que padece a alma, por estar ainda impura, é imensa, quando deveras tal divina luz a investe. Quando, de fato, a pura luz investe a alma, a fim de lhe expulsar a impureza, sente-se tão impura e miserável, que Deus lhe parece estar contra ela, e ela contra Deus. Donde, tanto é o sentimento e penar da alma, imaginando-se então rejeitada por Deus, que Job considerava como um dos maiores trabalhos estar posto por Deus neste exercício, e assim o exprimia: “Porque me hás posto contrário a ti, e sou grave e pesado a mim mesmo?” (Job 7, 20). Vendo aqui a alma claramente, por meio desta pura luz, — embora nas trevas, — sua própria impureza, conhece com evidência que não é digna de Deus nem de criatura alguma. Aumenta-se-lhe a aflição ao pensar que jamais o será, e que já se acabaram os seus bens. Esta impressão provém da imersão profunda de sua mente no conhecimento e sentimento de seus males e misérias. Todos eles lhe são postos diante dos olhos, por esta divina e obscura luz, dando-lhe a consciência clara de que em si mesma jamais poderá ter outra coisa. Podemos entender neste sentido aquela palavra de David que diz: “Pela iniquidade corrigiste ao homem, e fizeste com que a sua alma se desfizesse como a aranha” (SI 38, 12). 6. Em segundo lugar, sofre a alma por causa de sua fraqueza natural, moral e espiritual; quando esta divina contemplação a investe com alguma força, a fim de fortalecê-la e domá-la, de tal maneira a faz sofrer em sua fraqueza, que por um pouco desfalecerá, — o que particularmente se verifica algumas vezes, quando investe com força um pouco maior. Então o sentido e o espírito, como se estivessem debaixo de imensa e obscura carga, penam e agonizam tanto, que a alma tomaria por alívio e favor a morte. Ao experimentar Job esta pena, dizia: “Não quero que contenda comigo com muita fortaleza, nem que me oprima com o peso de sua grandeza” (Job 23, 6). 7. Sob a força desta operação e peso, sente-se a alma tão longe de ser favorecida, a ponto de lhe parecer que aquilo mesmo que antes a ajudava, se acabou com o demais, e não há quem se compadeça dela. A este propósito disse também Job: “Compadecei-vos de mim, compadecei-vos de mim, ao menos vós, meus amigos, porque a mão do Senhor me tocou” (Job 19, 21). Causa grande espanto e lástima ser tanta a fraqueza e impureza da alma, que, embora a mão de Deus seja por si mesma tão branda e suave, a própria alma a sinta agora tão pesada e contrária; ora, esta mão divina não pesa nem faz carga, mas apenas toca, e isto o faz misericordiosamente, com o fim de conceder graças à alma, e não de castigá-la.
[1] Citação aproximada. O texto diz: “As nuvens se desfizeram”.
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