BARTHÉLEMY, Dominique. “Vassalos, senhores e santos”. In: A cavalaria. Da Germânia antiga à França do século XII . São Paulo: Unicamp, 2010, pp. 145-204.
- Sobre o autor:
Professor da Universidade de Paris IV e diretor da École des Hautes Études, Domique Barthélemy é doutor em História Medieval e, desde a década de 1980, vem desenvolvendo e publicando estudos dedicados às relações e as transformações transformações políticas e sociais observadas, observadas, Ocidente medieval cristão, na proximidade do ano mil.
Les deux âges âges de la seigneurie banale. Pouvoir et société dans la terre des sires de Coucy (milieu du xie -milieu du xiiie siècle). (1984)
Thèse d'Etat , La société dans le comté de Vendôme, Vendôme, de l'an mil au XIVe (1993)
Chevaliers et miracles: la violence et le sacré dans la société féodale (2004)
La chevalerie. De la Germanie antique à la France du xiie siècle (2007).
Nos anos iniciais de sua trajetória acadêmica acadêmica ele se dedicou à análise daquilo que historiadores denominaram "mutação do ano 1000", tentando mostrar que esta data não representava cortes cortes particulares, já que a sociedade evolui lenta e gradualmente desde o início da Idade Média: cavalaria nasceu durante o período carolíngio e a servidão começou a diminuir ao mesmo tempo. Mais adiante, analisando o papel do clero no contexto da violência feudal do século XI, Barthélemy demonstrou, em sua obra Cavaleiros e Milagres , os mecanismos pelos quais a Igreja, apesar de seu discurso apologético em defesa dos mais fracos, contribuiu, juntamente com os grandes senhores, para manter e estender sua dominação política sobre as camadas campesinas. Por fim, em seu mais recente trabalho, publicado no Brasil em 2010, o autor esboça um novo retrato da Cavalaria nos séculos XI e XII. Nesse sentido, Barthélemy demonstra como, durante os processos de formação e consolidação da sociedade feudal, as antigas tradições germânicas de fidelidade foram sendo, progressivamente, incorporadas e modificas pela Igreja, criando, assim, uma cavalaria disciplinada às ordens de Deus, menos empenhada em suas virtudes e mais vinculada aos títulos e posses. Inspirado em estudos antropológicos, A Cavalaria nos permite identificar, nos registros da violência medieval, instrumentos que atuam em seu controle e mecanismos de recomposição social aos quais nossos olhares não haviam sido sensíveis até há pouco. Dessa forma, sem negar que se trate de uma sociedade submetida aos imperativos de um grupo que enaltece a violência guerreira, Barthélemy nos mostra que essa era menos praticada e menos sangrenta do que se supôs, revelando a presença de mecanismos coerentes e eficazes de instituição e coesão social.
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- O contexto geral da obra e suas proposições historiográficas:
“A visão clássica da cavalaria, saída da própria Idade Média, oculta ou mistura muitas coisas. Por exemplo, ela ocultou as ligações entre cavalaria e senhorio [patrimônio fundiário] e misturou formas diversas de justiça. As sociedades, suas elites, têm interesse em evitar certas questões e em confundir outras. Cabe ao historiador através da crítica ir além desses artifícios! O principal problema é que foram incorporados à cavalaria, por exemplo, por meio das injunções dos novos adubados [aristocratas que já receberam cerimoniosamente suas armas], elementos contraditórios. O cavaleiro devia ser antes de mais nada um soldado disciplinado, pronto para a morte e o sacrifício de sua vida, em uma guerra justa? Ou era um nobre narcisista, cioso em obter por meio de sua elegância a estima de seu adversário e do público – notadamente feminino – , em
combates frívolos, em jogos como os torneios? ”. “Na Germânia descrita por Tácito [historiador romano que viveu entre 55 e 120], ou por ele idealizada em uma espécie de ficção literária, os jovens guerreiros nobres, ao se engajaram no
comitatus [grupo de conquista e convivência em torno de um senhor guerreiro], têm desejo de honra e de ganho que nos leva a pensar nas futuras casas principescas da França feudal [aproximadamente séculos XI a XIII]. Para ambos os grupos, a palavra de ordem se mantém inspirar no adversário e na opinião pública uma admiração misturada a medo, e realizar combates
mortais: a “germanidade”, no sentido moral e social – jamais no sentido racial – , consiste em um comportamento indômito. Este ainda impregna um pouco o mundo carolíngio [região sob dominação franca entre os séculos V-X], mas então começa a se operar uma valorização da
clemência nas guerras civis. E são as guerras civis “feudais” da França do século XI, que constituem o ambiente propício para a invenção da cavalaria clássica com seus adubamentos e torneios. Os ideais e as práticas dessa cavalaria clássica vêm ao mesmo tempo se opor e se
sobrepor àqueles da “germanidade” mitigada que também sobrevivem na guerra feudal”. - Principais aspectos do texto: pg. 145: “a expressão ‘sociedade feudal’ não é, portanto, enganadora: ela peca apenas, como qualquer rótulo, pelo excesso de esquematismo; ela erra ao excluir os laços de parentesco, as classes, o papel do cristianismo, a continuidade carolíngia, mas permanece uma referência útil ”. pg. 146: “[Duby] a via menos tumultuada do menos bárbara, menos rude, menos em ruptura
que se afirmou. Por meu lado, eu acrescentaria: com os valores e a sociedade carolíngia”.
“anarquia ordenada”.
pg. 146: Fontes: cartas e crônicas de monges e clérigos; anais, hagiografias e numerosos escritos sobre santos e milagres. pg. 147: “Não é uma revolução feudal que se produz na Francia ocidental entre 877 e 888, mas apenas uma mutação feudal, que não faz desaparecer nem a elite nem os valores do mundo
carolíngio, mas os adapta e os faz evoluir”. 2
processo de fragmentação política e territorial do Império Carolíngio, marcado pelo crescente poder dos condes e pela proliferação de castelos e fortificações que, segundo o autor, serviriam para as guerras de vizinhança [...]
pg. 148: “Pressionados pelos monges, cluniacenses ou outros, que reivindicavam o respeito as suas propriedades e privilégios, os príncipes inicialmente os reconhecem, mas depois os obrigam a reduzi-los. Daí a insatisfação desses monges, as preces a Deus e aos santos para amaldiçoarem os espoliadores e os tiranos, para que os matem por meio da vingança milagrosa.
Expansão do poder local (senhorial) e os conflitos com a Igreja. Ordem de Cluny: obediência direta ao Papa, opondo-se, assim, ao poder senhorial.
pg. 149: “As sugestões da antropologia permitem melhor notar [...]. A França e a Aquitânia póscarolíngias se distinguem da Gália de Gregório de Tours ( Historia Francorum - séc. VI) por três
traços notáveis”: 1. Frequência na captura de nobres: “não é mais o caso de denunciá -los a um rei para a instalação de um processo por traição”; 2. As mulheres nobres recebem um lugar de destaque inédito; 3. Ideal de fidelidade vassálica de ressonância cristã. pg. 150: “Sem dúvida os velhos historiadores esquematizaram demais a sociedade feudal, supondo que todas as formas de lealdade dos nobres estavam fundadas sobre a homenagem de
mãos e, aquela dos camponeses, sobre a servidão”
Formas distintas de vassalagem: “a homenagem de mãos oferece a todos que a prestam, mesmo aos cavaleiros mais medíocres, um rito que permite distingui-los da condição servil, ou seja, aquilo que é necessário para evitar que sejam confundidos com os servos
ministeriais”. pg. 151: Suserania e Vassalagem: “as transações desse tipo se apoiam sobre a ideia de que o senhor dá alguma coisa (uma terra, um castelo [em suma, um benefício] e, em troca, ele tem sobre
essa doação um direito de controle e serviço do vassalo”.
Incorporação e modificação da tradição germânica : “Tais senhores e vassalos não são, portanto, de forma alguma, como o chefe e seus companheiros da Germânia antiga [comitatus]. Sua principal preocupação não é serem os melhores guerreiros, reconhecidos
por seu heroísmo [...] eles se ocupam muito mais em ter o máximo de terras e castelos”. Cavalaria Feudal: “os feudais são, nesse sentido, um establishment , com muito mais propriedades que virtudes, mais prudência que ousadia, mais astúcia que coragem, mais
cálculo que elegância”. pg. 152: O aumento das guerras internas: “diante disso, não podemos nos surpreender com a possibilidade, ou a frequência, de guerras entre um senhor e seu vassalo, ou, mais ainda, entre
vassalos de um mesmo senhores”.
“Essas guerras são justificadas pelo auxilio a um vassalo lesado ou a uma igreja oprimida, cujo ato principal consiste em fazer cerco a um castelo, pilhar os camponeses, realizar
bloqueios, tomando o castelo após um tratado “cavalheiresco”. pg. 153: “Não se deve, portanto, dramatizar a proliferação das fortificações rurais secundárias ao longo da primeira idade feudal. Isso não é necessariamente o sinal de uma escalada das violências. Essa proliferação ilustra muito mais sua diluição, sua marginalização. (???)
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Lendas de heróis e histórias de traidores
pg. 154: Estabelecimento, na Idade Média, de diferentes modelos de heroísmo, santidade, etc.
Análise, a partir de narrativas de traição e heroísmo, de exemplos das dinâmicas hierárquicas existentes entre a nobreza feudal.
pg. 156: Batalha de Montpensier: conflito extremamente sangrento que, segundo o autor, é um evento propício para a emergência de um herói lendário.
Atos de bravura e heroísmo recompensados com benefícios feudais : “Ele [o rei] lhe dá o castelo de Blois, cujo castelão havia sido morto na guerra. Ignon se casa com a viúva do
castelão, como dom real”. Dupla acepção do termo vassalidade: absoluto (valente); relativo (vassalo). “Guerreiros nobres são necessários para manter um honor , reger um senhorio”.
pg. 157: Laços matrimoniais: “tais direitos [feudais] numa sociedade de guerreiros mulher a se colo car em busca de um ‘protetor’, ou a deixar que lhe seja dado um”.
obriga a
Heroísmo, casamento ou traição: formas de ascensão social na nobreza.
Pg. 158: “O ideal parece ser, de fato, que o homem suba em mérito e se veja elevado por um casamento um pouco superior a seu nível: conquista-se uma mulher elevando-se em direção a ela, enquanto um casamento com alguém de nível inferior consagraria uma nobreza degenerada por um déficit de vassalagem”, pg. 159: “Belos discursos sobre o ideal vassálico” (séc. X): discurso x prática pg. 160: Mutação cavaleiresca : “as histórias de combate singular fazem grande sucesso sem que se trate de um julgamento de Deus, mas de proeza. Vemos, aqui, empolgar-se e agir pela glória um tipo de vassalo muito diferente daquele da sociedade de senhores prudentes, conciliadores e
benevolentes”.
Combate singular : “o chefe é um rei sagrado que não se arrisca na linha de frente”
pg. 163: Elevação de um “medíocre” pela traição.
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