sic] deve estimular e amparar; g) que o desenvolvimento é objetivo nacional permanente que só poderá ser alcançado pela continuidade administrativa e pela racionalização crescente do esforço coletivo, que permitem a redução constante dos custos sociais desta política; h) que o planejamento com a ampla colaboração de todas as classes sociais é o único meio que possibilitará o país estabelecer a completa determinação do seu destino, sem sacrificar as liberdades democráticas e individuais, decreta: Art. 1o Fica criada a Comissão Nacional de Planejamento, que terá por incumbência elaborar um plano plurienal de desenvolvimento econômico e social do País, controlar sua execução e sugerir as modificações ditadas pelo comportamento das conjunturas nacional e internacional. Parágrafo único – A Comissão Nacional de Planejamento é diretamente subordinada ao Presidente da República.
3.7. Plano Trienal de Desenvolvimento No final do ano de 1962, às vésperas do plebiscito em que se decidiria o retorno ao Presidencialismo, o economista Celso Furtado, num prazo de seis meses, elabora o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico, para o período 1963-1965. Um clima de grande efervescência
política, uma inflação altamente crescente e um ambiente de grande liberdade social propício às reivindicações vieram trazer a impossibilidade de implementação daquele Plano. Principalmente a política de combate à inflação, que exigia do governo medidas coercitivas contrárias a um populismo que se impunha na área social, veio impedir por completo a eficiência do Plano Trienal. 452 Para compreender o processo brasileiro de planejamento econômico, será conveniente salientar dois tópicos do Plano Trienal de Desenvolvimento, o primeiro quanto aos objetivos básicos que são fixados, o segundo quanto ao papel a ser desempenhado pela planificação em uma economia subdesenvolvida: Objetivos Básicos: A política de desenvolvimento planejada para o próximo triênio visa aos seguintes objetivos básicos: 1. Assegurar uma taxa de crescimento da renda nacional compa vel com as expecta vas de melhoria de condições de vida que mo vam, na época presente, o povo brasileiro. Essa taxa foi es mada em 7 por cento anual, correspondente a 3,9 por cento de crescimento per capita. 2. Reduzir progressivamente a pressão inflacionária, para que o sistema econômico recupere uma adequada estabilidade de nível de preços, cujo incremento não deverá ser superior, em 1963, à metade do observado no ano corrente. Em 1965 esse incremento deverá aproximar-se de 10 por cento. 3. Criar condições para que os frutos do desenvolvimento se distribuam de maneira cada vez mais ampla pela população, cujos salários reais deverão crescer com taxa pelo menos idên ca à do aumento da produ vidade do conjunto da economia, demais dos ajustamentos decorrentes da elevação do custo de vida. 4. Intensificar substancialmente a ação do Governo no campo educacional, da pesquisa cien fica e tecnológica, e da saúde pública, a fim de assegurar uma rápida melhoria do homem como fator de desenvolvimento e de permi r o acesso de uma parte crescente da população aos frutos do progresso cultural. 5. Orientar adequadamente o levantamento dos recursos naturais e a localização da a vidade econômica, visando a desenvolver as dis ntas áreas do país e a reduzir as disparidades regionais de níveis de vida, sem com isso aumentar o custo social do desenvolvimento. 6. Eliminar progressivamente os entraves de ordem ins tucional, responsáveis pelo desgaste de fatores de produção e pela lenta assimilação de novas técnicas, em determinados setores produ vos. Dentre esses obstáculos de ordem ins tucional, destaca-se a atual estrutura agrária brasileira, cuja transformação deverá ser promovida com eficiência e rapidez. 7. Encaminhar soluções visando a refinanciar adequadamente a dívida externa, acumulada principalmente no úl mo decênio, a qual, não sendo propriamente grande, pesa desmesuradamente no balanço de pagamentos por ser quase toda a curto e médio prazos. Também se tratará de evitar agravação na posição de endividamento do país no exterior, durante o próximo triênio. 8. Assegurar ao Governo uma crescente unidade de comando dentro de sua própria esfera de ação, submetendo as dis ntas agências que o compõem às diretrizes de um plano que vise à consecução simultânea dos obje vos anteriormente indicados.
Quanto ao alcance da planificação em uma economia subdesenvolvida, o Plano Trienal traz ensinamentos e diretrizes fundamentais para a instituição jurídico-econômica que pretendia instalarse em moldes científicos no País: A planificação econômica pode ser entendida como um esforço de coordenação, com vistas a fins preestabelecidos, [sic] das principais decisões que estão sendo permanentemente tomadas em um sistema econômico. A planificação não pretende estabelecer em detalhe o que deverá ocorrer no sistema econômico, cabe-lhe antecipar as principais modificações estruturais requeridas para a manutenção de um determinado ritmo de desenvolvimento e indicar as medidas a serem tomadas a fim de que os inves mentos, considerados essenciais àquelas modificações, sejam feitos oportunamente.
A planificação econômica não é objetivo que possa ser alcançado de uma vez. Constitui, em
última instância, uma técnica de governar e administrar, e como tal deve ser introduzida progressivamente, à medida que o quadro político, institucional e administrativo o comportem. Não poderá haver planejamento, por exemplo, se os poderes Legislativo e Executivo não trabalharem com certa harmonia de vistas, se dentro do Poder Executivo os dirigentes máximos não tomarem decisões coordenadamente, se as autoridades monetárias não obedecerem a um comando único e se esse comando não estiver sintonizado com as autoridades fiscais, se a Administração não possuir a necessária integração para executar com regularidade as tarefas que lhe forem cometidas, etc. A experiência de outros países tem indicado que são necessários alguns anos para alcançar uma razoável eficácia na execução de um plano bem concebido. Mas, exatamente porque o planejamento é um processo con nuo, que se introduz por etapas e se aperfeiçoa na medida em que é implantado, o mais importante é iniciá-lo.453
3.8. Programa de Ação Econômica do Governo O Programa de Ação Econômica do Governo – Paeg –, instituído pelo Governo Revolucionário, depois de haver diagnosticado como causa da estagnação o recrudescimento do processo inflacionário, procura fixar os objetivos a serem alcançados pelo esforço governamental: acelerar o ritmo de desenvolvimento do País, conter o processo inflacionário e eliminar os déficits na balança de pagamento. O Paeg se pautou por ser um plano indicativo, o que o compatibilizava com o desenrolar-se de uma economia de mercado.454 Pelo Decreto n. 53.890, de 20.04.1964, se fixa a incumbência do Ministro de Estado Extraordinário para o Planejamento e Coordenação Econômica, qual seja: Dirigir e coordenar a revisão do plano nacional de desenvolvimento econômico, em cooperação com os órgãos competentes da Administração, exercendo, simultaneamente, a função de Coordenador-Geral da Assessoria Técnica da Presidência da República, com as atribuições definidas no Decreto n. 52.256, de 11 de julho de 1963, que dispôs sobre a Coordenação do Planejamento Nacional.
O Decreto n. 53.914, de 11.05.1964, dispõe sobre as competências do Ministro de Estado Extraordinário para o Planejamento e Coordenação Econômica: a) dirigir e coordenar a revisão do plano nacional de desenvolvimento econômico, em cooperação com os Ministérios e demais órgãos da administração direta ou descentralizada do Governo da União; b) coordenar e harmonizar, em planos gerais, regionais e setoriais, os programas e projetos elaborados por órgãos da administração pública, entidades paraestatais, sociedades de economia mista, e empresas subvencionadas pela União; c) conhecer e coordenar os planos de ajuda externa, econômica, financeira e de assistência técnica prestadas aos órgãos e entidades referidas na alínea ‘b’; d) coordenar a elaboração e a execução do Orçamento Geral da União e dos orçamentos dos órgãos e en dades referidos no item ‘b’ harmonizando-os com o plano nacional de desenvolvimento econômico; e) assessorar o Presidente da República na decisão de assuntos relacionados com o plano de desenvolvimento econômico e na formulação de planos e projetos de desenvolvimento econômico e social; f) exercer outras funções e encargos que lhe sejam atribuídos pelo Presidente da República.
3.9. Plano Estratégico de Desenvolvimento A Constituição de 1967, aprovada em 24.01.1967, fixava, como competência da União, no art. 8 o, “planejar e garantir a segurança nacional”, “estabelecer o plano nacional de viação”, “organizar a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente a seca e as inundações”, “estabelecer e executar planos regionais de desenvolvimento” e “estabelecer planos nacionais de
educação e de saúde”. Entre as atribuições do Poder Legislativo está a de dispor, mediante lei, sobre “planos e programas nacionais, regionais e orçamentos plurianuais”. Assentados esses pressupostos constitucionais, surge, para o período 1968-1970, o Plano Estratégico de Desenvolvimento – PED. Aceito o continuísmo revolucionário no plano político, o Plano Trienal em que se insere o PED fixa como objetivo básico o desenvolvimento econômico e social, com base no princípio fundamental fixado pelo item V do art. 157 da Constituição Federal: o desenvolvimento econômico. Fixado esse objetivo o Plano define também o quadro dos valores que regem a filosofia de atuação do Governo: • fortalecimento da empresa privada; • estabilização gradativa do comportamento dos preços; • responsabilidade do governo na consolidação da infraestrutura; • expansão das oportunidades de emprego; • fortalecimento e ampliação do mercado interno. O PED representa, sem dúvida, mais um esforço do governo no caminho do planejamento, dando continuidade aos trabalhos e ao esforço de previsão e execução de programas anteriormente realizados.455 3.10. Legislação sobre planejamento Dentro do período de execução do PED surge um diploma legal de importância para o conceito de Plano Nacional, a Lei Complementar n. 3, de 07.12.1967, que dispõe sobre os Orçamentos Plurianuais de Investimento. Os arts. 1o e 2o desse diploma estabelecem: Art. 1o Na forma do disposto no art. 46, inciso III, da Cons tuição, serão elaborados Planos Nacionais, observadas as regras estabelecidas nesta Lei. Art. 2o Entende-se por Plano Nacional o conjunto de decisões harmônicas des nadas a alcançar, no período fixado, determinado estágio de desenvolvimento econômico e social. § 1o O Plano Nacional será apresentado sob a forma de diretrizes gerais e dele constarão as definições básicas adotadas, os elementos de informação que as justificarem e a determinação dos objetivos globais pretendidos. § 2o O Plano Nacional deverá indicar as decisões alterna vas que poderão ser adotadas durante sua execução, a fim de que o resultado final seja efetivamente alcançado.
O art. 3o impõe ao Poder Executivo a obrigação de elaborar Planos Nacionais Quinquenais, que serão submetidos ao Congresso Nacional, que os apreciará: Art. 3o O Poder Execu vo elaborará Planos Nacionais Quinquenais, que serão subme dos à deliberação do Congresso Nacional até o dia 1o de março do ano imediatamente anterior ao término do Plano Nacional que estiver em vigor. § 1o O Congresso Nacional apreciará cada Plano Nacional no prazo de 120 dias. § 2o Esgotado o prazo previsto no parágrafo anterior, sem deliberação, a matéria será considerada aprovada.
Em 29.01.1969 surge o Ato Complementar n. 43, que contém disposições importantes. O art. 1 o fixa a competência do Poder Executivo para elaborar os Planos e o prazo para sua apresentação: Art. 1o O Poder Execu vo elaborará Planos Nacionais de Desenvolvimento, de duração quadrienal, que serão subme dos à deliberação do Congresso Nacional até 15 de setembro do primeiro ano de mandato do Presidente da República.
O art. 2o trata da competência específica do Congresso Nacional:
Art. 2o O Congresso Nacional apreciará cada Plano Nacional de Desenvolvimento no prazo de 90 (noventa) dias, podendo aprová-lo integralmente ou formular as ressalvas ou restrições que julgar cabíveis, man da necessariamente a coerência global do plano e sua viabilidade em face dos recursos disponíveis.
O art. 10 fixa prazo para apresentação do primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento:
Art. 10. O primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento será encaminhado ao Congresso Nacional até o dia 15 de setembro de 1971.
Em 17.10.1969, é promulgada a Emenda Constitucional n. 1, que, no tocante ao planejamento econômico, não traz maiores alterações. Continua como competência da União, estabelecida no art. 8o, incisos V, XI, XIII e XIV, “ planejar e promover o desenvolvimento e a segurança nacionais”, “estabelecer o plano nacional de viação”, “organizar a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente a seca e as inundações” e “estabelecer e executar planos nacionais de educação e de saúde, bem como planos regionais de desenvolvimento”. Continua como atribuição do Poder Legislativo dispor sobre “planos e programas nacionais e regionais de desenvolvimento”. Em 21.10.1969, é editado o Ato Complementar n. 76, em que se alteram dispositivos do Ato Complementar n. 43: Art. 1o Os ar gos 1o, 7o, 8o e 10 do Ato Complementar n. 43, de 29 de janeiro de 1969, passam a vigorar com a seguinte redação: Art. 1o O Poder Execu vo elaborará Planos Nacionais de Desenvolvimento, de duração igual à do mandato do Presidente da República, os quais serão subme dos à deliberação do Congresso Nacional até 15 de setembro do primeiro ano do mandato presidencial. Art. 10. O primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento será encaminhado ao Congresso Nacional até 15 de setembro de 1971 e terá vigência nos exercícios de 1972, 1973 e 1974.
3.11. I Plano Nacional de Desenvolvimento – I PND Dentro desse contexto, surge a Lei n. 5.727, de 04.11.1971, que dispõe sobre o I Plano Nacional de Desenvolvimento – PND –, para o período de 1972 a 1974.456 O I PND propõe em forma de síntese o elenco das realizações nacionais, que compreendem os seguintes itens: I – Consecução dos obje vos nacionais de desenvolvimento e transformação social mediante processo de compe ção capaz de assegurar níveis internacionais de eficiência aos setores público e privado; e processo de integração, com ar culação harmônica entre Governo e setor privado, União e Estados, entre regiões desenvolvidas e regiões em desenvolvimento, entre empresa e trabalhadores. II – Implantação de novos instrumentos para modernizar a empresa nacional, fortalecendo-lhe a capacidade compe eliminando as condições de desigualdade em que opera, relativa à estrangeira.
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III – Atuação eficiente do Governo, na administração direta, autarquias ou empresas governamentais, definindo suas tarefas com clareza e preservando a viabilidade e dinamismo do setor privado. O setor público procurará operar mediante estruturas simples e modernas, aperfeiçoando-se os sistemas de coordenação e acompanhamento da execução. IV – Mobilização ainda mais intensa do sistema financeiro nacional e do mercado de capitais, para maior par cipação no financiamento da formação real de capital do setor privado e na criação de sólidas estruturas das empresas; e ainda garantia de acesso da pequena e média empresas a sistemas que permitam a melhoria de sua estrutura financeira. V – Implementação de Polí ca Tecnológica Nacional, que permita a aceleração e orientação da transferência de tecnologia, para o País, associada a forte componente de elaboração tecnológica própria. O Brasil ingressará na era nuclear, com a construção da Primeira Central Nuclear. Implantar-se-á sistema de Centros de Tecnologia em áreas de Infraestrutura e Indústrias Básicas.
VI – Política de aproveitamento dos recursos humanos do País. VII – Efe vação de certo número de grandes programas de inves mentos, cada um deles de valor superior ao equivalente a um bilhão de dólares, em cinco anos. VIII – Realização de Estratégia Regional para efetivar a Integração Nacional. IX – Abertura social, para assegurar a participação de todas as categorias sociais nos resultados do desenvolvimento. X – Estratégia Econômica Externa para, no tocante às exportações, assegurar o crescimento da receita acima de 10% ao ano.
O I Plano Nacional de Desenvolvimento faz uma opção decidida pela economia de mercado, com marcante influência do governo: O modelo econômico que se está construindo orienta o seu regime de mercado para a descentralização das decisões econômicas e dos resultados da expansão da renda, visando à formação progressiva do mercado de consumo, fundando-se tal modelo na aliança entre Governo e setor privado, entre a União e os Estados.
O próprio PND assinala os pontos essenciais a esse modelo econômico escolhido e definido: I – Incorporação dos modernos instrumentos de evolução das economias desenvolvidas entre os quais se destacam: 1) Influência crescente do Governo na gestão do sistema econômico, com expansão de seus inves mentos e da sua capacidade de regulamentar. 2) Incremento da prosperidade social, pela elevação anual do nível de renda e do padrão de bem-estar. 3) Coerência e racionalidade das decisões, mediante planejamento a longo prazo. II – Criação de uma economia que capacite o Brasil a enfrentar a competição econômica e tecnológica moderna. III – Vitalidade do setor privado, originada de uma nova concepção de empresa, inclusiva [sic] com tendência a fusões e modernas estruturas de produção e de comercialização. IV – Promoção, pelo Governo, das condições para a modernização, dinamismo e compe ção, mediante incen vos ao setor privado. V – Equilíbrio entre União e Estados, em termos de federalismo coopera vo, por melhor corresponder à tradição brasileira e ao imperativo da maior eficiência operacional do setor público.
Quanto à modernização da empresa nacional, quer pública quer privada, no que diz respeito à tecnologia e à capacidade gerencial, o Plano propõe incentivos fiscais de imposto de renda à fusão e à incorporação de empresas, conjugando-as à abertura de capital, na forma do Decreto-Lei n. 1.182/71. O Congresso Nacional, ao apreciar o texto do PND, formulou seis ressalvas. 3.12. II Plano Nacional de Desenvolvimento – II PND O II Plano Nacional de Desenvolvimento – II PND –, enviando ao Congresso Nacional, em 10.09.1974, através da Mensagem n. 430, foi aprovado pela Lei n. 6.151, de 04.12.1974, para o período de 1975 a 1979.457 Depois de definir como indicadores de perspectivas a ultrapassagem da barreira de uma renda de mil dólares per capita, a ultrapassagem da barreira de U$ 100 bilhões em seu PIB, já em 1977, a criação de oportunidades de emprego com uma taxa para além de 3,5% ao ano, a elevação da população ativa, em 1980, a um nível de 40 milhões de pessoas, a elevação do comércio exterior a um nível para cima de U$ 40 bilhões, o II PND fixa as tarefas que deverão ser implementadas para a consecução daqueles resultados. E são: I – O Brasil deverá ajustar a sua estrutura econômica à situação de escassez do petróleo, e ao novo estágio de sua evolução industrial.
II – Espera-se consolidar, até o fim da década, uma sociedade industrial moderna e um modelo de economia competitiva. III – A polí ca de energia, num País que importa mais de dois terços do petróleo consumido (respondendo este por 48% da energia utilizada), passa a ser peça decisiva da estratégia nacional. IV – A polí ca cien fica e tecnológica, com a execução do JI [sic] e do III Plano Básico de Desenvolvimento Cien fico e Tecnológico, e do primeiro Plano Nacional de Pós-Graduação, contará com recursos de aproximadamente Cr$ 22 bilhões, no período; V – Na área de integração nacional, será realizado programa que contará com recursos no montante de Cr$ 165 bilhões.
VI – A ocupação produ va da Amazônia e do Centro-Oeste receberá impulso com o Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia (Polamazônia), o Complexo Minero-Metalúrgico da Amazônia Oriental e o Programa de Desenvolvimento de Recursos Florestais, além da execução de programas especiais, como o de desenvolvimento do Pantanal.
VII – A estratégia de desenvolvimento social, servida por um Orçamento Social da ordem de Cr$ 760 bilhões, no quinquênio, será desdobrada nos seguintes principais campos de atuação: – Conjugação da Política de Emprego (...) com a de Salários. – Política de Valorização de Recursos Humanos. – Política de Integração Social. – Programa de Desenvolvimento Social Urbano. VIII – Na Integração com a Economia Mundial, ganha mais importância a conquista de mercados externos, principalmente para manufaturados e produtos primários não tradicionais (agrícolas e minerais).
O II PND procura consolidar um modelo econômico-social baseado numa economia moderna de mercado, num forte conteúdo social, num pragmatismo reformista, nos campos econômico e social, e numa orientação de nacionalismo positivo voltada para assegurar a execução da estratégia nacional de desenvolvimento, realizando o equilíbrio entre capital nacional e estrangeiro, e garantindo, na articulação com a economia internacional, a consecução das metas do País. Seguindo a linha de pensamento proposta no I PND, o II PND estimula uma política de fusão de empresas nacionais para adquirir escala econômica. Propõe também a reforma da Lei das Sociedades Anônimas, o que realmente se efetivou. 3.13. III Plano Nacional de Desenvolvimento – III PND O III Plano Nacional de Desenvolvimento – 1980/85 foi aprovado pela Resolução n. 01, de 1980, do Congresso Nacional.458 Assinala este documento que uma de suas principais características é a flexibilidade, que é indispensável para uma permanente adaptação e ajustamento do comportamento e das ações do governo e da sociedade à conjuntura econômica e social existente. Dentre as bases propostas para sustentar as definições e opções do PND, devem-se salientar duas, porque definem a ideologia subjacente a todo este Plano: VI – o reconhecimento também da opção brasileira pela economia de mercado, onde o planejamento do desenvolvimento e toda a atuação governamental devem voltar-se para a orientação, apoio e es mulo aos setores privados, limitando-se o Governo, como produtor e inves dor, aos campos e a vidades exigidos pelo interesse e segurança nacionais e aos projetos não desejados ou inviáveis pela livre iniciativa; VIII – o objeto do esforço nacional é a valorização do homem brasileiro. Isto ganha par cular expressão na tenta va de a ele garantir condições dignas de trabalho e remuneração adequada à satisfação de suas necessidades básicas.
Ao definir os Grandes Objetivos Nacionais, distinguem-se um objetivo-síntese e os objetivos nacionais. O objetivo-síntese é assim definido: O obje vo-síntese deste III PND é a construção de uma sociedade desenvolvida, livre, equilibrada e estável, em bene cio
de todos os brasileiros, no menor prazo possível.
Para a consecução desse objetivo-síntese, o governo deverá acionar alguns objetivos nacionais, que são como instrumentos indispensáveis àquele fim: I – Acelerado crescimento da renda e do emprego. II – Melhoria da distribuição da renda, com redução dos níveis de pobreza absoluta e elevação dos padrões de bem-estar das classes de menor poder aquisitivo. III – Redução das disparidades regionais. IV – Contenção da inflação. V – Equilíbrio do balanço de pagamentos e controle do endividamento externo. VI – Desenvolvimento do setor energético. VII – Aperfeiçoamento das ins tuições polí cas: Aqui se salienta que à busca de um melhor padrão material de vida, se devem associar melhores condições da qualidade de vida e de uma melhor convivência social. Somente cidadãos com uma satisfatória qualidade de vida terão condições de concretizar um objetivo democrático.
O III PND foi o último Plano do período revolucionário. A mudança de governo foi também uma tentativa de mudar os rumos da mentalidade orientadora da forma de tratar a relação entre direito e economia. 3.14. I Plano Nacional de Desenvolvimento – Nova República O I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) da Nova República, para o período de 1986 a 1989, teve suas diretrizes aprovadas pela Lei n. 7.486, de 06.06.1986.459 Já na “Apresentação” da ideologia do Plano se podem notar diferenças básicas de direcionamento, cujo núcleo é uma destacada orientação social. No nível econômico, já se assinala a prioridade reconhecida ao setor privado e a necessidade de o Estado se dedicar às suas funções tradicionais. Eis o preâmbulo dessa apresentação:
A Nova República instalou-se com o compromisso de mudar a vida polí ca, econômica e social do país. O I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República – I PND-NR – para o período 1986-89, é parte desse processo de mudança. Este é um plano de reformas, de crescimento econômico e de combate à pobreza. Todos os programas e recursos aqui definidos dirigem-se para essas três metas estratégicas. Por isso, este plano difere dos anteriores em vários aspectos. Difere em sua opção. O I PND reflete a decisão pela retomada do crescimento econômico, desta vez com clara orientação social. O governo recusa a recessão como alterna va de polí ca econômica. Mas este plano também parte da tese de que nenhum modelo de crescimento é capaz, por si só, de erradicar a pobreza que a nge, em níveis intoleráveis, grande parcela da população brasileira. Não se trata somente de evitar novos sacri cios aos trabalhadores e às camadas mais pobres. A retomada do crescimento, conforme os propósitos deste plano, supõe a gradual recuperação do salário real. Nas opções deste plano, o governo considerou também, como ponto essencial, que a erradicação da pobreza exige inves mentos com esse fim específico. Assim, a meta de combate à pobreza passa, de um lado, pela melhoria na distribuição de renda, através da recuperação dos salários. E, de outro, pela concentração de esforços e recursos em programas sociais para reduzir os problemas de saúde, alimentação e habitação dos brasileiros mais pobres.
O I PND da Nova República difere dos planos anteriores também na concepção de desenvolvimento. Este governo parte da tese de que cabe ao setor privado o papel de destaque na retomada do crescimento. O Estado retorna, portanto, às suas funções tradicionais, que são a prestação dos serviços públicos essenciais e as a vidades produ vas estratégicas para o desenvolvimento nacional de longo prazo e complementares à iniciativa privada. Essas prioridades exigem reformas profundas na organização e nos métodos do setor público, a fim de redefinir a par cipação do Estado nessa nova etapa de desenvolvimento. A reforma do setor público é, assim, meta estratégica deste plano e, ao mesmo tempo, condição dos demais objetivos de retomada do crescimento e combate à pobreza.
No decorrer da execução do I PND-NR, se se admite tenha sido ele verdadeiramente implementado, surge a Constituição Federal de 1988, que tem como novidade a caracterização do planejamento como atividade própria do Estado, no contexto da ordem econômica. O Anteprojeto Constitucional, elaborado pela Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, instituída460 pelo Decreto n. 91.450, de 18.07.1985, registra no art. 324 o seguinte: Art. 324. O Estado deverá, mediante lei especial, estabelecer normas para o planejamento da a vidade econômica do País, com o planejamento impera vo para o setor público, e o planejamento indica vo para o setor privado, de forma a atender às necessidades cole vas, equilibrar as diferenças regionais e setoriais, es mular o crescimento da riqueza e da renda e sua justa distribuição. § 1o A formulação dos planos nacionais e regionais de desenvolvimento contará com a par cipação, na forma da lei, de pessoas jurídicas de direito público, comissões especiais, organizações profissionais e entidades de classe. § 2o O planejamento harmonizará o desenvolvimento econômico com a preservação do equilíbrio ecológico e da qualidade do meio ambiente.
Essa disposição se insere no contexto da competência da União para “planejar e promover o desenvolvimento nacional, ouvidos os Estados e os órgãos regionais interessados” (art. 72, inciso XII, do Anteprojeto). Já no Projeto de Constituição elaborado pela Comissão de Sistematização, no inciso IX do art. 20, figura a competência da União para “elaborar e executar planos nacionais e regionais de desenvolvimento econômico e social, aprovados pelo Congresso Nacional”. O art. 195 do Projeto estabelecia: Art. 195. Como agente norma vo e regulador da a vidade econômica, o Estado exercerá funções de controle, fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este imperativo para o setor público e indicativo para o setor privado. § 4o Lei Complementar estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, definindo: I – os critérios de zoneamento econômico, articulador dos investimentos públicos e norteador dos investimentos privados; II – o sistema nacional de planejamento econômico e social que funcionará interativamente com o regional.
O texto definitivo da Constituição de 1988, no seu art. 174, deu a feição definitiva do planejamento econômico brasileiro, ao estabelecer: Art. 174. Como agente norma vo e regulador da a vidade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.461 § 1o A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.
Essa análise nos revela que a vocação para tornar-se direito, existente na estrutura interna dos Planos, veio gradativa e firmemente tornando-se realidade nos textos constitucionais. E o § 1o do art. 174 sacramenta essa tendência, ao dizer que a lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado. 3.15. Planos conjunturais Depois da intenção de globalidade (pois procuram projetar um conjunto de mudanças em todos os setores da sociedade) desses Planos e mesmo concomitantemente com o período de execução do I PND-NR, seguem-se, a partir de 1986, Planos que se devem chamar de setoriais, ou até mesmo unidirecionais, porque partem todos eles do pressuposto de que a raiz dos males econômico-sociais reside na inflação.462 Desde o Plano Cruzado até o Plano Real, o combate, concentrado no controle
monetário, visa conter a inflação. Não se vê, como nos anteriores, a fixação de metas a serem alcançadas, Não existe um plano de médio ou de longo alcance. Poder-se-ia até mesmo pensar que, depois de debelada a inflação, teria cessado qualquer razão de ser para ações governamentais. Através do Decreto-Lei n. 2.283, de 27.02.1986, e Decreto-Lei n. 2.284, de 10.03.1986, que instituiu o que se apelidou de “Plano Cruzado”, instituiu-se um plano monetário de combate à inflação, passando por drástica medida de congelamento de preço, como determinado no art. 35 deste segundo diploma legal. Muda-se a moeda, de cruzeiro para cruzado, conforme determinado no art. 1o daqueles diplomas. No ano seguinte, o Decreto-Lei n. 2.335, de 12.06.1987, institui novo congelamento de preços, criando um novo indexador, a Unidade de Referência de Preços – URP. Em janeiro de 1989, o governo opta por adotar novo congelamento de preços e cria regras para a desindexação da economia, através da Medida Provisória n. 32, de 15.01.1989, que foi convertida na Lei n. 7.730, de 31.01.1989. O art. 1o desses diplomas muda a denominação da moeda, de cruzado para cruzado novo. O art. 8o da lei determina que “ficam congelados, por prazo indeterminado, todos os preços, inclusive os referentes a mercadorias, prestação de serviços e tarifas, nos níveis dos preços já autorizados pelos órgãos oficiais competentes ou dos preços efetivamente praticados no dia 14.01.1989”. A esses diplomas seguiram-se a Medida Provisória n. 38, de 03.02.1989, a Medida Provisória n. 40, de 08.03.1989, e a Lei n. 7.738, de 09.03.1989. Em março de 1990, volta a ser instituído o cruzeiro e se toma uma das mais drásticas e contestadas medidas de controle inflacionário. Através da Medida Provisória n. 168, de 15.03.1990, que se converteu na Lei n. 8.024, de 12.04.1990, institui-se um severo controle da economia nacional. Os arts. 5o, 6o, 7o, 8o e 9o desses diplomas instituíram pesado confisco dos ativos financeiros, como forma de restringir o meio circulante, medida posteriormente contestada, quase à unanimidade, pelos tribunais do País. A Medida Provisória n. 154, de 15.03.1990, depois convertida na Lei n. 8.030, de 12.04.1990, vedou “quaisquer reajustes de preços de mercadorias e serviços em geral, sem a prévia autorização em portaria do Ministro da Economia, Fazenda e Planejamento”. Em 1993, implementa-se novo esforço no combate à inflação, através da Medida Provisória n. 336, de 28.07.1993, que confere à unidade do sistema monetário brasileiro a denominação de “cruzeiro real”. Essa Medida Provisória foi convertida na Lei n. 8.697, de 27.08.1993. Em 28.02.1994 surge a Medida Provisória n. 434, que institui a Unidade Real de Valor, dotada de curso legal para servir exclusivamente como padrão de valor monetário. De acordo com o disposto no § 1o do art. 1o, “a URV, juntamente com o cruzeiro real, integra o Sistema Monetário Nacional, continuando o cruzeiro real a ser utilizado como meio de pagamento dotado de poder liberatório, de conformidade com o disposto no art. 3o”. O art. 2o determina que “a URV será dotada de poder liberatório a partir de sua emissão como moeda divisionária pelo Banco Central do Brasil, quando passará a denominar-se Real”. Como complementação das medidas adotadas desde março de 1994, a Medida Provisória n. 542, de 30.06.1994, cria o Plano Real, determinando, em seu art. 1o, que: “A partir de 1o de julho de 1994, a unidade do Sistema Monetário Nacional passa a ser o Real (art. 2o da Lei n. 8.880, de 27 de maio de 1994), que terá curso legal em todo o território nacional”. Na Exposição de Motivos Interministerial n. 205,463 explicitam-se os fundamentos do novo Plano:
Com a presente Medida Provisória, o Programa de Estabilização Econômica conduzido pelo Governo de Vossa Excelência chega à sua terceira fase, marcada pela entrada em circulação de uma nova moeda nacional de poder aquisi vo estável – o Real. 2. A par r de 1o de julho, com a entrada da nova moeda, os brasileiros começarão a sen r os efeitos da queda decisiva da inflação. Cabe recapitular as medidas preparatórias que, cuidadosamente elaboradas e implementadas ao longo dos úl mos doze meses, permitem a Vossa Excelência transmi r ao País a convicção de que a vitória agora conquistada sobre a inflação nada tem de ar ficial ou efêmera, mas inaugura um ciclo duradouro de estabilidade, prosperidade crescente e – o que é mais importante – de justiça social na história brasileira.
Tentando romper um hábito que se vinha querendo afirmar, de acabar com a inflação através de congelamento de preços, a Exposição de Motivos assim expõe a questão: Ao longo dos úl mos meses, temos reiterado que, no mundo do Real, não haverá controle de preços ou congelamento. A experiência passada mostrou abundantemente que esses expedientes não são mais que ar ficialismos que acabam por provocar excesso de demanda, desestímulo à produção e, consequentemente, desabastecimento. Apesar dessas reiteradas afirmações, algumas empresas fixaram preços ar ficialmente elevados para se proteger de um eventual controle de preços. Muitos desses aumentos ocorreram durante o primeiro mês da existência da URV. Embora vários tenham sido rever dos em seguida, uma vez constatado que não haveria congelamento, estabeleceu-se um novo patamar de inflação em cruzeiros, ligeiramente superior ao anterior. O Governo, através dos Ministérios da Fazenda e da Jus ça, empenhou-se no combate a aumentos abusivos de preços por parte dos setores de alta concentração econômica, dentro do espírito do art. 36 da Lei n. 8.880. Nesse sen do, várias portarias foram baixadas reduzindo alíquotas do imposto de importação, par ndo do princípio de que a concorrência externa é o melhor freio aos abusos do poder econômico numa economia de mercado. Em contraste com os úl mos meses, com o advento do Real, a taxa de inflação deverá cair para níveis muito baixos, refle ndo basicamente o efeito de resíduos esta s cos, fatores sazonais e reajustes abusivos de caráter localizado. Para combater esses úl mos, o Governo conta com instrumentos eficazes. Com efeito, a promulgação da Lei n. 8.884 reforçou substancialmente o instrumental jurídico à disposição da sociedade para coibir ações atentatórias à livre concorrência e ao equilíbrio do mercado. Agora, o Governo dispõe de amparo legal efetivo para o combate a práticas abusivas de preços. A essas iniciativas em relação aos monopólios e oligopólios, deverão somar-se vários outros elementos de disciplinamento de preços. O primeiro é o planejamento coordenado da ação das agências de governo responsáveis pela operação dos instrumentos de estímulo à produção e ao abastecimento de produtos agrícolas. O segundo é o prosseguimento das ações de desregulamentação, que cons tui uma das reformas mais importantes para modernizar a economia, eliminar o poder dos cartórios e assegurar o bom funcionamento dos mercados. O Governo está comprome do com a con nuidade do programa de desregulamentação, e uma série de providências neste sen do encontra-se em estágio avançado de elaboração. Esta Medida Provisória já contém uma providência simples de desregulamentação que pode beneficiar imediatamente o consumidor. Com a possibilidade de medicamentos que não requerem prescrição médica num maior número de pos de estabelecimentos, deve ocorrer um aumento da concorrência e consequente redução de preço. A medida procura, além disso, ampliar a distribuição de medicamentos, facilitando o acesso aos produtos de venda livre às camadas mais carentes da população. A terceira, finalmente, é a con nuação da liberalização comercial, com a redução progressiva dos picos ainda remanescentes na tarifa de importação brasileira no âmbito da construção do Mercosul.
4. PLANEJAMENTO ECONÔMICO E IDEOLOGIA A exposição sobre a adoção do planejamento econômico nos Estados Unidos e na URSS, no período posterior à Primeira Grande Guerra, deixou claro que o planejamento econômico não está impregnado, essencialmente, por uma determinada ideologia. A decisão de planejar não depende de um pressuposto ideológico, tanto é assim que países de direcionamentos político-econômicos completamente divergentes podem adotar o planejamento econômico. Mas todo planejamento econômico, se quiser ser eficiente, deverá buscar uma ideologia como forma de se justificar perante a sociedade, de ser aceito por ela, e de propor-se a ele como seu condutor. Há uma relação profunda entre o mito, a ideologia e a linguagem que lhes serve de condutor e que serve para convencer a
sociedade de sua veracidade. Em tese de doutoramento, procuramos evidenciar essa relação, que nos parece essencial para a compreensão do planejamento econômico. Por isso nos permitimos, na sequência, adotar o pensamento e a exposição que fizemos naquele trabalho, com modificações que o decurso do tempo impôs. 4.1. Planejamento: mito da criação pela linguagem Os textos constitucionais originados do período posterior à Revolução Francesa são o fruto daquele pensamento a que André-Jean Arnaud apelida de “Paix Bourgeoise”. Este mito da paz burguesa teve como elementos constitutivos o mito do individualismo absoluto e a relação específica desse mito com o reino do Direito. Esse mito encontrou a sua realização na canalização dos esforços de todos na luta pela criação de um outro mito, o da legalidade, que seria a garantia da plena individualidade de cada cidadão. É certo que esse mito deixou sua marca definitiva nas instituições jurídicas, a partir dos textos constitucionais que consagram os princípios aceitos e solidificados. Mas é também certo que, após 1871, na Europa, a paz burguesa não representou mais a ideia de um mundo social racionalmente calmo, como fora o objetivo de seus criadores. Como o assinala André-Jean Arnaud, a paz burguesa foi pouco a pouco mudando de fisionomia. Observa esse autor que essa mudança foi feita tateadamente, “mantendo-se de uma forma ou de outra... graças aos diversos fatores políticos e econômicos que substituíram progressivamente a ‘paz burguesa’ autêntica pela Pax Americana”.464 No âmbito da mentalidade criada pela Pax Americana, procurou-se saciar a ânsia humana de ser cada vez mais plenamente com a criação e produção sempre maior e mais sofisticada de bens. Esse período pode ser visto entre as duas grandes guerras, alcançando o seu apogeu após a segunda grande guerra. Mas o crescimento econômico levou à concentração da riqueza nas mãos de um grupo de pequenas dimensões, em detrimento do bem-estar da maioria. Acentuou-se então a preocupação com o social, com a distribuição dos benefícios do crescimento a um número cada vez mais abrangente de pessoas. Pode-se dar a esse período o nome de era da Pax Socialis. Os Planos Econômicos seriam o fruto dessa mentalidade, que busca uma coexistência pacífica não só no plano formal da legalidade, mas também no plano material, pela aspiração à criação de uma comunidade humana justa (justiça distributiva), na qual, reconhecendo-se que nenhuma ordem é eterna, se procura criar uma verdadeira e concreta igualdade entre os homens. Mas essa evolução se fez e se manteve dentro de um contexto de linguagem, sob uma tríplice concepção de função e valor: mitológica, metafísica e pragmática. Como observa Ernst Cassirer, “se o homem moderno já não crê numa magia natural, continua acreditando numa espécie de ‘magia social’”.465 Linguagem e mito são parentes próximos, conservando uma mesma essência.466 Os Planos Econômicos extraem a sua força dessa comunhão de linguagem e mito. Procuram eles criar uma nova realidade político-social, convencendo através da força da palavra. A humanidade marcou o seu desenvolvimento pela apresentação de duas etapas, que não se seguem, mas se superpõem. Diz Cassirer:
(O homem) Começou como Homo Magus, mas da idade da magia passou para a idade da técnica. O Homo Magus das civilizações primi vas tornou-se num Homo Faber, ar fice e artesão. Se admi rmos tal dis nção histórica, os nossos mitos
políticos modernos apresentam-apresentam-se como coisa muito estranha e paradoxal. Porque o que neles encontramos é a combinação das duas a vidades que parecem excluir-se uma à outra. O polí co moderno teve de combinar em si duas funções diferentes e mesmo incompa veis. Tinha de ser ao mesmo tempo Homo Magus e Homo Faber. (...) É essa estranha combinação que constitui um dos mais extraordinários aspectos dos nossos mitos políticos.
Os novos mitos políticos não surgem por acaso, mas são feitos de acordo com um plano preconcebido. Insinua Cassirer: Os novos mitos polí cos não crescem livremente; não são frutos bravios de uma imaginação exuberante. São coisas ar ficiais fabricadas por artesãos hábeis e matreiros. Estava reservado ao século XX, à grande era da técnica, desenvolver uma nova técnica de mito. A par r de agora os mitos podem ser fabricados no mesmo sen do e de acordo com os mesmos métodos utilizados no fabrico das outras armas – as metralhadoras e os aviões.467
Ao uso semântico da palavra se alia o uso mítico. A palavra não só manifesta uma realidade a ela subjacente, a ela referida, mas efetivamente procura criar uma nova realidade.468 4.2. Planejamento: mito prospectivo O Plano Nacional de Desenvolvimento é a expressão mais fiel dessa nova feição da lei. Acentuase o seu caráter prospectivo e, sobretudo, criador. Assim é que o planejamento, na linguagem do próprio PND – III PND, capítulo III – Estratégia –, “é um instrumento que auxilia a sociedade a ordenar os seus esforços no sentido de atender às suas aspirações. A sociedade brasileira tem mostrado que suas aspirações fundamentais correspondem, no plano econômico, à elevação persistente dos níveis de bem-estar, e, no plano político, à construção de uma sociedade aberta e democrática”. Ao focalizar os “Grandes Objetivos Nacionais”, no Capítulo II, o III PND acentua que o seu objetivo-síntese é “a construção de uma sociedade desenvolvida, livre, equilibrada e estável, em benefício de todos os brasileiros, no menor prazo possível”. A linguagem não se refere a algo já pronto, a um ergon, não é semanticamente estática, mas se relaciona (contém em si) com uma enérgeia. A lei do Plano manifesta justamente essa perspectiva dinâmica, construtiva, sendo, dessa forma, a manifestação mais patente do dever-ser, que é a essência da lei, da linguagem prescritiva, em confronto com a linguagem descritiva. O mito se reveste de uma plasmação intuitiva, diferente da formação de conceitos discursivos, teóricos, e através dessa plasmação, a palavra fixadora da lei se assimila ao mais alto Deus Criador. A Lei do Plano cria uma nova realidade, propõe um dever-ser miticamente aureolado.469 O Plano Econômico, da mesma forma que as Constituições, faz parte de uma Cosmogonia Mítica. A lei do Plano, através da sua linguagem, envolve o povo num círculo mágico, de tal sorte que só lhe é possível viver com o Direito, na medida em que também lhe é possível viver nestas configurações.470 5. PLANEJAMENTO E MERCADO – PREVISIBILIDADE A exposição sobre o planejamento no mundo e no Brasil leva forçosamente a nos indagarmos sobre a possibilidade, conveniência ou até mesmo necessidade de adoção de um planejamento econômico no contexto constitucional de uma economia de mercado. Encontramos a resposta a esta indagação no ordenamento jurídico brasileiro. O artigo 174 determina a função do Estado na nova realidade de economia de mercado, estabelecendo que “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e
indicativo para o setor privado”. Há uma obrigatoriedade para o Estado. O plano por ele estabelecido deverá reger todos os seus programas de ação. A indicatividade se destina a informar a iniciativa privada sobre as ações do Estado. O plano a ser adotado tem a finalidade de conferir transparência e certeza sobre as ações a serem empreendidas pelo Estado. O Tribunal eleitoral deveria exigir dos candidatos à Presidência da República um Programa de Metas a serem implementadas. O artigo 94 da Lei n. 4.737, de 15 de julho de 1965, que institui o Código Eleitoral se restringe à exigência de formalidades que devem ser cumpridas pelos candidatos. Ao exigir dos candidatos um autêntico PLANO, estaria o Tribunal Superior Eleitoral vinculando a postura dos candidatos e dando ao eleitor a possibilidade de escolher programas de governo, em lugar de escolher candidatos totalmente desvinculados e descomprometidos das “promessas” eleitorais. O Tribunal Superior Eleitoral, recebido dos candidatos o PLANO, deveria submetê-lo a um processo de consulta pública. Por esse caminho, o povo seria ouvido para dizer o que quer. E não seria alvo de “promessas” que não terão condição de serem implementadas. Esta consulta pública deverá receber o aporte da crítica, para a edificação de um PLANO realmente consentâneo com a realidade do País, nele incluindo as metas a serem alcançadas em termos de infraestrutura, saúde, educação, segurança, inovação e tecnologia. O Rapport Attali, apresentado ao governo francês em 2008 e aprovado pela Comissão designada para sua elaboração serve de confronto construtivo. Dentre as várias contribuições, assinale-se a oposição entre as medidas de preocupação exclusiva com o PIB e o crescimento da produção: Mensurado estritamente pelo PIB, o crescimento é um conceito parcial para descrever a realidade do mundo: precisamente, ele não inclui as desordens da mundialização, as injus ças e os desperdícios, o aquecimento climá co, os desastres ecológicos, o esgotamento dos recursos naturais... O crescimento da produção, entretanto, é a única medida operacional da riqueza e do nível de vida disponível, permi ndo comparar as performances dos diferentes países. E mais, esta medida está fortemente relacionada com a inovação tecnológica, indispensável ao desenvolvimento durável e à realização de outros objetivos de desenvolvimento (saúde, educação, serviços públicos etc.) 471
O cumprimento do PLANO apresentado pelo candidato será fiscalizado pela nação. Somente assim estará sendo eficaz e eficiente a determinação constitucional de vinculação do setor público. A exigência da apresentação de um PLANO pelos candidatos possibilitará sua indicatividade para o setor privado, e será satisfeita a exigência de transparência e previsibilidade. A questão da compatibilidade do PLANO com um regime de economia de mercado foi analisada em tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais por Andrea Queiroz Fabri, publicado pela Editora Forum.472
Esta contraposição constante entre o interesse público e o privado é assinalada por John Friedman: “Enquanto a planificação empresarial con nuou aferrada ao modelo original de racionalidade de mercado, os planificadores públicos se fizeram paladinos de uma forma modificada de racionalidade social, centrada explicitamente nas consequências sociais. A planificação pública se viu assim em confronto com os interesses privados. Os respec vos critérios para determinar o que era racional eram diametralmente opostos. Mas os negócios eram poderosos, e os planificadores raramente conseguiram mais do que os interesses privados estavam dispostos a aceitar. (...) Provavelmente seja correto dizer que, na maioria dos casos, somente quando os programas do setor público são amplamente compa veis com os interesses do capital empresarial tais programas são lançados com êxito (Planificación en el ámbito público. 1991. p. 37). Burdeau defende o sentido de democracia como forma de participação na construção e na organização da sociedade. Segundo ele “o
povo já não par cipa do exercício do poderio estatal para impedir os governantes de atentarem contra a independência das inicia vas individuais e contra o livre jogo das forças econômicas; u liza os direitos polí cos para promover uma reforma da estrutura social e, se necessário, para nela operar uma revolução” (A democracia: ensaio sintético. 1975. p. 46). “O consenso, afirma Burdeau, é uma disposição do espírito que traduz um acordo com uma situação. Seu caráter essencial é a generalidade ao mesmo tempo de seu objeto e da a tude que o exprime. Generalidade quanto ao objeto porque ele não se dirige especialmente a tal ou qual aspecto do sistema social ou da organização polí ca, ele se dirige a um conjunto” (Traité de science politique: la revolte des colonisés.1986. t. X, p. 26). Assinala Friedman que “antes do século XIX, havia prevalecido um po de planificação muito diferente. Como se pretendia impor uma ordem racional, euclidiana, sobre as formas orgânicas da natureza, quero denominá-lo ortogonal (Houghton-Evans, 1980). (...) O impressionante projeto de Pierre Charles l’Enfant para a capital federal em Washington D.C. (1791) é uma prova mais recente. Em sua forma mais pura, o projeto ortogonal se pode encontrar nas concepções do espaço utópico expresso na Cidade do Sol de Campanella, no século XVII, com seus padrões simétrico-hierárquicos (Campanella, 1981), e na cidade de Brasília (século XX), projetada por Lúcio Costa e Oscar Niemayer em forma de avião com asas em flecha” (Planificación en el ámbito público. 1991. p. 38). É dele a frase que ficou célebre e que veio a ser u lizada pela ideologia socialista do século XIX: “de cada um segundo a sua capacidade, a cada capacidade segundo as suas obras”. Este mesmo lema veio a ser trabalhado no preâmbulo da Cons tuição Tcheca de 1960: “... Desde já se realiza a divisa do socialismo: cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo seu trabalho”. Plans des Travaux Scientifiques Nécessaires pour Réorganiser la Société. Disponível em: . Ou . Acessado em : 24 jun. 2013. Foi secretário de comércio de 1921 até 1929, quando se tornou presidente dos Estados Unidos. Entendia que a racionalização cien fica poderia alcançar uma síntese do velho e do novo industrialismo sem sacrificar o esforço individual, o compromisso popular e a empresa privada (FRIEDMAN, ob. cit., p. 109). FRIEDMAN. Ob. cit., p. 115. Cf. Economía y sociedad: esbozo de sociología comprensiva. 1969. Cf. Liberdade, poder e planificação democrá ca (Freedom, Power & Democra c Planning). 1972; O homem e a sociedade: estudos sobre a estrutura social moderna (Man and Society in an Age of Reconstruc on). 1962. Observa Friedman que “Karl Mannheim não era, como Weber, protestante por educação; como judeu, amava o momento utópico, transcendente da realidade, mais do que a ordem racionalizada do presente. Também estava menos interessado do que Weber em meramente entender a sociedade; como Marx, desejava mudá-la. Sua sociologia estava orientada para a mudança e, mais par cularmente, para formas planificadas de mudanças guiadas por uma inteligentsia técnica (ob. cit., p. 121). C f. A sociedade aberta e seus inimigos. Aí afirma Popper: “O que cri co sob o nome de engenharia utópica recomenda a reconstrução da sociedade como um todo, por exemplo, mudanças muito radicais cujas consequências prá cas são di ceis de cal cular, devido a nossas limitadas experiências. Pretende planificar racionalmente para a totalidade da sociedade, embora não possuamos nada parecido com o conhecimento fatual que seria necessário para tornar efe va uma pretensão tão ambiciosa. Não podemos possuir tal conhecimento porque temos uma experiência prá ca insuficiente neste po de planificação, e o conhecimento de fatos deve estar baseado na experiência. Atualmente, o conhecimento sociológico necessário para a engenharia de grande escala simplesmente não existe” (apud FRIEDMAN. Ob. cit., p. 137). FRIEDMAN. Ob. cit. p. 160. Cf. The active society. 1968. DEWEY, John. Excerpts from Liberalism and Social Ac on, 1935. Dinsponível em : . Acessado em : 24 jun. 2013. Na introdução à segunda edição norte-americana, afirma Galbraith: “A noção de planejamento formulada na primeira edição não era sa sfatória. Como o precisou cri camente o professor Meade (Is ‘the new industrial state’ inevitable?) pode haver planejamento dentro do marco do mercado e planejamento que subsuma o mercado. Uma empresa pode planejar a prestação mais eficiente de serviço ao mercado pelo procedimento de inves gar a perspec va do comportamento do mercado e dar resposta à imagem resultante de sua inves gação (...) o que lhe permi rá adaptar-se melhor às preferências do mercado. E a empresa pode também planejar no sen do, diferente, de conseguir os preços, os custos e as reações de consumidores e produtores que ela deseje. Há uma diferença essencial entre essas duas classes de planejamento: a primeira responde mais eficazmente ao mercado; a segunda substitui o mercado (El nuevo estado industrial. 1974. p. 20). VERGEOT. Les plans dans le monde. 1970. p. 293. Como o afirma Vergeot, “o ‘programm planning’ e o ‘business planning’ são planificações parciais ou programas. O Economic Policy Planning, ao contrário, aplicando-se à economia tomada como um todo, é uma planificação global e uma incontestável planificação. Os Estados Unidos chegaram a isto por etapas, correspondentes a sequências de atos legisla vos célebres que fizeram com que passassem de uma economia de concorrência a uma economia de pleno emprego; eles a pra cam hoje com estruturas e sob formas mais ou menos originais, em que se encontra a estra ficação conservada dessas reformas sucessivas, mas cuja análise não está destituída de um vivo interesse (Les plans dans le monde. 1970. p. 300). VERGEOT. Ob. cit. p. 306.
Principalmente no período de construção do socialismo, como o explicita Vergeot, a economia se baseia na apropriação socialista dos meios de produção sob a forma de propriedade de Estado (pública) e de propriedade coletiva das entidades cooperativas. Esta úl ma se aproximará gradualmente da propriedade de Estado até o estabelecimento de uma forma unificada de propriedade comunista pública dos meios de produção (VERGEOT, ob. cit. p. 370). Como salienta Vergeot, “O Estado soviético exerce uma direção planificada do desenvolvimento da economia nacional da URSS em conformidade com o princípio leninista de centralização democrá ca. Isto caminha simultaneamente com um reforço e um desenvolvimento mais avançado da independência e da inicia va das empresas e outras organizações econômicas em matéria de gestão e de propriedade, e da extensão de seu poder no quadro de um plano econômico nacional único. De acordo com uma frase atribuída a Stalin: ‘Planificar não é prever, é agir’, esta ação planejadora tem por finalidade um desenvolvimento harmonizado da produção, ele próprio considerado como um meio de assegurar a máxima renda nacional perante um mínimo de despesas em recursos e em mão de obra (VERGEOT. Ob. cit. p. 374). VERGEOT. Ob. cit. p. 10. VERGEOT. Ob. cit. p. 13-14. No número especial publicado pela Documentation Française, em colaboração com o Comissariado Geral do Plano, se enfatizam dois aspectos: o de que o Plano funciona como um quadro de marca previsional da economia francesa, e o de que o Plano, se organiza a economia, cuida também e igualmente dos problemas sociais, das realidades humanas: “não se trata somente de organizar da melhor forma a expansão de nossa economia, mas também de definir as condições da repar ção, porque produzir só tem sen do se as necessidades do homem são melhor sa sfeitas. Ora, esta sa sfação supõe não somente um progresso do nível de vida de cada um, mas igualmente um esforço cole vo para criar condições de existência mais sa sfatórias e assegurar uma par cipação mais equitativa no enriquecimento geral” (Le Ve. Plan, n. spécial [220-221], oct.-nov. 1966). D’ESTAING, Prefácio ao 7e. Plan de développement économique et social – 1976-1980. GANDOIS, Jean. France: Le choix de la performance globale: rapport de la commission compétitivité française. 1992. p. 13. Cf. Le V e. Plan, Documentation française. p. 8. Ibidem. p. 10. JACQUOT, H. Le statut juridique des plans français. 1973. p. 224. Idem. ibidem. p. 225-226. Idem. ibidem. p. 229. BURDEAU.Traité de Science Poli que. 2e éd., 1974. tome VIII, nota 100, p. 649. Essa objeção de Burdeau nos lembra o posicionamento de Norbert Löhfink, que vê em determinadas coletâneas de direito mesopotâmico uma finalidade de propaganda: “Acresce ainda que surgem como codificações de direitos textos que às vezes não expressam nenhum direito, mas visam a coisas bem diferentes. Muitas coletâneas de direito mesopotâmico não passavam de escritos de propaganda. Não eram absolutamente codificações de direitos, ainda que de propósito se apresentassem como tais. E pelo menos uma camada de reelaboração da lei deuteronômica deve ter sido apenas uma parte de uma obra histórica, a obra histórica deuteronomista, em sua primeira redação, que pretendia suscitar novamente a consciência religiosa nacional, abalada pela crise assíria” (Grandes manchetes de ontem e de hoje. 1984. p. 273). Droit public économique. 3e éd. 1979. p. 322. Idem. Ibidem. p. 329. Como assinala Jean Vergeot, “tecnicamente, a planificação holandesa a curto prazo con nua a ser uma planificação altamente formalizada, com o emprego de um modelo econômico completo, do mesmo po que o do plano a longo termo, e do sistema tradicional das contas nacionais. Nos Países-Baixos, a formalização cons tui o nó da concertação, e ela é considerada sob este ponto de vista como um bom método; seus par dários es mam que ela leva à obje vidade, embora numerosos elementos discricionários intervenham no momento de colocar as relações” (Les plans dans le monde. 1970. p. 105). Droit public économique. 3e éd. 1979. p. 330. Idem. Ibidem. p. 337. Idem. Ibidem. p. 338. BURDEAU. Traité de science politique. 1974. t. VIII, p. 634. Ibidem. p. 634. Ibidem. p. 634. Idem. Ibidem. p. 635. Ibidem. p. 642. Ibidem. p. 643-644. Ibidem. p. 645. Ibidem. p. 646. Ibidem. p. 649. Ibidem. p. 649. Ibidem. p. 651. A fenomenologia deixa de ser contemplação para fazer-se ação, transformação do “expectador desinteressado” e do “mundo”. A distância que a consciência interpõe entre ela e o mundo, e pela qual toma conhecimento do mesmo, é também aquela em
virtude da qual atua sobre o mundo para transformá-lo: “Essa possibilidade de desprender-se de uma situação para adotar um ponto de vista sobre ela (ponto de vista que não é conhecimento puro, mas indissoluvelmente compreensão e ação) é precisamente o que se chama liberdade”, como ensina André Dartigues, Fenomenología. Herder, 1981. p. 126). Droit économique. 1982. p. 132. Ibidem. p. 133-134. QUADRI. Diritto pubblico dell’economia. 1980. p. 115. Ibidem. p. 115. Ibidem. p. 116. Ibidem. p. 128. GORDILLO. Planificación, participación y libertad en el proceso de cambio. 1973. p. 133-134. Ibidem. p. 135. Ibidem. p. 136. CHAMBRE. A economia planificada. 1967. p. 27. Ibidem. p. 28. Ibidem. p. 29. JACQUEMIN et alii. Poli ques d’Interven on de l’État et Administra on Économique. In: Jean-Michel Favresse,Aspects juridiques de l’interven on des pouvoirs publics dans la vie économique. 1976. p. 24. A programação belga de 1959 se propunha ser “um conjunto coerente e estruturado (ao mesmo tempo previsões e orientações), que fornece um quadro para as ações a utilizar com a finalidade de alcançar um obje vo julgado ó mo”. A programação belga se assemelha à francesa, apresentando como caracterís cas: a de ser democrática, procurando conciliar a eficiência com a garan a de preservação da liberdade de inicia va; a de ser indicativa, sendo impera va somente em relação ao Poder Execu vo, notadamente para os inves mentos de infraestrutura, e devendo conservar uma grande maleabilidade e permanecer uma criação con nua, sobretudo num país cuja economia depende muito do seu comércio exterior; e, finalmente, a de ser ativa, no sen do de os Poderes Públicos se u lizarem de todos os meios à sua disposição para favorecer e es mular financeiramente as inicia vas privadas que se integrem no plano, como também para frear e desencorajar os que dele se afastem” (VERGEOT, Jean. Les Plans dans le Monde. 1970. p. 31-32). Ibidem. p. 25. Ibidem. p. 28. Ibidem. p. 32. BERNARD. Destino de la planificación soviética. 1967. p. 100. Ao tratar da legislação outrora existente nos países do Leste Europeu e na China, estamos reproduzindo texto de nossa tese de doutoramento (O Plano Nacional de Desenvolvimento como Expressão da Linguagem do Direito) , defendida em 1989. As modificações posteriores àquela data certamente terão eliminado o caráter de centralização econômica então existente. Mas é importante ter em mira as referências agora reproduzidas, como forma de possibilitar um confronto com pontos de vista de países do Ocidente. KUCERA, Joseph. La Théorie du Droit Économique Socialiste: Son Applica on en Tchécoslovaquie. In: Annales de l’Université Sciences Sociales de Toulouse (Anciennes Annales de la Faculté de Droit de Toulouse). v. 21, ADVANCE 1 e 2, p. 337, 1973. Ibidem. p. 253. STAÏNOV, Petko. La Nature Juridique des Actes de Planifica on dans l’État Socialiste. In:Revue du Droit Public et de la Science Politique en France et à l’Étranger. Paris, n. 5, v. 79, p. 919-920, sept.-oct. 1963. Ibidem. p. 920. Ibidem. p. 932. Ibidem. p. 932. A Constituição da URSS aqui citada é a de 05.12.1936, com a atualização de 1974. Constituição da República Popular da Hungria (Ley XX de 1949 con las modificaciones sancionadas por la Ley I de 1972 y por la Ley I de 1975). Apud DI RUFFIA, Paolo Biscaretti. Costituzioni Straniere Contemporanee. 1975. p. 401. Segundo Juan Ramón Capella, o estudo de qualquer linguagem pode ser feito em três níveis: a) no sintá co, os signos são considerados na sua conexão lógica, independentemente de seu significado e da pessoa que os usa; b) no semân co, examina-se a relação entre o signo linguís co e seu significado; c) no pragmá co, estuda-se a relação entre o signo e o usuário da linguagem (El Derecho como Lenguaje. 1968. p. 22). Em O plano de desenvolvimento como expressão da linguagem do direito procuramos especificamente mostrar que o plano é uma lei e que se reveste da obrigatoriedade que lhe é própria exatamente por se inserir num contexto de linguagem. O plano nacional de desenvolvimento como expressão da linguagem do direito. Tese, p. 41, 1989. A este respeito afirma Celso Lafer: “O período de 1956-1961, no entanto, deve ser interpretado de maneira diferente pois o Plano de Metas, pela complexidade de suas formulações – quando comparado com essas tenta vas anteriores – e pela profundidade de seu impacto, pode ser considerado como a primeira experiência efe vamente posta em prá ca de planejamento governamental no Brasil. Daí a importância do estudo do Plano de Metas se se deseja conhecer não só a evolução histórica do planejamento no Brasil como também as condições atuais do planejamento no País, as quais resultam em parte de determinadas opções tomadas e
desenvolvidas naquele plano e, em parte, do progresso mais recente na aplicação de novas metodologias” (O Planejamento no Brasil – Observações sobre o Plano de Metas (1956-1961). In: Planejamento no Brasil, Betty Mindlin Lafer, p. 30, 1975). Presidência da República, Conselho de Desenvolvimento. In: Programa de metas, Introdução, 1958. t. I, p. 5. Ibidem. p. 18-19. Presidência da República, Conselho de Desenvolvimento. In: Programa de metas. Energia e Transportes, 1958. t. II, p. 5. Presidência da República, Conselho do Desenvolvimento. In: Programa de metas. Energia e Transportes, 1958. t. II, p. 7-8. Como acentua ele: “A Administração Pública de um país é um sistema aberto para o sistema político como um todo; a Administração Pública Brasileira, no período em estudo, à medida que se viu forçada a enfrentar o problema da expansão das oportuni dades de emprego, colocado pela ampliação da par cipação polí ca, enfrentou uma situação dilemá ca que exigia novas premissas. Se essas observações são corretas, pode-se, então, chegar a uma primeira conclusão: a ampliação da par cipação polí ca provocou um dilema que não se resolvia no contexto das premissas existentes e a solução aventada para enfrentar esse dilema foi o planejamento: a decisão de planejar, portanto, resultou da percepção da dinâmica do sistema polí co” (O Planejamento no Brasil – Observações sobre o Plano de Metas (1956-1961). In: Betty Mindlin Lafer. Planejamento no Brasil. 1975. p. 34). Como afirma Celso Lafer, “à luz dos dados expostos, é possível dizer que o Plano de Metas foi um caso bastante bem sucedido na formulação e implementação de planejamento. Com o risco de ultrapassar os limites impostos a este trabalho, pode-se sugerir, concluindo, que os problemas por ele ocasionados aos governos que se sucederam resultaram justamente do seu sucesso” (ob. cit. p. 49). Como observa Roberto B. M. Macedo, “a inconsistência na u lização dos instrumentos de polí ca econômica, constatada no Governo Goulart, resultava em grande parte da sua a tude polí ca, pois, embora arriscasse uma polí ca reformista e sendo basicamente apoiado por áreas vinculadas ao movimento trabalhista de então, não pretendia cair na ojeriza daqueles que, de fato, como demonstraram mais tarde, de nham os mecanismos de poder. Quando se instala uma polí ca an -inflacionista, o uso dos instrumentos tradicionais, como a contenção de crédito, aumento de impostos, suspensão de subsídios, contenção salarial e outros, exige do Governo não só a consistência na sua u lização mas também um poder coerci vo que esteja à altura de impô-los à cole vidade. O Governo Goulart, além de u lizar inconsistentemente os meios de que dispunha, man nha-se no poder à custa de um equilíbrio de forças bastante instável e, desta forma, não pretendendo hos lizar as forças que, em princípio, procurava representar, não nha condições de impor sua vontade às demais. Por isso mesmo, quando se recusava a controlar os aumentos aos trabalhadores, por não querer impor os sacri cios da luta an -inflacionária a estes úl mos – como se fora possível isolá-los milagrosamente – não nha também condições de estendê-los às demais classes, que pressionavam o Governo no sen do da expansão monetária (Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social (1963-1965). In: Be y Mindlin Lafer,Planejamento no Brasil. 1975. p. 64). Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social 1963-1965. In: Presidência da República, dezembro 1962, p. 7-16.. Como assinala Celso L. Martone, “dentro do caráter‘indicativo’ que deve ter o planejamento numa economia de mercado, o PAEG representou um esforço no sen do de interpretar o processo recente de desenvolvimento brasileiro e de formular uma polí ca econômica capaz de eliminar as fontes internas de estrangulamento que bloquearam o crescimento da economia” (Análise do Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG 1964-1966). In: Betty Mindlin Lafer. Planejamento no Brasil. 1975. p. 71). Depois de fazer análise detalhada, sob o prisma econômico, do Plano Estratégico de Desenvolvimento, Denysard O. Alves e João Sayad concluem: “O PED representa, de certa forma, um avanço na experiência brasileira de planejamento. Em primeiro lugar, porque na época de sua elaboração já era bem ní da a consciência da necessidade de planejamento ao menos das a vidades governamentais, cuja importância na vida econômica da nação não permite uma ação desordenada. Por outro lado, pode-se afirmar que já exis a uma tradição de planejamento governamental, obrigando os novos governos de qualquer nível desde o federal ao estadual a apresentar seus planos de ação. Ao mesmo tempo já exis a na época da elaboração do PED uma estrutura administra va com experiência de planejamento, o Escritório de Pesquisa Econômica Aplicada. Tendo acabado de realizar o Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico para o Governo anterior, podiam contar com um manancial de informações e pessoal experimentado, o que, evidentemente, deve ter influído na elaboração do Plano. Finalmente, o PED optou por um horizonte de tempo restrito, o que possibilitou a u lização de um modelo econômico mais adequado, com um poder analí co maior e a definição mais precisa das metas quan ta vas” (O Plano Estratégico de Desenvolvimento 1968-1970. In: Be y Mindlin Lafer. Planejamento no Brasil. 1975. p. 107-108). Plano Nacional de Desenvolvimento PND 1972-1974, publicado no Suplemento ao DOU, 17 de dezembro de 1971. Publicado no DOU, 06.12.1974. O artigo único dessa Resolução estabelecia: “São aprovadas as partes reformuladas do III Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) para os exercícios de 1980 a 1985, publicadas no Suplemento do Diário Oficial n. 31, de 13 de fevereiro do corrente ano.” Publicada no DOU, 12.06.1986. Cf. publicação em Suplemento Especial ao de n. 185 de DOU, Seção I, edição de 26.09.1986. O Cons tuinte brasileiro se baseou na redação primi va do art. 92 da Cons tuição portuguesa de 1976: “1. O Plano tem caráter impera vo para o setor público estadual e obrigatório, por força de contratos-programa, para outras a vidades de interesse público. 2. O Plano define ainda o enquadramento a que hão-de submeter-se as empresas dos outros setores”. Atualmente, o Título II da Parte II (Organização Econômica) referente a “Planos” da Cons tuição Portuguesa na redação dada pela Revisão VII, de 2005, não contempla mais aquela caracterização de imperatividade para o setor público e de indicatividade para o setor privado.
A decisão de um combate inflexível contra o fenômeno inflacionário não é uma decisão solitária do Governo brasileiro. Como observa Frédéric Loisel, “a decisão dos principais países industrializados de não mais tolerar taxas de inflação elevadas foi uma das maiores mudanças de direcionamento das polí cas econômicas dos anos 80. Já vai longe o tempo em que a inflação era apresentada como um tributo a pagar ao crescimento da economia, um resgate a pagar ao emprego. O dilema inflaçãodesemprego era cruel. Era também confortável, ao dar a ilusão aos responsáveis pela polí ca econômica da possibilidade de um controle visual da economia. A crise inflacionária, que simultaneamente se declara e se propaga nos países da OCDE no curso do decênio 70, pôs fim a todas estas incertezas. Fenômeno complexo, ao mesmo tempo desequilíbrio real e monetário, a inflação foi sobretudo di cil de ser dominada em razão de suas caracterís cas estruturais. Seus mecanismos de difusão internacional a tornaram ainda mais di cil de ser controlada. Mas surgiu um consenso sobre a imperiosa necessidade de jugular este flagelo. Os efeitos benéficos da inflação não enganavam mais a ninguém e cada um podia ver sua devastação. O caos econômico e social causado pela hiperinflação em várias regiões do mundo oferecia um espetáculo próprio para convencer os mais re centes da necessidade de uma desinflação radical, sem cair no excesso inverso e temível da deflação ( Le Délit d’Inflation. 1993. p. 71). Sobre o tema vale também a opinião de Maurice Flamant: “A inflação foi – e permanece ainda – um grande problema de nosso século. Quer por seu lento impulso quer por seu turbilhão, ela corrói ou até mesmo destrói as moedas e os preços, os salários ou quaisquer outras rendas, assim como patrimônios. Em síntese: todos os valores; tudo aquilo a que o homem gosta de se apegar, se referenciar. (...) A economia de nosso fim de século exigiria um acordo entre os diversos grupos de par cipantes para consen r em alguns sacri cios em prol da estabilidade monetária, este bem precioso mas perdido. Somente com esta condição que poderia ser atenuado um mal odiado mas não vencido” (L’Inflation. 1991. p. 117-118). Cf. Publicação no DOU, 30.06.1994, Seção I, Edição Extra n. 123-A, p. 9.766-9.771. ARNAUD, André-Jean. La paix bourgeoise. In: Quaderni fiorentini per la teoria del pensiero giuridico moderno. n. 2, p. 174, 1973. CASSIRER, E. O mito do Estado. 1976. p. 299. CASSIRER, E. Antropologia filosófica: Ensaio sobre o homem; introdução a uma filosofia da cultura humana. 1977. p. 175. CASSIRER, E. O mito do Estado. 1976. p. 300. Não podemos desvincular a dimensão semân ca da pragmá ca. Observa a este respeito Paolo Semama que “toda tenta va de interpretar rigorosamente um enunciado do ponto de vista semân co, prescindindo totalmente de sua dimensão pragmá ca, está destinada ao insucesso” (Linguaggio e Potere. 1974. p. 153). Gadamer focaliza na linguagem uma enérgeia. Seguindo o pensamento de Humboldt, admite que a linguagem tem uma existência autônoma perante um indivíduo de uma comunidade linguís ca, e tem por função inserir esse mesmo indivíduo numa determinada relação com o mundo e num determinado comportamento para com ele. Ao relacionar linguagem e logos, reconhece que há “uma ideia que não grega e que faz mais jus ça ao ser da linguagem; a ela se deve o fato de que o esquecimento da linguagem pelo pensamento ocidental não fosse total. É a ideia cristã da encarnação. Encarnação não é evidentemente corporalização. Nem a ideia da alma nem a ideia de Deus vinculadas a esta corporalização correspondem ao conceito cristão da encarnação”. E mais adiante explica o seu pensamento: “Quando o Verbo se faz carne, e só nesta encarnação se cumpre a realidade do espírito, o logos libera com ele ao mesmo tempo uma espiritualidade que significa simultaneamente sua potencialidade cósmica. O caráter único do sucesso da redenção introduz no pensamento ocidental a incorporação da essência histórica e permite também que o fenômeno da linguagem emerja de sua imersão na idealidade do sen do e se ofereça reflexão filosófica. Pois, diferentemente do logos grego, a palavra é então puro suceder ( verbum proprie dicitur personaliter tantum) (Gadamer, H. G. Verdad y método. 1977. p. 502 e 503). Cf. CASSIRER, E. Linguagem e mito. 1972. p. 53. Idem. ibidem. p. 23. Rapport de la Commission pour la libéra on de la croissance française, sous la présidence de Jacques A ali. Acessado em: 26/06/2013 : www.ladocumentationfrancaise.fr/var/storage/rapports-publics/.../0000.pdf. FABRI, Andrea Queiroz. Planejamento econômico e mercado: aproximação possível. 2010.
8 ECONOMIA DE MERCADO E A CRISE FINANCEIRA 1. O FENÔMENO DA CRISE Desde a promulgação da Constituição de 1988, como já visto no capítulo 3, vem-se implantando e aperfeiçoando o regime de economia de mercado. Afastou-se o Estado da atividade empresarial, restrita agora a setores indispensáveis para a segurança nacional (artigo 173 C.F.). A ação do Estado vem se firmando como normatizadora e reguladora da atividade econômica (artigo 174 C.F.). Para isso, a partir de 1997, começaram a ser criadas e implantadas as agências reguladoras (vide capítulo 6). A confiança na edificação de um novo capitalismo, de um neoliberalismo, veio aumentando a concretização das liberdades no âmbito econômico. Essa harmonia e tranquilidade crescentes sofreram, contudo, um baque que interrompeu e questionou o entusiasmo com as conquistas do liberalismo econômico. O final do ano de 2007, todo o decorrer de 2008 e parte de 2009 foram caracterizados pelo desenrolar-se da crise financeira surgida nos Estados Unidos, pelos seus efeitos sobre o mercado mundial e pelas análises elaboradas por todos os setores para compreensão e tomada de posições frente àquele fenômeno. Pareceu a muitos que se tratava de uma catástrofe irremediável que se abatia sobre todo o mundo, partindo das grandes potências econômicas e repercutindo sobre os países emergentes e mais gravemente sobre os subdesenvolvidos, rompendo definitivamente com as estruturas de mercado que se desenvolviam gradativamente. Tratava-se, realmente, de uma crise de grandes proporções, que provocou medidas econômicas enérgicas e corajosas por parte de todos os governos.473 Há que considerar, à primeira vista o que significa uma “crise”. Sólon estudou os ciclos de vida humana e chegou à conclusão de que, a cada sete anos, o ser humano atravessa uma fase de dificuldades e de mudanças que interferem profundamente em seu modo de pensar e em sua ação. Assim, se referiu à crise dos sete anos, à crise da adolescência, à crise da juventude, chegando até aos setenta anos. A palavra “crise” é de origem grega. O verbo “κρινω” significa “eu julgo”, donde o substantivo “κρισις” que significa “julgamento”. Não há como dizer que o fato de julgar ou o julgamento sejam maus. A palavra crise indica a postura do ser humano diante de um quadro de fatos que exigem sua análise, sua reflexão e decisão para tomar atitudes. Se formos ao dicionário do Aurélio vamos encontrar uma série de significados da palavra “crise”. Ao se referir à “crise social”, define-a como uma “situação grave em que os acontecimentos da vida social, rompendo padrões tradicionais, perturbam a organização de alguns ou de todos os grupos integrados na sociedade”. Do ponto de vista econômico, define-a como um “ponto de transição entre um período de prosperidade e outro de depressão”. Donde se deduz que a “crise” é um fenômeno de mudança social e econômica, que pode ser brusco ou leve, e que exige dos atores humanos uma reflexão, uma análise, uma decisão e uma ação.
Pode-se assim dizer que a “crise” é em si mesma um fenômeno altamente produtivo, altamente criativo. O que marca o crescimento da humanidade são as sucessivas crises, as sucessivas provocações de mudanças. A vida humana, sob o aspecto quer biológico, quer social, quer econômico, quer político, não se realiza de forma absolutamente linear. A cada período de paz, de tranquilidade, ocorre uma turbulência, fonte de repensamento e questionamento da fase de quietude e de projeção de novo período de paz e de tranquilidade sob conteúdos e formas diferentes. Toda crise, embora provoque muitas vezes sobressaltos, é sempre bem-vinda, porque é sempre impregnada de fecundidade. Ela balança, quebra a ordem existente e constrange para produzir algo novo. Fazendo eco a Kant, Leonardo Boff afirma que “a paz é o equilíbrio do movimento e não a ausência do movimento. E o estado normal do universo é movimento, como também o da nossa vida. Nesse sentido, vejo que toda crise acrisola, purifica. A palavra crise é filologicamente muito fecunda, pois sua raiz, no sânscrito, significa limpar, purificar”.474 2. CRISE – FENÔMENO CÍCLICO As crises econômicas, sociais e políticas fazem parte de um desenrolar do pensamento e da vida da humanidade. Sucedem-se periodicamente, em tratos de tempo mais ou menos longos. Cada crise provoca um questionamento composto de duas etapas: uma análise retroativa dos fatos e das relações de causa e efeito e a projeção criadora para o futuro. A título exemplificativo, pode-se estudar o surgimento da chamada revolução industrial, a partir da Inglaterra, em finais do século XVIII e princípios do século XIX, que, com a introdução de novas tecnologias, conseguiu tornar os métodos de produção mais eficientes – produzia-se maior quantidade em menor tempo; com isso o preço dos produtos caiu, facilitando o consumo. No entanto, com a introdução de máquinas, tornou-se dispensável a mão de obra, com o que o desemprego cresceu enormemente. Por outro lado, como a disputa por emprego se tornou maior, os proprietários de fábricas passaram a preferir mulheres e crianças, impondo jornadas de trabalho excessivas. Como reação a essa exploração, surgiram os movimentos sociais, na defesa dos trabalhadores. É verdade, assim, que a revolução industrial provocou o surgimento de novas posturas e análises críticas. Aquele fenômeno industrial provocou toda uma série de mudanças econômicas, sociais e políticas. A reação intelectual e doutrinária a essa situação de crise econômica e social ocorreu a partir das obras de Marx, Proudhon e das encíclicas de Leão XIII, como já vimos no capítulo 3. Todo aquele trabalho de análise crítica resultou numa reformulação do liberalismo, sob o impacto do socialismo. Donde se conclui que as crises, em lugar de causar a destruição e o desespero, são essencialmente um fenômeno de projeção criadora de uma nova realidade. 3. DIAGNÓSTICO DA CRISE Muito se escreveu a respeito da crise financeira e econômica de 2008, bem como sobre seus efeitos sobre a permanência de uma política de economia de mercado, sobre a liberdade de conduta das empresas, sobre o retorno e incremento da intervenção do Estado na economia. Ao final deste capítulo apontam-se algumas fontes que poderão servir de pesquisa para o aprofundamento da questão.
O início dessa crise verificou-se com a chamada “bolha imobiliária” nos Estados Unidos. Os bancos intensificaram o financiamento para a aquisição de imóveis, com garantia hipotecária. Não houve, contudo, um cuidado com a análise do valor garantidor do imóvel nem com a capacidade de pagamento futuro do tomador do empréstimo. Mas por qual motivo houve esse encaminhamento de recursos financeiros para o setor imobiliário? A resposta se encontra no contexto de medidas tomadas pelo Banco Central americano, a cuja frente estava Alan Greenspan. A política adotada a partir de 2001 foi a de redução dos juros para incrementar o consumo e investimentos produtivos. Com isso, os poupadores passaram a ter menor rendimento para suas poupanças. Os bancos, então, procuraram novas aplicações para aqueles recursos, mesmo que mais arriscadas. Grande parte dessa poupança foi encaminhada para o mercado de crédito imobiliário. A valorização irreal dos imóveis, objeto de financiamento para aquisição, bem como a incapacidade real ou potencial dos tomadores de pagar os empréstimos, muita vez com emprego instável ou mal remunerado, não foram objeto da atenção dos bancos, ávidos por maiores lucros.475 Essa questão foi analisada por ANDREW G. HALDANE, Diretor Executivo para a Estabilidade Financeira do Banco de Inglaterra,476 em conferência realizada em 13 de fevereiro de 2009. Quais teriam sido as falhas de mercado, decorrentes da falta de adequada mensuração dos riscos de gerenciamento, que teriam provocado o estouro do crédito? Segundo ele, essas falhas de mercado poderiam ser classificadas em três categorias, a saber, a miopia do desastre, as externalidades de rede e incentivos descontrolados. Por miopia do desastre, entende ele a propensão dos agentes econômicos para subestimar a probabilidade de resultados adversos e também para desconsiderar eventos de um passado distante. Depois de um largo período de tranquilidade econômica, a que ele denomina Era Dourada, os agentes econômicos perdem a sensibilidade para maus eventos passados e a acuidade visual para prever problemas futuros. Foi, segundo ele, uma primeira explicação para a explosão repentina e inadvertida da crise. As externalidades em cadeia, uma segunda razão, são uma das características da atividade financeira, pois o sistema financeiro é composto por instituições financeiras que se interconectam mundialmente. Assim, avaliar os riscos dentro de toda essa cadeia constitui uma ciência muito complexa, que exige que se conheça não somente a contraparte de uma negociação, mas também a contraparte dessa contraparte, e assim por diante, o que gera contágio ou bolhas. Em terceiro lugar, estaria o descontrole dos incentivos. Com as inovações introduzidas na comunicação financeira, passou a existir uma grande distância na cadeia entre o tomador final e o investidor. E no meio dessa cadeia localizavam-se os gerentes e empregados de instituições financeiras, interessados em promover o maior número possível de empréstimos sem submeter o risco dessas operações a seus superiores por receio de perder seus bônus ou mesmo seus empregos. Mas não se pode esquecer a desinformação das autoridades reguladoras, quer por ausência de iniciativa dos agentes financeiros, quer mesmo por excessiva confiança e descuido das autoridades. Os estudos e as observações da OCDE acompanharam muito de perto os problemas financeiros que deram origem à crise. Diversas reuniões de chefes de Estado e de ministros da área econômica foram realizadas para diagnosticar os problemas e para traçar direcionamentos para o futuro da atividade econômica. Na Comunicação do G20, na Reunião de Ministros realizada em 8 e 9 de
novembro de 2008,477 foi dito que “a atual crise financeira é amplamente um resultado do risco excessivo e das práticas inapropriadas de gerenciamento de risco nos mercados financeiros, sem consistência com as políticas macroeconômicas, que deram surgimento a desequilíbrios domésticos e externos, como também a deficiências na regulação financeira e na supervisão em alguns países desenvolvidos”. Apontaram, então, os ministros que o desafio central é o de resolver a crise financeira de uma forma duradoura e mitigar o seu impacto, adotando medidas compreensivas, coordenadas e tempestivas, para evitar que novos desastres financeiros ocorram, como acentuou Maílson da Nóbrega, “nas barbas de multidões de analistas financeiros, economistas, comentaristas, banqueiros, reguladores”. 478 As medidas a serem tomadas deverão restaurar o crescimento e a estabilidade financeira, como também minimizar os impactos sociais negativos sobre os países emergentes e subdesenvolvidos. Como observou Mailson da Nóbrega, uma saída tola seria culpar o neoliberalismo pela crise. Esta não surgiu da crença cega na economia de mercado, na liberdade de mercado, mas sim da intervenção do Estado, que editou norma favorecedora do financiamento da casa própria para milhões de americanos que, ou não tinham condições de saldar seus débitos, ou supervalorizaram seus imóveis para obter mais dinheiro. Assim surgiu e explodiu a bolha imobiliária que deu origem à crise.479 Colaborando com o esforço mundial para superação da crise financeira e econômica, a OCDE defende o ponto de vista segundo o qual “mercados florescentes são cruciais para o crescimento e a prosperidade”. Aceito este pressuposto de uma economia de mercado, a crise atual veio lembrar a necessidade e a importância “de um quadro regulamentar sólido e eficaz e de uma vigilância adequada”. A crise foi resultado, quer das falhas de mercado, quer também da falência das ações dos poderes públicos. Se, como ensina Saint-Exupéry, a derrota fortifica os fortes, as crises servem para fortificar as instituições sociais. A crise lança o desafio, não de destruir o mercado, ou de reforçar o Estado, mas de construir um quadro mais sólido de governança empresarial e de regulação estatal, com o que se conseguirá um equilíbrio razoável entre o funcionamento adequado dos mecanismos de mercado e a ação reguladora dos poderes públicos. O que se deverá fazer, para conseguir esse objetivo, é reforçar tanto a instituição da economia de mercado, quanto a atuação reguladora eficiente do Estado.480 Assim é que a OCDE sugere a adoção e o respeito a alguns princípios para a reforma, restaurando a confiança pública nos mercados financeiros, e também princípios para guiar a estratégia da retirada paulatina das medidas de apoio para superação da crise. Ainda em 2009 a OCDE publicou o livro The financial crisis: reform and exit strategies,481 em que estabelece os princípios que devem orientar a reforma dos incentivos no mercado financeiro e os que devem estar à frente das medidas a serem tomadas para a estratégia de saída da crise. O livro expõe um sumário dos temas mais importantes, que merece ser transcrito: “Princípios para reforma É necessário discu r muitas questões para restaurar a confiança pública nos mercados financeiros e para colocar em ordem os incen vos para encorajar um balanço prudente entre risco e a busca do retorno na a vidade bancária. Enquanto há considerável espaço para flexibilidade em níveis específicos, algumas poucas prioridades estratégicas para a reforma política sobressaem: Tornar mais eficiente o quadro regulatório, enfa zar as regras prudenciais e negociais de conduta e reforçar os incen vos
para sua aplicação. Realçar a integridade e transparência dos mercados; como prioridades deve incluir-se a abertura e proteção contra fraudes. Reformar a regulação do capital para assegurar mais capital de risco (e menores influências) no sistema. Evitar obstáculos para os fluxos de investimento internacional. Fortalecer a governança das ins tuições financeiras e assegurar prestação de contas para proprietários e credores com capital de risco. Uma vez passada a crise, permi r que pessoas com capital de risco, inclusive grandes credores, percam dinheiro quando cometem enganos. Fortalecer o entendimento de como as políticas tributárias afetam a estabilidade dos mercados financeiros. Dar resposta à acrescida complexidade dos produtos financeiros e à transferência de risco (inclusive o risco de longo prazo) para os lares com uma educação melhorada e com programas de proteção ao consumidor. Princípios estratégicos para a saída da crise: As reformas com estes direcionamentos deverão ser concre zadas o mais rápido possível. A estabilização da situação econômica e financeira levará tempo. Mas logo que isso aconteça, os governos precisarão começar o processo de distanciamento das medidas extraordinárias de apoio que foram se acumulando no período de contenção da crise. Como a situação estará ainda frágil, a recuperação não deverá ser ameaçada por uma precipitada re rada das diversas medidas de apoio. Conduzir corretamente o processo de saída será mais importante do que fazê-lo rapidamente. Embora haja espaço para pragmatismo, princípios claros para guiar o processo devem ser estabelecidos desde logo. E seriam: O prazo para saída estará condicionado em parte pela evolução da reforma regulatória e outras consistentes com os princípios acima. Os níveis dos campos de concorrência efetiva deverão ser reestabelecidos e o apoio deverá ser retirado. As empresas viáveis deverão ter sua saúde restaurada e expectativa de operar em base comercial no mercado. O apoio não deverá ser retirado precipitadamente, mas deverá ser avaliado numa base crescentemente realista. Se as empresas beneficiárias não encontrarem meios para se desvincular do apoio, então esta avaliação deverá conter um elemento crescente de punição. Na medida em que conjuntos de patrimônio líquido se tornarem disponíveis, as empresas de propriedade ou controladas pelo Estado deverão ser priva zadas, esperando-se que operem sem recurso a quaisquer garan as implícitas que a propriedade de estado inclui. Os maus a vos que permanecerem em mãos do governo deverão ser administrados de forma a recuperar o máximo possível para o contribuinte. Reforçar a confiança pública e a estabilidade financeira dos sistemas privados de pensão e promover formas de organização mista para reduzir o risco.482
A análise da crise mundial foi feita também por BENTO XVI, em sua recente encíclica Caritas in Veritate. A lição de um humanismo integral, que parte do princípio da liberdade enriquecedora de cada pessoa e de todos, eliminadora das desigualdades sociais, enfatiza o pensamento de que “somente se for livre é que o desenvolvimento pode ser integralmente humano; apenas num regime de liberdade responsável, pode crescer de maneira adequada”. Ao se referir à crise, o Papa evita uma atitude de derrotismo e defende a necessidade de criação de uma nova realidade: “Os aspectos da crise e das suas soluções bem como de um possível novo desenvolvimento futuro estão cada vez mais interdependentes, implicam-se reciprocamente, requerem novos esforços de enquadramento global e uma nova síntese humanista. A complexidade e gravidade da situação econômica atual preocupa-nos, com toda jus ça, mas devemos assumir com realismo, confiança e esperança as novas responsabilidades a que nos chama o cenário de um mundo que tem necessidade de uma renovação cultural profunda e da redescoberta de valores fundamentais para construir sobre eles um futuro melhor. A crise obriga-nos a projetar de novo o nosso caminho, a impor-nos regras novas e encontrar novas formas de empenhamento, a apostar em experiências posi vas e rejeitar as nega vas. Assim a crise torna-se ocasião de
discernimento e elaboração de nova planificação. Com esta chave, feita mais de confiança que resignação, convém enfrentar as dificuldades da hora atual”.483
4. OS “ISMOS” Os substantivos derivados de adjetivos e que denotam doutrinas, filosofias ou tendências formamse com o acréscimo do sufixo “ismo”. Assim, de “cristão” temos “cristianismo”, de “judaico” t e mo s “judaismo”, de “fundamental” temos “fundamentalismo”. De “radical” temos “radicalismo”, como de “sectário” temos “sectarismo”. Observa Leonardo Boff que muitas dessas palavras adquirem, conforme o contexto, o sentido de acusação. Mas “fundamentalista”, “capitalista” é sempre o outro. No campo das doutrinas sociais, políticas e econômicas, quando queremos diagnosticar as causas dos problemas da humanidade, dizemos que uma delas é o “liberalismo” ou o “capitalismo”. Ou, colocando-nos do ângulo oposto, encontramos o mal da sociedade no “socialismo” ou no “comunismo”. A recente crise financeira e econômica deu ensejo à procura dos fenômenos sociais causadores daquela convulsão social e econômica. E foi fácil encontrar: vamos condenar o “capitalismo”, vamos reduzir a pó o “liberalismo”. Se não podemos condenar uma pessoa, sem o devido processo legal, através do qual analisamos a situação concreta, a situação pessoal, a situação social, e assim por diante, para ter uma visão completa do problema, também não podemos aprioristicamente aprovar, ou condenar uma doutrina, uma filosofia, uma tendência (social, econômica ou política) sem uma análise acurada de seu significado e, principalmente, sem ter em conta a evolução desse significado dentro do contexto social, econômico e político concreto. O termo “liberalismo” significa a defesa da liberdade no campo social, econômico e político. Do ponto de vista político, enaltece-se a liberdade do indivíduo perante a autoridade constituída. As constituições, a partir da Declaração de Virgínia e da Revolução Francesa, consagram a liberdade do cidadão, tracejando limites à autoridade do Estado e dos governantes. No campo econômico, o liberalismo se caracteriza por propugnar pela liberdade dos agentes econômicos dentro do mercado, com ausência de intervenção do Estado ou mesmo com uma forma de regulação estabelecida nos limites da constituição. Para entender o que significou “liberalismo” no final do século XVIII e começo do século XIX, é necessário ver o contexto social, político e econômico. O liberalismo surgiu como oposição semântica a “absolutismo”, “despotismo”. O importante é ter sempre em vista a “medida” desse liberalismo, levando sempre em conta que o poder de criação, de organização e de invenção provém da iniciativa individual, mas também do fato de a sociedade proporcionar aos indivíduos a implementação dessa iniciativa. Daí a necessidade de exercício da liberdade nos limites do bem público. 5. O FIM DO CAPITALISMO Schumpeter, ao fazer a análise crítica do capitalismo, do socialismo e da democracia, nos leva à reflexão sobre tais conceitos e sua inserção no mundo da realidade social, econômica e política. As afirmações por ele feitas em seu livro “Capitalismo, socialismo e democracia” têm de ser entendidas dentro do contexto de formação e afirmação de sua vida intelectual e do contexto social da época em que escreveu o livro.
Joseph Alois Schumpeter nasceu em 1883 e morreu em 1950, sendo, pois, contemporâneo da explosão do capitalismo, de sua crítica, de sua crise e de seu confronto ideológico com o socialismo. Essa colocação contextual é importante para entender a leitura de Capitalismo, socialismo e democracia. Este livro teve sua primeira edição em 1942 e a segunda em 1946, depois da segunda grande guerra mundial. E nesta edição acrescentou um novo capítulo. É verdadeiramente provocadora sua afirmativa na “Preliminar” da parte segunda do livro: “Pode sobreviver o capitalismo? Não; não creio que possa”. Logo assinala que se deve partir de uma análise detalhada dos fatos, sem o que não haverá ciência, mas profecia. E esta não é função do cientista. Nessa análise da vida social interfere um sem-número de variáveis que tornam até a simples diagnose muito difícil, que não dizer uma prognose. E a frase acima vem explicada ainda no capítulo preliminar: “... a tese que me esforçarei por fundamentar é a de que as realizações presentes e futuras do sistema capitalista são de tal natureza que rechaçam a ideia de sua derrocada sob o peso da quebra econômica, mas que o mesmo êxito do capitalismo mina as ins tuições sociais que o protegem e cria, ‘inevitavelmente’, as condições em que não lhe será possível viver e que assinalam claramente o socialismo como seu herdeiro legítimo...”.484
No capítulo 28 do livro, Schumpeter destaca o paradigma inglês da vitória do socialismo, que não foi possível ser prevista pelos primitivos pensadores socialistas: “Também observamos outra coisa que não previram nem podiam prever, a saber: a extensão em que resultaria possível expropriar a estrutura burguesa sem destruir formalmente o marco legal da ordem capitalista e por métodos tão pouco revolucionários como a imposição de tributos e as medidas de política salarial”.485
Pela análise que faz do socialismo, percebe-se que não endossa nem uma nem outra dessas posições, passando a dar uma contribuição própria para uma equilibrada ponderação desses dois movimentos sociais. Diferentemente de Schumpeter, Paul Krugman, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 2008, refere-se ao “capitalismo triunfante”, tecendo a história do colapso do socialismo “não só como ideologia dominante, mas também como ideia capaz de influenciar o raciocínio”.486 Paul Krugman observa que “como na era vitoriana, o capitalismo é seguro não só por causa de seu sucesso – que, como veremos daqui a pouco, tem sido muito real – mas também porque ninguém tem alternativa plausível”.487 Amartya Sen, depois de citar as crises de 2008, propõe dois questionamentos: um sobre a natureza do capitalismo, e outro sobre a necessidade de ser ele mudado. Aborda a questão com três perguntas: • Precisamos realmente de uma espécie de um “novo capitalismo” ou de um sistema econômico que não seja monolí co, que seja formado por uma diversidade de ins tuições escolhidas pragma camente, e que seja baseado em valores sociais que possamos defender eticamente? • A segunda pergunta se refere à espécie de economia que é necessária hoje, especialmente perante a crise econômica atual. Como avaliamos o que é ensinado e defendido entre os economistas acadêmicos como um guia para a polí ca econômica – inclusive a revivescência do pensamento de Keynes nos últimos meses na medida em que a crise se tornou mais violenta? • Terceiro, além de construir nosso caminho para uma melhor avaliação de quais mudanças de longo prazo sejam necessárias, temos que pensar – e pensar rápido – sobre como sair da crise atual com o menor dano possível.488
Depois de uma análise de todo o panorama da crise e de uma releitura do pensamento de Adam Smith,489 conclui não ser necessário um “novo capitalismo”, mas sim uma releitura de antigas ideias e principalmente com o aprofundamento da relação entre ética e economia: “As atuais crises econômicas, reafirmo, não exigem um ‘novo capitalismo’, mas exigem um renovado entendimento de
an gas ideias, como aquelas de Smith e, mais perto do nosso tempo, de Pigou, muitas das quais foram lamentavelmente esquecidas. O que também é necessário é uma percepção clarividente de como as diversas ins tuições concretamente funcionam e de como uma diversidade de organizações – desde o mercado até as ins tuições de Estado – pode ir além de soluções de curto prazo e contribuir para produzir um mundo econômico mais decente”.490
6. A GLOBALIZAÇÃO A crise de 2008 reforçou também o questionamento da globalização. Ao escrever a respeito do impacto da globalização sobre os direitos humanos, FRANK J. GARCIA se pergunta: “Mas o que é globalização?” Pondera que a descrição dos direitos humanos, ou pelo menos sua enumeração, poderia ser encontrada na Declaração dos Direitos Humanos, no texto da ONU de dezembro de 1948. E a globalização? Poderia ela ser vista justamente nos fatos econômicos que se concretizaram na reformulação do mercado e sua infraestrutura reguladora. Não há dúvida de que os direitos humanos estão sendo afetados. Mas é também a ocasião para sua efetivação e solidificação. Para isto será necessário haver uma competente atuação regulatória do Estado, com o que se garantirá a inalienabilidade dos valores humanos dentro do contexto de mercado.491 Em lugar de procurar definir, talvez seja melhor descrever o fenômeno, analisar as formas concretamente históricas pelas quais ele se manifestou e se desenvolveu. Esse seria um trabalho descritivo e analítico de situações concretas em diversas partes do mundo. Aceitando o pressuposto de que a abertura política, a estabilização econômica e a reforma social são os grandes desafios com que se defronta a América Latina, lembra JOSÉ EDUARDO FARIA que as relações internacionais se caracterizam hoje por dois movimentos diametralmente opostos: • o da globalização ou integração econômica, alimentado pelos interesses polí cos, comerciais e econômico-financeiros dos oligopólios, dos grandes bancos e de alguns poucos governos nacionais; • o da balcanização ou fragmentação sociocultural, uma vez que a globalização é um processo de decisões privadas e públicas tomadas na forma de sucessivos e inacabados desafios e ajustes, gerando intensas transformações, cujas origens e consequências são extremamente complexas por causa de suas múltiplas dimensões não econômicas.492
Para concretização daqueles três pressupostos, os Estados adotaram três estratégias fundamentais: desregulação, deslegalização e desconstitucionalização. Através dessas estratégias, partindo da verificação de que o Estado se mostrou ineficiente na condução ou na direção da atividade econômica, procura-se transferir para a esfera privada todas aquelas atividades econômicas antes sob o encargo do Estado. As normas regentes da atividade econômica passaram a ser vistas como um obstáculo para o desenvolvimento. Era preciso exercer as atividades econômicas com mais eficiência. E isto somente seria possível com a transferência das empresas públicas para as mãos de particulares, nacionais ou estrangeiros. As empresas não têm mais nacionalidade. Esta foi derrubada e as empresas transpuseram os limites territoriais dos Estados. À internacionalização seguiu-se a mundialização ou globalização. Os Estados passam a depender diretamente da conjuntura mundial ou daquela de seus grandes parceiros. Surge um espaço mundial cada vez mais unificado, em decorrência das trocas internacionais, com uma interdependência macroeconômica. Esse espaço unificado coloca em contato todo um conjunto de sistemas econômicos díspares, criando novos problemas para que cada partícipe dessa nova comunidade formule suas políticas e tome suas decisões.493 É óbvio que há uns poucos independentes e a grande massa dos países dependentes, que recebem dos primeiros a receita de seu comportamento. E este deverá pautar-se pela conduta e pelas exigências dos primeiros. A
abertura política, a estabilização econômica e reforma social, com exigências de desregulação, deslegalização e desconstitucionalização, são impostas aos países em desenvolvimento através de um receituário político, econômico e social a que se deu o nome de consenso de Washington. Da obediência a esse receituário e da onda de globalização decorreu, no campo agora sob estudo, uma crescente onda de desemprego. Mas o desemprego pode e deve ser visto também como consequência da busca da eficiência e da inovação tecnológica. “Com efeito, a inovação é a procura e a descoberta, desenvolvimento, melhoramento adoção e comercialização de processos novos, de produtos e de estruturas e procedimentos organizacionais. Ela envolve incerteza, assunção de riscos, exame e reexame, experimentação e testes”,494 que constituem pontos centrais da globalização. Ao falar de globalização, temos de admitir que as empresas estão no centro do processo. As empresas multinacionais são um exemplo típico desse rompimento das fronteiras nacionais e de avanço dominador sobre outros mercados. Por que as empresas deslocam seus centros de produção em lugar de continuar adotando uma estratégia de exportação? Quais foram os fatores determinantes da multinacionalização? A decisão das empresas de produzir no estrangeiro decorre ordinariamente da existência de imperfeições de mercado. As empresas procuram situar-se em países em que lhes seja mais fácil o acesso às matérias-primas, em que a mão de obra seja mais barata. O domínio de inovação tecnológica é também um fator de extensão dos tentáculos da empresa para outros países. Enveredando por esse caminho, as empresas estarão adotando uma concepção de organização mundial, que lhes permitirá aproveitar de vantagens concorrenciais.495 6.1. A eficiência e a inovação como fontes do desemprego As empresas que quiserem sobreviver deverão investir, ou fundir-se para concorrer. E o sucesso na concorrência dependerá da eficiência, quer a alocativa, quer a distributiva, quer a produtiva (economias de escala e custos de transação), quer a dinâmica. As empresas transpõem os limites nacionais para buscar parceiros, ampliando seu mercado. As empresas evoluem qualitativamente, estendem a amplitude de seus mercados, aumentam e fortalecem a concorrência.496 A partir do momento em que surgem inovações tecnológicas, haverá inegavelmente reflexos nos níveis de emprego. A empresa que antes precisava de trezentos empregados para o setor de contabilidade, por exemplo, passará a ter necessidade de, no máximo, dez ou menos para desempenhar as mesmas tarefas. Que fazer? Impedir a evolução tecnológica em nome da proteção do maior número de empregos? Deixar de investir em pesquisa e desenvolvimento é voltar as costas para o futuro. A evolução tecnológica está aí como um fato inevitável e inegável. Não adianta, como o salmista, dizer “super flumina Babylonis illic sedimus et flevimus.”497 Talvez haja algo mais substancial a fazer do que simplesmente deplorar e chorar as “cebolas do Egito”. Se não há mais como construir pirâmides, talvez seja possível descobrir um novo mundo a construir. E esse novo mundo deverá reger-se por novas leis, novo ordenamento jurídico, através dos quais, aí sim, deverá procurar-se sempre preservar a dignidade da pessoa humana, observando mandamento ético que vem atravessando os tempos e que se incorpora na atual Constituição Federal. As pequenas e médias empresas, que surgiriam a partir da nova iniciativa dos desempregados, e por eles mantidas, teriam condição de sujeitar-se às mesmas exigências legais, de ordem trabalhista,
tributária e previdenciária, que são impostas às grandes empresas? Ou o “dono” da pequena e média empresa e seus “empregados” estariam se unindo numa nova forma societária para a descoberta de um novo mundo?498 Ao tratar deste tema, pareceu-me importante submetê-lo à opinião de um Economista. Pedi ao então Conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, Prof. Dr. Ruy Santacruz que fizesse uma crítica ao que já havia redigido. Sua análise é valiosa, e por isso a transcrevo integralmente, para não deturpar o seu pensamento: Globalização não me parece um fenômeno econômico. Também é econômico, mas é muito mais do que isso. Globalização econômica é um termo moderno para um processo an go, que se aprofundou após a Segunda Guerra Mundial, de internacionalização do Capital das empresas e, consequentemente, de aproximação e integração das economias nacionais. Mas globalização é muito mais, sendo fruto direto do desenvolvimento da tecnologia de informação. Globalização é informação. Com informação disponível, abundante, observa-se um inevitável processo de aproximação cultural entre as nações. Esse corte sociológico ou antropológico do fenômeno não pode em hipótese alguma ser encarado como uma imposição de uma ou mais culturas dominantes sobre outras, dominadas. Essa é uma visão terceiro-mundista empobrecida. Do ponto de vista econômico, a informação rápida e abundante perante aplicações financeiras imediatas entre agentes econômicos separados por oceanos faz com que os efeitos financeiros num mercado se espalhem nos demais. Ou melhor, o mercado financeiro tornou-se único. Contra grandes e pequenas nações, como se viu na década de 80, quando o dólar se desvalorizou em mais de 100% em relação à moeda japonesa, como consequência da especulação internacional e contra a vontade das autoridades norte-americanas. Ou a favor de grandes e pequenos, como se viu na década de 90, quando o fluxo financeiro em direção aos países menos desenvolvidos se intensificou, criando espaços para novos inves mentos e para o desenvolvimento econômico com a criação de novos empregos. Já do ponto de vista da integração econômica produ va (e não apenas financeira) das nações, a perda de nacionalidade das empresas conduz as decisões privadas para as melhores oportunidades de lucro, onde quer que estejam. Soma-se a esse fato a crescente automatização da produção e a necessidade de se obter ganhos de eficiência e produ vidade para fazer frente à crescente pressão da concorrência internacional. Tem-se, pois, um quadro de desemprego estrutural, isto é, desemprego decorrente não de uma queda na a vidade econômica, mas da simples extinção do posto de trabalho. O fato é que a busca por ganhos de produ vidade acaba com o emprego, entendido como a relação tradicional de trabalho, estável e dependente entre empregado e empregador, criando uma demanda por trabalho, sem vínculo estável. O novo trabalhador não se enquadra mais no sistema fordista. A especialização é subs tuída pela generalização. A relação de trabalho tradicional tende a se reduzir, bem como o desemprego a aumentar. Essa situação traz uma contradição em si; ao reduzir o emprego e o número de empregados, reduz a renda disponível para consumo. Assim, desemprega-se para ganhar produ vidade e lucrar mais (ou não perder lucro para a concorrência). Mas a consequência é a redução de consumo, queda nas vendas, perdas de lucratividade. Do ponto de vista da Jus ça do Trabalho, parece-me ser esta uma fase de transição longa, muito longa, para um sistema ainda desconhecido. Nessa transição, o empregado (no antigo sistema) precisará mais do que nunca da proteção do Estado. O papel do C.A.D.E. nessa situação é ambíguo. Focalizado no consumidor, não pode se posicionar contra estratégias empresariais que busquem a inovação tecnológica, com a melhoria da qualidade dos produtos, redução de custos e preços.499 O problema é que isso vem normalmente acompanhado de automação empresarial e consequente fechamento de pontos de trabalho, terceirização da produção com perda de vínculo empregatício, etc. De fato, sempre que uma operação de aquisição reduz a concorrência, o CADE só pode aprová-la se trouxereficiências econômicas, principalmente na forma de redução de custos, aumento de produ vidade, ob dos frequentemente com a perversa automação, terceirização, etc. Nesse quadro, entendo que cabe ao governo es mular o treinamento para que o trabalhador que perdeu o emprego possa obter trabalho. Também cabe ao governo proteger e es mular as a vidades que garantem emprego, sem se tornar obstáculo à busca de eficiência produ va. Cabe ao Estado proteger o trabalhador com vínculo emprega cio tradicional, nesse momento em que as empresas acenam com o fantasma do desemprego para subtrair direitos.
Não se pode concluir esta análise sem trazer o ensinamento de Bento XVI, na encíclica Caritas in veritate. Ao falar da globalização salienta que a vida econômica tem necessidade do contrato para regular as transações, mas deve ir além desse aspecto formal na exigência de leis justas e de formas de redistribuição guiadas pela política, que tragam em seu certe o espírito do dom. E afirma: “A economia globalizada parece privilegiar a primeira lógica, ou seja, a da transação contratual, mas direta ou indiretamente dá provas de necessitar também das outras duas: a lógica política e a lógica do dom sem contrapartidas”.500 7. PERSISTÊNCIA DE UMA ECONOMIA DE MERCADO A crise financeira de 2008 serviu para reforçar a ideia de uma economia de mercado, mais sólida, mais humana, mais carente de eliminar as desigualdades sociais. Não será necessário mudar o capítulo VII da Constituição Federal de 1988. Será importante, isto sim, reforçar e dar maior transparência à sua aplicação. Deve-se procurar solidificar o conceito e a prática de uma economia de mercado, em que todos tenham participação efetiva. Deve-se, por outro lado, tornar mais pujante e transparente a atuação reguladora do Estado. A subsistência de uma economia de mercado é analisada no capítulo III da encíclica Caritas in Veritate, que é dedicado ao tema da fraternidade, desenvolvimento econômico e sociedade civil. Salientam-se dois aspectos negativos da atuação humana. Em primeiro lugar, a convicção de autossuficiência e de conseguir eliminar os males apenas com a consecução do bem-estar material. Em segundo, a convicção de autonomia para a economia, eliminando influências “morais”, impelindo o homem a abusar dos instrumentos da economia de forma destrutiva. Esses dois aspectos negativos não destroem a necessidade da existência um mercado, consistente com o ideal humano da solidariedade. O mercado foi construído e aperfeiçoado através dos tempos pela ação inteligente do homem num esforço para reunir as pessoas, e não para separá-las. É o que enfatiza Bento XVI: O mercado, se houver confiança recíproca e generalizada, é a ins tuição econômica que permite o encontro entre as pessoas, na sua dimensão de operadores econômicos que usam o contrato como regra das suas relações e que trocam bens e serviços entre si fungíveis, para sa sfazer as suas carências e desejos... De fato, deixado unicamente ao princípio da equivalência de valor dos bens trocados, o mercado não consegue gerar a coesão social de que necessita para bem funcionar. Sem formas internas de solidariedade e de confiança recíproca, o mercado não pode cumprir plenamente a própria função econômica. A a vidade econômica não pode resolver todos os problemas sociais através da simples extensão da lógica mercan l. Esta há de ter como finalidade a prossecução do bem comum, do qual se deve ocupar também e sobretudo a comunidade polí ca. Por isso, tenha-se presente que é causa de graves desequilíbrios separar o agir econômico – ao qual compe ria apenas produzir riqueza – do agir político, cuja função seria buscar a justiça através da redistribuição.501
Encontramos essa visão humanista da economia também em Amartya Sen, que procura mostrar que a economia do bem-estar pode ser substancialmente enriquecida através do contato permanente com a ética. Segundo ele, o “aspecto do bem-estar” não pode ser entendido adequadamente sem a preocupação com a justiça distributiva, em que a visão da pessoa transcende a figura de cada indivíduo para englobar todos os que compõem o grupo social.502 E essa ideia encontra raízes em Adam Smith e no pensamento dos estoicos. Smith é conhecido mais pelo seu aspecto de economista, destacando-se sua defesa do liberalismo econômico. Esquecese sua vertente filosófica, que desponta como uma atualidade impressionante. A leitura da sua Teoria dos sentimentos morais traz uma contribuição inestimável para a adequada visão de uma economia
de mercado. Logo no capítulo primeiro insiste na ideia de simpatia e de solidariedade: Por mais egoísta que se possa supor o homem, há evidentemente certos princípios em sua natureza que o levam a se interessar pela sorte dos demais e que lhe tornam necessária a sua felicidade, embora disto nada obtenha, a não ser o prazer de vê-los felizes. De tal natureza é a piedade e a compaixão, isto é, a emoção que experimentamos diante da miséria alheia, quer a vejamos, quer sejamos levados a imaginá-la com muita vivacidade. É fato por demais manifesto que nosso pesar provém do pesar dos outros, dispensando-se a apresentação de exemplos para prová-lo. Com efeito, este sen mento, como todas as outras paixões originais da natureza humana, não é experimentado somente pelos homens virtuosos e dotados de humanidade... O malfeitor mais brutal, mais endurecido dentre os que violam as leis da sociedade, não carece totalmente deste sentimento.503
Enfatiza Adam Smith os sentimentos do amor, da gratidão, da amizade e da mútua estima, com os quais a sociedade se torna florescente e feliz. Mas esta benquerença não é suficiente, pois que sem justiça ela se destrói: A sociedade, todavia, não pode subsis r entre aqueles que estão sempre propensos a prejudicar-se e a causar danos reciprocamente. Desde que sobrevêm os prejuízos, desde que se instalam o ressen mento recíproco e a animosidade, todos os laços da sociedade são desfeitos... A benevolência é, portanto, menos essencial para a existência da sociedade do que a jus ça. A sociedade pode manter-se sem benevolência [...] mas o predomínio da injus ça a destruirá absolutamente. A benevolência é o ornamento que embeleza mas não o fundamento que suporta o edi cio... Ao contrário, a jus ça é o pilar principal que sustenta toda a construção. Se for suprimida, o grande e imenso edi cio da sociedade humana, cuja construção e sustentação parecem ter sido o cuidado par cular e o desvelo da Natureza, este edifício seria instantaneamente reduzido a átomos.504
Não se esquece Adam Smith de mostrar que no mercado deve haver concorrência; todos têm o direito de obter maior vantagem do que os concorrentes, mas deve haver um jogo leal. A lealdade impõe aos contendores o respeito. O concorrente desleal atrairá fatalmente o ódio da sociedade: Na corrida em direção às riquezas, às honras e aos favores, o homem pode correr o mais rápido que lhe seja possível e tensionar cada músculo e cada nervo para ultrapassar todos os seus concorrentes. Mas se ele quisesse atropelar e derrubar qualquer deles, acabaria a indulgência dos espectadores. É uma violação do jogo leal que não podem admitir.505
Vê-se, pois, que o liberalismo do economista vinha já delimitado pelos conceitos morais e éticos do professor de filosofia. A relação entre economia e ética é exposta por Amartya Sen, como uma relação de origem. 506 A economia, no campo da política, se originou da “ética” e daquilo a que ele denomina “engenharia”. Para a primeira, busca apoio em Aristóteles, na Ética a Nicômaco e na “Política”, para a segunda, num contemporâneo indiano de Aristóteles, ambos do século V antes de Cristo, Kautilya, em “Arthasastra”. Em Aristóteles estão dois pontos éticos, o do valor maior e o do altruísmo. Afirma ele que “a vida empenhada no ganho é uma vida imposta, e evidentemente a riqueza não é o bem que buscamos, sendo ela apenas útil no interesse de outra coisa”, 507 e enfatiza que “o fim do Estado é a promoção comum de uma boa qualidade vida”. 508 Além dessa defesa da existência de um bem maior a ser alcançado, mostra que essa busca deve ir além do indivíduo e envolver a sociedade: “Ainda que valha a pena atingir esse fim para um homem apenas, é mais admirável e mais divino atingi-lo para uma nação ou para cidades-Estados”.509 Relativamente à abordagem “engenheira”, a obra Arthasastra, de Kautilya, traça as“instruções para a prosperidade material” destinadas a dar ao imperador indiano Chandragupta diretrizes práticas para governo. A economia tem de buscar fundamentos mais profundos na moral e na ética, é o que afirma Amartya Sen:
Eu gostaria de afirmar que as questões profundas suscitadas pela concepção de mo vação e realização social relacionada à é ca precisam encontrar um lugar de importância na economia moderna, mas ao mesmo tempo é impossível negar que a abordagem da engenharia também tem muito a oferecer à economia.510
8. O DIREITO ECONÔMICO DEPOIS DA CRISE Todos esses acontecimentos que jogaram tanto os países desenvolvidos quanto os emergentes, e mais ainda os subdesenvolvidos, numa espiral de preocupação e de medo, conduziram-nos também a tomar medidas econômicas de emergência. Tais medidas envolveram os Estados numa nova postura de socorro, de regulação, para evitar males sistêmicos de dimensões impossíveis de previsão. Esse quadro trouxe questionamentos sobre a dimensão das mudanças que deveriam processar-se no ordenamento jurídico. A sociedade se defronta sempre com uma evolução em que atuam duas forças de direcionamento muitas vezes conflitante. Há uma força voltada para o passado, procurando preservar os valores firmados pela tradição, aqueles que se consolidaram através da vivência de muitos anos e de muitas pessoas, em lugares diferentes. Há outra força direcionada para o futuro, quer no esforço de acompanhar a evolução dos fatos, quer na tentativa de criar novas realidades, novos conceitos, novos valores. Essas duas forças atuam conjuntamente, quase como no jogo de “cabo de guerra”, em que os contendores procuram puxar a corda para o seu lado, na tentativa de derrotar os que se encontram na ponta oposta. Naquele jogo há vencidos e vencedores. No jogo das forças valorativas que atuam no contexto de uma sociedade não há nem vencidos nem vencedores. As duas tendências se opõem, se digladiam, enriquecendo-se sempre mutuamente. Os valores do passado dão solidez e equilíbrio às conquistas do futuro; as inovações do presente e do futuro, implantando novos relacionamentos, dão vida nova, enriquecem e criam condicionamentos diferentes para os valores que se enfrentam. O estudo e a normatização dessas novas realidades de organização do mercado e da sociedade como um todo provocam um reposicionamento doutrinário e jurídico. O Direito Econômico, que se encontra justamente no centro desse campo dialético, de evolução constante e de revitalização sempre presente da força criadora da mente, assume naturalmente novas feições e novas posturas. O debate, a interação, a interimplicação se revelam pujantes no confronto entre o Direito e a Economia, envolvendo toda uma gama de campos de conhecimento e de normatividade, Ética, Moral, Política, Sociologia. A ideia de evolução pode trazer, equivocadamente, a perspectiva de progresso, no sentido de melhoria contínua. Etimologicamente, progredir vem do verbo semidepoente latino progredior que significa somente “avançar, ir para diante, caminhar para frente” , sem qualquer conotação de melhoria, de acréscimo de qualidade ou de valor. É nesse sentido que Victor Hugo, referindo-se ao “progresso”, afirma liricamente que “os homens no trabalho são grandes pelos passos que dão; seu destino é de caminhar, carregando a tocha, não é de alcançar a meta, é de estar em marcha. E esta marcha, que tem o infinito por recompensa, será continuada para além do túmulo. É o progresso, jamais o homem se dá repouso”. Nessa marcha constante, há sempre algo que fica para trás, há costumes, relacionamentos, bens que se revestem de novas roupagens. O que fica para trás, possivelmente morreu, mas poderá ainda ressurgir. Esta ideia de morte e de renovação nos é apresentada de maneira provocadora por Grant Gilmore. Começa o seu trabalho afirmando que “fala-se que o contrato, assim como Deus, morreu. E realmente é assim. Não vale a pena discutir mais. Os arautos do movimento ‘o contrato
morreu’, chegaram a sustentar que o contrato, a partir do momento em que morreu, não pode mais ser um válido argumento para reflexão”. 511 A sua argumentação chega a bom termo quando, na última frase de seu livro, afirma que “o contrato morreu – mas quem sabe se o vento da primavera (a onda da Páscoa) não poderá inesperadamente trazer a sua ressurreição?”.512 9. OS TRABALHOS DE FARJAT Essa evolução do Direito Econômico pode ser demonstrada, tomando como roteiro a obra e a evolução do pensamento de GERARD FARJAT, desde 1963, quando publicou L’ordre public économique, passando por 1971, quando publicou Droit économique, com uma segunda edição em 1982; Em 1975 publicou Droit privé de l’économie: théorie des obligations. Em 1992, publica na revista Archives de Philosophie du Droit, n. 37 – droit et économie – um artigo intitulado La notion de droit économique, que traduzi para publicação pelo Movimento Editorial da Faculdade de Direito da UFMG. Esse artigo é marcante pela fixação do momento de uma alteração ideológica. O termo final dessa comparação toma como marco a publicação, em 2004, do trabalho intitulado Pour um droit économique. Da mesma forma que Hedemann observava que o Direito Mercantil tinha sido ultrapassado pelo Direito Econômico, temos de reconhecer que o Direito Econômico de quarenta anos atrás não se apresenta hoje da mesma forma. Como forma de pensamento jurídico, não se furta à força propulsora das mudanças sociais, econômicas e políticas. Aceitando, com Washington Albino, que o Direito Econômico se consolida em um conjunto de normas, de conteúdo econômico, que tem por objeto regulamentar as medidas de política econômica, harmonizando-as sempre com a ideologia adotada na ordem jurídica, somos levados a concluir que, alterando-se a correlação ideologia/ordem jurídica, haverá também alteração no conteúdo econômico que será objeto das políticas econômicas a serem adotadas.513 A evolução ideológica nos mostra que, depois de um período de implantação do liberalismo político e econômico, nos albores do século XIX, ocorre um momento de crise.514 A resposta do Direito foi, entretanto, muito lenta. Ao liberalismo político e econômico do século XIX, com a consagração incondicionada do princípio da autonomia da vontade, sucede uma fase de questionamentos em decorrência da concentração econômica, do acirramento das dificuldades de relacionamento entre patrões e empregados, da destruição e necessidade de reconstrução de após primeira guerra mundial, 19141918, e da profunda crise econômica de 1929. O Estado passa a intervir, quer para proteger, quer para dirigir. 10. O ESTUDO DO INTERVENCIONISMO A obra inicial de FARJAT, de 1963 até 1982, é um estudo justamente desse período de forte intervencionismo do Estado. A ordem pública econômica se caracteriza por medidas de organização da economia. Sua definição de ordem pública econômica como “o conjunto de regras obrigatórias nas relações contratuais, relativas à organização econômica, às relações sociais e à economia interna do contrato” reflete justamente a forma com que o Estado passa a intervir a partir de princípios do século XX. Apoia-se no ensinamento de Jean Marchal,515 para quem, no princípio do século XX, o jogo da demanda e da oferta encontrava-se inteiramente falseado, e o equilíbrio natural que se esperava que
o Código Civil de Napoleão viesse produzir estava fatalmente rompido. Mostra assim que a evolução econômica tinha trazido transformações profundas e que, sem a intervenção do Estado, a sociedade estaria com a realidade econômica inviabilizada. Como decorrência do aparecimento de fortes grupos econômicos, a concorrência desaparece. Assiste-se a uma firme concentração horizontal e a uma integração vertical de empresas, como provocadoras de transformações econômicas que operam uma verdadeira mudança de natureza da sociedade. A intervenção do Estado, reclamada inicialmente pela classe operária, que contestava a validade do direito clássico, foi também defendida pela burguesia. Seria um erro, afirma FARJAT, pensar que a contestação do sistema liberal tenha surgido somente do proletariado. As diferentes camadas sociais que compõem a burguesia também passaram a exigir uma intervenção do Estado em seu proveito.516 Dentre as técnicas de intervenção, assinala FARJAT no âmbito contratual a intervenção do Estado para sugerir, para regulamentar, para controlar, para proibir e para provocar e impor atividades contratuais.517 Em sua obra Droit privé de l’économie, FARJAT acentua sua análise das transformações sociais causadas pela rejeição, por parte da sociedade moderna, das ideias liberais incrustadas no Código de Napoleão. Mostra que duas transformações são inegáveis: a evolução do papel do Estado e o aparecimento de poderes privados econômicos e sociais. Quanto à intervenção ou também à direção da economia pelo Estado, tais atitudes em relação à atividade econômica são apresentadas como justificadas pelo interesse público, uma espécie de interesse geral econômico. Como técnicas desses dois tipos de atuação do Estado surgem o planejamento e as regulamentações de preços e de crédito. Assinala ainda que a questão de saber se esta política intervencionista ou diretiva está realmente em conformidade com o interesse geral exige uma verificação, um balanço sociológico, econômico e político.518 E m Droit économique, com a primeira edição em 1971 e a segunda em 1982, FARJAT se pergunta, no prefácio da segunda edição se o Direito Econômico, aceito como antítese ao modelo jurídico liberal, não estaria em perigo sob a ameaça do retorno de um liberalismo “puro e duro”.519 Nessa obra afirma que “o direito econômico não está de forma alguma limitado à intervenção do Estado, mas compreende igualmente a ‘organização da economia’ pelos poderes privados econômicos e o direito da concentração”.520 Para a teoria geral do Direito Econômico, assinala três caminhos, de acordo com a postura dos agentes econômicos. Uma primeira via é a da concentração capitalista em que a “propriedade coletiva” é de base patrimonial; a segunda via é a da estatização socialista em que a “propriedade coletiva” repousa nos mecanismos de direito público. A estes dois modelos acrescenta um terceiro sistema, vulgarizado na França, a que se deu o nome de “economia concertada”, sistema que encontra sua manifestação na planificação à francesa, nos mecanismos de incitação, consistente em uma colaboração entre os poderes públicos e os empresários.521 11. ENCAMINHAMENTO PARA UMA NOVA FASE As novas estruturas apresentam traços fundamentais, que fazem surgir um novo modelo, que apresenta aspectos antitéticos ao modelo jurídico liberal: • À proibição de se organizar os mercados sucede um direito da organização dos mercados ou do enquadramento das
relações patrimoniais individuais; • Ao lado das fórmulas jurídicas próprias do capitalismo individual existem fórmulas de coletivização do direito; • A distinção entre direito público e direito privado se apaga.522
Ao tratar da intervenção estatal na atividade econômica, acentua que o Estado usa de técnicas diferentes, e que deixando seu domínio tradicional de atividades, assume funções novas.523 Surgem novas técnicas de comando, evolui a noção de serviço público, surge o Estado empreendedor e utilizam-se técnicas mistas. Depois de um compreensivo estudo das divisões do sistema jurídico clássico e do Direito Econômico, das mutações fundamentais sofridas pelo Direito no final do século XIX e primeira metade do século XX, da situação do Direito Econômico nos grandes sistemas jurídicos das sociedades industriais, apresenta os traços característicos desse novo ramo do Direito. Uma observação final merece destaque. A relação de interimplicação entre Direito e Economia é enfatizada por FARJAT: É natural pensar-se que aquilo que o direito perdeu, a economia ganhou. A matéria revela efe vamente, como a técnica reformadora, uma certa interpenetração do econômico e do jurídico. O direito posi vo sugere efe vamente que um princípio único dá sua coesão ao direito novo: as exigências da economia, a finalidade econômica. O ‘economismo’ dá ao Direito Econômico uma coerência ideológica, como o princípio da autonomia da vontade dava ao direito clássico.524
Em 1992, FARJAT publica na revista Archives de Philosophie du Droit, n. 37, um artigo intitulado La notion de droit économique, que serve como que de passagem para um novo ambiente, um novo contexto.525 O posicionamento do autor se revela de maneira bem clara no RESUMO por ele próprio elaborado como proêmio:
RESUMO – Enquanto ramo do direito, o Direito Econômico é um direito da organização da economia, cujo cerne é hoje o direito da concorrência com desdobramentos consideráveis, mas incertos nas sociedades liberais ou em via de liberalização. É também uma disciplina, ou seja, um subsistema do direito comparável à equity, de qualquer forma um ‘renascimento’ do direito, como resposta às ‘pressões’ da economia política.526
O Direito Econômico se volta então para uma nova realidade, para se inserir em um novo contexto, o da economia de mercado. Tem por missão garantir o funcionamento adequado, dentro de novos enquadramentos, de um mercado em que exista uma livre concorrência. No artigo mencionado FARJAT situa com clareza esse novo contexto: De alguma maneira a análise econômica cons tui uma fonte real do direito, na medida em que ela enriquece a teoria do contrato ou do ato jurídico. Mas ela “enriquece” mais diretamente ainda o sistema jurídico quando ela lhe “proporciona” um domínio e conceitos! Temos em mente o direito da concorrência. Trata-se de uma regulação jurídica: os conceitos, como os de posição dominante e de abuso dela, de mercado contestável, de dependência e muitos outros estão já submetidos a uma lógica jurídica. Esta transferência (?) não se opera sem consequência.527
12. O DIREITO DA CONCORRÊNCIA COMO CENTRO Pode-se dizer que o Direito da Concorrência é hoje o centro de preocupação do Direito Econômico. Garantindo-se, e ao mesmo tempo impondo-se, às empresas o direito e o dever de concorrer, haverá um benefício geral para toda a sociedade. Se têm o direito e o dever de concorrer, estará assegurado o direito à livre iniciativa. Estará assegurado o direito de ingressar no mercado e garantida a sua permanência. Se se garante a livre concorrência, impõe-se aos concorrentes o dever de ofertar sempre pelo melhor preço, pela melhor
qualidade. Estimula-se a inovação. Com a garantia da livre-concorrência, protege-se ao consumidor, a quem se garante o direito da livre escolha.528 Protege-se também o trabalhador, pois que estarão integrando o mercado empresas, grandes, médias, de pequeno porte e microempresas, a propiciar-lhe maior oportunidade de trabalho, com perspectivas de melhores salários. A regulação do mercado, por parte do Estado, garantirá ao consumidor melhores condições de acesso aos serviços públicos concedidos. Em seu mais recente livro, Pour un droit économique,529 FARJAT reafirma seu ponto de vista expresso no artigo acima mencionado. A concorrência está no coração da economia das sociedades desenvolvidas. Endossa o ponto de vista de A. PIROVANO, segundo o qual “A economia de mercado é antes de tudo uma ordem concorrencial, e os itens da lei de concorrência podem ser vistos como o ‘direito constitucional’ de um mercado que transcende as fronteiras nacionais”.530 O fechamento do quarto capítulo, dedicado ao Direito de um modelo econômico, o Direito da Concorrência, assinala uma advertência importante: “O direito da concorrência não é protetor dos ‘fracos’. Sua finalidade mais coerente é a manutenção de uma luta efetiva entre os agentes econômicos em um nível de mercado variável (setorial, nacional, regional, mundial). Sob este ponto de vista o direito da concorrência assegura uma polícia da concorrência em relação às pequenas e médias empresas e de certos grupamentos. As autoridades podem ter políticas rigorosas mesmo em relação a agentes econômicos poderosos quando se tratar de cartéis.”531 13. QUESTÕES DO DIREITO ECONÔMICO ATUAL O estudo das questões de Direito Econômico não pode desconhecer que passamos de uma relação sistêmica para uma relação interssistêmica, ou seja, há uma superação dos limites territoriais centrados em uma soberania nacional. Os ordenamentos jurídicos têm de conviver, procurando uma harmonização viabilizadora de uma convivência internacional. A concorrência, a inovação, a defesa do consumidor, a empregabilidade não são mais questões que se restringem aos limites nacionais. Essa superação de limites é vista por FARJAT, em seu último livro, como centrada em quatro grandes questões: a mundialização, a ética, a cultura e as relações do econômico com o político. Ressalta FARJAT que o Direito Econômico “é o direito dos que decidem, dos organizadores da economia”. E os que decidem, os que organizam a economia, estão localizados em diversas partes do mundo. Uma decisão tomada pela China ou pelo Japão pode ter reflexos mundiais.532 14. A MUNDIALIZAÇÃO As relações econômicas não podem mais ser vistas dentro de um estreito contexto nacional. A produção de bens tem de ser vista e programada para além das fronteiras. Os problemas fitossanitários têm largos reflexos sobre a exportação e importação de bens. Os auxílios estatais para setores de atividade ou para empresas têm reflexos internacionais. Esse rompimento das fronteiras dá ao Direito Econômico uma nova perspectiva. E nesse sentido observa FARJAT: “Nenhuma reflexão séria pode situar-se fora desse quadro na época contemporânea. Enquanto ‘tradutora de uma evolução suscetível de modificar as condições de criação e de aplicação do direito...’, em razão de ‘sua lógica de funcionamento e de seu papel na estruturação das relações sociais’, a mundialização traduz uma verdadeira reviravolta das
relações planetárias e constitui um campo de estudo exemplar para a vida do direito econômico”.533 Quanto ao aspecto da extensão do Direito Econômico para além das fronteiras nacionais FARJAT lembra alguns tópicos importantes: • O primeiro deles é o adelgaçamento das fronteiras, caminhando para uma perspec va de solidariedade internacional. Será necessário encontrar uma instância convergente, lugar de encontro entre diversas instâncias. É o que ocorre, por exemplo, no caso do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias em decisões de reenvio (art. 234 do Tratado). • A extensão progressiva a todo o mundo do modelo de mercado e da economia liberal (as priva zações e a desregulamentação). Assiste-se, pela primeira vez na história do mundo, à mundialização do modelo de um sistema social. • A mundialização toca a fundo a questão de valores universais. • São os Estados que figuram como promotores do jogo da mundialização. E apresenta como exemplo a intervenção dos Estados Unidos no Iraque.
• A ordem econômica liberal tem sido uma ordem construída: GATT, OMC e outros organismos. Aqui faz FARJAT uma lembrança da oposição elaborada por FRANÇOIS GENY: le donné et le construit.534
A extensão das relações econômicas para limites além das fronteiras nacionais leva FARJAT a se interrogar se já não é chegado o tempo de uma ordem pública econômica e social transnacional. Lembra que os capitais navegam por toda parte, acentuando que “é impossível abrir o ‘dossier’ da miséria do Terceiro Mundo, sem deixar de observar que países virtualmente fortes economicamente, como a Argentina e o Brasil, têm dívidas equivalentes ao montante de seus capitais nacionais estabelecidos no estrangeiro”.535 Nesse contexto, os Estados Unidos mantêm uma posição dominante, no setor de expressão e de transmissão da cultura: a língua. E com a língua, a dominação do mercado mundial da comunicação.536 15. A ÉTICA O Direito Econômico Internacional deve também estar impregnado de uma preocupação ética. E o que entende FARJAT por ética? Dá ele mesmo a resposta para essa indagação: “A ética, ou os fragmentos de um discurso moral, abrange as construções empíricas que correspondem às necessidades de valores que acompanham todas as atividades humanas. Estas construções promanam de um sistema moral, ou nele se inspiram, e têm por objeto promover e regular estas atividades”.537 No relacionamento entre ética e economia, pode-se afirmar que os sistemas se comunicam e se falam, mas varia a posição de um e de outro. Lembra FARJAT que muitas vezes “o sistema econômico se apodera da ética”, mas há ocasiões em que “a ética é invocada quando exigências sociais não são levadas em conta, ou são mal tomadas em conta pelo mercado, quando o mercado elimina exigências sociais, enfim, quando se vê o mercado apropriar-se erradamente de um setor de atividade social”. Ao se manifestar sobre a necessidade da ética no mercado, FARJAT suscita a questão da responsabilidade social da empresa. O termo “responsabilidade” deve ser entendido etimologicamente como “resposta”. Pressupõe-se que a empresa recebe da sociedade alguma coisa, alguma vantagem e lhe dá resposta através de um determinado comportamento. Como visto, o mercado é o lugar em que, para a necessária circulação de riquezas, atuam diversos
entes coletivos: a empresa; o consumidor, polarizando oferta e demanda; o Estado, como atuante ou como regulador e os diversos grupos de interesse, que reúnem pessoas para a defesa de seus interesses e de seus direitos. Cada um desses agentes tem uma função específica a desempenhar no mercado, sem perder a sintonia com aquela que deve ser posta em prática pelos outros participantes. Adam Smith afirma que o consumo é o único fim e propósito de toda a produção; e o interesse do produtor só deve ser atendido na medida em que possa ser necessário para se promover o interesse do consumidor. Mas reconhece que essa ordem foi invertida, no sistema mercantil, que quase sempre sacrificou o interesse do consumidor ao do produtor. Não se pode desconhecer que a empresa deve adotar uma estrutura que viabilize uma conduta mais eficiente no mercado e que resulte em uma performance que lhe permita competir, quer em nível nacional, quer em nível internacional. A empresa deve sempre buscar a eficiência, que se traduzirá na busca da maximização de riqueza, entendida esta não no sentido de acumulação improdutiva, mas no de criação da maior possibilidade de bem-estar. Não há como querer negar, consequentemente, que o objetivo da empresa deva ser o de procurar sempre o maior lucro possível e compatível com o contexto de mercado. Lembre-se ainda Adam Smith ao afirmar que o nosso jantar não deve ser esperado da bondade do açougueiro ou do padeiro, mas do interesse que cada um deles tem de aumentar o próprio lucro, a própria riqueza. A empresa, se quiser permanecer no mercado, deverá buscar sempre maximizar a sua performance, investindo cada vez mais em tecnologia, o que importa, muita vez, em eliminar mão de obra inadequada para as necessidades impostas pela inovação incessante. Não quer isso dizer que esteja ferindo os princípios impostos pela Constituição Econômica, que traça as linhas mestras de uma economia de mercado. Voltar-se contra os princípios da economia de mercado é condenar-se uma estrutura somente por preconceito contra um nome. O mercado não significa a aceitação de uma luta feroz entre os participantes. A ideia central de uma economia de mercado é a da lealdade ( fairness), traduzida, como visto, pelo contexto constitucional brasileiro na interação dos princípios constantes nos artigos 1o e 3o, e 170 e seguintes da Constituição. O mercado tem como pressupostos éticos o respeito à dignidade da pessoa humana e a disposição para tornar concretos os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. A garantia constitucional de uma existência digna e da concretização da justiça social traça os parâmetros dentro dos quais deverão todos os agentes da economia de mercado atuar. Mas cada um irá atuar de acordo com sua função específica. A empresa terá de competir no mercado, e, para isso, tem de buscar sempre maior eficiência, o que se alcança com maior capacidade de inovação, o que pressupõe sempre lucro capaz de propiciar investimentos criativos. O parâmetro balizador da função social tem como finalidade exigir que a empresa, buscando sempre o lucro, respeite o contexto da constituição econômica. Mas isso não quer dizer que a empresa deva desempenhar atividades sociais, beneficentes. Essas atividades estão afetas ao Estado. Esse é que, como regulador, tem por meta aprimorar a educação e a saúde, para criar uma geração de pessoas capazes de se autossustentar no futuro. Ao Estado é que incumbe o dever de promover a educação, com a finalidade de promover o pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. O desenvolvimento harmônico das atribuições de cada integrante do mercado terá como resultado a implantação de uma economia de mercado, nos moldes pretendidos pela Constituição Econômica. Cada um desses agentes apresentou, no correr dos tempos uma evolução em sua conformação e forma de atuação. Ensina ARNOLD WALD que “no correr do século XX, o espírito associativo se desenvolveu e as empresas não são mais necessariamente individuais ou familiares, abrindo-se o respectivo capital em todos os países, inclusive no Brasil. Por outro lado, empregados e executivos passaram a participar mais ativamente da empresa, numa mudança ligada à profissionalização dos executivos e às novas técnicas de administração, que repercutem na psicologia de comando, que se torna menos autoritário e mais consensual. Na própria gestão e no controle da empresa estabeleceu-se um novo equilíbrio de poderes entre acionistas controladores, minoritários, administradores e empregados.”538 Surge com essa evolução um novo padrão de administração a que se convencionou chamar de “governança corporativa”. A empresa, ao buscar afirmar-se no mercado, luta cada vez mais pela inovação tecnológica e é ela que cria oportunidades de trabalho sempre renovadas e estimula cada vez mais a formação de mão de obra. A liberdade de iniciativa, que é direito fundamental da atividade empresária, encontra limites nos artigos 170, III, da Constituição Federal e nos artigos 164, 167 da Lei n. 6.404/76. O Estado, depois de passar por uma fase de simples garantidor de uma situação de liberdade política e econômica, após intervir para salvar o próprio liberalismo e depois de atuar ele próprio como empresário, afasta-se para assumir uma postura de regulador, ou seja, acentua seu papel de provedor de uma economia de mercado em que a concorrência leal seja a nova forma de relacionamento da economia. O consumidor, após figurar como cliente ou como freguês, assume uma postura atuante para assegurar o fundamental direito de escolha dentro do mercado. A empresa poderá, por força do princípio da função social da propriedade, que limita a própria liberdade de contrato, e como concretização do princípio da liberdade de iniciativa, terceirizar a sua função social, financiando entidades especializadas no trabalho social, que estão mais aptas a atuar nesse domínio. Como acentua FARJAT, a Comissão Europeia, através do Livro Verde lançado em 2001, introduz o tema de um gerenciamento para um desenvolvimento durável, como um capítulo da ética empresarial. Assim, a responsabilidade social das empresas é “um conceito segundo o qual as empresas decidem, numa base voluntária, contribuir para uma sociedade mais justa e para um ambiente mais limpo”.539 As empresas se apercebem de que a sua responsabilidade social pode revestir-se de um valor econômico direto. É óbvio que sua obrigação primeira seja a obtenção de lucros, mas, respeitado esse dever, compreendem elas que podem contribuir para o cumprimento de objetivos sociais e ambientais, que se apresentam assim como investimento estratégico. Mas o que é a responsabilidade social da empresa? “Ser socialmente responsável não se restringe ao cumprimento de todas as obrigações legais – implica ir mais além através de um
‘maior’ investimento em capital humano, no ambiente e nas relações com outras partes interessadas e comunidades locais. A experiência adquirida com o investimento em tecnologias e práticas empresariais ambientalmente responsáveis sugere que ir para além do simples cumprimento da lei pode aumentar a competitividade de uma empresa”, é a resposta dada pelo Livro Verde. A responsabilidade social das empresas apresenta uma dimensão interna e uma externa. Do ponto de vista interno, as práticas socialmente responsáveis podem ser as seguintes: • Gestão dos recursos humanos, o que implica atrair trabalhadores qualificados; propiciar a aprendizagem ao longo da vida; responsabilização dos trabalhadores; propiciar um equilíbrio entre vida profissional, familiar e tempos livres, igualdade em termos de remuneração, perspec vas de carreira para as mulheres, regimes de par cipação nos lucros e no capital da empresa; preocupação com a empregabilidade e segurança dos postos de trabalho. • Saúde e segurança no trabalho. • Adaptação à mudança: reestruturar uma empresa de forma socialmente responsável significa levar em consideração e equilibrar os interesses de todas as partes interessadas que são afetadas pelas mudanças e decisões. • Gestão do impacto ambiental e dos recursos naturais.540
Do ponto de vista externo, entende-se que a responsabilidade social da empresa ultrapassa seus próprios limites e alcança a comunidade na qual ela se insere, os parceiros comerciais, fornecedores e consumidores. Neste ponto se insere também o respeito aos direitos humanos, através da aceitação e cumprimento de códigos de ética. É evidente a contribuição social da empresa com as comunidades locais em termos de emprego, remuneração, benefícios e impostos. Vê-se, pois, que o tema da responsabilidade social das empresas vem dar resposta a um questionamento ético.541 16. A CULTURA Qual o modelo de Direito Econômico que se deverá escolher? FARJAT se mostra preocupado com o sentido estreito com que se entende a cultura. Esta não se restringe a um conteúdo, mas deve ser sempre um processo de abertura. Observa que “a verdadeira cultura decorre mais do processo do que das normas, é uma maneira de apreender a vida, uma abertura crítica ao mundo, um elemento fundamental do liame social”.542 Critica acerbamente a forma pela qual o povo americano entende cultura, como restrita e limitada ao comportamento: diferentes maneiras de viver, os modos de trabalhar, de comer, de se vestir, de se divertir: o american way of life. A valorização demasiada daquilo que é mercadoria leva ao abandono da verdadeira cultura e à deterioração dos valores, privilegiando-se o pragmatismo.543 Existe um Direito Econômico da cultura e da formação dos homens. Mas não se pode esquecer que a cultura da maioria depende do poder econômico. Acentua FARJAT que “o domínio da opinião permite o controle das estruturas e dos sistemas sociais”. Ressalta o papel desempenhado pelo que chama de “videologia”, mostrando que “ela é mais vaporosa, flexível e menos dogmática do que as ideologias políticas tradicionais, mas concorre para criar uma sensibilidade comum através do mundo que predispõe à difusão de novos valores de que os mercados têm necessidade... A videologia influencia os espíritos avançando sobre as pontas dos pés”.544 17. AS RELAÇÕES ENTRE ECONÔMICO E POLÍTICO Na análise dos papéis desempenhados pela economia e pelo político, não se pode estabelecer uma hierarquia permanente entre ambos. Será sempre necessário ter em mente os valores fundamentais
para evitar-se o totalitarismo do sistema econômico. É importante ministrar à população educação de elevado nível técnico, mas isso não é uma garantia de estabilidade democrática; se esta mesma população está inteiramente destituída de senso crítico e está despolitizada, ficando à mercê de propagandas eficazes. Reside aí o perigo do totalitarismo do mercado, em que se fornece pão e circo. Considera FARJAT que, depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, o aspecto mais urgente não é o econômico, advertindo que os conflitos revelam que o Estado de Direito se encontra em regressão consternadora no nível internacional. Daí entender que deve haver um entrelaçamento entre o social, o político e o econômico: “Estas observações têm um interesse para o o direito econômico: elas permitem ao mesmo tempo situar as responsabilidades no funcionamento do liame social e orientar eventualmente o direito econômico para as prioridades sociais. Nossas explanações sobre a questão da formação dos homens provocavam já a reflexão: as boas respostas para os problemas da sociedade, inclusive seus problemas econômicos, não são necessariamente de natureza econômica”.545
18. CONCLUSÃO As considerações que constam deste capítulo decorrem dos fatos sociais, políticos e econômicos ocorridos a partir de 2007 e que passaram a exigir a atenção dos responsáveis pela adoção de políticas econômicas. Aqueles fenômenos revelam que o Direito está sempre provocado pela realidade econômica e social e tem que dar uma resposta a esses eventos, que são jurígenos. A chamada crise de 2008 não foi somente econômica. A partir da eclosão da crise, ao lado da preocupação por ela gerada, surgiram vários posicionamentos. Muitos foram apressados em chegar logo à condenação dos fenômenos sociais (neoliberalismo, capitalismo, globalização etc.) sem a devida reflexão que as circunstâncias exigiam. Não é finalidade deste capítulo dar a palavra final, porque esta definitivamente não existe. O que me levou a acrescentá-lo é a necessidade de alertar para a imperiosidade da reflexão. Somente depois de ler as opiniões de vários pensadores, de analisar os relatórios de diversas entidades, entre elas a OCDE, pode-se partir para uma tomada de posição que não será nunca uma condenação ou uma aprovação definitiva. O que se pode afirmar, com certa segurança, é que a crise de 2008 despertou para a importância da inserção da economia e da política em um contexto ético. Será importante uma releitura da obra do “pai do liberalismo”, para nos convencermos de que “o apoio que os crentes e defensores do comportamento autointeressado buscaram em Adam Smith é na verdade difícil de encontrar quando se faz uma leitura mais ampla e menos tendenciosa da obra smithiana. Na verdade, o professor de filosofia moral e economista pioneiro não teve uma vida de impressionante esquizofrenia. De fato, é precisamente o estreitamento, na economia moderna, da ampla visão smithiana dos seres humanos que pode ser apontado como uma das principais deficiências da teoria econômica contemporânea”.546 Será, pois, preciso caminhar em direção a uma concepção humanista. E essa foi uma excelente contribuição da crise. Mas é preciso refletir, e refletir muito, antes de assumir posições. A crise, como ensina Bento XVI, nos obriga a projetar de novo o nosso caminho, e para isso, obriga-nos ao “discernimento e elaboração de nova planificação”. Essa reflexão nos conduzirá à verificação de que a crise trouxe uma contribuição muito positiva, pois deixou evidente que o “novo” capitalismo, o “novo” neoliberalismo, o “novo” socialismo, a “nova” globalização exigem uma “nova síntese
humanista”.547 19. REFERÊNCIAS PARA APROFUNDAMENTO DA QUESTÃO Muito se escreveu sobre a crise de 2008. Como este livro tem uma finalidade didática, creio ser de muita ajuda ao leitor trazer uma listagem de obras importantes para alimentar a reflexão. Prefiro esta forma a incluir na bibliografia geral alguns trabalhos que devem ser ressaltados por sua pertinência à questão. Alguns podem ser obtidos através da Internet, ressaltando-se as publicações da OCDE. BENTO XVI. Carta encíclica Caritas in veritate. São Paulo: Paulinas, 2009. FARJAT, Gérard. Pour um droit économique. Paris: PUF, 2004. G-20. Declaration on delivering resources through the international financial institutions. London, 2 April, 2009. G-20. Declaration on Strengthening the financial system. London, 2 April. 2009. G-20. The Global Plan for recovery and reform. 2 April. 2009. HALDANE, Andrew G. Why banks failed the stress test. Bank of England,Marcus-Evans Conference. London, 13 February 2009.
HAUGH, David; OLLIVAUD, Patrice; TURNER, David. The macroeconomic consequences of banking crises in OECD countrie . OECD-OCDE: Economics Department Working Paper, n. 683. KRUGMAN, Paul. A crise de 2008 e a economia da depressão. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. MARTÍN, Victoriano.El liberalismo económico: la génesis de las ideas liberales desde San Agus n hasta Adam Smith. Madrid: Sintesis, 2002. OECD. Policy responses to the economic crisis: Investing in innovation for long-term growth. June, 2009. OECD. The financial crisis: Reform and exit strategies. Paris: OECD, 2009. OECD-OCDE. The general economic background to the crisis. ELMESKOV, Jorgen. Paper for Session 1: How the global economy headed into crisis – At the G20 Workshop on the causes of the crisis: Key Lessons. Mumbai, 24-26 May, 2009. SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, socialismo y democracia. Madrid: Aguilar, 1971. SEN, Amartya. Capitalism beyond the crisis. The New York Review of Books, v. 56, n. 5, 26 march. 2009. ________. Sobre ética e economia. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. SMITH, Adam. Inquérito sobre a natureza e as causas da riqueza das nações. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1981. SMITH, Adam. Théorie des sentiments moraux. Paris: PUF, 1999. Relatando a eclosão da crise, assim escreveu Paul Krugman: “Em 9 de agosto (de 2007), o banco francês BNP Paribas suspendeu os saques em três de seus fundos – e assim começava a primeira grande crise financeira do século XXI. Sinto-me tentado a afirmar que essa crise não se assemelha a nada que tenhamos visto antes. Porém, eu seria mais exato se afirmasse que ela se parece com qualquer outra que já presenciamos em diferentes épocas, só que, agora, é como se todas es vessem acontecendo de uma vez, ao mesmo tempo” (A crise de 2008 e a economia da depressão. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 173). BOFF, Leonardo. Fundamentalismo: a globalização e o futuro da humanidade. Rio de Janeiro: Sextante, 2002. p. 89-90. A história da crise sob o enfoque do desenrolar econômico dos fatos pode ser vista com rara exposição didá ca no capítulo A hecatombe financeira de 2008, no livro Sob a lupa do economista de Carlos Eduardo S. Gonçalves e Mauro Rodrigues, Editora Campus Elsevier, 2009. p. 31-36. Why Banks failed the stress test, conferência realizada em 12 de fevereiro de 2009 – Marcus Evans-Conferences. G-20. Communiqué, São Paulo, 8-9 de novembro de 2008. NÓBREGA, Maílson da. Crise: como chegamos a este ponto? Veja, p. 106, 11 de março de 2009. Idem, Ibidem. p. 106. OCDE. Réponse stratégique à la crise financière et économique: contribu ons à l’effort mondial. I – Finance, Concurrence et Gouvernance. 2009.
O livro, em inglês ou francês, pode ser adquirido diretamente através do sí o www.oecd.org/bookshop. Trata-se de publicação técnica, mas de fácil leitura. É importante para melhor conhecimento e análise da crise de 2008. OECD. The financial crisis: Reform and exit strategies, Paris: OECD-OCDE, p. 9-11, 2009. BENTO XVI. Caritas in veritate, n. 21. Capitalismo, socialismo y democracia. Edição espanhola, 1971. p. 95. Ibidem. p. 472. KRUGMAN, Paul R. A crise de 2008 e a economia da depressão. Trad. André Lara Resende. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 11. KRUGMAN, Paul R. A crise de 2008 e a economia da depressão. Trad. André Lara Resende. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 14. Capitalism beyond the crisis. The New York Review of Books, v. 56, n. 5, march 26 2009. Adam Smith foi professor de filosofia, tendo escrito várias obras de caráter filosófico, que na verdade ficaram, senão esquecidas, pelo menos em segundo plano. São pouco conhecidos seus Essays on philosophical subjects e principalmente sua The theory of moral sentiments. SEN, Amartya. Ibidem. GARCIA, Frank J. The global market and human rights: Trading away the human rights principle. Brookly Journal of International Law v. XXV, n. 1, p. 53, 1999. Direito e globalização econômica: implicações e perspectivas. São Paulo: Malheiros Editores, 1996. p. 133-134. SACHWALD, Frédérique. Les défis de la mondialisation: innovation et concurrence. Paris: Masson, 1994. p. 25. JORDE, Thomas M.; TEECE, David J. Antitrust, innovation, and competitiveness. New York: Oxford University Press, 1992. p. 48. SACHWALD, Frédérique. Les défis de la mondialisation: innovation et concurrence. Paris: Masson, 1994. p. 39. Idem. p. 25. Salmo 137: Super flumina Babylonis illic sedimus et flevimus dum recordaremur Sion. Tradução: À beira dos canais de Babilônia nos sentamos, e choramos com saudades de Sião. Ver o Estatuto da Microempresa – Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006. Aliás, a preocupação com o consumidor no contexto do mercado, encontra convergência importante na Lei n. 8.078/90 – Código de Proteção ao Consumidor – que, no inciso III do ar go 4o estabelece textualmente: “A Polí ca Nacional de Relações de Consumo tem por obje vo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: ... III – harmonização dos interesses dos par cipantes das relações de consumo e compa bilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da Cons tuição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.” A Lei n. 8.884/94 focaliza também a defesa dos direitos dos consumidores como uma das condições ou como a causa final, das relações de mercado. Assim é que o ar go primeiro dessa Lei determina que ela dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica... defesa dos consumidores... E ainda, o ar go 54 faculta ao CADE autorizar atos de concentração, fixando, dentre outras condições, “que os bene cios decorrentes sejam distribuídos equita vamente entre os seus par cipantes, de um lado, e os consumidores ou usuários finais, de outro... Caritas in veritate. n. 37. BENTO XVI. Caritas in veritate, n. 34, 35 e 36. Sobre ética e economia. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 75. Théorie des sentiments moraux. Paris: Quadrige/PUF, 2003. p. 23-24. Ibidem. p. 140-142. Ibidem. p. 136. Sen, Amartya Kumar. Sobre ética e economia. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 19. Ética a Nicômaco, I.I-1.5 na tradução inglesa de Ross (1980). p. 1-7. Política, III. IX, na tradução inglesa de Barker, 1958. p. 117. Ética a Nicômaco, I.2. Idem, Ibidem. p. 22. GILMORE, Grant. The death of contract. Columbus: Ohio State University Press, 1974. p. 1. Idem, Ibidem. p. 112. Rudolf Stammler cri ca o pensamento de Marx, par ndo da formulação sucinta do pensamento deste: “Todas as aspirações humanas que surgem na História, tendendo à realização, transformação e manutenção de uma ordem jurídica existente surgem como produto empírico da atuação concreta de uma determinada vida social e de uma cooperação regulada. Toda mutação jurídica procede, quanto a seu conteúdo especial, de aspirações, desejos e impulsos empiricamente condicionados que somente podem conceber-se gene camente como produto de uma situação história concreta dentro de uma existência social humana regulada de determinado modo.” Adotando um posicionamento neokan ano, refuta o posicionamento marxista, afirmando que “a ideia desta qualidade formal de alcance absoluto que no querer social empírico pode concorrer é o ideal social. O ideal social nos oferece uma pauta de juízo empiricamente incondicionada, indispensável para dirigir e orientar todo o material que se nos apresente na experiência histórica através de ins tuições jurídicas já existentes ou daquelas a que se aspira, se é que estas ins tuições hão de
poder demonstrar-se como legí mas obje vamente” ( Economía y derecho según la concepción materialista de la historia: una investigación filosófico social. Madrid: Editorial Réus, 1929. p. 552-555). Refiro-me sempre ao conceito e mológico de “crise” como um momento de reflexão, de julgamento, de ques onamento e, por consequência, de criação. A este respeito, vale lembrar a obra de Georges Ripert, Les forces créatrices du droit, de 1955, lançada em edição fac-similar em 1994. Cours d’économie politique. 1957. L’ordre public économique. p. 58. Ibidem. p. 191-263. Droit privé de l’économie. Paris: Presses Universitaires de France, 1975. p. 57-70. Droit économique. Paris: Presses Universitaires de France, 1982. p. 5. Ibidem. p. 6. Ibidem. p. 22-31. Ibidem. p. 709-710. Ibidem. p. 398-467. Ibidem. p. 723. Este artigo foi por mim traduzido e publicado pelo Movimento Editorial da Faculdade de Direito da UFMG, em 1996. La notion de droit économique. In: Archives de Philosophie du Droit. Paris: Sirey, 1992. t. 37, p. 27. Ibidem. p. 60. Importante, relativamente à livre escolha, a leitura de Free to choose: a personal statement de Milton & Rose Friedman. FARJAT, Gerard. Pour un droit économique. Paris: PUF, 2004. Ibidem. p. 121. Ibidem. p. 146. Ibidem. p. 147. Ibidem. p. 148. Ibidem. p. 149-151. Ibidem. p. 155. Ibidem. p. 156. Ibidem. p. 157. Comentários ao novo Código Civil: Livro II – Do Direito de Empresa. p. 1. Livro Verde, n. 1. Introdução, n. 8. Livro Verde, n. 2.1. Ibidem. p. 158-159. Ibidem. p. 163. Ibidem. p. 166. Ibidem. p. 167. Pour un droit économique. Paris: PUF, 2004. p. 172. SEN, Amartya. Sobre ética e economia. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 44. Caritas in veritate, n. 21.
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